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Bases epistemológicas subjacentes ao enfoque CTS no ensino de química

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Revista ACTA Tecnológica - Revista Científica - ISSN 1982-422X , Vol. 6, número 2, jul-dez. 2011
BASES EPISTEMOLÓGICAS SUBJACENTES AO ENFOQUE CTS NO ENSINO DE 
QUÍMICA
Fábio Lustosa Souza 1 
Terezinha Valim Oliver Gonçalves 2
Resumo
O presente artigo discute as relações presentes na tríade Ciência – Tecnologia – Sociedade (CTS) no ensino de 
Química, bem como as bases epistemológicas a elas subjacentes. Trata-se de uma abordagem pedagógica que atualmente 
tem sido utilizada no ensino das Ciências, em ruptura ao mecanicismo cartesiano de estudo efetuado ao longo dos anos, 
cujo propósito é promover uma Alfabetização em Ciência e Tecnologia indispensáveis ao exercício de uma cidadania 
crítica. Aborda, ainda, uma concepção epistemológica pós-moderna para o Ensino CTS ao trazer para discussão o conceito 
de “nova cidadania”.
Termos para indexação: CTS, epistemologia, cidadania, interdisciplinaridade.
EPISTEMOLOGICAL BASES CTS UNDERLYING APPROACH IN TEACHING CHEMISTRY
ABSTRACT
The present article discusses the present relations in the triad Science – Technology – Society in the teaching of 
Chemistry, as well as the epistemological concepts that are in their basis. It is a pedagogical approach that has been used 
in the teaching of Sciences, breaking with the Cartesian mechanism model of study which has been used along the years, 
with the purpose of promoting the literacy in Science and Technology, which are essential to the exercise of a critical 
citizenship. A postmodern epistemological conception of Science – Technology – Society is approached when it brings 
the discussion concerning the concept of “new citizenship”.
Index terms: STS, epistemology, citizenship, interdisciplinarity.
 
1 Doutorando em Educação em Ciências e Matemática pela UFMT/REAMEC. Professor de EBTT do IFMA/Campus Monte Castelo. Email: flustosa71@
gmail.com.
 2 Doutora em Educação em Ciências e Matemática pela UNICAMP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática 
da UFPA/REAMEC. Email: tevalim@gmail.com.
EDUCAÇÃO
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Revista ACTA Tecnológica - Revista Científica - ISSN 1982-422X , Vol. 6, número 2, jul-dez. 2011
BASES EPISTEMOLÓGICAS SUBJACENTES AO ENFOQUE CTS NO ENSINO DE QUÍMICA
INTRODUÇÃO
O ensino de Ciências, desde o século XV até 
os dias atuais, tem se pautado no paradigma cartesiano-
newtoniano que favoreceu, por muito tempo, o 
materialismo, o racionalismo e uma visão fragmentada 
do mundo e das Ciências. Isso se constata pela própria 
formação dos professores nesta área do conhecimento que 
não reflete sobre a prática pedagógica. Como consequência, 
não se prioriza um ensino que proporcione ao aluno o 
desenvolvimento de habilidades como autonomia, visão 
crítica e interdisciplinar da Ciência, impossibilitando, 
assim, a instituição de verdadeiros diálogos entre esta e as 
demais áreas do conhecimento científico.
Neste artigo, pretendemos enfatizar a existência 
de uma abordagem relacional entre Ciência, Tecnologia 
e Sociedade (CTS) no ensino de Química. Para que isso 
ocorra, de forma compreensível por parte do leitor, 
torna-se necessário o delineamento de alguns aspectos e 
questões, tais como o histórico do ensino de Ciências no 
Brasil, o surgimento do Movimento CTS, a inclusão desta 
temática no Ensino de Química, assim como uma análise 
de questões pedagógicas e epistemológicas que sustentam 
essa abordagem. 
O ENSINO DE QUÍMICA NO BRASIL E O 
MOVIMENTO CTS: UMA VISÃO SOCIALMENTE 
SIGNIFICATIVA PARA O ENSINO DAS CIÊNCIAS
Um fato importante a considerar é que o século 
XX foi marcado por importantes revoluções no campo 
das Ciências, graças à criação da Teoria da Relatividade, 
criada por Einstein, e à Teoria Quântica. O que implicou, 
diretamente, em quase todos os setores da sociedade 
industrializada, ocasionando consequências drásticas à 
sociedade, a exemplo da eclosão da bomba atômica. 
