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1 Plano de Aula de Microbiologia- Caso 7: ERM Beatriz Macacari – 341820563 Objetivos de aprendizagem: 1) Descrever o gênero Staphylococcus e diferenciar as espécies S. aureus e S. epidermidis. 2) Investigar os fatores de virulência das espécies S. aureus e S. epidermidis. 3) Compreender os mecanismos de resistência dos estafilococos aos antibióticos. 4) Compreender o teste de sensibilidade das bactérias aos antibióticos – antibiograma. Resolução: 1) Descrever o gênero Staphylococcus e diferenciar as espécies S. aureus e S. epidermidis. Os estafilococos são cocos Gram-positivos que apresentam resistência a uma ampla gama de condições ambientais, podendo sobreviver em ambientes secos, com pH mínimo de 4.2, máximo de 9.3, e as temperaturas mínima de 6 e máxima de 48ºC. Toleram ainda altas concentrações de cloreto de sódio. São anaeróbios facultativos, não fastidiosos, não móveis, e quando cultivados em meio sólido tendem a se agrupar em cachos que podem ser evidenciados por microscopia óptica através de uma coloração de Gram. Os cocos Gram-positivos da família Staphylococcaceae (que inclui o gênero Staphylococcus) podem ser distinguidos na rotina laboratorial através da prova da catalase, que consiste na pesquisa da presença desta enzima que catalisa a quebra de peróxido de hidrogênio em água e oxigênio molecular, esse último sendo detectado na prova pela produção de uma fase gasosa sob forma de efervescência. STAPHYLOCOCCUS AUREUS Staphylococcus aureus é uma das espécies bacterianas mais estudadas pela ciência. O sequenciamento de vários genomas de S. aureus tem mostrado que a plasticidade genômica da espécie é notável, e que grupos de linhagens possuem diferentes graus de virulência e resistência a antibióticos. A capacidade dessa espécie em albergar genes oriundos de outras espécies de forma estável confere-lhe a resiliência que fomenta o seu sucesso. Identificação laboratorial A identificação laboratorial de S. aureus é relativamente simples quando comparada a identificação específica de outros patógenos porque envolve apenas três provas, caso o isolado tenha sido obtido de material humano. A identificação conclusiva de S. aureus a partir de amostras ambientais, no entanto, envolve a distinção entre Staphylococcus e outros gêneros catalase positivos, o que deve ser feito com uma prova de sensibilidade à bacitracina. Como infecções por cocos Gram-positivos, catalase positivos por outros gêneros que não sejam Staphylococcus são extremamente raras, na clínica, presume-se que isolados de cocos Gram-positivos catalase positivos pertençam ao gênero Staphylococcus. A distinção de S. aureus de outras espécies pertencentes ao mesmo gênero pode ser feita também de forma presuntiva caso o isolado tenha sido obtido a partir de amostras humanas, já que essa é a única espécie de Staphylococcus produtor de coagulase comumente isolada de humanos. A prova da DNAse, que envolve avaliação da produção de nucleases capazes de digerir DNA in vitro, em meio específico contendo DNA, pode também ser realizada em paralelo ou em substituição à prova da catalase. A única espécie de Staphylococcus isolada de amostra humana que apresenta um teste de DNAse positiva é S. aureus. Amostras oriundas de animais não humanos necessitam provas de fermentação de trealose e maltose, que são ambas positivas apenas para S. aureus, quando a identificação conclusiva da espécie é necessária. STAPHYLOCOCCUS EPIDERMIDIS Estafilococos coagulase-negativos. Diferem de Staphylococcus aureus e das demais espécies coagulase-positivas do gênero em muitos aspectos, não só pela ausência da enzima coagulase. Essa denominação específica atribuída ao grupo se deve à importância da pesquisa dessa enzima na prática clínica. São bactérias que constituem a microbiota 2 da pele e de membranas mucosas de humanos e de outras espécies animais. Geralmente estabelecem uma relação simbiótica com seus hospedeiros, mas podem desencadear processos infecciosos ao invadir o tecido colonizado. Em ambientes hospitalares, esse processo normalmente ocorre por meio da inoculação de agulhas, cateteres e outros dispositivos médicos. Staphylococcus epidermidis