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PlanificaSUS CUIDADOS PALIATIVOS FUDAMENTOS PARA A PRÁTICA Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein PlanificaSUS: Curso de Atualização em Cuidados Paliativos: Fundamentos para a Prática/Hospital Israelita Albert Einstein: Diretoria de Atenção Primária e Redes Assistenciais – São Paulo, Ministério da Saúde, 2022. XX p.: il. 1. Cuidados Paliativos. 2.Cuidados de Conforto 3. Atenção Primária à Saúde 4. Sistema Único de Saúde I. Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein – SBIBAE Ficha Catalográfica © 2022. Ministério da Saúde. Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhamento pela mesma licença 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. Tiragem: 1ª edição – 2022 – versão eletrônica Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção Primária à Saúde Departamento de Saúde da Família Esplanada dos Ministérios, bloco G Ed. Sede MS – 7º andar CEP: 70.058-900 – Brasília DF Fone: (61) 3315-9031 Site: aps.saude.gov.br Coordenação: Larissa Karollyne de Oliveira Santos Elaboração de texto: Gabriela Alves de Oliveira Hidalgo Samara Ercolin de Souza Facilitador videoaula e podcast: Denise Varella Katz Gabriela Alves de Oliveira Hidalgo Lorena Miranda Agrizzi Maria das Graças Saturnino de Lima Rubia Pereira Barra Samara Ercolin de Souza Revisão técnica: Gabriela Alves de Oliveira Hidalgo Isadora Siqueira de Souza Larissa Karollyne de Oliveira Santos Samara Ercolin de Souza Colaboração: Ana Paula Metran Nascente Cláudia Luci dos Santos Inhaia Darizon José de Oliveira Filho Denise Varella Katz Igor Tachetti Basques Ilen Evelin Abbud Joana Moscoso Teixeira de Mendonça Juliana dos Santos Batista Lis Regina Sampaio Utimi Letícia Andrade Lorena Miranda Agrizzi Luiza Martins Werneck Maria das Graças Saturnino de Lima Patrícia Domingues Vilas Boas Polianna Mara Rodrigues de Souza Rodrigo Cordeiro dos Santos Simone Bruschi Pinheiro Sissa Hellena Alves Valle Taciana Sheylla Aguiar Lucena Maranhão Talita Roberta Duarte da Costa Thais Gonçalo Wagner Fulgêncio Elias Editoração e diagramação eletrônica: DNA Conteúdo Digital Diagramação capa: Rudolf Serviços Gráficos Publicação financiada pelo Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (lei n.º 12.101, de 27 de novembro de 2009), por meio da portaria n.º 3.362, de 8 de dezembro de 2017 – parecer técnico n.º 2/2021 – CGGAP/DESF/SAPS/MS (0019478128) e despacho SAPS/GAB/SAPS/MS (0019480381). Produção e Execução: Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein| Núcleo de Projetos Especiais de Educação a Distância SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA ALBERT EINSTEIN Instituto Israelita de Responsabilidade Social Diretoria de Atenção Primária e Redes Assistenciais Projetos e Novos Serviços Av. Brigadeiro Faria Lima, 1.188 – 3º andar CEP: 01451-001 – São Paulo – SP Fone: (11) 2151-4573 Site: www.einstein.br 3 CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Cuidados Paliativos: Conceitos Importantes Quem pode se beneficiar de Cuidados Paliativos? Abordagem Paliativa e Ferramentas do Cuidado (Parte I) Abordagem Paliativa e Ferramenta do Cuidado (Parte II) Ações importantes diante da possibilidade de morte O cuidado frente perdas e luto Referências bibliográficas SUMÁRIO .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 08 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 26 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 38 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 63 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 119 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 126 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 146 4 APRESENTAÇÃO GERAL Olá, profissional da saúde! Seja bem-vinda(o) ao Curso de Atualização em Cuidados Paliativos – Fundamentos para a Prática. Esse curso é uma tecnologia educacional elaborada pelo PlanificaSUS, e tem como objetivo geral contribuir para a qualificação da assistência de Cuidados Paliativos na APS e na AAE. Assim, este curso é destinado a profissionais da APS e da AAE com o objetivo de agregar conhecimento quanto aos processos e ferramentas de Cuidados Paliativos, favorecendo maior segurança na sua prática assistencial. Sendo sua carga horária de 20 horas. . 5CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 5 6CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Você sabia que existem diferentes níveis de conhecimentos em Cuidados Paliativos ? A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) sugere recomendações para nortear o crescimento e desenvolvimento dos Cuidados Paliativos no país, organizando três categorias de assistência em Cuidados Paliativos com diferentes níveis de conhecimento e a carga horária de treinamento (ANCP, 2018). ATUAÇÃO NA ASSISTÊNCIA DE CUIDADOS PALIATIVOS DE ACORDO COM NÍVEIS DE CONHECIMENTO NÍVEIS DE CONHECIMENTOS EM CUIDADOS PALIATIVOS TIPO DE ASSISTÊNCIA EM CUIDADOS PALIATIVOS Abordagem de Cuidados Paliativos Treinamento básico de 20h a 40h Cuidados Paliativos Gerais Treinamento intermediário de 60h a 80h Cuidados Paliativos Especializados Treinamento de 3 meses a 6 meses ou mais CARGA-HORÁRIA DE TREINAMENTO 6 Ao final deste curso, segundo a ANCP, você será capaz de oferecer assistência em Cuidados Paliativos do tipo Abordagem de Cuidados Paliativos. Também estão entre as recomendações da ANCP que todas as equipes de saúde realizem abordagem em Cuidados Paliativos, com protocolos e diretrizes visando boas práticas, disponibilidade de medicamentos essenciais, treinamento no tema e contando com serviços de saúde integrados segundo o modelo de Redes de Atenção à Saúde (RAS) (ANCP,2018). Vamos começar nosso curso relembrando os conceitos e princípios que guiam a prática dos Cuidados Paliativos? 7CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA ENTÃO VAMOS LÁ! 7 8CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA CUIDADOS PALIATIVOS: CONCEITOS IMPORTANTES Você está prestes a começar o primeiro módulo deste curso! Aqui, te apresentaremos alguns conceitos importantes ligados à prática em Cuidados Paliativos, que servirão de base para os conhecimentos que virão nos próximos módulos! Preparada (o)? Objetivos dos módulos No final deste módulo, você será capaz de: • Identificar o novo conceito de Cuidados Paliativos e apontar seus princípios norteadores • Discutir a relação dos Cuidados Paliativos com os macroprocessos da Construção Social da APS • Discutir a relação dos Cuidados Paliativos com os macroprocessos da AAE A definição de Cuidados Paliativos passou por evoluções ao longo do tempo. Da primeira descrição indicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) até a mais atual, grandes mudanças existiram advindas do fortalecimento e consolidação dessa prática. 8 9CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Cuidado ativo e total para pacientes cuja doença não é responsiva ao tratamento de cura. O controle da dor, de outros sintomas e problemas psicossociais e espirituais é primordial. O objetivo do cuidado paliativo é proporcionar a melhor qualidade de vida possível (WHO, 1990, grifo do autor) OMS 1989 Abordagem que promove a qualidadede vida de pacientes (adultos e crianças) e seus familiares que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual. (WHO, 2002, grifo do autor) OMS 2002 Abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares que enfrentam problemas associados à doenças que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual (WHO, 2022, grifo do autor) OMS 2022 9 10CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Acompanhe a linha do tempo abaixo: Figura 01 - Linha do tempo com evolução das definições de Cuidados Paliativos e mudança de paradigma em relação à sua indicação. Fonte: WHO, 1990, 2002, 2022 e IAHCP, 2019. Esse recordatório de definições traz destaque a uma grande mudança de paradigma em relação a quem está indicado Cuidados Paliativos. Em 1990, a definição direcionava Cuidados Paliativos a “doenças incuráveis”, passando por “doenças que ameaçam a vida” em 2002, até chegar nas definições atuais que focam não na doença, mas na pessoa com sofrimento/problemas vinculados à condição de saúde ou doença. 10 11CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Em 2018, a Associação Internacional de Hospice e Cuidados Paliativos (International Association for Hospice and Palliative Care - IAHPC) revisou a definição de Cuidados Paliativos da OMS por meio de um estudo multicêntrico. O objetivo deste estudo foi encontrar um consenso sobre a definição de Cuidados Paliativos aplicável a todos, independentemente do diagnóstico, prognóstico, localização geográfica, etapa do cuidado ou nível de renda (KNAUL et al., 2017; ANCP, 2019). Essa nova definição foi endossada internacionalmente por representantes de organizações e instituições acadêmicas de vários países, incluindo o Brasil, pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), sendo ela: Esta definição da IAHPC se mostrou alinhada a APS por trazer grande aproximação com aspectos que nos remetem a características desse ponto de atenção. Vejamos: Cuidados Paliativos são cuidados holísticos ativos voltados a pessoas de todas as idades com sério sofrimento atrelado a uma condição de saúde grave, especialmente aquelas próximas ao final de vida. Visa melhor qualidade de vida para o paciente, seus familiares e cuidadores (IAHPC, 2019; RADBRUCH et al., 2020; ANCP, 2019; grifo do autor). i 1 2 3 4 5 A ideia de cuidados holísticos como alusão a integralidade, atributo essencial da APS. Cuidados ativos remetendo a busca ativa e vigilância. Assistência voltada a todo ciclo de vida, independentemente da idade. Foca na pessoa e em seu sofrimento, não em um diagnóstico específico. Cuidado integral que inclua, além do usuário, a família e o cuidador. 