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PINTURA / METAPINTURA Sobre as obras recentes de Isabel Almeida Garrett Numa época dominada pelas intervenções artísticas «expandidas» dentro da panóplia do universo cada vez mais avassalador da multimédia, as pinturas que Isabel Almeida Garrett nos apresenta, nos seus suportes e tecnologia mais «tradicionais», podem parecer «fora do tempo», mas o que elas são, sem sombra de dúvida é, simultaneamente e de modo paradoxal, algo de todos os tempos e profundamente do seu tempo! Em primeiro lugar, porque são uma permanente interrogação de imagens de imagens e sobre imagens, em encadeamentos difusos e por vezes de extensão e limites imprecisos, convocando lembranças fugidias de eventos, de texturas e de emoções, cenas cinematográficas «reais» ou «inventadas» pela própria Memória, enquadramentos fotográficos em instantâneos ou em supostas longas exposições… Em segundo lugar, porque são sempre inexoravelmente Pintura: manchas, pinceladas, definição maior ou menor de contornos, desenho solto a pincel, velaturas e sobreposições, cores poderosas, luz e sombras… Pintura que se faz de imagens de imagens, de emoções gritadas ou ensurdecidas pelas cores mais luminosas ou mais noturnas, de fronteiras entre elementos figurais e planos de fundo, que por vezes trocam de posição entre si, de poéticas de espaços, de lugares e de eventos que tanto são desenhadas, como manchadas, texturadas ou simplesmente apontadas, em suma, de tempos e de narrativas contados por imagens delicada e pacientemente pintadas, ou, se quisermos, por porções de pintura que por um especial sortilégio da sua elaborada execução nos aparecem como «estórias» contadas nunca deixando de ser Pintura… Por vezes, somos transportados para dentro da tela por meio de subtis apontamentos que sugerem, no primeiro plano, um espectador da cena, que nos duplica, convidando-nos a decifrar, nos confins das nossas infindas memórias pessoais ou de civilização, os filmes, as obras pretéritas da História, as situações vivenciadas, ou qualquer outra coisa com que nos identificámos no momento em que fruímos ou nos apropriámos daquelas imagens. Noutros casos, porventura os mais numerosos desta curta mas significativa série de 2016, com um único quadro de 2015, os por vezes inusitados enquadramentos «fotográficos» ou até «cinematográficos» convocam o palimpsesto de imagens que é a arte de todos os tempos, sedimentando as evocações dos detalhes, as lembranças de gestos e as memórias de eventos em inesperados «quadros» de um certo quotidiano reinventado a partir de situações mais ou menos comuns mas sempre de um universo interpessoal e relacional. Mas o que finalmente se desprende dessas mesmas «cenas», afinal, não são necessariamente as narrativas extrapictóricas ou as referências vagamente cinematográficas de imagens sobre imagens, mas a poderosa resolução pictórica das composições, plasmada em pinceladas vigorosas ou delicadas e em opulentas gradações cromáticas, tanto de tonalidades em que predomina a gama dos azuis e até a dos verdes, como de intervenções em que sobressaem toques de outros tons mais quentes, nas gamas dos vermelhos e dos ocres, sublinhando acentuações emotivas dessas eventuais narrativas. Isabel Almeida Garrett apresenta-nos, assim, uma pintura que se torna numa metapintura ao interrogar, de modo notável e com profunda originalidade, as possibilidades atuais da própria Pintura, e, em especial, a relação das imagens não-pictóricas, quer as da memória, quer as de outros media, com a brilhante e sofisticada execução pictural, a relação entre conteúdos e superfície, ou entre a autonomia do pictórico e a emancipação do espectador… Lisboa, Setembro-Outubro de 2016. Fernando António Baptista Pereira PAINTING / METAPAINTING On the recent works by Isabel Almeida Garrett In a time controlled by “expanded” artistic interventions within an increasingly overwhelming multimedia universe, the paintings presented by Isabel Almeida Garrett may seem “outdated”, due to the artist’s usage of more “traditional” supports and techniques. However, they are undoubtedly, simultaneously and paradoxically, something of all times and deeply immersed in their time! Firstly, they are a permanent questioning of images of and about images, in diffuse sequences and sometimes of imprecise lengths and limits, summoning illusive remembrances of events, textures and emotions, “real” or “invented” movie scenes, by Memory itself, photographic framings in snapshots or imagined “long” exposure times… Secondly, they are always and inexorably Painting: color shades, brush strokes, higher or lower definition of the outlines, free brush drawings, glazes and superposition of layers, powerful colors, light and shadows… This is a kind of Painting that is composed of images of images, of emotions shouted out by lighter colors or numbed out by their nightly counterparts. That is composed of borders between figurative elements and backgrounds that sometimes switch positions. That is composed of a poetics of spaces, locations and events that can either be drawn or blurred, textured or merely indicated. In summary, times and narratives told through delicate imagery painstakingly painted. Or, if we may say so, portions of painting that, by the particular enchantment of their elaborate making, appear to us as “tales” told – and yet they remain Painting… Sometimes we are transported to the inside of the painting through subtle notes that suggest, in the foreground, a spectator of the scene, who duplicates us and invites us to decipher, with the help of our most remote and endless personal or civilizational memories, the movies, the past works of History, experiences or anything else with which we identified in the moment that we enjoyed or mentally captured those images. In other situations (probably the most numerous of this short but significant 2016 series – only one painting is from 2015) the sometimes unexpected “photographic” or even “cinematic” framings convoke the image palimpsest that composes the art of all times, consubstantiating the summoning of details, the remembrances of gestures and the memory of events in surprising “tableaux” of a certain daily life, reinvented from more or less common situations, that, nonetheless, always belong to an interpersonal and relational universe. Finally, the legacy of these same “scenes”, after all, does not lie in the extrapictorial narratives or in the vaguely cinematographic references of images on images. Its strength resides in the powerful pictorial resolution of compositions, shaped by the either vigorous or delicate brushstrokes and by the opulent chromatic gradations, that oscillate between blue and green tonalities and touches of warmer tones, red and ochre, underlining the emotional details of those possible narratives. Isabel Almeida Garrett presents us, thus, with a Painting that becomes a Metapainting when the artist questions, remarkably and originally, the current possibilities of Painting itself and, in particular, the relationship of non-pictorial images (from memory or other media) with a brilliant and sophisticated pictorial making, with the relationship between contents and surface, or with the discussion between the autonomy of pictorial works and the spectator’s emancipation… Lisbon, September and October 2016 Fernando António Baptista Pereira
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