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Ciência e Arte na Pintura

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REVISTA E BOLETIM 
ACADEMIA NACIONAL DE BELAS ARTES 
 
 
LISBOA 2023 | 3.ª SÉRIE N. 40 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REVISTA E BOLETIM 
ACADEMIA NACIONAL DE BELAS ARTES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA TÉCNICA 
 
 
TÍTULO 
Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas Artes 
 
 
COORDENAÇÃO GERAL 
Natália Correia Guedes 
Alberto Reaes Pinto 
 
 
COLABORADORES 
Álvaro Lobato Faria 
António Pedro Vasconcelos 
Christopher Bochmann 
Cristina de Sousa Azevedo Tavares 
Emília Nadal 
Hugo Ferrão 
João Jorge Duarte 
José Joaquim Mendes Hormigo 
José Manuel Fernandes 
José Sasportes 
José Trindade Chagas 
Mário Varela Gomes 
Paulo Monteiro 
Rui Nery 
Teresa Leonor M. Vale 
Vasco Nuno Figueiredo de Medeiros 
Vitor Veríssimo Serrão 
 
 
 
 
 
 
 
EDIÇÃO DE TEXTO E IMAGEM 
Andreia Cunha da Silva 
 
IMAGEM DE CAPA 
Atelier B2 Design 
[José Brandão | Alexandra Viola] 
 
ISSN: 2184-6952 
DEPÓSITO LEGAL: 215394/2004 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REVISTA E BOLETIM 
ACADEMIA NACIONAL DE BELAS ARTES 
 
 
 
 
LISBOA 2023 | 3.ª SÉRIE N.O 40 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Índice 
 
 AS ACADEMIAS EM DIÁLOGO COM A CIÊNCIA E A CULTURA: 
 O PASSADO E O FUTURO 
 27 de Novembro de 2017 
 
9 
 SESSÃO SOLENE DE REABERTURA DA 
 ACADEMIA NACIONAL DE BELAS ARTES 
 7 de Março de 2023 
21 
 SESSÃO SOLENE DE RECEPÇÃO DOS NOVOS ACADÉMICOS 
 18 de Outubro de 2023 
39 
 
 
 COMUNICAÇÕES ACADÉMICAS 
 
Bairro de Nova Oeiras: vinte anos de recuperação, 2002-2022 
JOSÉ MANUEL FERNANDES 
14 deFevereiro 
 
67 
A relação entre a música e o texto 
CHRISTOPHER BOCHMANN 
14 de Fevereiro 
 
75 
A presença da música e da dança na obra de Columbano e da geração naturalista (e 
na passagem para o modernismo): uma nova orquestração para o retrato 
CRISTINA DE SOUSA AZEVEDO TAVARES 
14 de Março 
 
95 
A ciência da pintura: evidências científicas da pintura quinhentista portuguesa 
VASCO NUNO FIGUEIREDO DE MEDEIROS 
14 de Março 
 
105 
Suspensão metafísica nos objectos corpóreos retabulares de Francisco Trabulo 
HUGO FERRÃO 
18 de Abril 
 
127 
A Academia de Portugal em Roma ao tempo de D. João V: cronologia, espaço, 
funcionamento 
TERESA LEONOR M. VALE 
16 de Maio 
 
139 
A fortificação de Quelba/Khor Kalba (Emirado de Sharjah, EAU), no Golfo de 
Omã. Identificação e testemunhos 
MÁRIO VARELA GOMES, RUI CARITA, ROSA VARELA GOMES 
20 de Junho 
 
165 
Constantin Brancusi - A mística da forma 
ÁLVARO LOBATO DE FARIA 
13 de Novembro 
185 
 
 
 
 
Santo António dos Cavaleiros e a Industrialização da construção/prefabricação 
total pesada em Portugal 
ALBERTO REAES PINTO 
11 de Dezembro 
 
195 
José Maria Veloso Salgado (1864-1945): Mestre e Pedagogo 
JOSÉ TRINDADE CHAGAS 
11 de Dezembro 
 
213 
 
 ELOGIOS ACADÉMICOS 
José Augusto-França: Presidente da Academia Nacional de Belas Artes 
NATÁLIA CORREIA GUEDES 
12 Deszembro de 2022 
 
243 
Elogio académico ao Doutor Pedro Manuel Guedes de Passos Canavarro 
EMÍLIA NADAL 
11 de Abril de 2023 
 
247 
 
 NOTÍCIAS 249 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Jan van der Straet 
(c. 1580-1606) 
Color olivi. Série Nova Reperta 
Publicado por Philips Galle 
Gravura 
URL : 
https://www.britishmuseum.
org/collection/object/P_1948-
0410-4-204 
 
105 
 
 
 
 
 
 
 
 
A ciência da pintura: 
evidências científicas da pintura 
quinhentista portuguesa 
 
 
 
VASCO NUNO FIGUEIREDO DE MEDEIROS 
Investigador Integrado do ARTIS-IHA 
Faculdade de Letras 
Universidade de Lisboa 
 
 
 
Resumo 
 
Na década de noventa do século XV Leonardo da Vinci concluiu os primeiros 
cadernos do Codex Urbinas caracterizando pela primeira vez a pintura enquanto ciência: 
«A ciência da pintura compreende todas as cores da superfície e as figuras dos corpos cobertas com elas, e a 
sua proximidade e afastamento, segundo a proporção entre as diferentes diminuições e as diferentes 
distâncias (…)». Note-se, porém, que em finais do século XV o processo de cientificação da 
pintura contava já com meio século de lenta e progressiva edificação. Este, iniciou-se na 
década de trinta com Jan van Eyck e a criação da óptica pictórica e com Leon Battista 
Alberti e a teorização da perspectiva artificial. Também a pintura quinhentista portuguesa, 
erradamente apelidada «Primitiva», reúne em si toda uma série de características e 
evidências que importa conhecer e desvendar e que a equiparam técnica e 
cronologicamente com a vanguarda da pintura cientificada europeia. 
 
 
 
Palavra-chave 
 
 Ciência Pictórica. Óptica. Perspectiva. Pintura. Renascimento Português. 
 
 
 
 
106 
 
 
 
 
 
 
 
História Técnica da Arte: produção, fruição e relevância histórica da ciência 
artística 
 
A história técnica do «fazer» em arte nem sempre foi acolhida de forma pacífica 
pela historiografia da arte. Por detrás dessa rejeição encontra-se o temor de que uma 
interpretação técnica do «fazer» promova ou corrompa a essência «mágica» e «demiúrgica» 
que a criação artística encerra. Face a esta apreensão, a história da arte designou quais as 
zonas de contacto e de estrita dissonância a implementar entre arte e ciência caracterizadas 
por âmbitos cronológicos e de intervenção claramente definidos: na arte moderna e 
contemporânea, onde este contacto surge subentendido em territórios onde estas duas 
polaridades, de facto, se confundem; ou como designação genérica de todas as ciências que 
olham para o objecto artístico provido de uma “materialidade”, ou seja, as ciências da 
conservação e restauro. Note-se, porém, que se contemplarmos outras áreas artísticas, 
como o cinema ou a música, compreendemos claramente que a dimensão técnica do 
«fazer», assume uma preponderância crucial na própria mensagem a difundir, i.e., constitui 
parte integrante do código semântico, conferindo-lhe um sentido próprio. De facto, a 
tecnologia e a ciência, constituem um factor inseparável da narrativa, ou seja, os limites da 
narrativa são impostos pela técnica. A título de exemplo, veja-se o paralelo com a música, 
seja de vanguarda ou erudita. Em Kraftwerk: Man, machine and Music, Pascal Busy revela 
precisamente a dimensão exógena que o «fazer» tecnológico representa para a criação 
musical do mítico grupo. De facto, à semelhança de uma bottega de artista do século XVI, 
o seu mítico Kling Klang Studio também se assemelhava mais a um laboratório do que a 
uma romântica sala de ensaios: «From within the self-imposed seclusion of the Kling Klang studio they 
have created a factory-like environment – a laboratory where the musicians appear to work more like 
scientists than artists. This little home industry has consistently grown in stature if not in size. They have 
embraced every new advancement in instrument technology, allowing each new machine to assume a life of its 
own» (Bussy 2004, 12). Esta interdependência entre a história técnica do fazer e a linguagem 
artística ou musical não se esgota, porém, na música electrónica. Tomemos como exemplo 
o magnífico Concerto para piano e orquestra em sol maior de Maurice Ravel com a 
Orchestre National de France dirigida por Emmanuel Krivine e interpretado por Martha 
Argerich1. O público sentado na plateia frui o resultado de uma miríade de operações 
técnicas altamente especializadas, que, independentemente de não configurarem em 
nenhum momento o fluxo simbólico e/ou narrativo que Maurice Ravel imprimiu à obra, 
tornam-se indissociáveis à sua concretização. Da técnica construtiva e momento evolutivo 
do piano e dos restantes instrumentos, da sua afinação à leitura das anotações musicais, do 
maestro Emmanuel Krivine à técnica de Martha Argerich e dos restantes músicos, tudo 
contribui, ainda quede forma indirecta para a mensagem sonora que Ravel idealizou. Ao 
 
