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1 Fábio Luís Franco C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 FAZER PRECARIZAR: neoliberalismo autoritário e necrogovernamentalidade Fábio Luís Franco* * Universidade de São Paulo. Av. Prof. Mello Moraes, 1721. Cep: 05508-030. Cidade Universitária. São Paulo – São Paulo – Brasil. fabio.sofia@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-7295-5015 D O SS IÊ 2 https://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.44503 Neste artigo, trata-se de explorar as articulações entre necropolítica e gestão neoliberal do trabalho no Brasil. Pretende-se sustentar que o neoliberalismo autoritário opera tanto coercitivamente, valendo-se dos aparatos de segurança e de justiça, quanto a partir da gestão do sofrimento psíquico e dos processos de subjetivação. Para tanto, parte-se da compreensão de que a necropolítica neoliberal envolve, também, intervenções visando a fazer precarizar, isto é, a produzir sofrimento nos corpos por meio da administração de condições mortífe- ras, tal como fica explicito com a plataformização neoliberal do trabalho no Brasil. Por fim, o artigo introduz algumas considerações sobre os impactos dessa gestão necropolítica neoliberal da precariedade nas formas de subjetivação dos trabalhadores, lançando luz sobre a necrogovernamentalidade neoliberal enquanto ges- tão das condições de emergência da angústia. Palavras-chave: Necropolítica. Neoliberalismo. Plataformização. Trabalho. Angústia. NECROPOLÍTICA, NEOLIBERA- LISMO, AUTORITARISMO Em relação à biopolítica, a necropolítica é um conceito êxtimo, ao mesmo tempo inte- rior e exterior, familiar e estranho, próximo e distante. Tal estatuto aparentemente paradoxal da necropolítica é derivado, em primeiro lugar, do fato de que esse conceito tornou inteligível um conjunto de dispositivos de poder-saber situados nas margens do sistema produtivo global, nas regiões submetidas ao colonialismo e ao imperialismo europeu e norte-america- no, nas áreas de conflito no Oriente Médio, ao mesmo tempo que lançou luz sobre a multi- plicação de enclaves mortíferos no interior dos países capitalistas avançados (Mbembe, 2003). Em segundo lugar, a extimidade da necropo- lítica expõe as cesuras, as contradições e os limites da alegada hegemonia das tecnologias biopolíticas desde o final do século XVIII, da qual partia Foucault ao afirmar que “O poder já não conhece a morte. No sentido estrito, o poder deixa a morte de lado” (Foucault, 1997, p. 221, grifos nossos) para se ocupar preferen- cialmente da gestão da vida e da maximização da produtividade vital, tanto do indivíduo vi- vente quanto das populações. Não que a biopolítica fizesse tabula rasa das presentificações da morte no governo dos vivos. “Como exercer o poder da morte, como exercer a função da morte, num sistema polí- tico centrado no biopoder?” (Ibidem, p. 227), perguntava Foucault sintetizando o que ele considerava ser uma “antinomia central da nossa razão política” (Foucault, 2001a, p.1634). A despeito das diferenças, pode-se dizer que a solução que lhe propuseram alguns dos prin- cipais representantes da tradição biopolítica (Cf. Foucault, 1997; Agamben, 2002; Esposito, 2004) consistiu em adotar o que os juristas de- signam como “critério hierárquico”: dissolvia- -se a antinomia atribuindo ao biopoder um es- tatuto hierarquicamente superior ao poder da morte, cuja existência e funcionamento passa- vam a ser considerados subordinados às exi- gências da razão biopolítica. Ao fim e ao cabo, restaurava-se a unidade do poder da vida ao 2 FAZER PRECARIZAR: neoliberalismo autoritário... C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 mesmo tempo em que se conferia um lugar às práticas tanatopolíticas. Mas, a tanatopolítica não é a necropo- lítica. Enquanto o primeiro termo, recorrente nos teóricos da biopolítica, refere-se à função política da morte que tem lugar no governo da vida e dos vivos, a necropolítica é o que não se subordina ao biopoder – ainda que possa se interseccionar com esse –, pois faz da morte do inimigo, da destruição do seu corpo, da produ- ção do cadáver um “objetivo primário e abso- luto” (Mbembe, 2003, p.12). Nesse caso, não é mera nota de rodapé filológica explicitar que Thanaton, em grego, é a morte em sua acepção mais abstrata, ao passo que Nekron é a morte que se faz carne, cadáver. A necropolítica, portanto, é o poder da morte que se exerce sobre e por meio do corpo. Dos antigos rituais públicos de suplício no An- cien Régime aos genocídios da população pre- ta, indígena, trans no Brasil contemporâneo, a necropolítica se conjuga como poder de fazer morrer, consequência da cada vez mais pulve- rizada e repartida decisão soberana sobre o es- tado de exceção e o abandono da vida nua (Cf. Mbembe 2003; Agamben, 2012). Mas, a ne- cropolítica não se esgota nas formas passadas e presentes de exercício da soberania. Além dessas, há outras conjugações da necropolíti- ca: fazer desaparecer, torturar, expor à morte, e, também, gerir o sofrimento dos corpos por meio da administração de condições mortífe- ras, como ocorre nas chamadas guerras infra- -estruturais em que os alvos são os sistemas de abastecimento, de circulação e de saúde das populações inimigas. No cerco israelense à fai- xa de Gaza, nas intervenções norte-americanas no Iraque, na ocupação armada de territórios favelizados, a necropolítica se exerce em nome da nova palavra de ordem das guerras contem- porâneas de contra-insurgência: bomb now, die later, de forma que não é preciso matar as pessoas, basta provocar o co- lapso de suas condições de vida. E assim foi feito (e estou citando): a destruição sistemática da infra- -estrutura (eletricidade, abastecimento, água, sane- amento etc) não caracterizaria bem um bombardeio cirúrgico, mas o que um médico norte-americano chamou de ‘neurocirúrgico’: com a precisão alardea- da, as bombas inteligentes arrancaram o cérebro que permite a uma população sobreviver. As sanções, como o nome indica, fariam o resto do serviço, sem falar no rastro radioativo de bombas de urânio em- pobrecidos, na devastação ecológica etc. Já na guer- ra cosmopolita seguinte, inverteu-se o raciocínio estratégico, embora à procura do mesmo resultado: os bombardeios com grafite, por exemplo, visavam apagar o sistema elétrico da Sérvia, mas sem destruir sua infra-estrutura de base. Tanto num caso como no outro, comenta Paul Virilio, ‘a eliminação que se busca é sempre a da vida, da vitalidade energética do adversário’. Em sua opinião, o modelo de conta- minação viral e de irradiação atômica ou cibernética é patente, ‘já não se trata tanto de fazer explodir uma estrutura, mas de neutralizar a infra-estrutura do ini- migo, criando em seu meio e à sua volta a pane e o pânico pela interrupção vital de toda atividade coe- rente e coordenada’ (Arantes, 2007, p. 61-62). Sem possibilidade de circulação, sem