é a espécie do grupo de SCoN encontrada com maior frequência na microbiota epitelial humana. Considerada por muito tempo uma espécie comensal é agora vista como um importante patógeno oportunista responsável por infecções nosocomiais associadas a dispositivos médicos de longa permanência. O aumento do uso de aparelhos protéticos e também do número de pacientes imunocomprometidos são fatores que vem favorecendo a patogenicidade de S. epidermidis em ambientes hospitalares. Atualmente, a espécie é a principal causa de bacteremia primária e a terceira causa de infecções nosocomiais. O estabelecimento de S. epidermidis em hospitais e demais instituições de saúde se deve basicamente ao fato de a espécie ter a pele humana como nicho natural e à sua habilidade de aderir a materiais biológicos e formar biofilmes. 2) Investigar os fatores de virulência das espécies S. aureus e S. epidermidis. FATORES DE VIRULÊNCIA S. AUREUS Cápsula Praticamente todos os isolados de S. aureus produzem uma cápsula de natureza polissacarídica que engloba a célula. Essa cápsula inibe a fagocitose da célula pelo sistema imune do hospedeiro e é sintetizada por um cluster de genes que varia de cepa para cepa. O cluster codifica a expressão de um de onze tipos diferentes de cápsula polissacarídica, todas compostas de polímeros de ácidos hexosaminurônicos com uma sequência característica para cada tipo. Proteínas de superfície Uma série de proteínas transmembrânicas, encrustadas na parede celular de S. aureus, ficam voltadas ao meio externo e possibilitam a interação da célula com diferentes substratos e com tecido de um hospedeiro, de forma que algumas possam funcionar como adesinas. Adesinas que se ligam a substratos da matriz extracelular de hospedeiros são denominadas de MSCRAMMs, do inglês Microbial Surface Components Recognizing Adhesive Matrix Molecules. Esses Componentes de Superfície Microbiana que Reconhecem Moléculas da Matriz extracelular do tecido dos hospedeiros medeiam à adesão da célula a esses compostos, assim ancorando a célula a um sítio específico do hospedeiro, o que dificulta a sua remoção com o fluxo de fluidos biológicos ou outros meios físicos. A presença de proteína ligadora de colágeno (CNA) correlaciona-se mais fortemente com infecções de tecidos duros (osteomielite e artrite séptica) do que com infecções de tecidos moles, apesar de poder estar presente em cepas isoladas desse último tipo de infecção. A proteína ligadora de fibrinogênio (Clf), também chamada de Clumping Factor, liga-se ao fibrinogênio. O fibrinogênio é encontrado em alta concentração no plasma e prontamente recobre corpos estranhos inseridos em tecidos biológicos, como próteses e cateteres, e S. aureus pode, portanto, usar o fibrinogênio que recobre esses materiais como alvos, assim conseguindo se aderir a esse material inanimado. A fibronectina é outra molécula da matriz extracelular que ocorre de maneira ubíqua em tecidos e fluidos, e é alvo de proteínas ligadoras de fibronectina (FnBPs). Uma adesina de S. aureus que não é uma MSCRAMM é a proteína A estafilocócica (SpA), que, apesar de ser adesina, participa da evasão da resposta imune ao ligar-se aos receptores Fc de imunoglobulinas de classe IgG. Como a porção Fc das IgGs ficam então ligadas à SpA, isso dificulta o reconhecimento desse receptor das imunoglobulinas por células do sistema imune do hospedeiro, assim dificultando os processos de opsonização e fagocitose na resposta imune contra S. aureus. Enzimas extracelulares A produção de enzimas pela célula bacteriana, que então são secretadas ao meio externo, e que vão agir em substratos extracelulares de forma a conferir vantagem nutricional e reprodutiva à bactéria,faz parte da estratégia de S. aureus no processo de infecção de um hospedeiro. Dentre o gênero Staphylococcus, S. aureus é uma das espécies que produz 3 grande quantidade dessas enzimas extracelulares, muitas das quais são denominadas invasinas, por mediarem o processo de penetração da célula bacteriana em camadas mais profundas do hospedeiro. A maior parte das invasinas são enzimas líticas, já que catalisam a quebra de moléculas complexas do hospedeiro, de forma a degradar o tecido do