1 Ver URL: https://www.youtube.com/watch?v=vlvWfP-iFmY. 
https://www.youtube.com/watch?v=vlvWfP-iFmY
 
107 
 
público chega apenas um somatório de operações, que no seu conjunto, surge revestido de 
uma forma estritamente simbólica, desprovida já da sua primitiva forma operativa. 
Somatório de operações... Importa reter este conceito. 
O cinema constitui igualmente um universo onde a comunhão entre técnica e 
narrativa caminham lado a lado e de forma indissociável, num continuo progressivo onde a 
tecnologia marca, por vezes, a abertura de novas fronteiras visuais. O sucesso de obras 
como Star Wars dependeu inteiramente das condições técnicas impostas pela narrativa. 
Muitos dos efeitos especiais actualmente em uso no cinema foram desenvolvidos a partir 
de 1977, data de realização do primeiro filme da trilogia inicial2. Os desenvolvimentos 
tecnológicos desses efeitos tornaram-se indissociáveis do fluxo narrativo que George Lucas 
concebeu. Sem um, o outro não poderia existir. A narrativa forçou a tecnologia, a 
tecnologia libertou a narrativa. Note-se, porém, que nenhuma evidência desta 
interdependência surge aquando da visualização da obra. Uma vez mais, encontramo-nos 
perante um somatório de operações. 
Será a história da arte permeável a fenómenos análogos? Certamente que sim. De 
facto, também na pintura encontramos paralelos que se afiguram estranhamente 
compatíveis com estas dinâmicas. Um caso relativamente recente e paradigmático em que 
tecnologia e arte se uniram de forma simbiótica para dar lugar a novas formas de 
manifestação artística, ilustra cabalmente esta espécie de “sincretismo” artístico-científico. 
De facto, o surgimento de uma técnica pictórica específica dos anos setenta do século XX, 
procede do desenvolvimento de uma novidade tecnológica ímpar: o projector de slides. 
Com efeito, a associação desta tecnologia óptica ao airbrush, resultaria no desenvolvimento 
de uma novíssima técnica pictórica apelidada de fotorrealismo ou hiper-realismo. Este 
exemplo ilustra cabalmente a contaminação tecnológica da arte através da apropriação de 
um dispositivo inovador e da sua adequação à prática pictórica. 
Servem estes exemplos apenas para introduzir a problemática em questão. Será que 
se recuarmos alguns séculos, o fenómeno persiste? Certamente que sim. Aliás, poderá 
afigurar-se paradoxal, mas foi precisamente no século XV que este fenómeno de 
sincretismo científico-artístico mais se agudizou e onde se revela mais evidente. A 
explicação desse facto, encontramo-la em Thomas Kuhn. No seu paradigmático A 
Estrutura das revoluções Científicas, obra filosófica considerada amiúde como “um marco na 
história intelectual” e uma das mais influentes da segunda metade do século XX, Kuhn 
clarifica de forma cabal o teor relacional detido entre arte e ciência no século XV. Existem 
duas frases que cumprem claramente o carácter paradigmático deste sincretismo: uma 
relacionada com o objecto artístico em questão; outra relacionada com o observador desse 
mesmo objecto. Vejamos a primeira: «Mas estes são também os anos, sobretudo durante a 
Renascença, em que a clivagem entre as artes e a ciência era ténue. Leonardo foi apenas um entre muitos 
daqueles que passavam livremente de um campo para o outro, pois arte e ciência só mais tarde se tornaram 
categoricamente distintas» (Kuhn 2009, 219). Clivagem entre arte e ciência. De facto, como 
veremos, essa clivagem era diminuta no século XV. Poderemos inclusive, em algumas 
áreas, considerar como inexistente. Com efeito, existem áreas em que foi o impulso dessa 
nova visualidade que permitiu antever inúmeras revelações no campo científico. Coube 
 
2 Ver a este respeito os seis episódios da magnífica série documental “Star Wars: A Saga que mudou a História” 
transmitidos a 4 de Maio de 2023 no canal História. Ver ainda, “How Star Wars changed special effects forever”, da 
Manchester Metropolitan University. URL: https://www.mmu.ac.uk/news-and-events/news/story/6883/. 
https://www.mmu.ac.uk/news-and-events/news/story/6883/
 
108 
 
igualmente a muitas inovações tecnológicas e científicas, a abertura dessa mesma 
visualidade a novos universos de significação e realidade. A fronteira é ténue e por vezes 
confunde-se onde começa e termina esta interacção: se na arte, se na ciência. 
A segunda frase de Thomas Kuhn, remete-nos precisamente para o efeito que esses 
novos universos de significação e realidade, causa no tecido cognitivo do observador. Com 
efeito, novos paradigmas instalam-se, a partir do momento em que se revela uma nova 
identidade semântica da visualidade, momento em que o olhar do observador evolui e 
nunca mais poderá recuar para uma posição prévia a essa ruptura: «O que um homem vê 
depende não somente daquilo que ele vê, mas também daquilo que a sua experiência visual e conceptual 
prévia lhe ensinou a ver» (Kuhn 2009, 160). Vejamos de que forma é que estes novos 
paradigmas se instalaram de forma irredutível e inamovível. Um exemplo claro, ainda que 
prévio à revolução científica e tecnológica da arte que pretendemos clarificar, surge com a 
inovação semântica e narrativa que a nova visualidade plástica de Giotto imprimiu nos 
observadores do seu tempo. Para um anónimo observador que no ano de 1306 visitasse a 
Capella degli Scrovegni em Pádua, todo ciclo de afresco de Giotto afigurar-se-ia como um 
prodígio absoluto. Gary Wills compara a impressão causada pela obra de Giotto em finais 
do século XIII com o impacto produzido pela projecção do primeiro filme dos irmãos 
Lumière, L’Arrivée d’un Train en Gare de La Ciotat: «Giotto’s new image must have hit the late 
thirteenth century with all the impact of our first moving pictures. We have perhaps forgotten how strongly 
people react to the first experience of a powerful new illusion (…)» (Dunning 1991, 33). Se os 
primeiros espectadores dessa mítica pelicula abandonaram a sala de projecção em pânico 
por temerem serem colhidos pelo comboio, poder-se-á presumir que os Paduanos terão 
sentido uma inaudita experiência mística ao contemplar a obra pela primeira vez. Esta 
mesma percepção surge inscrita no Decameron de Giovanni Boccaccio (1313-1375) 
[Jornada VI, narração 5], cuja narrativa traduz cabalmente o poder ilusório que esta obra 
revolucionária detinha: 
 
«El genio de Giotto era de tal excelencia que no hubo nada [producido] por la naturaleza, madre y 
creadora de todas las cosas, en el curso de la perpetua revolución de los cielos, que él no representara por medio de estilo, 
pluma o pincel de forma tan veraz que el resultado no fuera de mayor fidelidad que el logrado por la propia 
naturaleza. De ahí que el sentido humano de la vista haya sido, a menudo, engañado por sus obras, tomando como 
real lo que estaba sólo pintado.» 
(Boccaccio apud Cabezas 2002, 108). 
 
De facto, a capacidade inovadora de Giotto não se resume apenas à singular 
corporalidade que confere aos corpos e objectos representados, mas fundamentalmente 
através do simulacro de espaço pictórico onde os integra. Se a rudimentar, mas feérica 
espacialidade de Giotto operou essa paradigmática revolução do olhar, infere-se que os 
desenvolvimentos ocorridos na primeira metade do século XV, terão assumido uma 
dimensão ainda mais fracturante face aos cânones intelectivos pré-estabelecidos. De facto, 
e à semelhança dos exemplos atrás elencados, também a pintura sofreu um processo 
exponencial de amplitude narrativa, aquando da sua contaminação pelos desenvolvimentos 
tecnológicos e científicos do Quattrocento. A arte produzida a partir da década de trinta do 
século XV constituirá a marca mais evidente dessa revolução artístico-científica e pautar-se-
á pela intercepção de quatro universos até aí intocáveis: a visualidade; a óptica; a geometria 
 
109 
 
e a matemática. A experiência visual e conceptual prévia dos observadores nuncamais será 
a mesma. Paulatinamente, esta nova semântica visual, dotada de novas capacidades 
narrativas, impor-se-á sobre o gosto de mecenas e patronos, obrigando a uma verdadeira 
revolução nos métodos de ensino e aprendizagem da pintura, reformulando espaços, e 
sobretudo, impondo uma reconfiguração do conceito de artífice medievo, anónimo e 
gremial, para uma concepção intelectualizada de artista, enquanto ser especulativo e 
paradigmático. Esta revolução técnica, científica e epistémica da arte perdurará intocável 
até à primeira década do seculo XX, altura que uma nova visualidade modernista e 
disruptiva se imporá definitivamente. 
 