11 12CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Vejamos abaixo os princípios norteadores dos Cuidados Paliativos: Figura 02 - Princípios norteadores dos Cuidados Paliativos. Perceberam que a trajetória de identidade e estabelecimento da prática dos Cuidados Paliativos trouxe a efetivação da pessoa como centro do cuidado e da assistência em Cuidados Paliativos? 12 13CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 1 - Promover o alívio da dor e outros sintomas desconfortantes. 2 - Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida. 3 - Não pretende apressar nem adiar indevidamente a morte. 4 - Integra os aspectos sociais, psicológicos e espirituais do cuidado como necessários e desejados. 5 - Oferecer um sistema de suporte que possibilite: Permitir às pessoas acessarem e aderirem a cuidados clínicos ideais; Resolver problemas sociais e jurídicos e, em particular, reduzir o impacto da pobreza sobre as pessoas e seus familiares, incluindo crianças; Ajudar as pessoas a viverem tão ativamente quanto possível até a morte. 6 - Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença da pessoa e a enfrentar o luto. 7 - Usar abordagem em equipe para atender de forma abrangente as necessidades da pessoa e suas famílias. 8 - Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença. 9 - É aplicável no início do curso da doença, em conjunto com terapêuticas modificadoras de doenças implementadas para prolongar a vida, e inclui as investigações necessárias para melhor compreender e tratar complicações clínicas. Fonte: (ANCP, 2012; WHO, 2020; WHO, 2021b) 13 14CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Por fim, chegamos à compreensão atual dos Cuidados Paliativos que preconiza o cuidado centrado na pessoa e em seu sofrimento, almejando a melhoria da qualidade de vida da pessoa, família e cuidador. A partir dessa compreensão, vamos descobrir mais sobre os Cuidados Paliativos na APS e na AAE! SAIBA MAIS! Utilize o QR Code ao lado para acessar um acervo de Políticas de Saúde organizado pelo Ministério da Saúde. No campo de busca da página, insira as palavras “Cuidados Paliativos” e descubra quais políticas citam esse tema! Ou acesse pelo link aqui em baixo! Atualmente existem diversas normativas, políticas e publicações do Ministério da Saúde que incluem a oferta dos Cuidados Paliativos como um cuidado essencial no Sistema Único de Saúde (SUS). CUIDADOS PALIATIVOS NA APS E NA AAE ACERVO 14 https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0002_03_10_2017.html 15CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Entre elas, são destaque a Política Nacional de Atenção Básica (2017), que cita os Cuidados Paliativos como uma das ações a serem realizadas pela APS, e a Resolução Nº41, de 31 de outubro de 2018, que dispõe sobre as diretrizes para a organização dos Cuidados Paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito do SUS, trazendo a perspectiva da RAS e a responsabilidade de cada ponto de atenção para oferta qualificada e equitativa deste cuidado, incluindo a APS e a AAE. Considerando a necessidade de fortalecimento e expansão da oferta de Cuidados Paliativos pela APS no âmbito do SUS, em 2019 os macroprocessos de Cuidados Paliativos foram incorporados na segunda versão do referencial da Construção Social da APS, a fim de promover melhoria da qualidade de vida das pessoas, seus familiares e cuidadores, assim como respeito à autonomia e valores de cada um (MENDES et al, 2019). A metáfora da construção de uma casa descreve o conjunto de macro e microprocessos da Construção Social da APS. As intervenções na estrutura, os macroprocessos e os microprocessos básicos representam o alicerce da casa que necessita de construção sólida. As paredes, o teto, o telhado, a porta e as janelas, serão construídos a partir do alicerce, de forma consistente, para que a casa da APS não corra o risco de ruir. Relembre os macro e microprocessos da construção social da APS: 15 https://www.conass.org.br/biblioteca/a-construcao-social-da-atencao-primaria-a-saude-2a-edicao/ 5 4 6 1 7 2 3 8 16CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Figura 03 - A metáfora da casa e a janela dos Cuidados Paliativos na construção social da APS. 2 Macroprocessos e Microprocessos Básicos da Atenção Primária à Saúde Macroprocessos de Atenção aos Eventos Agudos 1 16 17CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 8 7 6 5 4 3 Macroprocessos de Atenção às Condições Crônicas não agudizadas, às Enfermidades e às Pessoas Hiperutilizadoras Macroprocessos de Atenção Preventiva Macroprocessos de Demandas Administrativas Macroprocessos de Atenção Domiciliar Macroprocessos de Autocuidado Apoiado Macroprocessos de Cuidados Paliativos 17 18CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Quando organizamos os macroprocessos de Cuidados Paliativos, estamos organizando os processosreferentes à janela laranja da casa. Esses macroprocessos objetivam melhorar a qualidade da atenção prestada às pessoas que necessitam de Cuidados Paliativos e aos seus familiares, promovendo uma resposta integral, sempre levando em consideração o respeito à autonomia e aos valores de cada indivíduo. Em suma, os macroprocessos de Cuidados Paliativos são integrados e articulados com outros macroprocessos, e isso se faz necessário para garantir a resposta às demandas da população e promover a implantação sustentável dos Cuidados Paliativos (MENDES et al., 2019). Além disso, é essencial destacar que a APS não trabalha sozinha! A gestão do cuidado é integrada e compartilhada entre a APS e a AAE. Agora, acompanhe a Rubia Barra - Dentista Sanitarista - Mestre em Geografia - que vai abordar, com exemplos da prática, a relação dos macroprocessos da construção social da APS com os macroprocessos de Cuidados Paliativos. 18 https://vimeo.com/749143262/7b2f1f472b 19CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Portanto, entendemos que a oferta de cuidados na APS e na AAE pretende: Assim, vamos acompanhar a Isadora Souza - Enfermeira de Família e Sanitarista - que vai nos contar sobre a prática dos Cuidados Paliativos na Atenção Ambulatorial Especializada. 1 Tornar a assistência de Cuidados Paliativos parte do cuidado integral ofertado no contexto comunitário; 2 Identificar precocemente pessoas no território com indicação desta assistência; 3 Oferecer essa assistência de forma integrada ao plano de cuidado com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos usuários frente a uma condição de saúde; 4 Oferecer essa assistência com qualidade, diminuindo assim a desigualdade de acesso, dissipando equívocos sobre o que se entende por Cuidados Paliativos e reduzindo o sofrimento evitável. 19 https://vimeo.com/749143584/dfe73f1bfc 20CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Frente a isso, este curso pretende apresentar as ferramentas utilizadas nos Cuidados Paliativos e relacionar seu uso com a trajetória de cuidados ofertada aos usuários, de forma a desenvolver os profissionais da APS e da AAE quanto aos processos essenciais dessa temática e os tornar capazes de integrar os conhecimentos adquiridos à sua rotina de assistência em saúde. Agora que conhecemos os principais conceitos ligados à prática e à teoria de Cuidados Paliativos, vamos conhecer o Paulo! Sua história vai nos ajudar na articulação de conhecimentos adquiridos com a prática clínica. Abaixo observe as ilustrações sobre o Sr. Paulo e leia sua história de vida. 1 Paulo nasceu em Recife (PE) e conheceu a sua esposa aos 17 anos de idade. Aos 19 ele se mudou para São Paulo em busca de novas oportunidades de trabalho e melhores condições de vida para a família. Somente um ano depois, conseguiu levar sua esposa Nádia e seu primogênito, João, para a grande metrópole. Já em São Paulo, o casal teve mais dois filhos, Marcos e Cristina. Como quase todo mundo, Paulo e sua família tiveram uma vida com enfrentamentos e felicidades. Até que, aos 47 anos de casamento, Nádia faleceu em decorrência de um câncer de mama, deixando Paulo viúvo. Desde que sua esposa faleceu, Paulo passou a morar com sua filha Cristina na região sul de São Paulo. 20 Porteiro aposentado, não alfabetizado e sem religião, Paulo sempre foi muito engajado em seu trabalho. Trabalhou por 30 anos – 6 dias por semana durante o período noturno – no mesmo prédio e, por isso, era pouco presente no cotidiano familiar. Além disso, o trabalho tão intenso e as noites mal dormidas ainda lhe renderam problemas de saúde como a pressão alta. “Não dormir direito tem preço” ele dizia. 21CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 2 Ainda que fosse independente e bastante preocupado com o sustento da casa e da família, Paulo, que na maioria das vezes se apresentava como um tipo calado, fechado e de pouca expressão emocional, gostava de beber com os amigos nas horas de folga. E, em algumas dessas vezes, Paulo chegou a apresentar comportamentos agressivos enquanto alcoolizado e, até mesmo, a agredir a esposa em frente aos filhos. 