 Para consideração inicial, Capra (1982) 
e Granger (1994) explicitam o seguinte:
...este quadro de situações “catastróficas” foi 
pintado devido o investimento das sociedades 
desenvolvidas no paradigma cartesiano que 
acabou por desvincular Deus, Moral ou Ética da 
Ciência e Tecnologia (C&T).
Foi a partir da segunda metade do século passado 
que algumas evidências puseram em questão a utilidade da 
ciência moderna, pois constataram que problemas de cunho 
ambiental se acentuavam cada vez mais. Além disso, uma 
maciça produção tecnológica passava a estar a serviço da 
belicosidade entre nações, em contraponto aos caminhos 
lógicos da ciência. Nascia, então, uma nova forma de pensar 
a inter-relação entre a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade, 
que foi chamada de “Movimento CTS” (AULER e BAZZO, 
2001).
O CTS é um movimento internacional de 
reforma do ensino das ciências, desenvolvido desde meados 
da década de 1980, com ênfases curriculares que requerem 
metodologias e abordagens inovadoras de ensino de 
ciências, como assevera Azevedo et al. (2002). No Brasil, 
tais reflexões tomaram assento nos ensaios de Fourez 
(1995), Santos e Mortimer (2000) e Cruz e Zylbersztajn 
(2001). A importância do enfoque CTS decorre do fato de 
buscar relacionar aspectos sociais, políticos e econômicos 
com as implicações advindas da Ciência eTecnologia.
A visão de que o professor, geralmente, 
manifesta, na escola, uma perspectiva contrária à relação 
CTS pode ser expressa pelas idéias de Oliveira (2001), 
Santos (2002), Santos e Schenetzler (2003) e Pietrocola 
(2001):
... O papel do professor é tido como aquele que 
professa para as mentes “receptoras” vazias de 
conhecimentos e a aprendizagem se viabiliza pela 
repetição mecânica de exercícios que buscam a 
aplicação de teorias expostas. Assim se configura 
a influência da concepção que se tem de Ciências 
com o ensino praticado em sala de aula. 
De outra forma, para Santos e Schenetzler 
(2003) trata-se de uma nova forma de se compreender as 
inter-relações entre a ciência e a tecnologia, com a adoção 
de uma nova ênfase curricular que implica outra escolha 
de conhecimentos e saberes os quais serão transformados 
em ‘conteúdos disciplinares’. Tal concepção permitirá 
que a sociedade possa integrar-se como sujeito desta 
aprendizagem por meio da utilização de temas que permitam 
uma investigação do contexto no qual o estudante se insere. 
 No Brasil, o Movimento CTS está 
presente nos documentos oficiais da legislação brasileira, 
a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), 
fortalecendo, assim, uma nova educação científica com 
foco na formação dos cidadãos.
Teixeira (2003, p. 1) explicita os propósitos CTS 
da seguinte forma:
O movimento CTS no ensino de Ciências pode 
propor uma Educação Científica de maneira 
diferenciada, contribuindo para a formação 
educacional vista como instrumental para a 
formação da cidadania e transformação da 
sociedade em função dos interesses populares.
Isso quer dizer que o movimento CTS configura-
se como uma alternativa ao ensino tradicional praticado, 
atualmente, no ensino das ciências, especificamente, no de 
Química. Embora ainda não considerada em âmbito escolar, 
as questões culturais e sócio-ambientais são relevantes para 
a construção da cidadania do aluno, ao tempo em que ele 
aprende Ciências no curso de sua escolaridade. 
Nessa perspectiva, Santos e Mortimer (2002, 
p. 3) nos afirmam que os trabalhos curriculares em CTS 
surgiram como decorrência da necessidade de formar o 
cidadão em ciência e tecnologia, o que não vinha sendo 
alcançado adequadamente pelo ensino convencional de 
ciências.
Por outro lado, é defensável por Santos e 
Schnetzler (2003, p.94), que o objetivo central do ensino 
de Química para formar o cidadão, é preparar o indivíduo 
para que ele compreenda e faça uso das informações 
químicas básicas necessárias para sua participação 
efetiva na sociedade tecnológica que vive, uma vez que o 
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BASES EPISTEMOLÓGICAS SUBJACENTES AO ENFOQUECTS NO ENSINO DE QUÍMICA
ensino levaria o aluno a compreender os fenômenos mais 
diretamente ligados à sua vida cotidiana, a saber manipular 
as substâncias com as devidas precauções, a interpretar 
as transformações químicas transmitidas pelos meios 
de comunicação; a compreender e avaliar as aplicações 
e implicações tecnológicas e a tomar decisão frente aos 
problemas sociais relativos à Química.