A nova visualidade científica e a sua importância para a revolução da pintura dos 
séculos XV e XVI 
 
Temos, portanto, um continuum de cerca de seis séculos, desde o início da revolução 
científico-tecnológica da pintura do Quattrocento até ao início do século XX. Durante 
seiscentos anos, este paradigma visual não será alterado. Não falamos aqui da história dos 
estilos, como é evidente. Esses, suceder-se-ão com a voragem habitual com que o tempo 
devora as modas e as imposições socioculturais e políticas na arte. Falamos pelo contrário 
do suporte cognitivo dos mecanismos da visualidade, cuja omnipresença, discreta e nem 
sempre evidente, constitui o tal somatório de operações que caracterizámos no primeiro 
capítulo. O seu advento tem uma história e uma origem específica que importa apurar. 
Pertence a Erwin Panofsky o melhor exemplo acerca da cumplicidade que se gerou 
a partir da terceira década do século XV entre o norte e o sul, mas sobretudo, entre dois 
novos universos que entrariam definitivamente na semântica da pintura europeia: a óptica 
setentrional e a perspectiva meridional. Na obra Early Netherlandish Painting - Its origins and 
Character, publicada em 1971, Panofsky caracteriza de forma curiosa esta precisa divisão de 
competências entre a Flandres e Itália. Para tal, recorre a um conhecido conto de fadas 
sobre dois irmãos que possuem separadamente uma luneta e uma espingarda mágicas. Um 
consegue ver o dragão, mas não o pode matar, o outro, consegue matá-lo, mas não o pode 
ver (Panofsky, Early Netherlandish Painting 1971, 18). Considerando a luneta enquanto 
sortilégio que a pintura Flamenga alcançou na representação mimética do mundo, a 
espingarda mágica assume-se enquanto progressão para o infinito numa alusão directa ao 
advento da perspectiva artificialis Albertiana. Óptica e perspectiva. Serão estas duas valências, 
aparentemente tão dissociadas da prática pictórica, que irão, de facto, revolucionar a 
história da pintura europeia até ao início do século XX. A sua introdução nas oficinas 
europeias será lenta e gradual. Poder-se-á considerar que foram necessários cerca de 
quarenta anos para a sua ampla implementação no espectro oficinal europeu, desde a 
década de trinta, data em que a óptica pictórica flamenga e a perspectiva italiana viram a luz 
do dia, até à década de setenta, período em que as oficinas mais cosmopolitas, de Florença 
a Lisboa, começaram a integrar esta nova semântica visual e espacial nas suas práticas 
operativas. Voltaremos a esta questão. Compreender a ampla disseminação destas 
novidades teóricas e tecnológicas no tecido operativo das oficinas europeias, implica a 
compreensão de alguns mecanismos presentes na própria revolução científica. Falamos dos 
seus alvores, como é evidente, mas de um período inaugural, sem o qual, todo o 
desenvolvimento subsequente ficaria comprometido. Falamos também dos artistas e das 
 
110 
 
suas viagens. Da viagem das obras e do conhecimento. Da viagem e dos centros de troca 
epistémica que serão fundamentais para a definitiva consolidação conceptual das práticas. 
De facto, para compreender o fenómeno em toda a sua plenitude, não chega invocar o 
papel preponderante da viagem e dos viageiros ao longo do Quattrocento para compreender a 
fecunda troca de conhecimentos operada; também não chega invocar o papel centralizador 
e de permuta que cidades como Veneza representaram neste campo; muito menos, 
sobrevalorizar o papel da tratadística e da imprensa na divulgação massiva de 
conhecimento; e tão pouco a ascensão estatutária de artífices e artistas, ou o nivelamento 
social de eruditos e cortesãos. Todas estas valências, quando associadas a um propósito 
comum, ou seja, a criação, desenvolvimento e difusão de redes de conhecimento, terão 
estabelecido um enxame de conexões que deram origem ao aparecimento das tão 
renomadas Trading Zones. A ciência da pintura dependerá em absoluto destes mecanismos. 
A compreensão em detalhe destes mecanismos, obrigaria a uma vasta reflexão que não 
cabe aqui. Foquemo-nos, portanto, no essencial: do que falamos, quando falamos de 
ciência da pintura? 
O termo é tardio face à origem das duas dimensões que lhe darão corpo: a óptica 
pictórica flamenga e a perspectiva italiana. O seu autor? Leonardo da Vinci. O termo 
Scientia Pictórica surge pela primeira vez inscrito numa série de textos avulsos cuja função se 
crê didáctica e que foram redigidos maioritariamente entre 1492 e 1499, constituindo o 
corpus teórico da mítica, mas esquiva Leonardus Vinci Accademia fundada em parceria com 
Luca Pacioli (Chastel 2002, 64). De resto, o enquadramento que Leonardo estabelece das 
disciplinas necessárias aos jovens pintores, não deixa lugar a dúvidas sobre a função 
programática que o seu Trattato constituiria para a Academia: «El joven há de aprender, en 
primer lugar, perspectiva, y más tarde, las medidas de cullesquiera cuerpos. Logo, y de la mano de un buen 
maestro, avezarse en los membros primorosos. Después [ha de acudir a] la naturaleza para confirmar las 
razones de lo aprendido. Observará luego, y por un tiempo, las obras de distintos maestros. Y habrá, en fin, 
de habituarse a poner en práctica su arte» (Vinci 1986, 351). Este seu projecto didáctico 
encontra-se profundamente consolidado em quatro princípios nucleares que estruturam na 
sua essência todo o conteúdo programático da Scientia Pictórica, a saber: aprendizagem da 
perspectiva; aprendizagem de anatomia; observação experimental da natureza; observação 
didáctica de distintas obras; prática pictórica. A ligação entre o plano curricular que 
estabelece, as matérias abordadas no Trattato, e a referência, ainda que subliminar, à 
existência de uma academia onde as mesmas seriam leccionadas, permitem estabelecer, de 
facto, uma relação concreta entre estes dois eventos. O ano habitualmente atribuído à 
conclusão do tratado, 1499, coincide lamentavelmente com a invasão da cidade de Milão 
pelas tropas francesas a mando de Luís XII, rei de França. Uma furtiva nota que Leonardo 
escreveu no memorando Ligny, «Vende o que não puderes levar contigo», ilustra as consequências 
directas deste evento, e poderá justificar a inconcretude dos dois projectos, tanto o da 
Accademia, como o do Trattato, que seria publicado apenas no século XVII (Nicholl 2004, 
353). O declarado anti-cientificismo do maneirismo, seria responsável pela absoluta 
obsolescência do conceito. Mas recuemos à época em que o mesmo florescia nas oficinas 
europeias. 
Na década de noventa do século XV, a óptica pictórica e a perspectiva já tinham 
feito o seu percurso de lenta implantação nas práticas oficinais, mas sobretudo, dos 
programas de ensino que haviam reconfigurado em absoluto o papel do mestre e do 
 
111 
 
aprendiz segundo os padrões tradicionais. O leque de disciplinas que Leonardo designa no 
conteúdo programático do seu Trattato, resultaram da implementação de dois grupos 
específicos de elementos: um tecnológico composto pela implementação técnica da pintura 
a óleo e do advento das máquinas de desenhar; um científico composto pelo 
desenvolvimento teórico da óptica pictórica e da perspectiva artificialis. 
Curiosamente, podemos cruzar estes dois grupos e obter assim os respectivos pares 
científicos e tecnológicos que se desenvolveram, como referido,a partir da década de trinta 
do Quattrocento: óptica pictórica - técnica do óleo / perspectiva artificialis - máquinas de 
desenhar. Serão estas duas componentes tecnológicas, a pintura a óleo e o advento das 
máquinas de desenhar, a impulsionar o desenvolvimento das duas valências mais relevantes 
da pintura cientificada: a óptica e a perspectiva. Cada um destes pares será responsável pelo 
desenvolvimento de uma inovação paradigmática. A primeira a surgir será a óptica 
pictórica, ou seja, a capacidade que os pintores passam a ter de representar fiel e 
mimeticamente todas e quaisquer superfícies e texturas que a realidade apresenta, 
representando-as com a máxima fidelidade. Esta capacitação será responsável por um 
momento inaugural da pintura cientificada na dimensão que Hans Belting caracteriza na 
sua obra Mirroir du Monde, enquanto «La naissance du Concept d’Art». A definição não é 
inocente. Este conceito já transporta consigo a futura dimensão técnica com que Leonardo 
irá circunscrever no seu célebre Trattato. Numa carta de 1435, o Duque da Borgonha, Filipe 
o Bom, refere-se ao seu amado pintor Jan van Eyck nos seguintes termos: «La défection de 
mon bien-aimé peintre serait pour moi une perte irréparable (…) nous ne trouverions point si excelente en 
son art et science» (Belting 2014, 97). Belting aponta para o facto de apesar de se tratar 
provavelmente de uma expressão comum, "arte e ciência" contém de facto uma distinção 
que deve ter desempenhado um papel no julgamento feito sobre o pintor. O julgamento 
prende-se com o facto de Jan van Eyck ter desempenhado um papel crucial e único no 
desenvolvimento da óptica pictórica mediante o aperfeiçoamento da pintura a óleo, mas 
sobretudo, na compreensão e domínio da luz e do seu comportamento no espaço e nos 
objectos. Na ausência de tratadística acerca do assunto, deveremos apontar integralmente a 
sua obra como um postulado teórico que fez escola e marcou definitivamente as gerações 
subsequentes de pintores europeus. Esta dimensão muito particular marcará, de facto, a 
distinção clara entre um legado imagético setentrional e um legado teórico meridional. 
Entre fontes teóricas visuais vs. fontes teóricas tradicionais, ou seja, sob a forma de 
tratados, redigidos, porém, por artífices, artesão e artistas. É que na mesma época em que 
Jan Van Eyck desbravava esse admirável mundo novo, em Florença, homens como Filippo 
Brunelleschi e Leon Battista Alberti, inauguravam um novo capítulo na história epistémica 
da arte, ou seja, a aplicação à prática da pintura de duas dimensões particularmente 
inovadoras: teoria e experimentação. 
 