3 Aos 50 anos, Paulo sofreu um infarto. Em decorrência, realizou cateterismo cardíaco e passou por alguns dias de internação. Nádia, nessa ocasião, esteve ao lado do marido dia e noite no hospital. Essa situação aproximou o casal e fez com que o abuso de álcool se tornasse menos frequente e, também, com que a presença de Paulo junto a família aumentasse – afinal, um coração enfraquecido o deixava cansado com mais facilidade. 4 21 22CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Dos três filhos do casal, Cristina foi quem se manteve mais próxima dos pais, morando no mesmo bairro. Separada e sem contato com o ex-companheiro, ela cuidou da mãe desde o diagnóstico de câncer até sua morte, enfrentando com ela os momentos mais difíceis, incluindo a internação. Tudo isso, além de cuidar sozinha de sua filha, Isabela. Ao longo do adoecimento de Nádia, Paulo passou a ser mais participativo em relação à família: passou a colaborar com as tarefas da casa e auxiliar na alimentação e cuidados da esposa. No final das manhãs, ele se sentia cansado e, às tardes, sentia que tudo precisava ser feito lentamente: algumas vezes entre as tarefas, quando o cansaço apertava, ele parava e se sentava e só depois conseguia seguir. Durante esse período de cuidados com Nádia, Paulo e sua filha, Cristina, se tornaram mais próximos – já que Paulo se tornara mais calmo, comedido e um tanto quanto carente desde que a esposa adoecera. 5 6 22 Paulo resistiu. Sentia-se mais próximo à falecida esposa na casa em que haviam vivido juntos. Mas, com o tempo, cedeu. Dois meses após a morte de Nádia, Paulo passou a viver com Cristina e Isabela. 22CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Após a morte da mãe, Cristina concluiu que Paulo não poderia mais viver sozinho. Ele se mostrava deprimido e a filha sentiu que havia o risco dele voltar a beber. Ele também se apresentava cada vez mais cansado e com dificuldade para caminhar e realizar trabalhos domésticos sozinho. Assim, a filha buscou convencer o pai de que morar em sua casa seria a melhor opção. 7 8 23 23CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA O que achou dessa história? Quais pontos você reconheceu como relevantes sob a ótica dos Cuidados Paliativos? Ou, se preferir, você pode baixar o arquivo aqui embaixo e ler a história de Paulo! CASO PAULO - parte 1.pdf 1.4 MBPDF 24 https://articulateusercontent.com/rise/courses/J8ooXcGHevqCWXSmoF7aFRF9NaDrU6GK/fD8GRL1OL_7MBp_7-CASO%2520PAULO%2520-%2520parte%25201.pdf 24CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Para falar um pouco sobre o caso de Paulo e jogar luz sobre os principais pontos dessa história, convidamos Gabriela Hidalgo - Médica de Família e Comunidade e Paliativista. Olá pessoal! Como vocês puderam perceber, nós vamos usar o caso do Paulo para entendermos, através de um contexto prático, como os cuidados paliativos podem ser oferecidos. Nesse módulo nós entendemos qual é o conceito de Cuidados Paliativos. O caso do Paulo traz, dentro desse contexto prático, a oportunidade de entendermos melhor esse conceito de Cuidado Paliativo, quem pode se beneficiar desse tipo de cuidado, qual o seu foco principal, e alguns princípios norteadores dessa assistência. O Paulo, como você pode se lembrar, já tem uma condição clínica avançada, ele tem uma insuficiência cardíaca avançada, que é uma doença que ameaça a vida. Trazendo um pouquinho do conceito mais atual de cuidados paliativos, para além de uma doença avançada, ele tem sofrimento atrelado a uma condição de saúde grave e, por isso, o Paulo tem muitos benefícios ao incorporar cuidados paliativos dentro da identificação precoce de suas necessidades de saúde e de um aspecto multidimensional, envolvendo a dimensão física, psicossocial e espiritual, trazendo o foco de cuidado de forma centradaà pessoa. 25 24CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Para além disso, o principal objetivo desse tipo de assistência é a qualidade de vida, não só do Paulo, mas também da sua família, a Cristina, sua netinha Isabela e do principal cuidador, que nesse caso também é a Cristina. Conseguimos relacionar com os princípios norteadores do Cuidado Paliativo não só o sofrimento atrelado a condição de saúde mas também o alívio de sintomas, que são presentes no caso do Paulo, ele tem cansaço, ele perdeu a funcionalidade, ele não consegue fazer as atividades do dia a dia como ele fazia antigamente. E integrar aspectos sociais, como os psicoemocionais e espirituais, ou seja, entender o Paulo como alguém que tem a sua história, tem o seu contexto de vida, tem as suas crenças, os seus sentimentos, afetos e emoções que atravessam esse cuidado. Dentro dos princípios norteadores precisamos lembrar sempre dos cuidados clínicos ideais, pois o cuidado paliativo é concomitante com a terapia modificadora de doença, e o seu Paulo perdeu o segmento do acompanhamento das suas condições de saúde, então um passo muito importante no cuidado paliativo é cuidar bem da condição de saúde de base, e isso podemos oportunizar para o Seu Paulo. Além disso, queremos que o Paulo viva tão ativamente quanto possível dentro desse contexto, então nós vamos adentrar no seu lar, entender o seu contexto, a sua rotina de atividades diárias, manejar os seus sintomas para que ele se sinta ativo e funcional dentro do possível frente a essa condição de saúde e, fechando esse ciclo de avaliação, temos o sistema de suporte à família que lida com esse adoecimento, convive com seu Paulo no seu dia a dia e que vai ter que lidar com o luto quando chegar o momento do falecimento, isso envolve a sua filha Cristina e também a sua netinha Isabela. Espero ter ajudado a articular melhor os conceitos e princípios dos cuidados paliativos com o caso do Paulo. Já, já nos vemos novamente. 26 MÓDULO 2 - QUEM PODE SE BENEFICIAR DE CUIDADOS PALIATIVOS? 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Você está iniciando o estudo do segundo módulo do curso de Ensino à Distância (EaD) de Cuidados Paliativos: Fundamentos para a prática. Desde já, é importante que você reconheça sua oportunidade como profissional da APS e/ou da AAE de ofertar assistência de Cuidados Paliativos com os conhecimentos que está adquirindo. Vamos exercitar a aplicação do conceito de Cuidados Paliativos na rotina da APS e na AAE. Objetivos de Aprendizagem No final deste módulo, você será capaz de: 1 2 3Reconhecer a importância de integrar os Cuida-dos Paliativos a rotina assistencial Reconhecer que intervenções relacionadas a Cuidados Paliativos envolvem a população em geral Explicar e demonstrar o uso da Elegibilidade Sim- plificada para Cuidados Paliativos, SPICT-BR e Pergunta Surpresa 4 Conhecer os passos da abordagem paliativa completa e reconhecer sua indicação 27 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Reconhecimento da indicação de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos não são sinônimos de cuidados especializados ou hospitalares, ou aqueles a serem prestados somente depois que as intervenções de tratamento modificador de doença não atingiram o efeito desejado (WHO, 2018). E agora? Você já imaginou quando as ações em Cuidados Paliativos devem ser iniciadas? Quais pessoas podem se beneficiar desse cuidado? Como a APS e a AAE acompanham usuários e famílias por muitos anos, geralmente estabelecem um vínculo longitudinal. Portanto, as equipes desses serviços estão bem posicionadas na assistência à saúde para identificar usuários que podem se beneficiar de ações paliativas precoces, e para ofertá-las simultaneamente com as terapias modificadoras de doença (GHOSH, 2015). 28 27CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Assista o vídeo ao lado com a Gabriela Hidalgo - Médica de família e comunidade e paliativista -sobre quem pode se beneficiar dos Cuidados Paliativos. Você consegue observar que muitas das características da assistência de Cuidados Paliativos já são presentes no cotidiano de trabalho da APS e da AAE como: 1 2 3 4 5 O trabalho em equipe; A longitudinalidade do cuidado; A atuação centrada tanto no usuário quanto na família; Ações que promovem qualidade de vida, bem como as que previnem agravos e as que proporcionam reabilitação; Ações articuladas junto com a comunidade. 29 https://vimeo.com/749142246/1ff86be91b 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Ferramentas de Elegibilidade para Abordagem Paliativa Completa Agora que você compreendeu melhor quem pode se beneficiar de Cuidados Paliativos, ficou mais claro que entre pessoas com condição de saúde já estabelecida, é possível identificar indivíduos em que as demandas relacionadas a Cuidados Paliativos são predominantes ou prioritárias e, nesse contexto, uma abordagem diferenciada deve ser traçada de forma integrada ao Plano de Cuidado. Mas antes de apresentarmos as ferramentas vamos aprender como reconhecer usuários elegíveis para abordagem paliativa completa? Para esse reconhecimento, vamos pensar em três passos: Para identificar essas pessoas elegíveis a uma abordagem paliativa completa, o uso de ferramentas específicas é essencial, valendo-se de avaliação estruturada e desencadeando planejamento de cuidados oportuno (HIGHET et al., 2013; MASS et al., 2013; UNIVERSITY OF EDINBURGH, 2020). 