hospedeiro, providenciando, assim, uma solução de continuidade das barreiras físicas do hospedeiro e a possibilidade da bactéria atingir camadas mais profundas. Um efeito colateral dessa degradação é a geração de oligo-compostos, como peptídeos, aminoácidos, ácidos graxos e nucleotídeos, que então podem servir de material nutriente para a célula bacteriana, que assim evita a necessidade de sintetizar esses compostos. Além de proteases, S. aureus também produz nucleases, com ação catalítica sobre ácidos nucléicos. A nuclease termoestável (TNase) tem ação como endonuclease (cliva ácidos nucléicos) e exonuclease ( digere ácidos nucléicos a partir de suas extremidades), e age ainda sobre DNA e RNA, além de ser termo-estável. As lipases de S. aureus degradam triacilglicerois e fosfolipideos que compõem células do hospedeiro. Hialuronidases degradam ácido hialurônico, parte da matriz extracelular dos tecidos conjuntivo e epitelial. A enzima catalase detoxifica o peróxido de hidrogênio, uma espécie reativa de oxigênio produzida pelo burst respiratório de células do sistema imune do hospedeiro, decompondo-o em água e oxigênio molecular, servindo, assim, de fator para a evasão da resposta imune. A enzima coagulase, codificada pelo gene coa em S. aureus, promove a coagulação do plasma e fluidos ricos em fibrinogênio, sem a ativação da cascata de coagulação fisiológica. A última etapa da cascata de coagulação é a polimerização de fibrinogênio (solúvel) em fibrina (insolúvel), catalisada pela trombina. A trombina, por sua vez, circula normalmente no sangue na forma do precursor inativo - protrombina. A coagulase produzida por S. aureus reage com a protrombina, formando um complexo chamado esfafilotrombina, que, por sua vez, tem a capacidade de transformar fibrinogênio em fibrina, assim formando um coágulo nas imediações das células estafilocócicas. Esse mecanismo de patogenicidade é essencial para a formação de abscessos, que podem ser considerados processos “metastáticos” em que após invasão das células bacterianas há a adesão e colonização em sítios profundos do hospedeiro com crescimento do inóculo semeado localmente em um abscesso. No início do processo de crescimento do abscesso, a formação de um coágulo no entorno das células bacterianas dificulta o acesso de células do sistema imune do hospedeiro para combater a infecção, assim permitindo o crescimento bacteriano localizado. Toxinas citolíticas Uma classe de fatores de virulência de S. aureus são toxinas citolíticas. Essas proteínas causam a formação de poros na membrana citoplasmática de células do hospedeiro, com o consequente extravasamento do conteúdo dessas células e da morte celular. Essas toxinas citolíticas são dirigidas a células do sangue do hospedeiro, algumas direcionadas a hemácias (eritrolisinas) e outras a leucócitos (leucotoxinas). Infecções adquiridas na comunidade com cepas resistentes à meticilina de Staphylococcus aureus (MRSA) têm um curso clínico mais agressivo e envolvem principalmente a pele e os pulmões. Estas infecções aparecem como surtos entre presos, desportistas, homens que fazem sexo com homens e militares. A maior agressividade destas estirpes é devido à produção de várias toxinas , principalmente a leucocidine de Panton-Valentine . Embora a detecção somente do gene que codifica para essa toxina não seja uma característica distintiva destas estirpes. As citotoxinas com ação sobre hemácias em S. aureus incluem a alfa-hemolisina, cujo monômero polimeriza a heptâmeros na membrana plasmática de hemácias, as lisando. A beta-hemolisina tem um mecanismo de ação hemolítica distinto, sendo uma esfingomielinase que hidrolisa a esfingomielina, um fosfolipídeo componente da membrana plasmática, cujo enfraquecimento leva ao rompimento da célula. A delta-hemolisina tem a ação mais fraca entre as hemolisinas de S. aureus, e um mecanismo de ação ainda não definido. Regulação da expressão gênica e quorum sensing O sucesso de S. aureus de prevalecer em diversas condições ambientais e em diferentes contextos clínicos se dá, em parte, à sua capacidade de expressar diferentes genes em diferentes condições e em diferentes fases de crescimento. Os fatores de virulência de S. aureus podem ser