Casos práticos de inovação tecnológica e científica I - a óptica pictórica 
 
Antes de rumarmos definitivamente em direcção a Florença, importa regressar à 
fria, mas encantadora cidade de Bruges. Será aí o berço da pintura cientificada do norte da 
europa. Curiosamente, aquilo que conhecemos, hoje, acerca da sua origem e 
 
112 
 
desenvolvimento, foi-nos contado por um italiano – o incontornável Giorgio Vasari3. 
Vasari refere-se de forma muito sucinta ao episódio em que por mero “acaso”, um tal de 
Giovanni da Bruggia teria descoberto a técnica da pintura a óleo. O episódio encontra-se 
relatado na vida de Antonello da Messina, e apesar de existirem escassas relações entre o 
que aqui é dito e a verdade histórica, importa olhar com algum detalhe para o que nos 
conta o biógrafo italiano. Vasari revela numa espécie de preâmbulo, que os artesãos da 
baixa idade média continuavam a pintar utilizando como medium a têmpera, embora 
reconhecessem que as suas obras careceriam de uma certa suavidade e vivacidade 
cromática, mas sobretudo, de uma maior capacidade na mistura dos pigmentos de forma a 
produzir diferentes matizes. Para além do mais, denuncia a utilização exclusiva da técnica 
do Trattegio, ou seja, um procedimento usado para reproduzir o efeito claro-escuro na 
pintura por meio de linhas paralelas ou cruzadas, de distinta densidade e intensidade e 
dependendo de grades de sombreamento: «et ancora maggiore facilità nello unire i colori insieme, 
avendo eglino infino a qui usato il tratteggiare l’opere loro per punta solamente di pennello» (Vasari 1986, 
374). Vasari conta-nos igualmente que no início do Quattrocento, eram inúmeros os artistas 
que procuravam um novo método que fosse capaz de superar estas óbvias limitações 
operativas na prática da pintura. Até que um dia…: 
 
«Outside of Italy, many gifted minds dedicated to painting - that is, all the painters of France, Spain, 
Germany, and other countries - possessed this same desire. It therefore happened, as matters stood, that while Giovanni 
da Bruggia, a painter greatly esteemed in those parts for the excellent practical skill he had acquired in his craft, was 
working in Flanders, he began to try out various kinds of colours and, as a man who took delight in alchemy, to make 
a number of oils for use in varnishes and other purposes, following the ideas of learned men such as himself. And on 
one occasion or other, after having expended a good deal of effort on painting a panel, he brought his work to 
completion with great care, gave it a coat of varnish, and set it out in the sun to dry as was the custom. But, either 
because the heat was extreme, or because the wood had been badly joined or poorly seasoned, his panel unfortunately 
split along the joints. As a result, when Giovanni saw the damage the sun's heat had caused his panel, he decided to 
find a way to prevent the sun from ever again causing such great damage to his works. And so, rejecting both varnish 
and working in tempera, he began to ponder a means of producing a kind of varnish which would dry in the shade 
without putting his paintings in the sun. And after he had experimented -with many materials, both pure substances 
and mixtures, he finally discovered that linseed and walnut oil dried faster than all the other oils he had tested. Thus, 
by boiling these oils with some other mixtures he made, he produced the varnish that he - or rather, all of the painters 
in the world - had long desired. After testing many other materials, he realized that mixing his colours with these 
kinds of oils gave them a very strong consistency, and that when they dried, not only were they waterproof, but the 
colours gleamed so brightly that they possessed lustre by themselves without the need for varnish, and, what seemed even 
more amazing to him, they could be blended infinitely better than tempera. As one might reasonably expect, Giovanni 
was extremely delighted with this invention, which gave birth to many works, filling the whole region with them to the 
incredible delight of the public and the greatest profit to himself, and Giovanni, assisted from day to day by his 
experience, went on to produce ever greater and better works. Before long, the fame of Giovanni's discovery spread not 
only throughout Flanders but throughout Italy and other parts of the world, and artisans were extremely anxious to 
know how he rendered his works with so much perfection. Those artists who saw his works without understanding the 
methods he employed were forced to admire them and to bestow lavish praise upon them, but, at the same time, they 
were envious of his skills, especially since for a time he did not want anyone to see him working or to learn his secret. 
But when he became old he finally bestowed the favour upon Ruggieri da Bruggia, his pupil, and Ruggieri told Ausse 
his student and others who are mentioned in works treating the subject of oil painting. But in spite of this and the fact 
that merchants purchased these works and sent them all over the world to princes and important personages, making 
 
3 A notoriedade das Vite será tão significativa, que doravante esta narrativa dominará todas as pósteras 
referências a Jan van Eyck e à génese do colorito a olio. Será esse o caso do famoso Schilder-Boeck, editado em 
1604 por Karel van Mander,que, não obstante o compreensível pendor nacionalista na glorificação da pintura 
flamenga face à sua congénere italiana, irá parafrasear na íntegra a narrativa Vasariana. 
 
113 
 
huge profits, the method did not travel beyond Flanders. And although such -works, especially when they were fresh 
and when it seemed possible to recognize the secret, possessed the sharp odour that the colours and the oils mixed 
together gave them, this secret was still never discovered over the course of many years». 
(Vasari, The Lives of the Artists 2008, 186-187). 
 
Se, de facto, a fonte Vasariana não constitui um repositório minimamente fiável a 
este respeito e enferma de inúmeros subterfúgios panfletários e campanilistas a favor da 
escola florentina, é certo que atribui nominalmente a sua origem a um homem e a uma 
região - Giovanni da Bruggia. Esta atribuição constitui para Philip Ball uma grata ironia, pela 
forma como confere à pintura italiana do alto Renascimento, uma inequívoca dívida face a 
uma escola considerada por Vasari e seus correligionários como «menor», «gótica» e 
«primitiva». Ball considera inclusive, a existência de um claro double twist na atribuição a Jan 
van Eyck de algo que extrapola largamente a sua inovação. Com efeito, apesar de ter 
desenvolvido uma forma de potenciar largamente as possibilidades que este medium 
oferecia, Jan Van Eyck não terá sido o primeiro a utilizá-lo enquanto aglutinante, pois o 
mesmo seria o método homólogo à têmpera amplamente utilizado no Norte da Europa 
(Ball 2001, 125, Dunkerton 1999, 93). Na verdade, antes de meados do século XV, o óleo 
como aglutinante pictórico não constituía novidade nenhuma inclusive para as oficinas 
italianas. No entanto, a técnica não era do agrado da grande maioria dos artistas deste 
período, e a razão prendia-se fundamentalmente com o facto de, tanto o azul ultramarino 
como o vermelhão, cuja radiância constituía um valor simbólico e espiritual autónomo, 
quando misturados com óleo, sofriam uma adulteração do seu matiz habitual. O azul 
ultramarino escurecia substancialmente face à usual preparação da têmpera, e o vermelhão 
perdia uma parte considerável da sua vibração (Ball 2001, 128). Este fenómeno, numa 
época em que a pintura e o valor cromático dos pigmentos eram compreendidos deliberada 
e exclusivamente enquanto formulação simbólica dos cânones teológicos do cristianismo, 
terá contribuído largamente para que os artesãos prescindissem dessa técnica durante largos 
séculos. Apesar da sua utilização já se encontrar anteriormente referenciada sobretudo em 
pinturas junto do mar, esta nunca terá suplantado a tradicional técnica do buon fresco e da 
têmpera (Rudel 1950, 59). Sabe-se que a longevidade do uso do óleo como liant de 
pigmentos será longeva na história da pintura, mas de facto, a escassa informação 
remanescente revela uma prática muito pouco documentada até aos alvores do século XV. 
Então, assim sendo… no que terá consistido, verdadeiramente, essa inovação que os 
irmãos Van Eyck, Hubert e Jan, parecem ter começado a evidenciar a partir da terceira 
década do século XV? De facto, existe uma clara dissensão na narrativa historiográfica em 
torno do misterioso medium Eyckiano, como se toda a capacidade de representação 
mimética do mundo que o mesmo veio possibilitar, pudesse ser atribuída exclusivamente a 
um miraculoso elixir, e não a uma plena compreensão óptica do comportamento da luz e 
das cores. 
A questão é particularmente mais complexa do que aparenta ser. É que, de facto, 
Jan Van Eyck não se limita a ser um mero artífice que descobre algo miraculoso através de 
um mero incidente processual. Seria muito redutor, e de resto, entraríamos no “jogo” 
campanilista com que Vasari armadilhou as Vite. Vejamos no que terá constituído esta 
“descoberta” dos irmãos Van Eyck, Jan e Hubert. A questão divide-se conforme já foi 
referido anteriormente, em duas inovações complementares, mas distintas. Uma, encontra-
 