 Quanto ao ensino de Química no Brasil, já é 
notório que o mesmo tem se pautado na mera transmissão 
de informações, definições e leis isoladas, sem qualquer 
relação com a vida do aluno. Isso porque se exige deste, 
quase sempre, pura memorização de denominações ou 
nomenclaturas, definições e fórmulas. 
Deliezoicov et al. (2002) nos afirma que: 
O senso comum no ensino de Química 
está marcadamente presente em atividades 
como: regrinhas e receituários; classificações 
taxonômicas; valorização excessiva pela repetição 
sistemática de definições, funções e atribuições de 
sistemas vivos e não vivos; questões pobres para 
prontas respostas igualmente empobrecidas; uso 
indiscriminado e acrítico de fórmulas e contas 
em exercícios reiterados; tabelas e gráficos 
desarticulados ou pouco contextualizados 
relativamente aos fenômenos contemplados; 
experiências, cujo único objetivo, é a verificação 
da teoria .
Em outros momentos, o ensino de Química 
privilegia aspectos teóricos, em níveis de abstração 
inadequados aos estudantes, muito embora estes sejam 
vistos como “tábuas rasas” e a ciência como verdade 
absoluta, pronta e acabada, inquestionável e imutável. 
Dessa forma, a compreensão das questões químicas fica 
relegada à iniciativa do aluno.
 Santomé (1997, p. 7) ao refletir acerca do 
ensino praticado nas escolas ditas “tradicionais” enfatiza 
que o problema dessas escolas, onde se dá grande ênfase 
aos conteúdos apresentados em pacotes disciplinares, é não 
conseguirem fazer com que os alunos sejam capazes de ver 
esses conteúdos como parte do seu próprio mundo.
Além disso, chamamos a atenção para o fato de 
que o uso indiscriminado do conteúdo escolar da Química 
como elemento de simples memorização de símbolos, 
fórmulas e nomes de substâncias em nada contribui para o 
desenvolvimento de competências e habilidades cognitivas 
desejáveis para o estudante. No ensino médio de Química, 
o que está em cheque é, principalmente, a formação do 
aluno-cidadão, capaz de interagir com o meio-ambiente em 
que vive – porque o compreende - de forma responsável 
e solidária.
Zanon e Maldaner (2001) refletem sobre 
aprendizagens superficiais e restritas que pouco contribuem 
para a formação de um cidadão crítico e apto a tomar 
decisões diante de situações do seu dia a dia. E a escola é a 
principal responsável pela formação de cidadãos cuja visão 
de mundo seja comprometida com o esclarecimento e com 
a gestão dos problemas mais relevantes do mundo em que 
vivem.
Destarte, convém ressaltar que, para a construção 
da cidadania, devem ser abordados, no cotidiano da sala 
de aula, conhecimentos socialmente relevantes, que façam 
sentido e possam se integrar à vida do aluno. A própria Lei 
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, BRASIL, 1999) 
prescreve o seguinte:
Os conteúdos escolares devem ser abordados a 
partir de temas que permitam a contextualização 
do conhecimento. Não se pretende que esses 
temas sejam esgotados, mesmo porque as inter-
relações conceituais e factuais podem ser muitas 
e complexas. Esses temas, mais do que fontes 
desencadeadoras de conhecimentos específicos 
devem ser vistos como instrumentos para uma 
primeira leitura integrada do mundo com as lentes 
da Química.
Para se levar isso em conta, torna-se 
imprescindível superar o ensino usual cuja prática se acha 
comprometida, pois como bem assinala Mizukami (1986, 
p.14), este ensino “tradicional” se caracteriza justamente 
pelo verbalismo do mestre e pela memorização do aluno. 
Os alunos são simplesmente instruídos e ensinados 
pelo professor. Evidencia-se preocupação apenas com a 
forma acabada, uma vez que as tarefas de aprendizagem 
quase sempre são padronizadas. Isso implica em o aluno 
poder recolher-se à rotina para conseguir a fixação de 
conhecimentos, de conteúdos e de informações. Ao 
contrário, passa a ser desejável que os conhecimentos 
difundidos no ensino da Química no ensino médio permitam 
a construção de uma visão de mundo mais articulada e 
menos fragmentada, contribuindo para que os indivíduos 
se vejam como participantes de um mundo em constante 
transformação.