meios de comunicação, abandonados à fome, à sede, às doenças, isolados uns dos outros, os indivíduos são reduzidos ao seu corpo e às necessidades impostas pelas exigências de so- brevivência. “Nem a vida nem a morte, mas a produção de uma sobrevivência modulável e virtualmente infinita constitui a tarefa decisi- va do biopoder em nosso tempo”, constatava Agamben (2008, p. 156) após ser conduzido pelos relatos dos sobreviventes de Auschwitz ao longo daquela zona cinzenta em que se pro- duzia “em um corpo humano a separação ab- soluta entre o ser vivo e o ser que fala, entre a zoé e o bios, o não-homem e o homem: a so- brevivência” (Ibidem, p. 156). As guerras con- temporâneas continuam a deslocar o limitar móvel da sobrevivência até encontrar o ponto de indiferenciação entre o ser vivo e o cadá- ver, a vida orgânica e os sinais que indicam a presença da morte, de forma lançar permanen- temente a sombra ameaçadora da aniquilação sobre as existências que lutam por sobreviver, o que, como veremosa seguir, é a condição fundamental para a emergência da angústia. Intervenções necropolíticas “neuroci- rúrgicas” desta natureza não são exclusividade 3 Fábio Luís Franco C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 das guerras e campanhas militares conduzidas por Estados visando à neutralização de popu- lações inimigas. Transformada em uma com- modity, a morte mobiliza uma rede de micro- -governos, que mantém entre si e com o Estado relações múltiplas e polimorfas, cujos lucros são obtidos por meio de atividades direta ou indiretamente ligadas a uma economia necro- política (Cf. Mbembe, 2012, p. 137). A explora- ção do poder da morte enriquece grupos arma- dos locais, milícias, formações paramilitares, companhias privadas de segurança, forças es- tatais de repressão, indústrias bélicas, agências funerárias particulares…e, também, empresas neoliberais. Por mais contra-intuitivo que pos- sa parecer em um primeiro momento, encon- tram-se nos manuais de gestão empresarial do trabalho algumas daquelas mesmas estratégi- cas necropolíticas de criação da pane e do pâ- nico pela destruição sistemática das condições de vida dos trabalhadores. A incorporação dessas intervenções “neurocirúrgicas” faz com que o neoliberalismo utilize uma nova forma de dominação pela ameaça da precarização (Cf. Dejours, 2007, p. 52), “precarização que não concerne apenas ao emprego, mas também a toda a condição social e existencial” (Ibidem, p. 124). Fazer precarizar se torna, portanto, a máxima que orienta a ação da necropolítica e a partir da qual se pode alcançar dimensões me- nos evidentes do neoliberalismo autoritário. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE PRECARIADO É verdade que a experiência da precari- zação é vivida diferentemente de acordo com o gênero, a raça,1 a idade, a trajetória profissio- nal do indivíduo, bem como depende do aces- so ou não às políticas sociais, das condições 1 As dimensões de gênero e racial são elementos centrais para análise dos processos de precarização e suas incidên- cias diferenciais sobre a população brasileira. No entanto, lamentavelmente, não conseguiremos aprofundar neste ar- tigo a discussão sobre tais dimensões, que serão tratadas em textos futuros. Aproveito para agradecer profundamente ao parecer que destacou a importância epistêmica da questão racial para a economia argumentativa deste trabalho. familiares e comunitárias que o rodeiam, den- tre outros fatores. Contudo, esse tipo de res- salva, ainda que legítima, pode contribuir para fortalecer ainda mais a ideologia neoliberal que esvazia a precarização do seu caráter estrutural para transformá-la em um modo de ser referido exclusivamente ao indivíduo, o qual assume a inteira responsabilidade de superá-la por meio de esforços e estratégias igualmente individu- ais. Para não reproduzir essa ideologia, é essen- cial insistir em uma abordagem da precarização que leve em conta seus aspectos estruturais, sem, com isso, negligenciar as refrações sin- gulares, histórica, geográfica e subjetivamente situadas, que incidem sobre o fenômeno. No âmbito deste artigo, o processo de precarização é compreendido como parte constitutiva do modo de produção capitalista e da mercantilização da força de trabalho (Cf. Braga, 2012). Não era outra coisa que Marx ([1867] 2013) anunciava ao expor a relação do crescimento da ocupação industrial com a aparentemente paradoxal emergência de uma população de trabalhadores excedentes em re- lação à necessidades atuais do mercado, mas dos quais se poderia dispor virtualmente. No caso do Brasil, a formação do preca- riado recua até os tempos iniciais da industria- lização fordista do país (Cf. Braga, 2012) nos anos 1950, cujo crescimento se alimentou da imigração da força de trabalho precarizada oriunda do campo, das pequenas cidades e do Nordeste, principalmente. Esses trabalhadores participaram da primeira formação do preca- riado brasileiro, que, na esteira das considera- ções de Marx sobre a “superpolução relativa” (Marx, 2013, p. 718), Braga (2012, p. 16) define como uma parcela do proletariado na qual se reúnem: 1) os trabalhadores flutuantes, inse- ridos em relações de trabalho intermitentes e submetidos à altíssima rotatividade de ocupa- ções em razão de serem semi – ou não qualifi- cados; 2) a população latente, que se localiza nas fronteiras entre as ocupações formais e in- formais, como, por exemplo, os trabalhadores rurais que chegam à indústria; 3) a população 4 FAZER PRECARIZAR: neoliberalismo autoritário... C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 estagnada, que “se reproduz de forma anormal” devido às sub-remunerações e às condições degradantes de trabalho e de existência. Em suma, precarizados são, portanto, os setores proletários mais explorados, “em permanente trânsito entre a possibilidade de exclusão so- cioeconômica e o aprofundamento da explo- ração econômica” (Ibidem, p. 17), espoliados dos direitos trabalhistas e sociais, e carentes de acesso à representação sindical ou que, na melhor das hipóteses, estão vinculados a sin- dicatos extremamente frágeis. Desse recorte, ressalva Braga (2012, p. 26), estão excluídos os setores mais qualificados do proletariado e, portanto, mais estáveis e melhor remunerados, e o lumpemproletariado, que não ocupa fun- ções essenciais para a reprodução capitalista. Enfatizar a pré-existência histórica do precariado e da precarização não significa dis- solver a particularidade dessa camada social, enfraquecendo ou até implodindo sua efetivi- dade heurística para expôr as novas contradi- ções da estrutura capitalista neoliberal.2 Se o precariado não é nem novo, nem uma classe em si mesmo, suas configurações e dinâmicas se alteraram radicalmente sob efeito das mu- tações nos modos capitalistas de produção e suas consequências sobre o proletariado. Sem entrarmos nos detalhes desse diagnóstico, in- teressa-nos