114 
 
se de facto descrita no texto de Vasari. Existiu um momento inicial em que “algo” foi 
aperfeiçoado, e essa percepção é antiga. Era algo diáfano, imperceptível, e, no entanto, tão 
presente e inovador. Aquando da grande exposição Le Primitifs flamands, que decorreu em 
Bruges no ano de 1902, dois visitantes ilustres iriam ser assolados por uma questão comum, 
ou seja, como enquadrar a revolução que a óptica pictórica flamenga operou, com o seu 
tempo histórico? De facto, algo não batia certo… Huizinga, no seu The Autumm of the 
Middle Ages publicado em 1919, quando confrontado com a manifesta modernidade que a 
obra de Van Eyck representa, aponta um processo de revelação e desenvolvimento do 
mundo medieval ainda sem rupturas aparentes: «(…) the naturalism of the Van Eyck, which is 
usually regarded in art history as an element announcing the arrival of the Renaissance, should rather be 
regarded as the complete unfolding of the medieval spirit» (Huizinga apud Porras 2018, 9). Cinco 
anos depois, em 1924, Max Jacob Friedländer, manifestará na obra Early Netherlandish 
Painting uma consideração diametralmente oposta. Para Friedländer, a revolução de 
vanguarda que Van Eyck opera na pintura traduz não apenas uma completa renuncia às 
concepções artísticas tradicionais, mas sobretudo, manifesta já uma total revelação do 
homem, ou seja, é claramente humanista: «The Van Eyck left their footprints and their names (…) 
succeeding where their predecessor failed (…) Tradition had begun to loosen its hold, eyes were trained on 
the world’s infinite diversity – and rigid contemporary patterns lost their power» (Friedländer apud 
Porras 2018, 9). Poder-se-á tender a considerar que ambos estão correctos, mas a 
categórica ruptura epistémica de Van Eyck que Panofksy caracteriza enquanto «the most 
exhaustive and the most tantalizing interpreter of human nature», infere total validade à opinião de 
Friedländer (Panofsky 1971, 194). Ora, conforme observámos, esta inovação assenta em 
parte numa inovação tecnológica – o uso do óleo enquanto aglutinante. Mas vimos 
igualmente que o óleo enquanto aglutinante era já amplamente utilizado, tanto em Itália 
como no norte da europa. Assim sendo, onde reside a modernidade humanista revelada 
por Jan Van Eyck? No desenvolvimento da óptica pictórica, precisamente. Vejamos do que 
falamos quando nos referimos a este termo. Para tal, importa introduzir outro conceito de 
grande utilidade para a problematização em questão: o conceito de Filosofema. Entende-se 
por filosofema uma proposição de cariz filosófico cuja acção possui um carácter 
objectificado através de determinadas características imagéticas, tecnológicas ou estilísticas. 
Ou seja, o desenvolvimento técnico da óptica pictórica nas oficinas neerlandesas, 
correspondeu, de facto, a uma afirmação filosófica e científica de um estilema, enquanto 
imagem simbólica, supra-realista. Trocado por miúdos, constatamos que estas proposições 
filosóficas imagéticas representam mais do que a realidade tal como nós a percepcionamos, 
mas antes, uma absoluta reconfiguração ontológica, ou seja, uma manifestação estruturada 
de conceitos que manifestam um real conhecimento do mundo4. A representação fiel e 
mimética da realidade, converte-se ela própria numa afirmação de modernidade – num 
filosofema. Por estranho que pareça, nenhum dos marcadores habituais deste tipo de 
evidência simbólica, se encontra representado pelo sistema de descodificação iconográfico 
e iconológico proposto por Panofsky, senão vejamos: «Os signos e estruturas humanas são 
registos porque e na medida em que exprimem ideias que, embora realizadas pelos processos de simbolizar e 
construir, são separadas desses processos» (Panofsky, Estudos de Iconologia 1989, 17). Trata-se, 
 
4 Vide a este respeito: MEDEIROS, Vasco, A ciência pictórica na Europa: 1430–1530: iconopoiese e ensino, confluência e 
singularidade, Tese de Doutoramento, Artis - Instituto de História da Arte, Faculdade de Letras da 
Universidadede Lisboa, 2020, pp. 260-266. 
 
115 
 
portanto, de um evidente paradoxo. Signos passiveis de um enquadramento de significação, 
por se constituírem enquanto marcadores que um «fazer» instala, deverão ser excluídos 
desse mesmo sistema. Panofsky falha ao produzir uma concepção parcial do sentido 
alegórico da representação, ou seja, esvaziando o sentido de todas as evidências que um 
«fazer» cientificado inscreve na obra. A representação fiel de texturas, de reflexos, 
representações de vidro, de água, de metais, reverberações cromáticas, espelhos, entre 
muitas outras evidências sintomáticas deste inovador mundo óptico que a pintura flamenga 
instala, afirmar-se-ão definitivamente enquanto formas simbólicas plenas de significação. 
Encontramo-nos assim perante um claro dilema. De que forma é que esta 
dimensão absolutamente extraordinária de um artista capaz de romper com as cadeias que a 
tradição medieva ditava há séculos, tal como Huizinga, Friedländer e Panofksy claramente 
apontam, concorda com a descrição sumária do humilde artífice que esbarra por acidente 
numa inovação paradigmática que o relato Vasariano apresenta? Não concorda de todo. É 
que, de facto, Van Eyck foi o primeiro grande artista de fama europeia a alcançar um 
estatuto intelectual e liberal notável, estatuto esse teimosamente ignorado ainda hoje pela 
historiografia da arte. 
De facto, a sua dimensão intelectual e humanista será exemplar e marca, com efeito, 
o início da história da liberalidade do artista na europa. Para compreender esta dimensão 
exemplar, importa deitar um breve olhar à magnífica corte de Flipe III, conhecido como o 
Bom. De facto, se existe um nome e uma corte capazes de subtrair integralmente esta visão 
excludente de um mundo onde a paridade entre artistas e humanistas se encontrava 
liminarmente encerrada nas repúblicas italianas – esse nome é o de Jan Van Eyck e a corte, 
a de Filipe III, Duque da Borgonha (1396-1467). Seja através das missões diplomáticas à 
península Ibérica ou dos já referidos contactos diplomáticos estabelecidos por Albergati em 
1430, a corte do Duque da Borgonha parece constituir um polo dinamizador na sociedade 
europeia da época a diversos níveis. Na óptica de Richard Vaughan, Filipe III seria 
incontestavelmente o mais generoso e iluminado governante a Norte dos Alpes, fazendo-se 
rodear de um esplendor artístico e cultural ímpar, possuindo à época, uma das maiores e 
mais exaustivas bibliotecas de toda a Europa. Tendo herdado no início do seu reino, por 
volta de 1420, uma biblioteca com cerca de 250 volumes iluminados, por alturas da sua 
morte, em 1467, esse número tinha quadruplicado. Enquanto patrono de músicos, 
pintores, ourives e literatos, tanto das artes maiores como das menores, fez-se reunir de um 
incomparável escol de intelectuais e artífices: do incontornável Jan Van Eyck ao escultor 
Claus Sluter, do compositor Gille Binchois ao poeta Michault Taillevent, todos terão 
beneficiado da sua pródiga generosidade (Vaughan 2002, 150, 153, 155). Para além das 
inúmeras oficinas de produção livresca que atraía sobre si uma constelação de iluminadores 
de renome, Bruges representava à época um atractivo irresistível para diversos artífices, que 
procuravam no seu vasto mercado e no porto de ligação com toda a Europa, uma fonte 
segura de negócios. A produção artística também extrapolava largamente os grandes 
retábulos ou retratos que Jan van Eyck, Petrus Christus, Memling ou David Gerard 
produziam, constituindo igualmente os modelos de tapeçaria ou de objectos de ourivesaria, 
um evidente manancial de afirmação de uma matriz artística e cultural (Martens 1994, 7). 
Rapidamente, a difusão destas inovadoras formas de arte alcançariam todos os reinos, 
cortes e repúblicas europeias, afirmando mais do que uma moda, uma afirmação 
paradigmática e moderna do mundo. 
 
116 
 
Com efeito, o impacto que estas obras causava era tal, que perduram os relatos de 
absoluta estupefacção e incompreensão face a imagens de tal forma inovadoras, porque os 
códigos de interpretação ainda não haviam sido actualizados. O relato da contemplação de 
uma destas obras pelo insigne antiquário Ciríaco de Ancona em 1449, relembra-nos o 
paradigma apontado anteriormente por Thomas Kuhn. De facto, e após contemplar uma 
Descida da Cruz de Rogier van der Weyden na corte de Leonello d’Este de Ferrara, Ciríaco 
revela o efeito hipnótico de uma pintura sem paralelo na história da arte europeia. O seu 
registo é inestimável e peremptório ao descrever o impacto visual e místico que uma obra 
pictórica flamenga deteria num observador italiano em meados do século XV. Vejamos 
então o efeito provocado em Ciríaco: 
 
«A most pious image, with a large crowd of men and women about in deep mourning. All 
this is admirably depicted with what I would call divine rather than human art. There you could see 
those faces come alive and breathe which [the painter] wanted to show as living, and likewise the 
deceased as dead, and in particular many garments, multicolored soldier’s cloaks, clothes 
prodigiously enhanced by purple and gold, blooming meadows, flowers, trees, leafy and shady hills, 
as well as ornate porticoes and halls, gold really resembling gold, pearls, precious stones, and 
everything else you think to have been produced, not by the artifice of human hands but by all-
bearing nature herself». 
(Panofsky 1971, 2, Ainsworth e Christiansen 1999, 15, Nash 2008, 29, Smith 2004, 54)5. 
 
O mundo descrito por Ciríaco, não encontrava, de facto, qualquer paralelo nas 
fórmulas pictóricas em voga na Itália do Quattrocento. A capacidade de representação óptica 
de um universo pleno de ínfimos detalhes constituía uma marca de inovação e de 
deslumbramento em clara oposição à pintura italiana habitada ainda por um forte 
simbolismo. O que Ciríaco «vê» verdadeiramente na obra que descreve, é a imagem «real» e 
especular de um mundo redireccionado para os sentidos, sem necessidade de recorrer a 
quaisquer mecanismos de descodificação simbólica. Ao contrário de Vasari, cujo enfoque 
incidirá fundamentalmente no carácter mecânico de uma técnica oriunda de “artefici”, 
Ciríaco estabelece precisamente o seu contrário, ao designar a impossibilidade de mãos 
humanas produzirem tamanhos prodígios que apenas à natureza pertenceriam. Este 
entendimento, denota já a póstera concepção humanista do pintor enquanto émulo da 
natureza, tornando-se evidente que o foco dessa percepção terá origem não em Itália, mas 
sim na Flandres. Em Itália, porém, nascia outro sortilégio absolutamente extraordinário. Se 
na distante flandres, os irmãos Van Eyck haviam desenvolvido a luneta mágica do conto de 
Panofksy, algures em Florença, Filippo Brunelleschi e Leon Battista Alberti desenvolveriam 
o outro elemento-chave para o desenvolvimento da pintura cientificada na europa – a 
espingarda mágica, ou seja, a perspectiva artificial. 
 