Nessa perspectiva, a abordagem interdisciplinar, 
advinda do movimento de conjunção entre várias 
disciplinas, para assegurar a integração curricular, tem 
levado pesquisadores das mais variadas áreas das ciências a 
promoverem um amplo debate acerca de sua aplicabilidade 
no processo educacional como um todo. Trata-se, assim, 
de romper as barreiras existentes entre as disciplinas e seus 
especialistas.
Por outro lado, esta concepção de 
interdisciplinaridade já fazia parte, de certa forma, da 
visão de conhecimento de filósofos gregos como Sócrates, 
Platão e Aristóteles, já que o conhecimento não seguia 
uma cadeia hierárquica segmentada de “disciplinas” ou de 
idéias isoladas e sem relação umas com as outras, como 
ocorre nos dias de hoje. Nos discursos de Sócrates, a 
interdisciplinaridade aparece como interlocutora em seus 
manuscritos chamados “Diálogos”, os quais associavam 
os mais variados temas, numa perspectiva interideacional 
unificadora (CARDOSO et al., 2008, p.23).
Na legislação educacional brasileira do ensino 
médio, a interdisciplinaridade é tratada pelas Diretrizes 
Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM, 
regulamentada pela Resolução CNE/CEB N° 04/96 e 
Parecer CNE/CEB N° 05/96, que se subdivide em três 
grandes áreas: (i) Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias; 
(ii) Ciências da Natureza, Matemática e Suas Tecnologias, 
e (iii) Ciências Humanas e Suas Tecnologias. 
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BASES EPISTEMOLÓGICAS SUBJACENTES AO ENFOQUE CTS NO ENSINO DE QUÍMICA
Os maiores disseminadores da 
interdisciplinaridade no Brasil são Ivani Fazenda e Hilton 
Japiassú, cujas formações acadêmicas receberam o viés 
da experiência européia, notadamente a francesa. As 
referências de ambos são muito semelhantes e possuem, no 
Francês, Georges Gusdorf, um denominador comum. 
O marco inicial da disseminação da 
interdisciplinaridade no Brasil foi o lançamento do livro 
de Japiassú (1976) intitulado “Interdiscisciplinaridade 
e patologia do saber”, com prefácio do próprio Gusdorf. 
Nele o autor centra suas construções para a questão 
epistemológica. Por sua vez, Ivani Fazenda vai direcionar 
seus estudos interdisciplinares para a o campo pedagógico 
e instaura um dos mais eficazes programas de pesquisa 
sobre interdisciplinaridade na educação, fomentando, ao 
longo destes últimos trinta anos, diversas produções sobre 
o tema, com mais de uma dezena de livros já publicados. 
Japiassú (1976, p.61), ao discutir o conceito de 
interdisciplinaridade, afirma que isso implica em discutir 
o conceito de disciplina, uma vez que se trata de “uma 
progressiva exploração científica especializada numa certa 
área ou domínio homogêneo de estudo”. Ele nos diz ainda 
que:
O formalismo jurídico de uma teoria abstrata, 
desligado de toda referência à vida real, pode 
conduzir aos piores absurdos, traindo, assim, a 
essência mesma da função jurídica. De modo 
semelhante, o formalismo rigoroso desta ou 
daquela teoria cientifica pode desenvolver, sob 
aparências enganadoras da perfeita exatidão, o 
desconhecimento das implicações próximas e 
longínquas da existência humana. As práticas 
interdisciplinares, portanto, tendem a buscar a 
unicidade do conhecimento, onde a integração 
de todas as disciplinas e a ligação delas com 
a realidade do aluno dão um outro sentido ao 
conhecimento (JAPIASSÚ, 1976, p. 17).
Fazenda (2001), por sua vez, sustenta a defesa 
da interdisciplinaridadecomo sendo a “integração de 
disciplinas”, uma vez que “elas precisam estabelecer 
canais de comunicação e colaboração, possibilitando 
assim construir referenciais teórico-metodológicos mais 
ampliados sobre situações e problemas da realidade”. 
Para a autora, os professores não foram preparados 
para trabalharem interdisciplinarmente, devido as suas 
formações terem ocorrido sob o paradigma cartesiano. 
Portanto, sentem-se inseguros frente à nova tarefa de 
integrar disciplinas. 