apenas destacar que, no Brasil, o aprofundamento da precarização pela adoção de medidas neoliberais a partir dos anos 1990 empurrou gradativamente o precariado da in- dústria e do trabalho formal para a esfera dos serviços, onde aderiu à informalidade, à sub- contratação ou às formas de terceirização, com remunerações ainda mais baixas, maior des- proteção social e trabalhista, e intensa inse- gurança existencial, potencializada, como ví- nhamos dizendo, por medidas necropolíticas neoliberais de mercantilização territorial – que implica a gentrificação e processos de deslo- 2 Essa é a principal crítica que Giovanni Alves endereça à definição de precariado construída por Ruy Braga: https:// blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/. Para uma discussão mais aprofundada, recomendamos “Di- mensões da Precarização do Trabalho”, do mesmo Alves. camento forçado –, de destruição do sistema de assistência e saúde públicas, de redução ou desmantelamento dos benefícios sociais, pre- videnciários e laborais. De lá pra cá, a precarização do trabalho apenas se agudizou, principalmente após a reforma trabalhista, ocorrida no governo Mi- chel Temer, e a macabra associação do bolso- narismo com os efeitos da pandemia do CO- VID-19. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- tica (IBGE), referente ao trimestre encerrado em janeiro de 2021, a população ocupada no Brasil aumentou 2% em relação ao trimestre anterior, dos quais 81% corresponde às ocu- pações informais (Cf. Carneiro, 2021). Com isso, o número de trabalhadores informais no país alcançou 34.148 milhões de brasileiros, 39,7% do total da população ocupada (Car- neiro, 2021). Já o trabalho intermitente, criado pelas reformas da CLT, corresponde atualmen- te à modalidade de contratação preferida das empresas brasileiras, submetendo milhares de pessoas a jornadas de trabalho indefinidas e, consequentemente,a ganhos variáveis, o que aprofunda o sentimento de insegurança exis- tencial (Cf. Braga, 2021). Face a tal conjuntura, não obstante as ressalvas de Braga, é possível supor uma am- pliação dos precarizados no sentido de abarcar alguns setores pauperizados, particularmente aqueles que Marx (2013, p 719) alocava nas categorias dos que podem ser absorvidos pelo exército ativo. De fato, as modalidades intermi- tentes do trabalho, nas quais estão incluídas, como veremos, os trabalhadores de entregas por aplicativo, suspendem a distinção entre preca- riado e pauperizado como efeito da suspensão entre tempo de trabalho e tempo sem trabalho, como se estivéssemos diante da substanciali- zação antinômica de um empregado-desem- pregado, cuja transição para um polo ou outro depende das decisões das empresas-aplicativo escondidas sob a máscara dos algoritmos. 5 Fábio Luís Franco C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 FOME! “Fome!” é o grito de ordem do Movimen- to dos Entregadores Antifascistas,3 um movi- mento de abrangência nacional que reúne tra- balhadores de entregas por aplicativo. Mais explicitamente do que nas reivindicações por melhorias salariais ou pelo reconhecimento de direitos que marcaram os movimentos operá- rios nas últimas décadas, o gatilho para a atual mobilização dos trabalhadores de aplicativo vem das entranhas dos corpos famintos que se tornaram os principais responsáveis pela distribuição de alimentos durante a pandemia do novo Coronavírus. “O que me revoltava era trabalhar carregando comida nas costas de bar- riga vazia” (Lima apud Soprana, 2020, sp), sin- tetiza Paulo Roberto da Silva Lima, o “Galo”, um dos principais mobilizadores do movimen- to de entregadores por aplicativo. “Fome!”. A esse primeiro grito, outros se fazem escutar: “sede!”, “dor!”, “frio”. Enquanto os lucros das empresa por aplicativo têm au- mentado desde o início do isolamento social no Brasil,4 os trabalhadores de plataforma vi- ram seus salários caírem progressivamente, dificultando ainda mais a conquista do míni- mo necessário para sobreviver. De acordo com uma pesquisa (Cf. Abílio et al., 2020) coorde- nada pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) e publicada em agosto de 2020, na qual foram entrevistados 252 trabalhadores de quatro dis- tritos brasileiros, 60,3 por cento relataram que- da na receita em comparação com o período pré-pandêmico, enquanto apenas 10,3% decla- raram que estão ganhando mais dinheiro agora do que antes. Entre os entrevistados, 35,7% re- lataram ganhar menos de R$ 260 por semana, o que representa duas vezes mais trabalhado- 3 https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-28/galo-lanca-a- -revolucao-dos-entregadores-de-aplicativo-essenciais-na- -pandemia-invisiveis-na-vida-real.html 4 A Rappi, uma das empresas-aplicativo de entrega, diz ter crescido cerca de 300% justamente no período inicial do isolamento imposto pela pandemia do novo Coronavírus (https://www.youtube.com/watch?v=fWnnD2V1IFE - últi- mo acesso em 10.07.2020). res nessa faixa de remuneração do que antes da crise disparada pelo COVID-19. Nesse cená- rio, mais trabalho não significa mais dinheiro, pois 56,4% dos entrevistados que trabalham mais de 9 horas por dia vêm sofrendo uma redução de 66,65% em seus ganhos quando comparados com o período anterior à pande- mia. Além dessa queda na receita, 62,3% dos trabalhadores entrevistados afirmaram nunca ter recebido das empresas onde trabalham ne- nhum tipo de equipamento para se proteger da contaminação do vírus. Por isso, alguns deles decidiram pagar por suas próprias medidas de cuidado sanitário, como usar máscaras e luvas, levar desinfetante para as mãos e manter dis- tância de segurança na entrega dos produtos. “Fome!” porque o trabalhador perdeu seus laços de pertencimento a uma classe para ser re- duzido ao seu corpo, sobre o qual pesa perma- nentemente a ameaça da aniquilação. “Fome!” A ECONOMIA NECROPOLÍTICA DA PLATAFORMIZAÇÃO DO TRABALHO Os trabalhadores por aplicativo estão na vanguarda da precarização neoliberal do trabalho. Desde que deixou a idealidade dos manuais de teoria econômica para ser testado em contextos nacionais tomados como labo- ratórios políticos a partir dos anos 1970, nos quais precisou assumir configurações híbridas e flexíveis (Cf. Ong, 2007; Andrade, 2019), o neoliberalismo se apresentou como uma ra- cionalidade governamental com pretensão de integrar todas as esferas da existência humana segundo os princípios gerais da concorrência e do empreendedorismo (Cf. Dardot e Laval, 2009; Foucault, 2004). Para tanto, não era suficiente estruturar a ação dos governos de modo a garantir a au- tonomia do mercado, ainda que às expensas do próprio Estado e, principalmente, dos seus aparelhos de segurança, de legislação e de jus- tiça; fazia-se igualmente necessário governar as condutas dos indivíduos, no sentido que 6 FAZER PRECARIZAR: neoliberalismo autoritário... C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 