30 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Rastrear usuários com uma ferramenta simples e acessível, fácil de incorporar a rotina. Para rastrear vamos conhecer uma ferramenta chamada de Elegibilidade Simplificada para Cuidados Paliativos. 1° PASSO De�nir, entre essas pessoas rastreadas, quem são as elegíveis para a abordagem paliativa completa por meio de um instrumento mais específico e já conhecido na área de cuidados paliativos: o SPICT-BR. 2° PASSO Quando estamos diante de um número grande de pessoas identificadas, é importante que a equipe reconheça por quais usuários a organização desse cuidado deve começar primeiro. Para isso, sugerimos a Pergunta Surpresa como indicador de priorização entre usuários elegíveis para abordagem paliativa completa, quando necessário. 3° PASSO 31 Vamos conhecer melhor sobre as ferramentas de elegibilidade para abordagem paliativa completa e saber como aplicar cada uma delas. 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 1 Assista o vídeo ao lado com Samara Ercolin de Souza - Enfermeira de Família - sobre a ferramenta Elegibilidade Simplificada para Cuidados Paliativos. Ferramenta Elegibilidade Simpli�cada para Cuidados Paliativos.pdf 161 KBPDF Elegibilidade Simplificada para Cuidados Paliativos 32 https://player.vimeo.com/video/749339392?h=534102a471 https://articulateusercontent.com/rise/courses/J8ooXcGHevqCWXSmoF7aFRF9NaDrU6GK/03YzPHRfJ5IMe4TC-Ferramenta%2520Elegibilidade%2520Simplificada%2520para%2520Cuidados%2520Paliativos.pdf 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 2 Agora, vamos conhecer o SPICT-BR. Um instrumento de fácil aplicação que auxilia na identificação de usuários que estão em risco de deterioração da sua condição de saúde e podem precisar de cuidados paliativos. Ferramenta SPICT-BR™.pdf 289.4 KBPDF Supportive and Palliative Care Indicators Tool (versão brasileira). 33 https://player.vimeo.com/video/749338750?h=7fda740a52 https://articulateusercontent.com/rise/courses/J8ooXcGHevqCWXSmoF7aFRF9NaDrU6GK/11bBfbcgqqGjkKxI-Ferramenta%2520SPICT-BR%25E2%2584%25A2.pdf 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 3 Para finalizar o tema sobre as ferramentas de elegibilidade para abordagem paliativa completa, assista o vídeo ao lado e conheça o instrumento Pergunta Surpresa. Pergunta Surpresa 34 https://player.vimeo.com/video/749339925?h=a925e6b3eb 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA CASO PAULO - parte2.pdf 731.2 KBPDF Relembre o caso do Paulo e reflita: Será que ele é elegível para Abordagem Paliativa Completa? Vamos entender um pouco mais sobre essa história! Para que os pontos-chave desse caso fiquem bem claros para você, leia com atenção os cards abaixo que destacam trecho da história! 35 https://articulateusercontent.com/rise/courses/J8ooXcGHevqCWXSmoF7aFRF9NaDrU6GK/XneFZt06g2A6Rl8_-CASO%2520PAULO%2520-%2520parte%25202.pdf 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Paulo: • Precisa de assistência ocasional; • Possui independência parcial; • E tem funcionalidade reduzida. Com o aumento da necessidade de cuidados e maior dependência de Paulo, houve o fortalecimento do vínculo familiar. 36 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA No momento do cadastro de Paulo pela agente de saúde, certos pontos de atenção são percebidos e coletados: • Cansaço do Sr Paulo ao andar até o portão; • Histórico de hipertensão, infarto e câncer de próstata; • Ausência de seguimento clínico; • Não reconhecimento da necessidade de acompanhamento periódico de saúde. Frente aos dados coletados, o caso é passado na reunião de equipe e se confirma que Paulo é um usuário que pode se bene�ciar de abordagem paliativa! 37 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Gabriela Hidalgo - Médica de Família e Comunidade e Paliativista, sobre as ferramentas de elegibilidade para abordagem paliativa aplicadas ao caso Paulo. Olá! Vamos conversar um pouco mais sobre o caso do Paulo, vamos entender como foi o percurso para identificar que o Paulo era uma pessoa elegível para abordagem paliativa completa. Quando pensamos na elegibilidade existem três passos importantes: o primeiro é o rastreamento de pessoas que possivelmente precisam desse tipo de abordagem. Depois de identificar uma pessoa que pode ser elegível eu separo esse caso para reunião de equipe onde, em conjunto, nós iremos compartilhar a decisão e aplicar de forma conjunta uma ferramenta mais específica de cuidados paliativos para definir a elegibilidade. Depois de identificar uma pessoa que possivelmente precisa desse tipo de cuidado, o segundo passo é definir a elegibilidade para a abordagem paliativa completa através de uma ferramenta mais específica de cuidados paliativos, aqui nós escolhemos o SPICT-BR como essa ferramenta. A definição da elegibilidade é feita na reunião de equipe como uma decisão compartilhada da equipe como um todo, discutindo o caso, trazendo elementos e novos olhares para compreender melhor se esse caso se enquadra dentro desse tipo de necessidade e como podemos organizar a sistematização desse tipo de assistência. Existe ainda um terceiro passo que vai ser importante em locais onde existem muitas pessoas que são elegíveis para abordagem paliativa completa, a equipe precisa de uma ferramenta objetiva para 38 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA entender qual é a priorização, por onde começar, quem são as pessoas que precisam olhar primeiro, e fazer a abordagem paliativa completa de forma sistematizada. E para isso, nós utilizamos a pergunta surpresa. Agora vamos trazer todo esse conhecimento para o caso do Paulo. Como que isso aconteceu na prática aqui na nossa história: O Paulo foi identificado como uma pessoa que possivelmente se beneficiaria de uma abordagem paliativa logo no primeiro contato com a Fernanda, que é a agente comunitária de saúde da família do Paulo, ela nem conhecia o Paulo ainda, mas só de observar a forma como ele abriu a porta, caminhou lentamente até o portão para recebê-la e percebeu que ele ficou cansado nesse pequeno esforço, já fez com que ela refletisse: “Será que o Seu Paulo pode se beneficiar da abordagem paliativa?” A Fernanda, durante o momento de cadastro do usuário, conseguiu unificar e trazer diversas informações que fizeram ela ter mais certeza dessa primeira impressão, de que provavelmente o Seu Paulo poderia se beneficiar de uma abordagem paliativa. E essas informações estão presentes na Elegibilidade Simplificada para Cuidados Paliativos. Vamos citar alguns rapidamente: ela pôde perceber que o seu Paulo tem uma funcionalidade reduzida, ele tem dependência para cuidados pessoais por causa de problemas físicos, ele tem sintomas persistentes, ele tem uma condição clínica avançada voltada para problemas cardiovasculares, todos esses elementos se mostraram positivos, foram confirmados ao longo do cadastro e assim uma impressão de que talvez ele precisaria de cuidados paliativos se tornou uma avaliação objetiva, trazendo maior certeza de que esse caso precisava ser separado para a discussão de equipe e assim, em equipe, discutir um pouco sobre o SPICT-BR. 39 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Falando agora do SPICT-BR, temos alguns elementos através desse trechinho da história que nós já conseguimos perceber que são positivos, o Seu Paulo, dentro dos indicadores gerais de piora de saúde tem sintomas persistentes e, pensando na condição clínica avançada no setor de doença cardiovascular, ele tem uma classe funcional provavelmente NYHA III com falta de ar ao repouso. São alguns elementos que já temos dicas nesse trechinho da história do Paulo, e que em uma reunião de equipe, através dos múltiplos olhares, cada um conhecendo um pouquinho mais do Paulo, se torna complementar e também traz segurança para definir como equipe: “O senhor Paulo é um usuário elegível para abordagem paliativa completa e, a partir de agora, nós vamos nos organizar para sistematizar essa forma de cuidado e trazer assim, o alívio do sofrimento atrelado condição de saúde do Seu Paulo, uma melhor qualidade de vida para ele, para família dele e ao principal cuidador.” Espero ter ajudado! Já já conversamos um pouco mais. 40 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Bem-vinda (o) novamente! Você está iniciando o terceiro módulo do curso de Ensino à Distância (EaD) de Cuidados Paliativos: Fundamentos para a prática - parte I. Neste módulo, você conhecerá no detalhe a Abordagem Paliativa Completa e algumas ferramentas que te auxiliarão a sistematizar essa proposta de cuidado. Objetivos de Aprendizagem No final deste módulo, você será capaz de: 1 2 3Compreender as ferramentas que compõe a abordagem paliativa completa Aplicar a biografia como uma tecnologia leve Discutir o Método Clínico Centrado na Pessoa 4 Reconhecer a comunicação como uma ferramenta de cuidado MÓDULO 3 - ABORDAGEM PALIATIVA E FERRAMENTAS DO CUIDADO 41 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Assim, são essas as ferramentas que compõem a abordagem paliativa completa e estruturam a prática dos Cuidados Paliativos. Elas devem ser aplicadas de forma integrada à rotina da Atenção Primária à Saúde e incluídas entre as necessidades a serem assistidas no compartilhamento do cuidado com a Atenção Ambulatorial Especializada. Na sequência deste curso, falaremos de cada uma dessas ferramentas! No vídeo ao lado, Gabriela Hidalgo nos apresentará a Abordagem Paliativa Completa. Vamos? 