vistos como genes acessórios, uma vez que não são estritamente essenciais para a reprodução e metabolismo da célula bacteriana, mas fomentam vantagem seletiva à espécie por possibilitar o crescimento num contexto de infecção, assim parasitando o hospedeiro. A instalação de uma infecção envolve, após colonização e adesão, a invasão de tecidos e/ou células, a evasão da resposta imune e a toxigênese, etapas que ocorrem nessa ordem. A coordenação temporal da expressão dos fatores de virulência necessários para a 4 instalação de uma infecção é feita através de sistemas reguladores com ação sobre os genes que codificam esses fatores de virulência. Dentre os vários sistemas de regulação da expressão gênica em S. aureus, e o mais bem estudado e que tem um papel maior sobre a expressão de virulência na espécie é o sistema agr (Accessory Gene Regulator). Esse sistema tem um papel de quorum sensing, ou seja, de detecção, por parte de uma célula individual, da concentração de outras células bacterianas iguais em seu entorno. O funcionamento do sistema agr resulta na capacidade de célula em expressar diferencialmente determinados genes de virulência de acordo com a fase de crescimento populacional. Cepas com deleções funcionais do sistema agr são menos virulentas e são associadas a infecções crônicas, sendo a minoria dos isolados clínicos de S. aureus. FATORES DE VIRULÊNCIA DE STAPHYLOCOCCUS EPIDERMIDIS Um menor potencial de virulência sempre foi atribuído a S. epidermidis quando comparado a S. aureus. No entanto, essa espécie do grupo de SCoN também possui elementos de defesa que permitem sua evasão do sistema imune do hospedeiro assim como algumas toxinas que auxiliam no processo invasivo. Exopolímeros O exopolímero PGA (poly-γ-glutamic acid), por exemplo, é considerado um fator de virulência produzido por S. epidermidis e por outras espécies de SCoN, mas não por S. aureus. Esse polímero tem um importante papel contra a resposta imune inata do hospedeiro, evitando a fagocitose por neutrófilos e interações com peptídeos antimicrobianos conhecidos como AMPs (cationic antimicrobial peptides). PGA também promove o crescimento de S. epidermidis a altas concentrações de sal, sendo, dessa forma, um fator determinante na fase de colonização. Outro exopolímero de S. epidermidis que atua contra a resposta imune inata do hospedeiro é PNAG (poly- -N- acetylglucosamine). Embora seja mais conhecido por seu envolvimento com a produção de biofilme, PNAG também atua no processo de defesa contra neutrófilos, complemento, imunoglobulinas e AMPs. Lipoproteínas e Ácidos Lipoteicoicos Algumas estruturas presentes na superfície celular de bactérias Gram-positivas, como lipoproteínas e ácidos lipoteicoicos, podem ser reconhecidas pelo sistema imune estimulando a resposta inata do hospedeiro. S. epidermidis possui essas estruturas, também conhecidas como PAMPs (pathogen-associated molecular patterns), que estimulam a fagocitose e a liberação de citocinas. Por outro lado, S. epidermidis tem a habilidade de perceber a produção de moléculas prejudiciais ao seu desenvolvimento por meio de um sistema denominado Aps. Esse sistema é ativado pordiferentes AMPs produzidas pelo hospedeiro e estimula a regulação de uma resposta defensiva contra esses peptídeos antimicrobianos. Os mecanismos envolvidos com a resposta imune adquirida do hospedeiro devido a infecções causadas por S. epidermidis ainda são pouco compreendidos. Embora ocorra a produção de anticorpos contra algumas proteínas de S. epidermidis, esse processo de defesa parece não ser tão eficiente. A produção dos exopolímeros que protegem as células do reconhecimento dos anticorpos ou, ainda, o fato de o sistema imune humano desenvolver uma resposta menos agressiva a bactérias comensais prevalentes são algumas das hipóteses sugeridas por pesquisadores para explicar a pouca eficiência do sistema imune do hospedeiro. Elementos relacionados à adaptação ao ambiente Staphylococcus epidermidis é uma bactéria bem adaptada a diferentes condições ambientais e isso se deve à presença de alguns elementos no genoma dessa espécie. Cepas portadoras da serina protease Esp, por exemplo, têm maior habilidade para inibir a colonização