O termo “conduta”, apesar da sua natureza equí- voca, talvez seja um daqueles que melhor permite atingir aquilo que há de específico nas relações de poder. A “conduta” é, ao mesmo tempo, o ato de “conduzir” os outros (segundo mecanismos de coer- ção mais ou menos estritos) e a maneira de se com- portar num campo mais ou menos aberto de possibi- lidades. O exercício do poder consiste em “conduzir condutas” e em ordenar a probabilidade. O poder, no fundo, é menos da ordem do afrontamento entre dois adversários, ou do vínculo de um com relação ao outro, do que da ordem do “governo” (Foucault, 1995, p. 288). Para governar é preciso administrar a li- berdade, gerir a incondicionalidade do desejo por meio de um princípio de cálculo econômi- co que precisa ser internalizado pelos indiví- duos. A governamentalidade neoliberal depen- de, portanto, de um profundo trabalho de design psicológico, ou seja, de internalização de predisposições psicológicas visan- do a produção de um tipo de relação a si, aos ou- tros e ao mundo guiada através da generalização de princípios empresariais de performance, de inves- timento, de rentabilidade, de posicionamento, para todos os meandros da vida. Desta forma, a empresa poderia nascer no coração e mente dos indivíduos (Safatle, 2021, p. 23). Ou, mais explicitamente, os indivíduos mesmos deveriam se identificar com essa em- presa. Nesse sentido, é preciso insistir que as dimensões autoritárias do neoliberalismo não se revelam apenas nas intervenções coercitivas do Estado e dos seus mecanismos, mas, tam- bém, nos dispositivos governamentais visando à produção do consenso e o engajamento dos indivíduos. Em uma palavra, ao se tratar do neoliberalismo autoritário não se pode perder de vista seus efeitos sobre a economia libidi- nal dos sujeitos, sobre a forma como esses in- vestem determinadas relações e internalizam padrões ideais de conduta que pretendem nor- malizar as escolhas e decisões a partir do pa- radigma da empresa capitalista. Nesse sentido, Safatle insiste que (…) a empresa não é apenas a figura de uma forma de racionalidade econômica. Ela é a expressão de uma forma de violência. A competição empresarial não é um jogo de críquete, mas um processo de re- lação fundado na ausência de solidariedade (…), no cinismo da competição que não é competição algu- ma (…), na exploração colonial dos desfavorecidos, na destruição ambiental e no objetivo monopolista final (2021, p. 25). A violência impingida por meio dos processos de subjetivação neoliberais não se dissocia daquela efetivada pelo uso das forças de segurança e dos aparatos de justiça. Antes, entre uma e outra se estabelece uma série de alianças, sobreposições, compromissos. Por exemplo, quando a internalização de padrões de conduta e avaliação não é suficiente para colocaros sujeitos nos trilhos do mercado, a polícia é sempre o recurso suplementar à mão que intervém para salvar “os cidadãos de bem” das ameaças dos “vagabundos”. Portanto, in- sistamos uma vez mais que o neoliberalismo autoritário precisa ser tomado como uma for- ma de racionalidade que se impõe – e busca conquistar adesão – pelo uso da violência de Estado associado ao recurso às violências de mercado, que incidem tanto sobre os corpos quanto sobre as subjetividades. Voltando a esse último aspecto, o do de- sign psicológico, é preciso levar em conta que, contemporaneamente, também participam da formação dos ideais empresariais com os quais os trabalhadores se identificam as chamadas empresas-aplicativo, representadas por Uber, Rappi, Ifood, James, Loggi, Amazon Mechani- cal Turk, PiniOn, Freelancer, 99Designs et ca- terva. Apesar de relativamente recentes no mercado global, essas empresas fazem avançar para novos setores do mercado um conjunto de mudanças no mundo do trabalho que ante- cede a sua versão atual sob empuxo e impacto dos aplicativos: a terceirização, os serviços de venda direta e as formas estruturantes da ex- ploração do trabalho nas áreas periféricas do capitalismo (Cf. Abílio, 2019a). As pesquisas em sociologia do trabalho vêm cunhando diferentes conceitos para en- 7 Fábio Luís Franco C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 quadrar tais mudanças.5 A perspectiva assu- mida por este trabalho situa-se entre as teorias sobre a plataformização do trabalho (Cf. Ca- silli; Posada, 2019), entendida como um com- plexo processo global de renovação da forma de gestão, controle e expropriação do trabalho por meio de dispositivos digitais de gestão al- gorítmica de dados. Se optamos por utilizar a expressão dispositivos digitais, ao invés de simplesmente falarmos em aplicativos ou pla- taformas, é para enfatizar que a plataformiza- ção não se reduz a uma transformação de or- dem tecnológica com vistas a renovar os meios de gestão do trabalho. Para além de um mero efeito de desenvolvimento técnico, a platafor- mização é mais propriamente um dispositivo, no sentido que Foucault constrói para este ter- mo. Primeiramente, o dispositivo é uma rede mutável e heterogênea, “(...) comportando dis- cursos, instituições, projetos arquiteturais, de- cisões regulamentares, leis, medidas adminis- trativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, em suma: tanto o dito quanto o não dito, eis os elemen- tos do dispositivo” (Foucault, 2001b, p. 299). Nessa rede, eis o segundo aspecto destacado pelo filósofo francês, os fios que a tecem po- dem estabelecer entre si nós variáveis, crian- do, assim, novas conexões ou desfazendo as já existentes. Assim, a uma lei pode se conectar uma instituição e um discurso científico, por exemplo, ou a esse último podem se vincular projetos arquitetônicos e tecnologias variadas, “Em suma, entre esses elementos, discursivos ou não, existe como que um jogo, mudanças de posição, modificações de funções, que podem, eles também, ser muito diferentes “(Ibidem, p.299). Finalmente, o dispositivo é, a cada mo- mento histórico, a resposta a um imperativo de urgência. Assim, “o dispositivo tem uma fun- ção estratégica dominante” (Ibidem, p.299). Não é possível compreendê-lo adequadamen- te, portanto, se o abstraímos das relações de 5 Tais como uberização, capitalismo de plataforma, traba- lho sob demanda, entre outras. Não discutiremos neste texto as continuidades, as rupturas e os debates travados entre essas distintas abordagens teóricas. poder nos quais ele está inscrito. Contudo, a realização dessa função estratégica não é es- tática e unívoca, pois não só as urgências se transformam, mas o próprio dispositivo não é capaz de dominar todos os seus efeitos. Aqui, Foucault leva a meta-estabilidade inerente ao dispositivo para o campo das suas produções: “já que cada efeito, positivo e negativo, deseja- do ou não desejado, vem entrar em ressonân- cia ou em contradição com os outros, e pede a uma retomada, a um reajustamento dos ele- mentos heterogêneos que surgem aqui e