 
 
 
 
5 As múltiplas referências bibliográficas indicadas, a par de constituírem uma excelente fonte de informação a 
respeito da notoriedade filosófica e científica da pintura flamenga, servem igualmente o propósito de salientar 
a notoriedade deste relato, cuja relevância passa demasiadas vezes ao lado de uma historiografia da arte de 
cariz exclusivamente italianizante. 
 
117 
 
 
Casos práticos de inovação tecnológica e científica II - a perspectiva artificialis 
 
Se, conforme vimos, a magnifica Bruges daria origem a uma das mais 
revolucionárias formas de representação da realidade jamais desenvolvidas em toda a 
história cultural da europa, Florença não lhe ficará atrás. Caberá à capital da Toscana o 
desenvolvimento da inovação inerente à espingarda mágica do conto que Panofksy tão bem 
escolheu para ilustrar o fenómeno de partilha de competências no aperfeiçoamento da 
pintura europeia moderna. E, conforme vimos, a espingarda mágica refere-se à inefável 
descoberta da projecção perspéctica, ou seja, do nascimento do espaçopictórico. Por 
espaço pictórico, entenda-se aquela dimensão que Leon Battista Alberti designava como 
una finestra, ou seja, a concepção revolucionária que uma superfície bidimensional de uma 
pintura, semelhante a uma janela aberta, se projectava até ao infinito através de um espaço 
tridimensional. Este desenvolvimento contará com dois tempos e duas fases distintas: uma 
experimental e outra teórica. Comecemos pelo início, e o início envolve uma figura 
absolutamente envolta em lenda - Filippo Brunelleschi. E lenda por que este artista impõe-
se obrigatoriamente como charneira de dois tempos aparentemente inconciliáveis, existindo 
claramente um antes e um depois de Brunelleschi no que respeita à harmonização entre a 
geometria, a matemática e as artes plásticas. A recepção da célebre biografia de Antonio 
Manetti Novella del Grasso Legnaiuolo, e em particular do relato Vita di Filippo Brunelleschi, 
tornou possível conhecer com algum grau de detalhe a primeira demonstração 
experimental de algo que Manetti designa por “Regola”, e que, de facto, nunca terá passado 
do estatuto de mera “curiosidade” no que à história da arte diz respeito (Field 2005, 33). 
Para a historiografia da arte, esta problemática nunca terá assumido relevante proeminência 
por não configurar nenhuma novidade na restrita história dos estilos com que sempre se 
revestiu. Mas para edificar uma história da pintura cientificada europeia, será relevante, 
conforme veremos. 
Para o biógrafo Antonio Manetti, Filippo Brunelleschi configurava em absoluto o 
arquétipo do homem universal, dominando disciplinas aparentemente alheias à prática 
arquitectónica e pictórica: matemática; geometria; mecânica; arquitectura; pintura; escultura, 
etc. As demonstrações que terá levado a cabo entre 1413 e 1416, conjugando 
conhecimentos de matemática e geometria juntamente com a capacidade de produzir 
instrumentos de experimentação, instituirão, de facto, uma nova era onde as epistemologias 
artesanais se afirmarão como uma nova semântica artística. O texto de Manetti assume 
deste modo uma especial relevância por constituir um relato presencial da metodologia 
empregue por Brunelleschi, ainda que parco nos pormenores indicados. Terão sido duas as 
experiências conduzidas por Brunelleschi, sendo a mais conhecida aquela que terá 
efectuado à porta da Catedral de Santa Maria dell Fiore. Eleito um ponto de vista a cerca de 
três braccia (cerca de 1,74m) dentro do portal principal, Brunelleschi terá utilizado uma 
pintura do Baptistério executada com extremo rigor mimético, mas sobretudo, 
perspecticamente correcta. De modo a aumentar o verismo da sua pintura, terá coberto a 
parte correspondente ao céu com prata polida de modo que este fosse reflectido, 
aumentando assim o grau de ilusão da experiência. Brunelleschi efectuou então um 
pequeno orifício no ponto equivalente à linha de visão do Baptistério, através do qual o 
observador poderia observar, munido de um espelho na outra mão, o reflexo da imagem 
 
118 
 
sobreposta à imagem real. Manetti afirma que a criação deste dispositivo terá sido motivado 
pela necessidade de comprovar a viabilidade teórica do ponto de vista único: «the painter 
needs to presuppose a single place from which the painting must be viewed, taking into account the height 
and depth and width, and similarly for distance» (Kemp 1990, 12-12, 344). Esta narrativa parece 
sugerir, de facto, uma inovadora interacção entre conhecimento prático e teórico, ou seja, 
entre a capacidade de produzir um instrumento científico e a formulação de complexas 
proposições matemáticas. Existe, porém, um problema na atribuição da «invenção» da 
perspectiva a Brunelleschi. Aparentemente, não deixou nenhuma instrução teórica sob a 
forma de tratado que fosse capaz de elucidar os pintores, escultores e arquitectos acerca da 
correcta edificação de um espaço perspectivado. Esse trabalho será da responsabilidade de 
outra personagem envolta em lenda: Leon Battista Alberti. 
Publicado em 1435 em latim e traduzido no ano seguinte para italiano com uma 
dedicatória a Filippo Brunelleschi, o De Pictura será o primeiro tratado teórico dedicado à 
pintura a incluir um método de edificação perspéctica aplicável. Em 1435 a cidade de 
Florença fervilhava de novidade, e o campo conceptual da pintura urgia por um humanista 
de rara erudição matemática capaz de formalizar no plano teórico, aquilo que Brunelleschi 
havia comprovado experimentalmente. Alberti irá, porém, muito para além do pressuposto 
teórico do Quantum Continuum e da formalização de um espaço pictórico concreto. A 
multiplicidade temática e a abrangência a campos análogos como o da óptica, indiciam que 
Alberti havia contactado com as escolas flamengas, onde uma linguagem de vanguarda, 
mimética e verista, havia renovado os antigos paradigmas imagéticos. As qualidades 
inerentes do novo criador que nasce sobre a pena de Alberti são radicalmente opostas ao 
receituário tradicional e secreto das oficinas que o velho Cennino Cennini havia 
proclamado no seu seu trattato, Il Libro dell’Arte. A visão que Alberti preconiza, 
perfeitamente enquadrada pela minucia e detalhe dos pintores na distante Flandres, 
favorece a hipótese formulada por Gombrich quando este evoca um possível contacto do 
autor do De Pictura com a arte neerlandesa durante o seu exilio. Este contacto terá ocorrido 
provavelmente numa viagem realizada entre 1428 e 1431 a Norte dos Alpes, no preciso 
momento em que as novas doutrinas de representação e mimese tomavam forma e faziam 
escola. Um breve olhar ao seu percurso biográfico, permite, de facto, inferir semelhante 
hipótese, mas requer uma análise profunda para lá da habitual tradição historicista. 
Em 1401, todos os homens da família Alberti de idade superior a dezasseis anos 
foram sujeitos ao banimento. Leon Battista, nascido já no exílio, será o único membro da 
família a registar no seu legado epistolar a penosa instabilidade e a humilhação política que 
este terá representado: «we have always hoped, in this exile of ours, to return again to our own country, 
to come together again in our own house, and to rest among our kinsmen. This hope and longing have grown 
more fervent, indeed, as we continually suffer and decline while unable to settle our spirits or to root our lives 
in some kind of stable order» (Baxendale 1991, 722). Durante este longo período de 27 anos, e, 
não obstante a pesada pena a que foram submetidos, a actividade profissional dos Alberti, 
enquanto mercadores e banqueiros internacionais, terá constituído uma garantia de 
segurança económica. 
Nascido em 1404 em Génova, Alberti foi educado nos principais centros de ensino 
do Norte de Itália, primeiro em Pádua na escola humanista de Gasparino Barzizza, onde 
estudou latim, e posteriormente na Universidade de Bolonha onde estudou jurisprudência. 
Durante este período de aprendizagem, terá adquirido igualmente competências profundas 
 