nasal e a formação de biofilme por S. aureus, sendo, portanto, favorecidas no processo de colonização de determinados nichos. Outro elemento que parece estar envolvido com a adaptação da espécie é conhecido como ACME (Arginine Catabolic Mobile Element). Esse elemento genético móvel é identificado na maioria das cepas de S. epidermidis e vem sendo associado a uma maior habilidade de colonizar a pele e membranas mucosas. Biofilme e Fatores de Regulação A produção de biofilmes - aglomerados multicelulares aderidos a superfícies - é o processo mais importante associado à virulência de S. epidermidis. A formação de um biofilme por S. epidermidis é caracterizada por algumas etapas específicas. 5 A etapa inicial consiste na colonização de superfícies abióticas por S. epidermidis e interações entre as células bacterianas. Superfícies de cateteres, por exemplo, ou de outros dispositivos médicos são recobertas por proteínas da matriz extracelular logo após tais dispositivos serem introduzidos no organismo humano. S. epidermidis, assim como S. aureus, possui um conjunto de proteínas de superfície denominadas MSCrAMMs (microbial surface components recognizing adhesive matrix molecules) que interagem com determinadas proteínas dessa matriz. Essas interações podem ocorrer com maior especificidade, como é o caso da interação da proteína SdrG (também conhecida como Fbe) com o fibrinogênio e o da proteína SdrF com o colágeno ou, de forma menos específica, como é o caso das autolisinas Atle e Aae que se ligam tanto ao fibrinogênio como à fibronectina. O envolvimento de uma protease denominada ClpP com a aderência de S. epidermidis a superfícies abióticas também tem sido proposto por alguns pesquisadores. Nessa fase inicial, também são formados os canais que distribuem nutrientes a todas às células do biofilme, promovendo o crescimento desse aglomerado de células. A fase de adesão é seguida por um processo de agregação intercelular. Nesse momento, diferentes macromoléculas da superfície de S. epidermidis, algumas proteínas, exopolissacarídeos e até mesmo os ácidos teicóicos parecem estar envolvidos com a formação da matriz extracelular do biofilme. O polímero PNAG mencionado anteriormente, também conhecido como PIA (polysaccharide intercellular adhesin), ao ser produzido por cepas de S. epidermidis envolve e promove a interação das células bacterianas. A síntese desse polímero é feita pelos produtos dos genes do operon icaA DBC (intercellular adhesion) e está, entre outros fatores, sob a regulação de sistemas reguladores globais. Esse polímero não é o único meio que S. epidermidis dispõe para formar biofilmes. Cepas de S. epidermidis que não possuem o operon ica utilizam as proteínas de superfície Bap e Aap nesse processo. Por fim, ocorre a etapa de rompimento do biofilme, que além de limitar sua expansão promove a disseminação da infecção devido ao desprendimento de grupos de células bacterianas. Ao contrário das etapas iniciais de aderência e agregação intercelular, a fase de rompimento parece estar sob a regulação do sistema regulador Agr-quorum sensing. Toxinas Diferente de S. aureus, S. epidermidis não possui, até onde se sabe, uma ampla variedade de toxinas. Nessa espécie de SCoN, a produção de toxinas praticamente limita-se a pequenos peptídeos com funções citolíticas, conhecidos como PSM (phenol-soluble modulin). Essas citolisinas pré-inflamatórias exercem uma atividade antimicrobiana contra outras espécies de bactérias, incluindo S. aureus, o que favorece a prevalência de S. epidermidis no processo de colonização da pele. A δ-toxina (PSMγ) produzida por S. epidermidis tem sido associada a casos de enterocolite necrotizante em neonatos. 