ali” (Foucault, 2001b, p. 299). Assim, se por um lado há sempre um processo de “sobredeter- minação funcional” do dispositivo, por outro lado isso exige um perpétuo “processo de re- alização estratégica”, isto é, de recomposição do dispositivo de modo a capturar estrategica- mente os efeitos residuais da sua própria ação. Tomada como um dispositivo, a plata- formização do trabalho envolve uma rede he- terogênea e meta-estável de poderes e saberes – tecnologias, enunciados psicológico-morais, ações estatais, legislações, dados, algoritmos, inteligência artificial etc – associada estrategi- camente à racionalidade neoliberal, ao autori- tarismo e à financeirização do capitalismo. Esse processo não se dá de maneira ho- mogênea em todas as ramificações das ativida- des laborais. Nos próximos parágrafos, nossa análise se concentrará no que se designa como “plataformas que requerem o trabalhador em uma localização específica” (Ghroman, 2020, p. 113) ou “plataformas de trabalho territorial” (Braga, 2021), as quais incluem os chamados aplicativos de entrega e transporte.6 Apesar dessa circunscrição de escopo, algumas das características desse tipo de plataforma podem ser encontradas, com variações, em outros. 6 Além destas, Grohman identifica “ii) plataformas de mi- crotrabalho ou crowdwork (como Amazon Mechanical Turk, PiniOn, MicroWorkers), marcadas principalmente pelo trabalho de treinar dados4 para a chamada “inteligên- cia artificial”5; iii) plataformas freelance, de clou- dwork ou macrotrabalho (como GetNinjas, WeDoLogos, Freelan- cer, iPres- tador, Fiver, 99Designs), que reúnem tarefas des- de pintura e passeio com animais até design e programa- ção” (2020, p. 113). 8 FAZER PRECARIZAR: neoliberalismo autoritário... C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 No discurso da plataformização,7 não existe mais a figura do trabalhador coberto por direitos e garantias que limitavam minima- mente sua relação com o capital; em seu lugar, surge o “parceiro” das empresas- aplicativo, ao mesmo tempo consumidor das tecnologias necessárias para a realização da sua ativida- de e prestador de serviços sob demanda para clientes anônimos. Entre parceiros e empresas a única relação que existe é a do livre contrato de adesão às cláusulas de cadastramento nos aplicativos. Após baixar o app, enviar os docu- mentos solicitados e assinar o contrato – ainda estamos na gramática da plataformização –, o “parceiro” conquista a esperada autonomia laboral: sem chefe e hierarquias, sem jornada de trabalho pré-estabelecida, ele se supõe um empresário-de-si à espera de pedidos encami- nhados por uma multidão de consumidores-a- valiadores. Para receber estrelas, elogios e gor- jetas – as quais vêm se tornando elemento es- sencial para a composição da renda mensal –, o trabalhador precisa desenvolver estratégias pessoais que garantam níveis ótimos de perfor- mance na concorrência com seus colegas pla- taformizados. Tais estratégias envolvem ofe- recer facilidades para os consumidores, como água, balas, carregadores de celular; estar atento aos avisos dos aplicativos sobre preço dinâmico, eventos e outras situações que po- dem fazer a demanda crescer em determinados momentos e em regiões específicas; interpretar os sinais dos consumidores para saber orientar seu próprio comportamento, por exemplo, evi- tando falar ou, ao contrário, sendo conversati- vo, adotando uma postura mais ou menos for- mal, aproximando-se ou mantendo distância no momento da entrega; cometer infrações no trânsito, dirigindo pela contramão, avançando o sinal vermelho do semáforo ou conduzindo o veículo ou a bicicleta em alta velocidade, para realizar mais pedidos em menos tempo ou para entregar um alimento ainda fresco ao cliente;7 No que segue, baseamo-nos em um conjunto de traba- lhos, particularmente em Abílio (2020,2019a), Van Doorn (2017) e Grohman (2020). expor-se permanentemente a perigos decor- rentes do comportamento de risco no trânsito ou daqueles derivados da própria execução da atividade por longos períodos de tempo.8 Os muitos obstáculos e problemas que surgem no cotidiano do trabalho são assumidos integral- mente pelo trabalhador-parceiro, que se encar- rega dos ônus e custos decorrentes de aciden- tes de trânsito, doenças ocupacionais, assaltos e furtos, pane nos veículos, obsolescência ou quebra do aparelho celular, problemas de co- nectividade com a internet etc. Após a adesão ao contrato, a comunica- ção entre o plataformizado e a empresa -apli- cativo se limita a notificações e a algumas mensagens automáticas. Afora essas situações pontuais, o contato com a empresa é experi- mentado pelo trabalhador como uma tarefa de Sísifo, sempre diferida por ligações que não se completam, emails que são respondidos automaticamente ou pela série incontável de mediadores terceirizados que trabalham para as empresas fornecendo explicações padroni- zadas para as interrogações que recebem dos trabalhadores. As enormes limitações interpostas pelos aplicativos na comunicação com os seus “par- ceiros” constituem apenas uma das muitas es- tratégias de imunização (Cf. Van Doorn, 2017, p. 902) adotadas pelas empresas para se pro- teger de obrigações trabalhistas asseguradas pelas legislações, deslocando para cada traba- lhador os ônus e custos derivados do exercí- cio do seu trabalho. Outra dessas estratégias imunizatórias é a governança algorítmica dos trabalhadores por meio da qual as empresas conseguem um máximo de controle e gestão do trabalho, dos fluxos entre oferta e deman- da, das informações e dados, com um mínimo de visibilidade, uma vez que as bonificações, a oscilação no valor dos pagamentos, as frequen- tes incoerências no sistema de distribuição de 8 A respeito dos impactos da plataformização sobre a saú- de física dos entregadores, recomendo aos leitores acom- panharem os desdobramentos da pesquisa doutoral de Eduardo Rumenig, a quem agradeço pela sempre generosa partilha de reflexões. 