119 
 
em diversos ramos das ciências, nomeadamente na matemática e na óptica, factor que lhe 
terá conferido uma extensa capacidade intelectual (Alberti 2004, 3). Sobre o seu inegável 
intelecto, todos os relatos são unânimes em considerá-lo sublime e universal em todas as 
formas de conhecimento, dimensão enciclopédica que lhe granjeou o encómio de um 
copista coetâneo à margem de um manuscrito do seu Trivia Senatoria «Die quid tandem 
nesciverit hic vir?» (Blunt 1959, 3). Apesar desta notoriedade académica, será, no entanto, 
sobre a ciência da pintura que o seu olhar se deterá quando decide, após o seu regresso a 
Florença em 1434, publicar um tratado dedicado a esta arte. 
Quando questionada a fonte onde Alberti se baseou para a renovada teoria artística 
que propõe no De Pictura, de facto sobram mais questões do que respostas. Vitrúvio, no 
que respeita ao corpus do De Architectura, centra-se exclusivamente sobre o receituário 
pigmentário, não existindo nenhuma referênciaespecifica à prática da pintura. À excepção 
da critica que estabelece sobre a permuta de uma pintura concreta em prol de diversas 
fantasias, prescreve uma clara supremacia desejável do real: «É que, de facto, não devem ser 
aprovadas as pinturas que não são semelhantes à realidade, nem, se são tomadas elegantes pela arte, delas 
se deve logo julgar favoravelmente, a não ser que apresentem determinadas razões justificativas aplicadas 
sem contradições» (Vitrúvio 2006, 273). Ernst Gombrich formula uma importante hipótese 
que importa aqui aprofundar: «Fue ayudado Alberti en su asombroso diagnóstico por el conocimiento 
de la pintura flamenca?» (Gombrich 1985, 53). Esta questão obriga a uma reflexão profunda 
em torno do período decorrente entre 1429 e 1431, do qual pouco se sabe e que poderá 
constituir a chave para a resolução dessa misteriosa fonte onde Alberti se terá inspirado. Na 
obra Vita di Leon Battista Alberti, que Girolamo Mancini levou ao prelo em 1882, este 
aponta como hipotética a presença de Alberti na segunda legação Transalpina confiada a 
Albergati por Martinho V, em 1430, com a missão de atenuar as graves divergências entre o 
rei de França e o duque da Borgonha, Filipe III, o Bom, em face da aliança deste com os 
ingleses. (Mancini 1882, 97-99). Com efeito, nessa segunda delegação, o Cardeal Albergati 
percorreu todo o norte da Europa, onde visitou as «province francesi, belghe e tedesche», tendo 
tido contacto pessoal com o escol de excepção que prefigurava a corte de Filipe o Bom. 
Esta conjectura sai reforçado pelo facto de o próprio Cardeal Albergati ter sido retratado 
pelo recém-chegado da península Ibérica, Jan van Eyck, pintor e embaixador do Duque da 
Borgonha Filipe III. O encontro entre Jan Van Eyck e o jovem Alberti, ainda que não 
documentado, revelar-se-ia bastante interessante tendo em conta o consenso em torno das 
visitas de Jan Van Eyck a Itália por volta dos anos de 1425 e 1426, e das evidências 
estéticas resultantes dessa viagem apontadas por Charles Sterling (Barghahn 2013, 32). 
Serão, aliás, inúmeras as viagens semelhantes à que Jan Van Eyck terá hipoteticamente 
realizado a Itália: caso da referida estada em Ferrara de Rogier van der Weyden (1400-1464) 
aquando da sua viagem a Roma em 1450; de Petrus Christus (1410/20-1473); de Hans 
Burgkmair (1473-1531); de Daniel Hopfer (1470-1536); de Joachim Patinir (1480-1524); de 
Herri met de Bles (1510-1555/60), entre muitos outros (Aikema e Brown 1999, 22-24). O 
problema destas viagens no que concerne à publicação do De Pictura é que são na sua 
grande maioria, posteriores à sua data de publicação, ou seja, a 1435, o que levanta de facto 
uma problematização em torno do acesso de Alberti a uma fonte precoce no que respeita à 
teoria óptica flamenga. Esta constatação, quando confrontada com o estipulado no tratado 
no que concerne ao tratamento óptico e mimético da realidade, confere, de facto, à 
hipótese formulada por Mancini uma inusitada probabilidade. Em 1434, com trinta anos de 
 
120 
 
idade e recém-chegado da flandres, o jovem Alberti chegava finalmente a Florença na 
posse da nova teoria pictórica flamenga, concretizando a sua harmonização com as 
experiências conceptuais que Brunelleschi, Ghiberti, Donatello e Masaccio desenvolviam 
no campo do espaço pictórico. Deste encontro, nascerá assim a Scientia Pictórica, mas o seu 
primeiro impacto, para lá da disseminação da nova ciência perspéctica, far-se-á notar 
fundamentalmente na reformulação estatutária do pintor. O modelo, será Vitrúvio, mas a 
inspiração poderá ter uma origem muito mais setentrional do que comummente se 
considera. Se de facto, a ausência de provas documentais não permite confirmar 
cabalmente o contacto entre Alberti e as oficinas Flamengas num período anterior à 
publicação do De Pictura, a evidente renovação conceptual da óptica pictórica patente no 
corpus teórico do tratado, demonstra-o. Alberti será assim o primeiro a juntar essas duas 
competências numa só teoria: óptica e perspectiva. Por outras palavras, e retomando o 
conto dos dois irmãos com que Panofsky ilustra esse encontro – finalmente alguém matou 
o dragão. 
 
O Caso Português: Atavismo ou Modernidade? 
 
Chegamos assim ao derradeiro capítulo desta breve história da ciência da pintura – 
a sua migração para a periferia e «microcentros» europeus. O caso português será 
paradigmático. A análise detalhada da pintura nacional produzida entre meados dos séculos 
XV e XVI, obriga, de facto, a diversas cautelas no que à integração das práticas pictóricas 
de vanguarda diz respeito. Apesar da acentuada diferenciação dos estilemas em voga nos 
principais núcleos oficinais do reino, nota-se uma assimilação praticamente integral da 
óptica pictórica flamenga, aspecto que confere à «escola portuguesa», uma paridade 
absolutamente inequívoca para com as suas congéneres. Poder-se-á assim, questionar de 
que modo e com que grau de intensidade, terá a óptica pictórica penetrado no reino, e 
quais os mecanismos envolvidos na sua introdução. É certo que nunca se conferiu o devido 
valor à presença de Jan van Eyck no reino, uma presença que apesar de breve, poderá ter 
deixado uma influência extremamente importante e contribuído para a alteração do gosto 
dominante na corte Avisina. Mas sobretudo, poderá ter estimulado o envio de pintores 
para a flandres com o objectivo de obterem formação nessa inovadora prática pictórica. 
Certo é, que poderemos formalizar um arco relacional este primeiro evento e o facto de 
cerca de quatro décadas depois, constatarmos já a presença desse filosofema na pintura 
portuguesa, ou seja, em pleno período de actividade de Nuno Gonçalves. E esta 
constatação permite formalizar um segundo arco relacional com o período em que as 
principais oficinas nacionais já se encontravam a laborar de acordo com as regras totais da 
ciência da pintura europeia. Na verdade, se o tradicional «fosso» instalado entre a oficina de 
Nuno Gonçalves e as suas congéneres quinhentistas parece evidenciar-se face às opções 
estilísticas empregues, do ponto de vista da representação pictórica de efeitos lumínicos e 
ópticos - caso particular das texturas, dos reflexos, do domínio da luz e dos matizes – a 
continuidade parece por demais evidente. Esta questão, não obstante, constituir um facto 
claramente assinalável, tem sido até à data flagrante e incompreensivelmente ignorado pela 
historiografia da arte portuguesa. A única excepção a este diagnóstico encontra-se num 
ensaio de 1993, intitulado Pintura Contemporânea dos Descobrimentos, onde Luís Filipe de Abreu 
estabelece uma abordagem aos painéis de Nuno Gonçalves sob uma perspectiva 
 
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inteiramente inovadora, ou seja, analisando aspectos relacionados com os efeitos 
ilusionísticos e ópticos da obra. A distinta abordagem que efectua aos painéis, longe do 
tradicional e obsessivo escopo iconográfico, dever-se-á provavelmente à sua formação base 
enquanto artista-plástico e Professor Catedrático da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, 
condição que lhe confere uma especial apetência a aspectos relacionados 
fundamentalmente com a técnica pictórica. A sua abordagem, revela diversos elementos 
que permitem intuir claramente uma intenção cientificista na concepção da obra, tanto 
naquilo que designa por “tratamento da luz arbitrado com decisão”, como na representação 
metódica de sombras, reflexos e texturas. Outro aspecto interessante é aquele em que, com 
inegável argúcia do autor, as sombras projectadas representam um fenómeno típico de 
sombra dupla e divergente provocada por uma origem de luz dupla, ou melhor, 
proveniente de fonte dividida por um cepto vertical (Abreu 1993, 361-362). 
O que Abreu identifica na obra, são precisamente os traços estruturais que 
caracterizam o primeiro estado «evolutivo» da pintura cientificada antes de uma integração 
plena da perspectiva Albertiana. Com efeito, recorde-se que a primeira representação 
mimética de uma sombra de dupla intensidade terá sidopintada por Robert Campin entre 
1428 e 1430. Recorde-se igualmente que no mesmo período em Itália, e não obstante a 
utilização que Masaccio fará da sombra enquanto dispositivo narrativo nos frescos da 
Capela Brancacci, a sua representação resulta de uma dedução lógica e não de um exercício 
observacional directo - prática que será implementada apenas entre a década de sessenta e 
setenta do Quattrocento. Mesmo nessa data, o diferencial existente entre o Miracolo di 
Sant’Antonio da Padova ou Sacra Conversazione de Piero della Francesca de 1472-1474 e o São 
Jerónimo de Antonello da Messina de 1475, permite intuir claramente que o domínio óptico 
da luz e da sombra dependeria integralmente da compreensão e domínio da óptica pictórica 
flamenga e não da compreensão matemática do espaço pictórico. Primeiro a luneta e só 
depois a espingarda… 
Um olhar atento aos painéis permite concluir deste modo, que em meados do 
século XV, a nova filosofia observacional flamenga já se encontrava inteiramente 
implementada na oficina de Nuno Gonçalves, laborando a mesma de acordo com os 
padrões de vanguarda em voga no especto oficinal europeu. Mais, o seu cotejo com a obra 
contemporânea de Piero della Francesca, permite intuir um claro ascendente da oficina 
lisboeta no que concerne ao domínio mimético da luz, das sombras e das texturas, não 
obstante o facto de a compreensão e aplicação das regras perspécticas serem ainda 
rudimentares, aspecto que se faz notar tanto nos Painéis, como no São Vicente Atado à 
Coluna. Das inúmeras sombras duplas divergentes elencadas por Abreu, destacam-se 
precisamente a projecção da bota no painel do Infante, a referida lança e corda do painel 
do Arcebispo, ou ainda as projecções presentes tanto no São Vicente Atado à Coluna, como 
no São Vicente da Cruz em Aspa. Todos estes exemplos constituem uma prova inequívoca do 
afã do pintor em demonstrar um domínio e uma vanguarda óptica absolutamente 
irrepreensível. O facto destas sombras representarem aquilo que Luís Filipe de Abreu 
designa por «faixas divergentes de fraca intensidade sobrepostas num triangulo de maior opacidade junto 
ao objecto», constitui prova inequívoca de que o pintor pretendeu deliberadamente 
demonstrar que o espaço pictórico para o qual a obra se destinava, se encontrava iluminado 
pelo menos por duas fontes autónomas e multidireccionais. Este aspecto denota uma clara 
sofisticação do artista, traduzida mediante o tratamento conceptual da luz e da sombra com 
 