3) Compreender os mecanismos de resistência dos estafilococos aos antibióticos. S. aureus conseguiu adquirir resistência a praticamente todos os antibióticos já desenvolvidos, e essa característica de ter populações estáveis resistentes a antibióticos com alta prevalência no meio ambiente é um sério motivo de preocupação, já que compromete a eficácia da utilização de antibióticos contra infecções estafilocócicas a um longo prazo. Diferentes linhagens apresentam diferentes perfis de resistência aos antibióticos disponíveis no mercado, no entanto, há uma desconcertante alta prevalência de cepas que apresentam resistência a múltiplos antibióticos, e cujas opções terapêuticas sejam muito restritas. Produção de beta-lactamases A resistência à penicilina então detectada em S. aureus era devida à produção de beta-lactamases pela bactéria, que secretadas ao meio externo promovem a hidrólise do grupo farmacofórico dos antibióticos beta-lactâmicos, o anel beta-lactâmico. S. aureus pode produzir quatro tipos de beta-lactamase, denominadas A, B, C e D, que podem ser produzidas concomitantemente por uma única cepa. As quatro beta-lactamases têm ação hidrolítica sobre penicilina G e aminopenicilinas (amoxicilina, ampicilina), sendo que as beta-lactamases B, C e D têm maior ação sobre cefalosporinas de primeira geração e a beta-lactamase A tem uma maior ação sobre cefalosporinas de segunda geração. As beta-lactamases produzidas por S. aureus, podem, todavia, ser bloqueadas por um inibidor de beta- lactamase tal como ácido clavulânico e sulbactam. 6 A detecção laboratorial da produção de beta-lactamases em S. aureus pode ser feita no laboratório através de um simples antibiograma por disco-difusão (técnica de KirbyBauer). Para tal, utiliza-se um disco de uma aminopenicilina (ampicilina ou amoxicilina) e outro com o mesmo antibiótico adicionado de um inibidor de beta-lactamase (ampicilina- -sulbactam ou amoxicilina-ácido clavulânico). Determina-se que a resistência a beta lactâmicos é devida à produção de beta-lactamase quando há resistência ao beta-lactâmico sozinho, e sensibilidade ao beta-lactâmico adicionado de inibidor de beta-lactamase. Contudo, como veremos a seguir, a resistência a beta-lactâmicos em S. aureus não é exclusivamente causada pela ação de beta-lactamases. Resistência à meticilina Como a meticilina não é degradada pelas beta-lactamases, a resistência a este agente antimicrobiano era devido a outro mecanismo. Esse mecanismo leva à resistência não só à meticilina, mas a todos os antibióticos beta-lactâmicos (com a exceção dos mais recentes, como o ceftobiprole). A meticilina não é mais utilizada na clínica como antibiótico, pois apresenta toxicidade ao hospedeiro. Todavia, o acrônimo MRSA é utilizado para denominar S. aureus com este tipo de resistência aos beta-lactâmicos. Todos os antibióticos beta-lactâmicos inibem a síntese da parede celular de bactérias através do impedimento de enzimas que catalizam a transpeptidação do peptidoglicano. Estas enzimas são chamadas de proteínas ligadoras de penicilina (PBPs – penicillin binding proteins). Com a estrutura incompletado peptidoglicano, a parede celular da bactéria é enfraquecida e a célula morre. Os antibióticos beta-lactâmicos agem como falsos substratos para as PBPs, pois se assemelham ao resíduo alanil-alanina do pentapeptídeo ligado à cadeia heteropolimérica de ácido N-acetil- murâmico (NAM) e N-acetil-glicosamina (NAG). S. aureus expressa quatro tipos de PBPs, denominadas de PBP1, PBP2, PBP3 e PBP4. MRSA expressa uma forma alternativa da PBP2, que em sua forma alternativa é chamada de PBP2a. A PBP2a consegue fazer a transpeptidação das cadeias heteropoliméricas de NAG-NAM, todavia tem uma baixa afinidade pelos beta-lactâmicos e portanto o processo de transpeptidação na parede celular continua mesmo na presença destes antibióticos. Assim, a expressão de PBP2a no lugar de PBP2 leva à resistência a todos os antibióticos beta-lactâmicos de uma só vez. A PBP2a é codificada pelo gene mecA, que encontra-se presente em um elemento genético móvel que contém vários outros genes que funcionam em conjunto com o mecA. Este elemento móvel é chamado de Cassete Cromossômico Estafilocócico mec (SCCmec – Staphylococcal Cassette Chromosome mec). Em MRSA, o SCCmec encontra-se inserido no cromossoma bacteriano, perto da origem de replicação, em um sítio específico (attBscc). A arquitetura do SCCmec é composta de diferentes regiões cujas funções são diferentes. Através dos anos desde o seu surgimento, o SCCmec divergiu em onze tipos diferentes, denominados tipos I a XI, cujos tamanhos e composições são diferentes. Todos os SCCmec, todavia, possuem dois agrupamentos de genes que os caracteriza, o