É bom frisar que, como forma de integrar os 
conhecimentos disciplinares, tem-se a observar outros 
conceitos importantes, tais como a multidisciplinaridade, 
a intradisciplinaridade, a pluridisciplinaridade e a 
transdisciplinaridade, que apresentam significados 
diferentes no contexto educacional. 
Para Chassot (2000), considerado um dos 
maiores defensores da inserção da História nos Currículos 
Escolares, a História da Ciência é uma facilitadora da 
alfabetização científica do cidadão e da cidadã. Segundo 
o mesmo autor, o termo facilitador não deve ser entendido 
como um mero instrumento acessório para facilitar 
a alfabetização científica. É o contrário, já que não é 
possível ensinar História da Ciência a quem não tenha uma 
alfabetização científica mínima.
Nesta discussão merece também destaque a 
noção de Alfabetização Científica, que foi um movimento 
que se consolidou nos anos 70 na área da educação em 
ciências, em função dos avanços científicos e tecnológicos 
e suas repercussões na sociedade. 
Quanto aos conteúdos escolares de Química, 
estes devem ser abordados a partir de temas que 
permitam a contextualização do conhecimento. Não 
se pretende que esses temas sejam esgotados, mesmo 
porque as inter-relações conceituais e factuais podem 
ser muitas e complexas. Esses temas, mais do que fontes 
desencadeadoras de conhecimentos específicos, devem 
ser vistos como instrumentos para uma primeira leitura 
integrada do mundo com as lentes da Química.
Para Freire (1987) é preciso superar a “educação 
bancária”, através do estabelecimento de uma relação 
dialógica entre os sujeitos do conhecimento (professor e 
aluno), para desvelamento do mundo. Como ele mesmo 
nos diz:
Em lugar de comunicar-se o educador faz 
“comunicados” e depósitos, que os educandos, 
meras incidências, recebem pacientemente, 
memorizam e repetem. Eis aí a concepção 
“bancária” de educação, em que única margem 
de educação que se oferece aos educandos é de 
receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. 
Margem para serem colecionadores ou fixadores 
das coisas que arquivam. No fundo, porém, os 
grandes arquivados são os homens, nesta (na 
melhor das hipóteses) equivocada concepção 
“bancária” de educação. Arquivados, porque, fora 
da busca, fora da práxis, os homens não podem 
ser. Educador e educando se arquivam na medida 
em que, nesta distorcida visão de educação, não 
há criatividade, não há transformação, não há 
saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, 
na busca inquieta, impaciente, permanente, que os 
homens fazem no mundo, com o mundo e com os 
outros (FREIRE, 1987, p. 33).
Ademais, uma nova abordagem de ensinar 
Química no ensino médio, que tem sido muito utilizada em 
alguns países, sobretudo Portugal e Espanha, é a que utiliza 
a metodologia CTS, a qual consiste em uma metodologia 
diferenciada de ensino, ganhando, atualmente, relevância 
no ambiente escolar no Brasil.
Diversas contribuições nessa perspectiva CTS 
foram desenvolvidas no Brasil, a exemplo de Ambrogi e 
Colaboradores (1987), em suas “Unidades Modulares 
de Química”; Lutfi (1988), em seu livro “Cotidiano 
e Educação em Química”; o “Proquim – Projeto de 
Ensino de Química para o 2º Grau” (SCHNETZLER et 
al., 1986); o “Gepeq – Grupo de Pesquisas em Educação 
Química” (PITOMBO et al., 1995); o “Aprendendo 
Química” (Romanelli e Justi, 1997); o “Química para o 
Ensino Médio” (MORTIMER e MACHADO, 2002), e o 
“PERQUIS – Projeto de Ensino de Química e Sociedade” 
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BASES EPISTEMOLÓGICAS SUBJACENTES AO ENFOQUE CTS NO ENSINO DE QUÍMICA
(UnB).
ALGUNS ASPECTOS 
EPISTEMOLÓGICOS DO ENFOQUE CTS NO 
ENSINO DE QUÍMICA.
A abordagem CTS, por ser uma alternativa 
pedagógica no ensino de ciências em superação à 
fragmentação, tem sido muito utilizada por algumas áreas 
do conhecimento científico (a exemplo da Química), cujo 
foco está na formação cidadã do aluno. Segundo Teixeira 
(2003), o movimento CTS está assentado sob uma base 
conceitual das teorias progressistas em educação.