9 Fábio Luís Franco C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 pedidos e, inclusive, as arbitrariedades na de- finição de suspensões e cancelamentos de con- tas podem ser atribuídas à calculabilidade de- sinteressada dos softwares (Cf. Pasquale, 2015; Bucher, 2017). No dia-a-dia das entregas e serviços pla- taformizados, o mal-estar dos trabalhadores re- vela a distância entre o ideal do empresário de si e as condições efetivas de trabalho. A queda progressiva dos valores pagos por quilômetro rodado enquanto se aumenta o tempo de espe- ra por pedidos, as punições inexplicáveis, os riscos potencializados pelo contexto epidêmi- co, a necessidade de se cadastrar em mais de um aplicativo para garantir algum rendimento mensal – abaixo do suficiente –, as jornadas de trabalho que facilmente excedem dez horas di- árias, os custos de manutenção dos equipamen- tos e instrumentos de trabalho, a sensação de que não se é ouvido nem reconhecido pela em- presa, o sentimento de “estar batendo a cabeça” sozinho, os desgastes físicos sentidos no próprio corpo e no dos colegas, sem conseguir acesso fá- cil a banheiro, passando sede e fome, por esses e outros fatores, os plataformizados são mais pro- priamente autogerentes subordinados, no sentido de que, submetido a um gerenciamento obscuro e cambiante que define/determina quanto ele pode ganhar e quanto tempo terá de trabalhar para tanto, o trabalhador estabelece estratégias de sobrevivência e adaptação, visando ao mesmo tem- po decifrar, adequar-se à e beneficiar-se da forma como o trabalho é organizado, distribuído e remu- nerado. Essas estratégias também são previsíveis e integráveis à gestão. É preciso considerar ainda que o trabalhador não tem poder algum de interferên- cia – nem mesmo de negociação – sobre as regras de distribuição e remuneração do trabalho (Abílio, 2020, p. 19-20). Essas “estratégias de sobrevivência e adaptação”, no entanto, são vendidas pela “ideologia do Vale do Silício” (Schradie, 2017) como uma “ferramenta de liberdade” (Srnicek, 2016, p. 85), que contribui para engajamento de um número crescente de trabalhadores em atividades laborais plataformizadas. No Brasil, segundo dados da PNAD, até o início de 2019, 3,8 milhões de brasileiros utilizavam platafor- mas digitais como fonte de renda, transforman- do-as “no maior empregador do Brasil” (Esta- dão Conteúdo, 2019). Se levarmos em conta as pessoas que utilizam essas plataformas como fonte complementar, os índices sobem para 17 milhões de trabalhadores em 2019, a partir de pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva (Estadão Conteúdo, 2019). É provável que a histórica crise social resultante da epidemia do novo Coronavírus esteja impulsionando ainda mais o uso dos aplicativos como fonte prioritá- ria ou complementar de renda familiar. Nesta “multidão de trabalhadores dispo- níveis” (Abílio 2020, p. 112) reside outro ele- mento responsável pela gestão plataformizada da precarização: trata-se de suscitar no traba- lhador a permanente sensação de superfluida- de e obsolescência na medida em que sua força de trabalho é facilmente substituível por qual- quer outra que, na superpolução relativa sem- pre crescente de plataformizados, aguarda seu lugar ao sol, ou melhor, seu lugar em algum ponto entre as milhares de conexões algorítmi- cas que levarão seu celular a tocar, finalmente! (Cf. Van Doorn, 2017). A precarização do trabalho esteve na agenda do neoliberalismo desde seus primór- dios. Ela é, a um só tempo, condição e efeito necessário da sobreposição de medidas legal- mente asseguradas visando, por um lado, à promoção da competitividade internacional, da concorrência nacional de forma a estimu- lar o fluxo de capital financeiro, da propaga- ção da forma-empresa para todas as esferas de atividades humanas, incluindo o próprio Esta- do, e, por outro lado, à eliminação de direitos trabalhistas e sociais, principais responsáveis, segundo o credo neoliberal, pela crise global. Para a massa de precarizados, existem, de um lado, as ofertas de trabalho precário, temporário e informal, associadas ao restritís- simo acesso ao que restou das políticas sociais emergenciais, e, do outro lado, a coerção esta- tal, na forma da polícia ou das instituições do sistema de justiça, responsável pela repressão 10 FAZER PRECARIZAR: neoliberalismo autoritário... C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 aos movimentos que se interpõem à lógica neo- liberal do mercado e pelo controle punitivista e carcerário da pobreza. Como temos enfatizado, o neoliberalismo autoritário se efetiva, então, como gestão da precariedade do corpo do tra- balhador, ameaçando-o com espectro da obso- lescência e da impossibilidade de sobreviver, e como poder repressor associado ao Estado. Para encerrar esta sucinta introdução à necropolítica da plataformização, é essencial desvelar o viés racial e de gênero (Cf. Srnicek, 2017, p. 83; Van Doorn, 2017) que sustenta e simultaneamente é reforçado por esses novos dispositivos de gestão e subsunção do traba- lho. Com efeito, em primeiro lugar, a platafor- mização dá visibilidade a um conjunto de ele- mentos intrínsecos às formas de organização do trabalho periférico, sobretudo do trabalho feminino das mulheres negras periféricas (Cf. Abílio, 2019b); e, em segundo lugar, a mas- sa dos trabalhadores de aplicativo no Brasil é composta por jovens negros periféricos, no caso dos apps de entrega, e por mulheres ne- gras periféricas, quando se trata dos aplicati- vos que oferecem “serviços domésticos”. Se, historicamente, a necropolítica incidiu de forma privilegiada no corpo negro capturadopelo sistema produtivo colonial na medida em que o excluía do campo do direito, da lingua- gem e do desejo, são esses mesmos corpos que continuam sendo precarizados como parte das estratégias necropolíticas de gestão dos traba- lhadores a partir dos dispositivos digitais. PARA INTRODUZIR A GESTÃO NEOLIBERAL AUTORITÁRIA DA ANGÚSTIA Ao fazer avançar a destruição das con- dições de trabalho e de existência dos traba- lhadores até se fazer ouvir o grito “fome!”, a plataformização expõe as articulações visce- rais entre neoliberalismo autoritário e necro- política cujos efeitos sobre o corpo não são sem consequências subjetivas. Nesse ponto, a necropolítica se converte em uma necrogover- namentalidade (Cf. Franco, 2021), pois, para o poder, a morte não é apenas uma tecnologia de marcação, um instrumento de conservação da vida pela destruição das ameaças biológicas ou um fenômeno estatístico passível de regu- lação; ela é, também e principalmente, um dos elementos que delimitam as condições em que a vida é possível, na medida em que gerir as maneiras pelas quais se morre, como se morre, quem morre, do que se morre, o que aconte- ce com o corpo após a morte, quais as formas de se prantear um morto, é gerir os riscos que pesam sobre a vida e, portanto, é administrar o quanto cada sujeito pode usufruir das pos- sibilidades de ser livre, de escolher e desejar . Sendo assim, poderíamos nos pergun- tar: qual tipo de subjetividade corresponde ao governo necropolítico da precarização do tra- balho sob o neoliberalismo autoritário? Que disposições psicológicas o trabalhador precisa internalizar para que sua precariedade social e existencial possa ser mais eficazmente subsu- mida pelo capital? Abre-se, desta forma, outra dimensão pela qual se exerce o neoliberalismo autoritário: se, como vimos, a necropolítica, para fazer precarizar, incide sobre o corpo por meio da destruição sistemática das condições de vida e da repressão brutal da pobreza, a ne- crogovernamentalidade põe em marcha um processo de precarização subjetiva, fomentan- do formas de sofrimento psíquico que, a um só tempo, capturam e engajam os sujeitos na sua própria exploração pelo mercado. À primeira vista, parece despropositado investigar a necrogovernamentalidade do neo- liberalismo, uma vez que o discurso neolibe- ral, ao veicular demandas de performativida- de, gozo, investimento, rentabilidade, estaria mais próximo a um dispositivo gestor da vida do que da morte e da precariedade. Sem desconsiderar a face biopolítica do neoliberalismo, é preciso insistir que a platafor- mização deixa entrever que estas mesmas exi- gências psíquicas não são estranhas à domina- ção do trabalhador pela ameaça da precarização. 