complexo mec e o complexo ccr. Resistência aos glicopeptídeos Assim como os beta-lactâmicos, os antibióticos glicopeptídeos inibem a formação da parede celular bacteriana através do impedimento da transpeptidação dos terminais peptídicos (pentapeptídeo e pentaglicina) do peptideoglicano, todavia, o fazem de outra forma. Ao invés de inibir as enzimas responsáveis pela transpeptidação (PBPs), a vancomicina liga-se especificamente a um dos substratos das PBPs, o resíduo D-alanil-D-alanina do pentapeptídeo. Como resultado, as PBPs não conseguem efetuar a transpeptidação do peptideoglicano, pois a vancomicina encontra- se ligada ao seu substrato. O resultado é que a síntese de peptideoglicano fica comprometida, o que leva ao enfraquecimento da parede celular, tornando a bactéria susceptível à lise. Mecanismo de Resistência de Baixo Nível à Vancomicina Os mecanismos de resistência à vancomicina que levam a uma CIM intermediária (fenótipo VISA) e a uma CIM alta (fenótipo VRSA) são diferentes. O mecanismo de resistência de baixo nível à vancomicina em S. aureus trata-se de um evento complexo e inconsistente. Os eventos genéticos que levam a um fenótipo VISA podem diferir entre cepas que apresentam esse fenótipo, e a resistência à vancomicina assemelha-se mais a uma adaptação metabólica à presença do antibiótico do que a herança de um fenótipo através de um único determinante genético bem caracterizado e constante. A mudança fisiológica que causa resistência de baixo nível à vancomicina em S. aureus é um engrossamento 7 da parede celular e consequente aumento do número de sítios de ligação D-alanil-D-alanina. Por motivos ainda não completamente elucidados, este engrossamento da camada de peptideoglicano leva à uma CIM de vancomicina maior, supostamente por esgotamento de moléculas de vancomicina no meio e/ou pelo impedimento de sua ação em camadas mais profundas da parede celular, ou ainda por outro motivo. Algumas cepas VISA ainda secretam verdadeiros pedaços de parede celular ao meio externo, o que podem funcionar como falsos alvos para a vancomicina, assim quelando-a fora da célula. O aumento na espessura da parede celular observada em todas as cepas VISA estudadas pode ser o resultado de diferentes mudanças na fisiologia da célula. É importante perceber que o processo de formação de peptideoglicano é dinâmico, em que ao mesmo tempo em que há síntese, há a atuação de enzimas que degradam o peptideoglicano formado, conferindo plasticidade à megamolécula rígida que compõe a parede celular. Assim, um acúmulo de parede celular pode ser o resultado do aumento da síntese de precursores peptideoglicanos ou da diminuição da degradação da parede celular. O engrossamento da parede celular pode ser atingido por uma determinada célula de diferentes maneiras, de forma que as mutações em genes que ocorrem em uma cepa VISA não são necessariamente as mesmas que ocorrem em outra cepa VISA. Resistência Heterogênea à Vancomicina De modo semelhante ao que ocorre com MRSA, algumas cepas VISA apresentam um perfil de resistência heterogênea à vancomicina, em que subpopulações apresentam CIM de vancomicina mais altas do que a maioria das cepas. Postula- se que todas as cepas com resistência homogênea à vancomicina foram selecionadas a partir de precursores que apresentavam uma resistência heterogênea (hetero-VISA). Staphylococcus aureus com resistência de alto nível à vancomicina (VRSA) Nestes isolados, há a expressão de um terminal diferente de D-alanil-D-alanina no pentapeptídeo no precursor do peptideoglicano, e portanto uma perda da especificidade de ligação da vancomicina ao seu alvo. No lugar de D-alanil- D-alanina, as VRSA conseguem expressar D-alanil-D-lactato. Os genes responsáveis por essa mudança de fisiologia são os que fazem parte do operon vanA, encontrado em Enterococcus sp resistente à vancomicina (VRE), indicando que houve transferência do elemento genético móvel de VRE para S. aureus. 