42 https://vimeo.com/749142651/e92a5dcb00 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Biografia No contato do usuário com a unidade de saúde, dados de identificação da pessoa, como nome, sexo, idade, estratificação de risco familiar e outros, são reforçados na anamnese e importantes na caracterização clínica. Entretanto, nesse movimento de conhecer o outro, é preciso ir além e explorar subsídios da biografia da pessoa, por meio da coleta da história de vida, da identidade pessoal, dos valores, das crenças e dos prazeres atrelados ao bem-estar e às formas de enfrentamento das situações da vida (ANCP, 2012; SILVA, 2018). Para essa coleta, algumas estratégias são necessárias. Como exemplo, temos o uso de perguntas semidirigidas e a escuta ativa com interesse genuíno pela narrativa do outro, sem prejulgamentos e postura empática. A biografia da pessoa é uma tecnologia leve e deve ser aplicadaà prática de Cuidados Paliativos. A seguir, estão listados os pontos que devem ser visitados para ampliar o conhecimento e compreensão da história do usuário (SILVA et al., 2018): 43 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Circunstâncias e contexto sociocultural Crenças, preferências, dificuldades, fantasias, incertezas, medos, expectativas e mecanismos de defesa que circunscrevem o adoecimento e o sentido da vida. 1 Representante formal Quem é o responsável formal em caso de incapacidade.2 44 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA A relação entre os familiares e cuidadores e os profissionais da equipe de saúde3 Recursos para lidar com o adoecimento Os recursos socioculturais, psíquicos e espirituais para o enfrentamento do sofrimento e o processo de adaptação às diversas condições impostas pelo adoecimento.4 A comunicação entre a pessoa e seu círculo social5 O funcionamento da rede familiar e social de apoio6 Autonomia em relação ao contexto social Exercício da autonomia da pessoa no contexto familiar e as relações de poder no ambiente familiar. 7 A pessoa em seu contexto social Como gosta de ser chamada, sua organização familiar, o lazer, o trabalho, a situação financeira, o círculo de convívio social e a rede disponível de cuidados. 8 Significados atribuídos pela pessoa às vivências proporcionadas pelo adoecimento Conhecimento da pessoa a respeito das alterações na sua saúde e relação entre o estágio da doença e morte. 9 45 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA É importante ressaltar que o acesso à biografia da pessoa e sua família é gradual, não se esgotando em um único encontro, uma vez que também está relacionado ao vínculo estabelecido com a equipe – condição fundamental para que histórias e eventos importantes de vida sejam compartilhados (BRASIL, 2017; BRASIL, 2020). Informações coletadas na biografia são registradas no prontuário, junto a dados de identificação, formando uma vinheta clínica que nos conta quem é essa pessoa em seu contexto e história de vida. O acesso facilitado a essas informações na rotina de assistência e manuseio do prontuário induz sua leitura frequente e favorece a incorporação dessas características e valores importantes do ponto de vista biográfico no plano de cuidado. É nesse vínculo de confiança entre usuário, família e equipe que se tocam as ferramentas de biografia e de comunicação: as técnicas de biografia nos dirão o que precisamos saber, as de comunicação nos permitirão desenvolver esse vínculo fundamental para acessar essas informações. i 46 Paulo era um usuário da Unidade Básica de Saúde (UBS) de 68 anos, analfabeto, porteiro aposentado, viúvo há 3 anos. Foi casado por 47 anos com Nádia, falecida por câncer de mama. Ele não tem religião. Reside com a filha Cristina na região sul de São Paulo (SP) desde a morte da esposa. É natural de Recife (PE) e mudou-se para São Paulo aos 19 anos, em busca de trabalho e melhores condições para a família. Veio sozinho e, 1 ano depois buscou sua esposa e o primogênito João. Teve com sua esposa outros dois filhos, Marcos e Cristina. Frente a todas as informações novas que conhecemos sobre Paulo, como você atualizaria o histórico da biografia? Conseguir comunicar-se bem com o usuário e conhecer sua biografia já são passos fundamentais. Mas existe mais uma ferramenta que permitirá expandir e organizar seu conhecimento e seu cuidado com o usuário. Vamos conhecê-la? 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Vamos relembrar a biografia do Sr. Paulo: 47 Ancorados nos princípios bioéticos de autonomia, beneficência e não maleficência, os Cuidados Paliativos consistem em uma filosofia de cuidado centrada na dignidade da pessoa, que possibilita que ela tome suas próprias decisões, reafirmando o respeito à dignidade humana no decorrer da doença, nos últimos dias de vida, na morte e no luto (WHO, 2014; SILVA et al., 2018; WHO, 2018). Método clínico centrado na pessoa Como já sabemos, os Cuidados Paliativos afirmam a vida e têm como um de seus princípios oferecer um sistema de suporte que auxilie a pessoa a viver tão ativamente quanto possível durante o percurso da doença ameaçadora da vida (WHO, 2014). Para tanto, a participação ativa da pessoa na construção de seu plano de cuidado é fundamental para a organização e a efetivação dos Cuidados Paliativos (BRASIL, 2017; BRASIL, 2018; WHO, 2018). Para organização e desenvolvimento dos Cuidados Paliativos, sobretudo visando o cuidado centrado na pessoa, o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) é um modelo de abordagem clínica que permite que a equipe transcenda aspectos orgânicos, sistematizando o cuidado a partir da compreensão da pessoa em todas as suas dimensões (WHO, 2018). O Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) propõe um conjunto de orientações em quatro componentes complementares entre si (STEWART et al., 2017; GUSSO, LOPES & DIAS, 2019): 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 48 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Nesse componente, é fundamental explorar as informações objetivas e tecnicamente relevantes ao diferencial (anamnese, exame clínico, exames complementares e sintomas), em relevar, contudo, as dimensões subjetivas do indivíduo frente à experiência de estar doente (sentimentos, ideias, gestos, expectativas e expressão facial). Para explorar esse âmbito, sugere-se a abordagem SIFE: Explorando a saúde, a doença e a experiência da doença1 49 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Nesse componente, é fundamental conhecer a pessoa e suas múltiplas dimensões para além da condição física, reconhecendo o ciclo de vida, as tarefas que assume e o papel que desempenha frente a sua família e a seu contexto. Entendendo a pessoa como um todo: pessoa, família e contexto2 É importante chegar à conclusão conjunta sobre quais são os problemas abordados e em que ordem de prioridade devem ser enfrentados (CERON, 2012; STEWART, 2017). O plano de cuidados é construído e pactuado entre a equipe e a pessoa. A abordagem integral às pessoas em Cuidados Paliativos exige, na maioria das situações, apoio matricial e envolvimento dos diversos recursos disponíveis nas RAS. Elaborando um plano conjunto de manejo dos problemas3 50 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA É sabido que o vínculo com a pessoa e a família é construído ao longo do tempo. Para tanto, sugere-se a adoção de algumas atitudes que contribuem para a harmonia e o fortalecimento desses vínculos (SILVA, 2018): • Envolver a pessoa e a família nas decisões; • Manter informadas a pessoa e a família; • Aconselhar e dar suporte à pessoa e à família; • Ser honesto quanto à trajetória da doença e ao prognóstico; • Eleger um membro da equipe que atue como referência da pessoa; • Atendimento previamente planejado, com equipe empoderada da biografia da pessoa, bem como das queixas e necessidades em saúde. Essa abordagem requer atuação sistemática e reflexiva, por meio da escuta qualificada e do acolhimento, e permite a incorporação de ferramentas e outras tecnologias em saúde durante sua execução. Não estabelece sequência rígida e deve ser aplicada sempre que necessário (CERON, 2012; BRASIL, 2020). Intensificando a relação entre a pessoa e a equipe4 51 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA CASO PAULO - parte 3.pdf 665.3 KBPDF Tendo em mente o MCCP, vamos acompanhar como foi a primeira consulta de Paulo na APS com médico da equipe, Dr. Leandro? Veja o diálogo e, depois, tente identificar se os quatro passos do MCCP estão ali presentes. 