11 Fábio Luís Franco C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 A precarização, que resulta da progressi- va destruição das condições laborais e de exis- tência dos trabalhadores, tem como um dos seus efeitos subjetivos a angústia. Deste modo, nesta seção, pretendo introduzir algumas arti- culações entre a ameaça da precarização (Cf. Dejours, 2007) e a gestão neoliberal autoritária do trabalhador por meio da angústia. É verdade que a angústia vem sendo pre- terida pelo discurso psiquiátrico, que, no Ma- nual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), da Associação Norte-America- na de Psiquiatria, desde a sua terceira edição, tem preferido reunir sob a categoria “trans- tornos de ansiedade” um conjunto variado de sintomas, tais como o medo, o distúrbio de atenção, a falta de ar, a agorafobia, o mutismo seletivo, o transtorno de pânico, as fobias espe- cíficas e, inclusive, a categoria pouco evidente de transtornos de ansiedade não especificados. Ao tratar a angústia a partir de uma descrição sindrômica pretensamente neutra do ponto de vista axiológico, a racionalidade psiquiátrica do DSM recalca que os sofrimentos psíquicos têm estrutura relacional porquanto são expres- são de conflitos entre exigências pulsionais e injunções normativas próprias das nossas insti- tuições e organizações sociais (Cf. Safatle; Silva Júnior; Dunker, 2018, 2021). Em uma frase, o que se recalca são as condições sociais de emer- gência do sofrimento psíquico, os quais passam a ser atribuídos exclusivamente aos indivíduos. Por isso, “hoje em dia são os psicanalistas que têm a responsabilidade da angústia” (Fin- germann, 2016, p. 90), tanto porque a clínica psicanalítica não é sem angústia, quanto pelo fato de que cabe à psicanálise restituir a angús- tia as suas causas estruturais e estruturantes. Desse ponto de vista, a emergência da angústia depende de conjunturas em que fra- cassam as formas subjetivas singulares sobre as quais cada um se apoia para interpretar e responder às exigências sociais que o convo- cam. Se, antes, esse sujeito podia gozar da su- posta segurança a respeito de quem concebia ser, de quais eram as expectativas dos outros para com ele, de como deveria proceder diante de certos apelos, após o encontro com o trau- mático da experiência, isto é, com o advento de algo que rasga as telas interpretativas que enquadravam a maneira como encarava a vida, o sujeito “se vê questionado em sua existên- cia, sem poder se reconhecer no passado nem imaginar o que será no futuro” (Berta, 2015, p. 97). Em suma, a angústia é o afeto do de- samparo fundamental do sujeito, desamparo que Freud ([1926] 2014) compreendia como o resultado do sentimento de desintegração da possibilidade de significar de maneira total a experiência, inserindo-a na trama de conexões psíquicas que ligariam as excitações a fim de encontrar caminhos possíveis de satisfação. Tal impossibilidade de significar certos adven- tos da experiência coloca o sujeito diante de algo estranho, absolutamente Outro, uma alte- ridade opaca cujos limites, balizas, sentidos e significações são falhos e fazem falhar as que o sujeito mobiliza em sua defesa. No entanto, como contra-intuitivamente afirmava Lacan, a impossibilidade de responder ao enigma de si e do Outro implica uma certeza: a “certeza de que isso quer dizer alguma coisa, sem que se saiba o que isso quer dizer” (Soller, 2012, p. 39), a certeza de que há uma significa- ção que responde ao que não se sabe dizer o que é. Essa significação da significação vazia evoca a iminência de aparição do objeto com o qual o sujeito se identifica e que, enquanto ser-objeto, está à mercê do gozo do Outro. Em outras pala- vras, as situações de angústia colocam o sujeito face a face com o terror de responder na posição de objeto que o Outro é suposto demandar ou ser demandado para fazê-lo gozar. Para apresen- tar a angústia, Lacan ([1961-1962] 2003) se vale de uma alegoria: Imaginem-se dentro de um recinto fechado, sozinho com uma louva-a-deus de três metros de altura. É a proporção correta para que eu tenha o tamanho do dito macho. Além do mais, estou vestido uma pele do tamanho do dito macho, que tem 1,75m, mais ou menos minha altura. Eu me miro, miro minha imagem assim fantasiada dentro do olho facetado 12 FAZER PRECARIZAR: neoliberalismo autoritário... C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 da louva-a-deus fêmea. Será que a angústia é isso? É muito perto disso (Lacan, ([1961-1962] 2003, p. 243-244). A alegoria só faz sentido se lembrarmos que a louva-a-deus fêmea, que é muito maior do que o macho da sua espécie, devora o par- ceiro após o acasalamento. Tal como essa pes- soa que se descobre fantasiada de louva-a-deus macho ao ver seu reflexo no olho da fêmea, na angústia o sujeito se crê um objeto pronto para ser devorado pelo Outro. Para aqueles que che- gam aos consultórios, a angústia é experimen- tada como uma sensação precisa de morte, um “morrer no gerúndio” (Fingermann, 2016, p. 94). A angústia, portanto, tem efeitos ontológi- cos, justamente porque ela diz respeito ao ser (Cf. Soller, 2012,p. 50), colocando em questão as construções imaginárias que constituíam as camadas sucessivas do Eu e a garantia que o sujeito encontrava sobre o assento da fantasia. Não por acaso, Soller se refere à angústia como uma “destituição subjetiva selvagem”, isto é, “um momento em que o sujeito cessa de ser sujeito, em que ele se apreende como objeto e em que o desejo (como incógnita, como x, com todas essas ilusões que as incógnitas pro- duzem sempre) fica suspenso” (Ibidem, p. 47). Se a angústia é um sentimento univer- sal, ela não deixa de ser sensível às modalida- des dominantes de laço social, que se modifi- cam segundo as épocas (Cf. Fingermann, 2016, p. 12). No caso que nos ocupa, o que mais aci- ma denominamos a gestão da ameaça de pre- carização consiste na administração neoliberal das condições de emergência da angústia, do sentimento de redução iminente do sujeito ao seu corpo (Cf. Lacan, [1974] 2001) e dos efeitos ontológicos de destituição das subjetividades para as converter em objetos, fazendo-as se sentirem morrendo aos poucos – donde o cará- ter inapelavelmente necrogovernamental que a angústia convoca, quando captura e gerida pelo neoliberalismo autoritário. De acordo com Fernandes et al. (2018, p.2345), de 2004 a 2013, o número de licenças concedidas devido a transtornos de ansieda- de “aumentaram de 615 para 12.818. No to- tal, houve um aumento na ordem de 1.964% para este tipo de concessão”. Em 2017, os da- dos analisados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revelaram que o Brasil é o país com o maior número de casos de transtorno de ansiedade no mundo, que incide em 9,3% da população, três vezes mais que a média mun- dial (Estadão Conteúdo, 2019). Esses números corroboram a associação entre a agudização das transformações neoliberais no mundo do trabalho e o aumento da incidência de sofri- mentos derivados da emergência da angústia. Tal associação parece ser impensável sem que se leve em conta os impactos da ne- oliberalização sobre os laços laborais. A partir da análise que realizamos das plataformas di- gitais de entrega na seção 4, torna-se possível identificar o que nelas pode funcionar como ocasiões para a emergência da angústia. 