122 
 
contornos claramente cientificistas. Com efeito, a origem lumínica dessas sombras de 
projecção dupla encontra-se representada e claramente identificável em inúmeros reflexos 
espectrais, caso particular de um conjunto janelar cindido por um mainel central: 
 
«No painel dos cavaleiros, encontramos uma chave que o pintor nos quis deixar, como quem enfaticamente 
chama a atenção para o problema das luzes: no capacete do cavaleiro das barbas, bem de frente, o reflexo da janela de 
onde ela provém. A tal janela com o colunelo ao meio... que também está na armadura (coxa) do cavaleiro de joelhos e 
na gola do cavaleiro da lança. E no peito deste mesmo, o reflexo da ogiva de uma janela gótica, ornamentada de 
maneira habitual, com arcos cruzados. Tudo nos fala ostensivamente da luz, para que não tenhamos dúvidas de que o 
mestre tem um discurso coerente, intencional e significante» 
(Abreu 1993, 361 - 362). 
 
Os reflexos destas janelas encontram-se assim habilmente dissimulados, tanto no 
capacete do cavaleiro das barbas no Painel dos Cavaleiros, como na referida armadura e 
gola do cavaleiro localizado á direita de São Vicente no Painel do Arcebispo, mas também, 
ainda que de forma desvanecida, na armadura e na perna dos cavaleiros situados no 
extremo oposto do mesmo painel. O reflexo da armadura e da gola do cavaleiro da direita, 
detalha inclusive alguns pormenores arquitectónicos extremamente relevantes, caso 
específico de um arco ogival aparentemente polilobado e cuja concepção sugere uma 
observação directa e presencial. Efectivamente, parte da novidade desta «filosofia 
observacional», consistiria precisamente na harmonização conceptual entre o espaço 
pictórico e o espaço observacional, resultando numa hábil conjugação entre a obra e o 
espaço lumínico a que esta se destinava. Constata-se assim, que os reflexos presentes no 
capacete do cavaleiro das barbas, assim como, nos materiais reflectores que os diversos 
cavaleiros do Painel do Arcebispo envergam, quando confrontados com as múltiplas 
direcções das sombras representadas, permitem confirmar precisamente a existência de 
duas fontes lumínicas autónomas provenientes de janelas ogivais e maineladas. Esta 
conclusão, a necessitar de futuros subsídios, poderá, de facto, ajudar a lançar alguma luz 
sobre o local para o qual as obras terão sido originalmente criadas. 
Esta demorada análise votada à obra de Nuno Gonçalves, permite caracterizar todo 
um quadro operativo, que meio século mais tarde assumirá uma força expressiva 
absolutamente ímpar. Neste contexto, existe uma oficina quinhentista cuja notoriedade a 
formaliza enquanto genuína fonte das demais. A proficiência e singularidade das obras aí 
produzidas, sugere tratar-se do núcleo difusor da pintura cientificada em voga no espectro 
oficinal português – trata-se, claro está, da oficina lisboeta de Jorge Afonso. Uma das 
razões para a aparente centralidade epistémica que a oficina evidencia, prende-se 
fundamentalmente com as inúmeras ligações familiares, de amizade e de parceria que o 
pintor possuía com a grande maioria dos protagonistas da cena artística nacional: Jorge 
Afonso era cunhado do flamengo Francisco Henriques, considerado «ho milhor oficial de 
pymtura que n’aquelle tempo avia», sogro de Gregório Lopes, tio das esposas de Cristóvão de 
Figueiredo e de Garcia Fernandes, parente de João de Ruão, e terá ainda mantido ligações 
documentadas com Vasco Fernandes e Gaspar Vaz, que em 1515 terão testemunhado uma 
escritura de aquisição de bens do artista lisboeta (Serrão 2001, 106). Deste modo, a análise 
da técnica em voga na sua oficina poderá caracterizar de forma cabal o «estado da arte» das 
demais, sendo de crer, que para além das relações familiares e/ou comerciais elencadas, 
Afonso terá desempenhado igualmente um relevante papel na divulgação e ensino da 
 
123 
 
pintura cientificada. Com efeito, a análise da ilustre Anunciação atribuída à sua oficina, revela 
a mesma consciência óptica que Luís Filipe de Abreu identifica na obra de Nuno 
Gonçalves, ou seja, um tratamento da luz arbitrado com intencional decisão, harmonizado, 
porém, com inúmeras referências oriundas desse mundo multidisciplinar que a ciência da 
pintura, nesse meio século de permeio, havia, entretanto, conquistado. E, no entanto, para 
lá da inovação perspéctica, são ainda as preocupações com a luz e com a sombra que 
parecem ocupar inteiramente a atenção do artista. O pormenor da sombra projectada pelos 
pés do leitoril onde a mão da Virgem repousa, permite perceber que se mantém a 
predileção por uma duplicidade lumínica, ou em alternativa, por uma fonte singular cindida 
por um mainel, solução, de resto, emulada na arquitectura do plano fundeiro. Para além do 
mais, a oficina de Jorge Afonso manifesta um claro domínio característico da escola 
flamenga, i.e., um controle absoluto das problemáticas associadas à matiz, à textura 
superficial, à radiância e ao brilho. Com efeito, serão inúmeros os exemplos visuo-tácteis 
totalmente concordantes com esse mundo multi-textural e sinestésico que Panofksy tão 
bem caracterizou: seja na sensação visual de leveza que as penas das asas do Anjo Gabriel 
transmitem; na aparência cálida da esteira africana em contraste com a frialdade da tijoleira; 
ou no brilho áureo do bastão de ouro incrustado de pedras preciosas que o Anjo empunha. 
Note-se, porém, que um dos pormenores mais extraordinários destaobra, reside na 
revolucionária e já amplamente referida reprodução do chamado Efeito Tyndall, fenómeno 
óptico caracterizado pela dispersão da luz nas partículas em suspensão coloidal. A 
representação meticulosa das diversas volutas de fumo, encontram na Anunciação uma 
expressão inteiramente original e vanguardista, sugerindo o detalhe aplicado à sua 
representação (Medeiros 2020, 88). A obra evidencia notórios traços de uma observação 
directa do fenómeno e de um claro comprometimento epistémico para com a realidade 
observável, em detrimento das medievas concepções sobrenaturais. 
Também a dupla Vasco Fernandes/Gaspar Vaz irá evidenciar notórios traços de 
um absoluto domínio dos fundamentos da pintura cientificada, facto que se reveste de 
especial importância, se tivermos em conta tratar-se de uma oficina com determinadas 
características regionalizantes. Com efeito, o facto de uma oficina laborar em Viseu 
precisamente nos mesmos moldes da sua congénere lisboeta, permite intuir que na primeira 
metade do século XVI, a ciência da pintura encontrava-se amplamente disseminados pelos 
principais centros urbanos do reino. 
Todas estas evidências, parecem conferir um nexo causal entre a mítica oficina de 
Nuno Gonçalves e as suas congéneres quinhentistas. Note-se que do ponto de vista 
cronológico, será amplamente plausível estabelecer uma ligação, ainda que indirecta, entre 
Nuno Gonçalves, activo entre 1450 e 1490, e os jovens pintores Jorge Afonso (1470-1540) 
e Vasco Fernandes (1475- c. 1542). Ambos teriam 20 e 15 anos, respectivamente, aquando 
da morte do velho mestre, idade em que já teriam certamente iniciado, ou inclusive, 
terminado a sua formação. O que este facto permite deduzir, é que no lapso de uma 
geração apenas, para além do evidente domínio da óptica, ter-se-á operado nas oficinas 
nacionais a recepção, assimilação e transmissão da perspectiva linear, fechando deste modo 
o arco evolutivo da pintura portuguesa dentro de uma esfera conceptual perfeitamente a 
par das suas congéneres europeias. 
 
Lisboa, 14 de Março de 2023. 
 
124 
 
 
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