Do ponto de vista epistemológico, como 
uma primeira tentativa de aproximação pedagógica, vê-
se a interligação da abordagem CTS com as bases do 
novo paradigma emergente das Ciências - a Teoria da 
Complexidade - e que tem como um de seus maiores 
expoentes, o Francês Edgar Morin. Para ele, o paradigma 
da modernidade está assentado no pensamento complexo, 
numa visão de totalidade científica (Holismo - visão da 
realidade, do mundo e do homem) que o conhecimento deve 
permear em contraponto à neutralidade e fragmentação do 
conhecimento do século XX.
Para Morin (2002), as disciplinas devem levar em 
conta tudo o que lhes é contextual, trazendo sua linguagem 
e seus conceitos para a vida, tornando-as abertas e, ao 
mesmo tempo, fechadas em uma postura de solidariedade. 
Segundo o mesmo autor, o conhecimento 
científico deve ser organizado de forma a estabelecer 
ligação entre as culturas divorciadas. A partir daí, deverão 
surgir as grandes finalidades do ensino, que deveriam 
ser inseparáveis: i) promover uma cabeça bem feita em 
lugar de uma bem cheia; ii) ensinar a condição humana 
a começar a viver; iii) ensinar a enfrentar a incerteza; iv) 
aprender a se tornar cidadão. Deverá buscar-se, ainda, a 
“religação dos saberes” que foram fragmentados em função 
da superespecialização das disciplinas, com o propósito de 
as disciplinas poderem dialogar entre si, estabelecendo 
conexões com o cotidiano. 
Além disso, para o mesmo autor, a inteligência 
parcelar, compartimentada, mecânica, disjuntiva, 
reducionista, quebra o complexo do mundo, produz 
fragmentos, fraciona os problemas, unidimensionaliza o 
multidimensional (MORIN, 1999, p. 31).
É nesse aspecto que a abordagem CTS no 
ensino de Química tem estreita relação com a Teoria da 
Complexidade de Morin, na medida em que as práticas 
pedagógicas que se sustentam sobre esta abordagem devem 
contribuir para o reconhecimento do pensar sistêmico, 
complexo e ético, e que possam caracterizar a prática 
educativa. É preciso substituir a visão tradicional do 
conhecimento como algo estável e seguro por algo dotado 
de complexidade que tem de se adaptar constantemente a 
diferentes contextos e cuja natureza é incerta.
Outra tentativa de aproximação epistemológica 
do enfoque CTS é com a Teoria Progressista Libertadora, 
em cujos representantes aponta-se Dermeval Saviani, 
Pedro Demo, Libâneo e Paulo Freire, a quem centraremos 
um olhar mais atento.
Destaca-se que Freire foi defensor de uma teoria 
que consiste num movimento transformador e crítico 
que combate a alienação, contribuindo para a formação 
de homem instrumentalizado para atuar na sociedade no 
sentido de sua transformação. Para ele, os alunos, por sua 
vez, constroem seu conhecimento deixando de ser apenas 
meros espectadores de um conhecimento bancário. 
Como nos aponta Lustosa (2007), é na 
perspectiva freireana de intervenção CTS que se estabelece 
uma nova relação com as experiências vividas pelos 
alunos, não se preocupando com a mera transmissão de 
conteúdos específicos. A vivência cotidiana dos alunos 
é retratada no que chamamos de “temas geradores” ou 
“temas químicos sociais”. A motivação da aprendizagem 
vem da própria problematização social, pois o aprender e 
conhecer da realidade vivida de forma crítica leva a uma 
transformação. As práticas pedagógicas com base nessa 
abordagem enfatizam o ensinar/aprender num processo em 
que alunos e professoresparticipam igualmente.
Reforçando esta linha de pensamento citamos 
Freire (1987, p. 40), que nos diz que: 
Quanto mais se problematizam os educandos, 
como seres no mundo e com o mundo, tanto 
mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, 
quanto mais obrigados a responderem aos desafios. 
Desafiados compreendem o desafio na própria 
ação de captá-lo. Mas precisamente porque captam 
o desafio como um problema em suas conexões 
com outros, num plano de totalidade, e não como 
algo petrificado, a compreensão resultante tende 
a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada 
vez mais desalienada.