4) Compreender o teste de sensibilidade das bactérias aos antibióticos – antibiograma. A determinação do perfil de sensibilidade das bactérias aos antimicrobianos é uma ferramenta extremamente importante tanto do ponto de vista clínico quanto epidemiológico. O sucesso no tratamento de uma infecção depende de vários fatores associados ao hospedeiro, à bactéria isolada e ao antimicrobiano utilizado, de acordo com o seguinte: • Hospedeiro: perfil imunológico e o sítio de infecção associada ao quadro clínico; • Antimicrobiano: farmacocinética (absorção, distribuição, biotransformação e excreção da droga) e farmacodinâmica (relação da concentração do fármaco com a sua atividade antimicrobiana); • Bactéria: perfil de sensibilidade e possibilidade de adquirir e expressar fatores de resistência durante o tratamento. Um ponto fundamental para estabelecer o perfil de sensibilidade de uma bactéria é determinar o valor da Concentração Inibitória Mínima da bactéria (CIM) em relação ao antimicrobiano, ou seja, a menor concentração do antimicrobiano que é capaz de inibir a sua multiplicação e estabelecer os pontos de corte (breakpoints) para interpretação dos testes de sensibilidade. Esta determinação pode ser realizada através dos testes de sensibilidade e, existem vários métodos que se dispõem para esta tarefa. Para cada método são preconizados aspectos que dizem respeito ao inóculo, meio de cultura, temperatura, tempo e atmosfera de incubação, bem como as cepas-padrão utilizadas no controle de qualidade do teste. Em cada combinação micro-organismo e droga são também estabelecidos os critérios interpretativos de acordo com o seguinte: • Sensível: o isolado é inibido quando doses usuais dos antimicrobianos são utilizadas; 8 • Intermediário: inclui isolados cuja cim possa ser atingida por níveis de antimicrobianos no sangue e nos tecidos, mas a taxa de resposta possa ser menor que para àqueles classificados como sensíveis. A categoria intermediária implica eficácia clínica em sítios aonde fisiologicamente as drogas são mais concentradas como, por exemplo, as quinolonas e beta-lactâmicos na urina, ou quando doses maiores que as usuais possam ser utilizadas (beta-lactâmicos). Esta categoria ainda inclui uma zona de classificação de incerteza aonde podem existir fatores técnicos não controlados;• Sensível dose-dependente (sdd): trata de uma categoria recentemente introduzida para interpretação do perfil de sensibilidade de bactérias. Implica que a susceptibilidade do isolado é dependente do regime terapêutico utilizado. Estas doses são superiores àquelas referendadas para classificação da categoria sensível; • Resistente: refere-se a isolados que não são inibidos por concentrações de antimicrobianos utilizados em doses habituais ou que os limites indicam a presença de um mecanismo de resistência como, por exemplo, a produção de beta-lactamases. Espera-se que os testes de sensibilidade possam detectar os principais mecanismos de resistência, porém deve-se ficar sempre atento para a detecção de novos mecanismos que possam ser descritos. Os testes de sensibilidade podem ser realizados manualmente ou de forma automatizada e assim, produzirem resultados qualitativos ou quantitativos (quando verdadeiramente determinam o valor da CIM). Disco-difusão Flexível e bem padronizado para uma série gêneros e espécies de bactérias; consiste no plaqueamento de um inóculo padronizado em um meio sólido e adição de discos de papel-filtro impregnados com concentrações pré-estabelecidas de antimicrobiano. Em geral, distribui-se até 12 discos em uma placa de 150 mm e 6 discos na placa de 100mm. Após incubação, procede-se a leitura dos halos de inibição de crescimento ao redor dos discos. Para cada combinação micro- organismo e droga se faz a interpretação da categoria (S, R, I, SDD) consultando-se as tabelas dos órgãos de padronização. A vantagem do método está na simplicidade de execução, facilidade na leitura e eliminação do uso de dispositivo automatizado para execução. Ao contrário de todos os métodos que serão descritos abaixo, produz resultados somente qualitativos. É o teste mais acessível a todos os laboratórios clínicos e desde que o controle de variáveis como espessura do ágar, armazenamento dos discos, pH do meio sejam seguidos, os resultados são aceitáveis. Uma das desvantagens do método, é que não existe padronização para todas as bactérias e todos antibacterianos.
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