1) o enfraquecimento e combate às formas de or- ganização coletiva dos trabalhadores, levando à progressiva individualização do sofrimento e da responsabilidade do trabalhador. Asso- ciada à generalização do princípio da concor- rência, não apenas os trabalhadores se vêem desvinculados de outros trabalhadores como esses são identificados a potenciais adversá- rios na busca por melhores posições e mais reconhecimento (Cf. Dardot e Laval, 2009); 2) a intensificação da sensação de superfluidade, obsolescência e descartabilidade (Cf. Harvey, 2008, Van Doorn, 2017). 3) a impossibilidade de atribuir sentido ao cotidiano de trabalho, desde o fluxo de pedidos até a ocorrência de sanções arbitrárias, na medida em que as re- gras e formas de operacionalidade das empre- sas-aplicativo são frequentemente opacas. 4) a ausência de um Outro ao qual se pode endere- çar a fala para perguntar, confrontar, solicitar, uma vez que ele foi substituído por algoritmos supostamente neutros que operam à despeito dos trabalhadores. No entanto, à medida em que a gestão ne- oliberal autoritária das condições para a emer- gência da angústia produz a subordinação dos 13 Fábio Luís Franco C a d e r n o C r H , S al va d or , v . 3 4, p . 1 -1 5, e 02 10 24 , 2 02 1 sujeitos, ela também estimula o engajamento do precariado como reação ao horror da ame- aça sempre presente de destituição subjetiva. No caso dos precarizados-plataformizados, as estratégias de defesa passam pela multiplica- ção de atividades e comportamentos que vão da esquiva e fuga às situações que prenunciam a irrupção de angústia até as respostas estereo- tipadas por meio das quais se procura respon- der ao que o sujeito presume ser as exigências sociais requeridas para obtenção de amparo e segurança. Se a angústia é o afeto do desampa- ro decorrente da ruptura dos anteparos subjeti- vos que localizavam o sujeito em suas relações com o Outro, ao pressentir a irrupção do hor- ror da angústia alguém pode buscar proteção por meio de reiteradas tentativas de reproduzir os ideais que supostamente lhe garantiriam o amor do Outro. Assim a exploração neoliberal do trabalho obtém a adesão dos trabalhadores às pressões por autovalorização permanente de si mesmos, principalmente por meio do cumprimento de metas, da superação de desa- fios e obstáculos mobilizados como parte das estratégias de gestão gamificada do trabalho (Cf. Scholtz, 2013; Rosemblat and Stark, 2016; Woodcock, 2019), do empenho pela maximi- zação das suas performances na concorrência com seus companheiros, do consumo de mer- cadorias cuja propriedade contém a promessa de reconhecimento social (Cf. Pacheco Filho, 2015), da internalização de ideais de virilida- de, tal como do caçador ou do guerreiro que enfrenta todos os perigos ainda que se colocan- do em risco de morte. Estabelece-se, com isso, um circuito sem fim que transita entre a emergência da angústia e as respostas defensivas do sujeito, as quais, uma vez mobilizadas, confrontam-se novamente com a ameaça da precariedade. Por meio das intervenções necropolíticas de des- truição sistemática dos recursos necessários à manutenção da vida e da montagem de dispo- sitivos necrogovernamentais de gestão distri- butiva diferencial das condições de emergên- cia da angustia, o neoliberalismo autoritário alcança, assim, a subordinação do precariado, coagido também policial e juridicamente, e o seu engajamento em formas de subjetividade que aprofundam a espoliação da sua força de trabalho. Recebido para publicação em 30 d eabril de 2021 Aceito em 08 de novembro de 2021 REFERÊNCIAS ABÍLIO, Ludmila. 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In: SAFATLE, V.; SILVA JÚNIOR, N. da.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. FAIRE PRECARISER : néolibéralisme autoritaire et nécrogouvernementalité Fábio Luís Franco Cet article analyse les articulations entre la nécropolitique et la gestion néolibérale du travail au Brésil. Il vise à soutenir que le néolibéralisme autoritaire opère à la fois de manière coercitive, en utilisant l’appareil de sécurité et de justice, et par la gestion de la souffrance psychologique et les processus de subjectivation. Pour cela, il part de la compréhension que la nécropolitique néolibérale implique également des interventions visant à précariser, c’est-à-dire à produire de la souffrance dans les corps à travers l’administration de conditions mortelles, comme cela devient explicite avec la plateformisation néolibérale du travail au Brésil. Enfin, l’article introduit quelques considérations sur les impacts de cette gestion nécropolitique néolibérale de la précarité sur les formes de subjectivation des travailleurs, mettant en lumière la nécrogouvernamentalité néolibérale commegestion des conditions d’émergence de l’angoisse. Mots clés: Nécropolitique. Néolibéralisme. Plateforme. Travail. Angoisse. MAKING IT PRECARIOUS: authoritarian neoliberalism and necrogovernmentality Fábio Luís Franco This article analyses the articulations between necropolitics and neoliberal labor management in Brazil. It is intended to argue that authoritarian neoliberalism operates both coercively, using the apparatus of security and justice, and through the management of psychological suffering and the processes of subjectivation. For this, it starts from the understanding that neoliberal necropolitics involves, also, interventions aiming to make precarization, that is, to produce suffering in the bodies through the administration of deadly conditions, as becomes explicit with the neoliberal platformization of work in Brazil. Finally, the article introduces some considerations about the impacts of this neoliberal necropolitical management of precariousness on the forms of subjectivation of workers, shedding light on neoliberal necrogovernmentality as management of the conditions of emergence of anguish. Keyword: Necropolitics. Neoliberalism. Platform. Work. Anguish.
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