52 https://articulateusercontent.com/rise/courses/J8ooXcGHevqCWXSmoF7aFRF9NaDrU6GK/F4vwCUyXMj_lvMd_-CASO%2520PAULO%2520-%2520parte%25203.pdf 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Médico: O senhor é pai da Cristina e Vovô da Isabela! Estou vendo aqui no prontuário. Como está a sua neta? Paulo: Linda como sempre. Estamosaproveitando agora que mudei para casa da Cristina. Mas está tristinha... O gatinho morreu, aí não dorme bem, às vezes não come. Médico: Poxa, Sr. Paulo. Veja com a Cristina se ela não quer marcar a Isabela com a nossa enfermeira. Ela podia aproveitar e passar também, afinal é uma grande mudança estarem todos morando juntos agora. Vou deixar no cartão de família o papel de agendamento e o senhor mostra pra ela, tudo bem? Paulo: Ok, Doutor. Obrigado! Pode ser uma boa ideia mesmo. Agora que conhecemos o diálogo, vamos fazer um exercício de reconhecer quais passos do MCCP podem ser identificados em cada trecho do diálogo. Veja os trechos do diálogo nos cards numerados abaixo: CARD 1 Paulo: Ah, doutor, faz tempo que não passo no médico. Preciso renovar as receitas desses remédios. Tenho pressão alta faz tempo e tive um infarto há uns 18 anos. Era bom fazer exames também. A moça que passa em casa, a Fernanda, me deixou preocupado com a próstata. Médico: Ok. As receitas e os exames. O que mais? Paulo: Então, na verdade eu ando meio cansado... desanimado. Acho que o coração tá fraco, desde o infarto, mas agora piorou. O senhor viu? Cansei pra chegar até sua sala. Hoje está um dia pesado pra andar, ainda mais de perna inchada. Médico: Então deixa eu ver se entendi: as receitas, os exames de rotina e o cansaço do coração fraco, certo? Mais alguma coisa? Paulo: Até que tem, Doutor. Não estou dormindo. Não sei se é a cama nova, o coração inchado... mas pensando bem, não durmo bem desde que minha senhora partiu… isso tem uns 3 meses. CARD 2 53 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Então, indique a qual passo se refere o diálogo presente em cada um dos cards. Médico: Entendi, Sr. Paulo. O senhor me falou das receitas, dos exames, do cansaço do coração e do problema para dormir. Na sua opinião, o que é mais importante pra gente resolver? Qual a prioridade de hoje? Paulo: Doutor Leandro, estou preocupado com as receitas e exames, porque faz tempo que não me cuido. E o cansaço tá demais. Médico: Então vamos fazer assim, focamos nos remédios e no cansaço, peço exames e já deixo um retorno pra semana que vem. Assim vejo como o senhor ficou e conversamos melhor de onde nasceu esse problema pra dormir, pode ser? CARD 3 Paulo: Nossa Doutor Leandro, parece até estranho, mas estou feliz de ter vindo no médico. Tá combinado! Médico: Fechaado então. Agora que negociamos nossa agenda, me conte mais do senhor: onde o senhor nasceu? CARD 4 54 28CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Para que seja possível agir sobre esses componentes é indispensável que haja qualidade de comunicação. E é sobre essas ferramentas que falaremos a seguir. Explorando a saúde, a doença e a experiência da doençaCARD 2 Intensificando a relação entre a pessoa e a equipeCARD 4 Entendendo a pessoa como um todo: pessoa, família e contextoCARD 1 Elaborando um plano conjunto de manejo dos problemasCARD 3 55 18CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Comunicação como ferramenta do cuidado Dizer que a comunicação é fundamental para o relacionamento entre as pessoas é quase redundante. A boa qualidade da comunicação, no entanto, não é fácil de se produzir! Ainda assim, é através dela que se compartilham experiências comuns, se fortalecem elos e se revelam necessidades e anseios (ANCP, 2012). No universo da atenção à saúde e, principalmente, de Cuidados Paliativos, os profissionais devem ter suas habilidades de comunicação desenvolvidas, visando o melhor cuidado para a pessoa e também a melhor oferta de cuidado em equipe. Bons resultados no acompanhamento multiprofissional de um usuário envolvem uma comunicação bem executada. A médica pediatra e paliativista Denise Varella Katz nos conta um pouco sobre o tema! 56 https://vimeo.com/749141619/fe03ff65d0 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Quando pensamos em cuidado e assistência, é muito importante que a comunicação seja efetiva e empática em todos os momentos e circunstâncias, o que envolve a percepção, a compreensão e transmissão de mensagens por parte de cada sujeito envolvido na interação, SEMPRE considerando seu contexto, sua cultura, os valores individuais, os interesses, as expectativas e a experiência de cada um. Assim, uma comunicação efetiva e empática não se constrói somente de palavras: comunicar bem é muito mais do que falar bem e ouvir bem. 57 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA A comunicação não verbal A comunicação não verbal representa a maior parte da expressão humana e está presente de forma contínua, seja implícita ou explicitamente. É caracterizada por gestos, olhares, postura, expressão facial, corporal e sinais vocais. Possibilita a expressão de sentimentos e emoções, ratificando, complementando, substituindo ou contradizendo o discurso verbal (ANCP, 2012). O desenvolvimento da confiança entre profissional e usuário passa pela observação dos sinais não verbais, permitindo que se estabeleça ou não uma relação terapêutica efetiva (ANCP, 2012). Denise Varella Katz, médica pediatra e paliativista, também nos conta um pouco sobre isso. 58 https://vimeo.com/749142143/5050719bd2 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Em resumo, atitudes não verbais dão suporte à construção de uma comunicação empática que envolve (ANCP, 2012): • Manter o contato visual pelo menos por metade do tempo da interação. • Ouvir atentamente. • Permanecer em silêncio enquanto o outro fala, utilizando movimentos positivos. • Utilizar adequadamente algum sorriso – quando o contexto permitir. • Manter o tom de voz suave. • Voltar o corpo na direção de quem fala e manter braços e pernas descruzados. • Utilizar, quando o contexto permitir, toques afetivos nos braços, mãos ou ombros. Conhecer essas técnicas de comunicação não verbal beneficiará diversas situações na atuação do profissional da saúde, no entanto, para os profissionais do cuidado paliativo em especial, existem cenários particularmente complexos e sensíveis em que outras técnicas e protocolos se fazem necessários. 59 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Comunicação de más notícias Comunicar más notícias não é uma tarefa fácil, mas é parte essencial da prática dos Cuidados Paliativos. No vídeo a seguir, Denise Varella Katz continua a nos contar um pouco mais sobre como executar esse tipo de comunicação da melhor forma possível e nos apresentar a ferramenta que chamamos de protocolo SPIKES. 60 https://vimeo.com/749141792/3c56162d7c 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA + + + + + + 61 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 1 - Setting up Preparando-se para o encontro • É importante manter a calma, pois as informações dadas podem ajudar o usuário a planejar seu futuro. • Procure um lugar calmo, o mais privado possível e o reserve. • Pergunte se ele deseja que o acompanhante esteja junto. • Sente-se e procure não ter objetos entre vocês. Escute atentamente o que o usuário diz e mostre atenção e cuidado. • Deixe o celular longe da conversa. 2 - Perception Percebendo o usuário • Investigue o que o usuário já sabe do que está acontecendo. • Procure usar perguntas abertas (por exemplo: “O que você sabe sobre o tema?”). • Esteja atento aos sinais não verbais do usuário durante suas respostas. • Identifique sinais de ansiedade extrema ou sofrimento exacerbado, avaliando as condições emocionais. 3 - Invitation Convidando para o diálogo • Identifique até onde o usuário quer saber do que está acontecendo, se quer ser totalmente informado ou se prefere que um familiar tome as decisões por ele. • Se o usuário deixar claro que não quer saber detalhes, mantenha-se disponível para conversar no momento em que ele quiser. 62 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 4- KnowledgeTransmitindo as informações • Introduções como “Temos que conversar sobre algumas notícias” podem ser um bom começo. • Use sempre palavras adequadas ao vocabulário do usuário. • Use frases curtas e pergunte, com certa frequência, como o usuário está e o que está entendendo. • Se o prognóstico for muito ruim, evite termos como “não há mais nada que possamos fazer”. • Sempre deve existir um plano! Fonte: Adaptado de CRUZ e RIERA, 2016. 5 - Emotions Expressando as emoções • Aguarde a resposta emocional que pode vir. • Dê tempo ao usuário. • Ele pode chorar, ficar em silêncio ou em choque. 6 - Strategy and summary Resumindo e organizando estratégias • Fale concisamente sobre os sintomas, as possibilidades de tratamento e os prognósticos. • Estabeleça um plano compartilhado com metas a curto e médio prazo e ações para atingi-las. • Verbalize a disponibilidade para o cuidado e o não abandono. • Deixe claro como e onde encontrá-lo, se necessário. 63 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Fonte: Adaptado de CRUZ e RIERA, 2016. A comunicação de más notícias talvez seja um dos deveres mais delicados para a equipe de saúde.(ANCP, 2012). Esse reconhecimento de uma informação como sendo uma “má notícia” está muito ligado ao senso comum e, portanto, passa pelas experiências do profissional que vai comunicar informação. A ideia do que é uma má notícia passa pelas expectativas e pelas vivências da pessoa com o tema, sendo necessário entender e explorar alguns elementos básicos da experiência do indivíduo –como aspectos familiares, socioeconômicos e culturais – antes de definir uma informação como “boa” ou “má” notícia. (VICTORNO et al., 2007; SILVA & ARAUJO, 2012). A construção de uma comunicação sólida entre profissional e usuário colaborará para a construção de um ambiente de confiança e fluxo de informações. 