Ainda nesta concepção Freireana, a educação 
tem um valor inestimável como força motriz de mudança 
e libertação, como instrumental de formação política e 
reflexão sobre os problemas do país e do mundo, sendo 
capaz de gerar uma nova postura diante dos problemas que 
nos afetam. Ademais, a sua perspectiva emancipadora no 
ensino escolar, não implica secundarizar outras dimensões 
igualmente importantes e que devem estar incluídas no 
processo formativo dos jovens, tais como, a questão dos 
conteúdos específicos, a formação científica, a formação 
de habilidades e competências, e diversos outros requisitos 
necessários à vida individual e social.
Uma terceira aproximação do enfoque CTS no 
Ensino de Ciências se insere nas discussões apresentadas 
pela pesquisadora portuguesa Maria Eduarda Vaz Santos 
(2005), ao trazer para o século XXI o conceito de “nova 
cidadania” para a pós-modernidade científica e cultural.
Segundo Santos (2005, p. 141-142) a trilogia 
CTS passa a ter um novo significado ao contrário do que 
aconteceu ao longo do século XX: ter sido tratada como 
mera abordagem, enfoque ou movimento pedagógico de 
abordagem das ciências. Eleva-se, portanto, à categoria 
de “educação CTS”, com o propósito de inserir um novo 
conceito de “cidadania pós-moderna”, como sendo 
aquela mais autônoma, democrática, cultural, crítica e 
ativa, haja vista a multiplicidade de dúvidas ensejadas pela 
pós-modernidade. 
Santos (2005, p. 143) nos diz que a investigação 
acadêmica CTS centra-se numa análise de tipo conceptual 
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BASES EPISTEMOLÓGICAS SUBJACENTES AO ENFOQUE CTS NO ENSINO DE QUÍMICA
e em estudos empíricos relacionados com a dimensão 
social da ciência e da tecnologia. Focaliza os antecedentes 
científicos e tecnológicos dos problemas sociais, mas não 
tem como intenção explícita uma projeção prática e política 
imediata.
Para este novo conceito de cidadania que foi 
formulado pela autora acima citada o cidadão deve atingir 
o que ela chama de “conhecimento emancipado”, no qual 
o mundo real não prescinde de sua participação pessoal nas 
questões do cotidiano e são levados em conta os aspectos 
éticos, culturais e políticos de cada situação, dotados de 
uma problematização holística. Como ela mesma nos diz 
que:
Em termos escolares, a educação CTS procura 
aproximar-se de uma racionalidade CTS. Insere-
se numa mutação disciplinar de sentido humanista 
e cultural. Inclui juízos, reflexões e ações sobre 
o exercício da cidadania permeando o ensino 
substantivo das disciplinas. Tende a traduzir-se em 
diferentes modalidades curriculares. Modalidades 
que valorizam vectores tais como o diálogo de 
saberes, a educação para os valores, a educação 
para os direitos humanos, a pedagogia de projeto, 
a construção da cidadania, a aula como espaço de 
participação, etc (SANTOS, 2005, p. 152).
Por fim, cabe-nos enfatizar que no campo 
disciplinar e, mais especificamente, no ensino das Ciências 
(pós-moderna), como ela mesma o define, este novo olhar 
sobre a tríade CTS pretende romper com o que chama de 
“ensino de ciência pura” para aproximar-se do que passa 
a chamar de “concepção CTS de ensino das Ciências”, 
numa perspectiva de emancipação do conhecimento 
efetivado por cidadãos autônomos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O século XXI se apresenta marcado por 
profundas transformações sociais, vinculadas a definições 
no campo científico-tecnológico e que tem acarretado 
implicações diretas no modo de viver das pessoas, sobretudo 
no sistema educacional. Tal constatação faz surgir novas 
propostas curriculares a cada dia no ambiente escolar, com 
a finalidade de dar mais sentido ao ensino/aprendizagem e, 
consequentemente, romper com a linearidade disciplinar e 
a fragmentação do conhecimento científico. 
Assim, o movimento CTS no ensino de Química 
carrega em suas postulações epistemológicas noções que 
encontram pontos de convergência em relação às propostas 
defendidas pelas pedagogias de orientação progressista. 
Como exemplo disso tem-se a pedagogia libertadora de 
Freire, além do pensamento complexo de Morin, ao mesmo 
tempo em que se insere um “novo conceito de cidadania” 
para o século XXI, que segundo Santos (2005) é mais 
autônoma, democrática, cultural, crítica e ativa, haja vista a 
multiplicidade de dúvidas ensejadas pela pós-modernidade.
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