64 18CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA A pessoa e as múltiplas dimensões do cuidado Lembra que falamos sobre as quatro dimensões do cuidado? Bem, o Diagrama de Abordagem Multidimensional (DAM) é uma forma de sistematizar a atenção a essas dimensões, ampliar o olhar e fazer diagnóstico adequado de sofrimento nessas quatro dimensões de cuidado, identificando as necessidades do usuário e/ou família para o planejamento de intervenções (ANCP, 2012). Essa ferramenta é composta por quatro quadrantes e três círculos sobrepostos, sendo que: Figura 03 - Diagrama da Avaliação Multidimensional. 65 18CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Assim, fica claro que são necessários conhecimento e identificação de necessidades específicas em cada uma das quadro dimensões do cuidado, bem como planejamento de ações e a revisão periódica dessas estratégias (ANCP, 2012; MENDES, 2019). O DAM é uma ferramenta dinâmica e interativa que só pode ser aplicada com propriedade ao conhecer em profundidade cada dimensão. Nessa 1ª esfera, são destacadas as características objetivas da pessoa, descrevendo aspectos da biografia que sejam marcantes e/ou relevantes.A Nessa 2ª espera, são destacados os aspectos que envolvem sofrimento, sejam eles atuais ou que podem ser previstos. Lembrando que o alívio do sofrimento também pode ser necessário para os familiares e até para a equipe. B Nessa 3ª esfera, são destacadas ações da equipe diante dos sofrimentos identificados, traçando condutas que possam aliviá-los com objetivos possíveis de serem atingidos. É importante ter em mente que nem todos podem ser plenamente resolvidos. C 66 Acompanhar um caso de progressão de falência orgânica demanda alinhamento das intervenções da equipe de saúde e multiprofissional a longo prazo. Sr. Paulo iniciou sua demanda de cuidado mais aproximado aos 30 anos, quando foi diagnosticado hipertenso. Atualmente, aos 68 anos, com uma insuficiência cardíaca expressiva, exige olhar integral e holístico das equipes. Vamos entender como cuidar do Paulo em suas múltiplas dimensões? E vamos aprofundar em cada uma dessas dimensões? 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 67 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Dimensão física Usuários com doenças avançadas sofrem uma carga significativa de sintomas e têm grande impacto de funcionalidade em sua rotina diária, no que se refere aspectos físicos. Para bom manejo dessa dimensão em Cuidados Paliativos, deve-se sempre levar em consideração a evolução da doença de base, a funcionalidade do usuário, sua biografia, suas vontades, seu contexto familiar e social e a realidade local, para que as medidas terapêuticas implementadas sejam proporcionais e compatíveis. Existem escalas de avaliação de funcionalidade e de sintoma usadas amplamente como ferramentas de cuidado em Cuidados Paliativos. A vantagem principal do uso dessas escalas é que elas padronizam a avaliação dos aspectos de forma objetiva, permitindo o acompanhamento ao longo do tempo e favorecendo o reconhecimento claro da condição da pessoa pela equipe, que podem impactar na qualidade de vida do indivíduo, familiares e cuidadores (BRUERA, 1991; HUI, 2017). Quando falamos de funcionalidade, a escala em questão é a Escala de Performance Paliativa -PPS (Palliative Performance Scale). Já quando falamos sobre manejo de sintomas, usamos o Sistema de Avaliação de Sintomas de Edmonton – ESAS (Edmonton Symptom Assessment System). 1 68 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Escala de Performance Paliativa – PPS Utilizada para definir de forma objetiva o impacto da doença nas funções/habilidade, parte da avaliação de cinco parâmetros: • deambulação; • habilidade para realizar atividades e evidência de doença; • autocuidado; • ingestão de alimentos/líquidos; e • nível de consciência. A cada avaliação do paciente, é possível reconhecer a porcentagem de comprometimento da funcionalidade para cada uma das colunas que representa os cinco parâmetros (tabela). Para cada parâmetro da escala deve-se identificar, na coluna correspondente, a situação que melhor descreve a realidade da pessoa naquele momento. Considera-se o escore final para a funcionalidade a menor porcentagem encontrada, mesmo que reconhecida em apenas uma das colunas, dando-se maior peso às colunas mais à esquerda (BRASIL, 2020). A avaliação longitudinal da funcionalidade por meio deste instrumento permite que a equipe acompanhe, de forma objetiva, a curva evolutiva da doença associada ao surgimento das dependências progressivas. A utilização dessa ferramenta, portanto, auxilia a tomada de decisões sobre propostas terapêuticas e intervenções que de fato serão benéficas. Permite relembrar como a pessoa era no início do diagnóstico e comparar com a realidade presente, percebendo, assim, a velocidade em que vem perdendo funções básicas. 69 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 70 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Sistema de Avaliação de Sintomas de Edmonton – ESAS O ESAS é um instrumento curto, de formato fácil, amplamente utilizado. Além de poder ser aplicado por profissionais capacitados em conhecimentos básicos de Cuidados Paliativos, também pode ser utilizado pelo cuidador/familiar do paciente em casa, ou auto aplicado pelo próprio paciente, seguindo as orientações fornecidas pela equipe de saúde. Ele é composto por uma lista de sintomas objetivos frequentemente encontrados em pacientes com doenças crônicas e possui uma graduação que varia de 0 (zero) a 10 (dez), na qual 0 representa a ausência do sintoma e 10 representa o sintoma em sua mais forte manifestação. A pontuação resumida do ESAS (0-10) fornece objetiva e rapidamente essas informações (MONTEIRO, 2013). • 0 a 3 = sintoma de intensidade leve; • 4 a 7 = sintoma de intensidade moderada; • Acima de 7 = sintoma de intensidade forte. Além dos sintomas presentes na escala ESAS, é importante registrar e quantificar qualquer outro sintoma que o pacienteou seus familiares considerem pertinentes no momento da consulta. Se o paciente se encontra impossibilitado de referir seus próprios sintomas, a escala pode ser respondida por seu cuidador, com base na observação cuidadosa do paciente e, quando não for possível determinar algum sintoma devido à subjetividade, deixar em branco (ANCP, 2012). Após avaliação inicial da intensidade dos sintomas, a escala ESAS deve ser sempre utilizada para reavaliar as ações instituídas para o alívio desses. O objetivo principal é alcançar a menor pontuação possível de acordo com cada caso. 71 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 72 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA A utilização de escalas durante a assistência a usuários em Cuidados Paliativos é fundamental, pois possibilita individualizar o cuidado a partir da detecção e monitoramento dos sintomas desconfortantes apresentados de forma quantitativa (MONTEIRO, 2010). Assim, para auxiliar as equipes a manejar os sintomas que frequentemente são apresentados por usuários em Cuidados Paliativos em todas as fases do ciclo de vida, são recomendados avaliação desses sintomas com auxílio das escalas apresentadas e manejo não farmacológico e farmacológico. Além da prescrição prévia que esses usuários possuem, a incorporação de medicamentos específicos para o manejo dos sintomas se torna uma tarefa imprescindível no decorrer do acompanhamento clínico, pois busca-se alcançar o máximo de conforto possível e a melhoria da qualidade de vida no que tange à dimensão física. Curvas típicas e os Cuidados Paliativos A história natural da doença é a descrição de seu curso com progressão ininterrupta até a recuperação ou morte. Em outras palavras, é o modo próprio de evoluir que tem toda doença ou processo quando segue seu próprio curso (WHO, 2014). Quando pessoas com doenças que ameaçam a vida e seus cuidadores perguntam sobre o prognóstico, isso nos remete a expectativa de vida, “Quanto tempo tenho?”. Porém, dentro disso, há outra questão, muitas vezes não formulada: “O que vai acontecer?”. O que pode ajudar a responder ambas as perguntas é o raciocínio clínico embasado no conhecimento das trajetórias típicas das doenças (MURRAY et al., 2005), como veremos no vídeo a seguir. 73 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 74 https://player.vimeo.com/video/745118843?h=2a5ffd7efc 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Vamos retomar alguns dados clínicos do Paulo? 1 3 2 75 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Momento atual da doença: Paulo apresenta quadro de insuficiência cardíaca, devido à doença isquêmica e encontra-se mais debilitado, com comprometimento da mobilidade e necessidade de assistência ocasional. Além disso, também apresenta sintomas relacionados à doença cardíaca descompensada. Provavelmente, após retomar o tratamento adequado, com bom manejo dos sintomas, Paulo poderá apresentar melhora clínica, porém, a história natural da insuficiência cardíaca deve alertar a equipe sobre as possíveis intercorrências no decorrer do acompanhamento (alto risco cardiovascular) e o consequente declínio da funcionalidade ao longo do tempo. 1 Curva típica: Falências orgânicas com PPS atual em 60%.2 76 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Gráfico de Curva Típica3 Alta 60% Baixa Morte Principalmente insuficiência cardíaca e pulmonar F U N C IO N A LI D A D E Limitações de longo prazo episódios de agravos intermitentes Episódios de Internações de emergência Morte em 2 a 5 anos, mas “ parece” evento surpresa TEMPO 77 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Vamos conversar um pouquinho mais sobre o caso do Paulo. Na dimensão física nós aprendemos diversas ferramentas que nos ajudam a qualificar a avaliação e assistência dessa dimensão, e entendemos um pouco melhor sobre a performance do seu Paulo atra- vés do PPS, que é a Escala de Performance Paliativa, dentro dessa escala nós entendemos que o Paulo, nesse trecho da história, tem um PPS de 60%. Além disso, entendemos também que dentro das trajetórias típicas de adoecimento, o Paulo tem uma curva típica compatível com falência orgânica e, pensando na funcionalidade e na performance do Paulo dentro dessa curva, o Paulo ainda tem uma boa reserva, ele pode ter várias intercorrências ou uma intercorrência que o leve a morte, mas dentro da cascata em que tenha sucessivos declínios com agravos recorrentes de situações e eventos agudos com retorno da funcionalidade, ele é sempre um pouquinho menos do que ele era antes, mas com essa queda gradativa eu ainda espero ele possa ter alguns meses ou anos até que o evento da morte aconteça. Essa ilustração do caso do Paulo nos ajuda a traçar melhor um raciocínio do prognóstico dele ao longo do tempo e assim preparar melhor a organização do cuidado frente essa história prevista de adoecimento. Essas duas ferramentas da dimensão física nos ajudam muito a prever esse raciocínio e a conseguir trazer uma previsibilidade, nem que seja teórica, para o que esperar do caso do Paulo frente a doença que ele tem e o percurso desse adoecimento. Entenda como analisar o Caso do Paulo pensando na Dimensão Física. 78 26CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA E para trazer uma última dica prática, nós falamos um pouco sobre a avaliação de sintomas. Quando a gente está diante de um usuário que é elegível para abordagem paliativa completa, a avaliação de sintomas através da escala ESAS tem que fazer parte da nossa avaliação. Toda avaliação clínica preci- sa ter um questionário voltado para sintomas de forma estruturada, isso vai nos ajudar não só para os sintomas que já estão presentes, mas no segmento dessa pessoa que pode apresentar novos sinto- mas, e o ESAS traz um consolidado do que é mais frequente aparecer, então é muito importante que a gente revisite essa ferramenta de forma sistematizada e que ao longo do cuidado a gente instru- mentalize o próprio paciente e a sua família saber falar o ESAS e contar para a gente qual é a pontua- ção que eles dariam naquele momento para um sintoma, e aí não vai ser incomum você chegar na casa de um usuário e ele mesmo te dizer: “Nossa, hoje a minha falta de ar está nota 7.” O diálogo e o empoderamento dele frente ao próprio cuidado melhora, e é uma ferramenta fácil, que ajuda ele e a família a ser mais ativos no manejo desse sintoma e na atenção ao melhor bem-estar, e essa ferramen- ta não envolve só o momento da consulta individual com o enfermeiro ou com médico, todos os pro- fissionais de saúde podem estar atentos a descompensação de sintomas, incluindo o agente comuni- tário de saúde, durante uma visita ou mesmo num acolhimento, e os diversos profissionais envolvidos no percurso de cuidado dentro e fora da unidade. Espero ter contribuído com essas dicas práticas para lidar melhor com a dimensão física e conseguir qualificar a assistência. Até mais! 79 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Dimensão psicológica Não é incomum que pessoas apresentem sintomas psicológicos desencadeados durante o curso de uma doença, de forma que a avaliação rotineira dos mesmos é indicada no curso da abordagem paliativa completa. O adoecimento traz consigo inúmeras perdas e pode interferir na relação do usuário com seu corpo, com sua imagem e com a forma que se relaciona consigo e com o mundo. Além disso, pode disparar uma gama de sentimentos, aflições e sofrimento no usuário e também em sua família. Essas emoções estão relacionadas ao significado que se atribui a essa vivência, ao momento de vida do usuário e às experiências de sofrimento anteriores. Assim, é essencial que a equipe esteja atenta e saiba identificar a presença de sentimentos esperados – de acordo com o contexto de vida e adoecimento do usuário –, diferenciando-os dos sintomas que possam estar causando sofrimento e a da doença psíquica em si. Dentre os sintomas possíveis de serem apresentados, estãoos sentimentos e sofrimentos acerca da possibilidade de perda da saúde ou de um ente querido. Ao sofrimento observado nesse contexto dá-se o nome de luto, que é um processo vivido por usuários, seus familiares e até pela equipe de saúde (ANCP, 2012) quando alguém ou alguma perspectiva de vida morre ou é perdida 2 80 Desde o momento inicial de uma doença, a pessoa e seus familiares ficam sensibilizados do ponto de vista psicológico, já que são convocados a conviverem com mudanças que alcançam diferentes aspectos cotidianos de sua vida em diferentes intensidades – como perdas relacionadas à rotina, aos planejamentos e às expectativas – gerando preocupações e tensões, por exemplo: 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Usuários e familiares necessitam do suporte amplificado da equipe, que, quando ofertado adequadamente, significa cuidado que minimiza sofrimento psicológico diante de perdas e de luto. Vamos abordar esse assunto a fundo no último módulo. i Assim, a abordagem de Cuidados Paliativos prevê a existência de conversas sobre esse luto, ou seja, sobre a possibilidade de perdas durante o curso da doença, bem como sobre a morte. E quando os profissionais de saúde oferecem espaço para falar sobre esse sofrimento, eles auxiliam no processo de luto do usuário e/ou familiar (ANCP, 2012). 81 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Di�culdade de acesso e resposta inadequada às demandas do usuário. Preocupações em relação aos serviços de saúde Adoecimento, necessidade de cuidados ou situações confoitantes com parceiro, �lhos, pais, irmãos e outros. Preocupações em relação à família 82 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Assim, frente a preocupações como essas citadas e também de outras naturezas, os indivíduos –sejam eles usuários, familiares ou cuidadores – vivenciam o sofrimento psicológico. Mas esse sofrimento psicológico não pode ser observado sempre com a mesma perspectiva, visto que pode configurar situações bastante diferentes. Sem acesso a condições míni- mas de alimentação, moradia, saneamento, higiene, vestuá- rio e transporte. Preocupações em relação às desigualdades sociais Exposição a situações de coer- ção física ou psicológica. Preocupações em relação à violência 83 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA É tristeza ou depressão? Frequentemente, profissionais de saúde deparam-se com indivíduos em sofrimento e, diante da situ- ação vivenciada é comum a dúvida: “é depressão?” ocorrer no curso do cuidado. Chamamos de tristeza o sentimento gerado pela vivência de perdas ou situações difíceis, não sendo considerada patológica por se tratar de uma experiência comum e natural da vida. Contudo, a tristeza, dependendo das circunstâncias, pode evoluir para um mal caminho. E existem alguns sinais de alerta para quando esse processo sai do curso esperado: • Sentimentos intensos que persistem muito tempo após a perda; • Somatizações frequentes; • Mudanças radicais no estilo de vida que tendem ao isolamento; • Impulsos autodestrutivos; • Sinais e sintomas de depressão (anedonia, perda de apetite, distúrbios do sono, ideação suicida, entre outros); Vamos conhecer mais um trecho da história do Paulo? CASO PAULO - parte 4.pdf 610.8 KBPDF 84 https://articulateusercontent.com/rise/courses/J8ooXcGHevqCWXSmoF7aFRF9NaDrU6GK/g5_KnU0BZ6sSje9d-CASO%2520PAULO%2520-%2520parte%25204.pdf 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA E para comentar o caso do Paulo dentro da dimensão psíquica, chamamos Gabriela Hidalgo. Vamos refletir sobre uma questão importante. Lidar com adoecimento envolve lidar com sofrimento psíquico, e no caso do Paulo não será diferente. Dentro do caso do Paulo nós podemos identificar algumas fontes de sofrimento psíquicos que a equipe precisa estar atenta: o distanciamento dos filhos, a Cristina, que mesmo sendo filha tem um distanciamento afetivo devido o histórico de violência sofrida na infância, temos também a questão do luto da esposa Nádia, que o Paulo ainda demonstra sofrimento atrelado a esse luto que aconteceu já a algum tempo, temos também a questão do abuso de álcool e a questão do humor deprimido, ele fala que o coração dele está triste. É muito importante estar sensível a essas fontes de sofrimento e encarar que a dimensão psicológica também precisa ser amparada com ações da equipe que fortaleçam as questões vinculadas ao afeto e ao bem-estar psíquico. Muitas vezes focamos muito o cuidado na dimensão física, e isso sem dúvida é muito importante, quando a dimensão física não está muito bem compensada e existe uma carga muito grande de sintomas e questões físicas permeando o caso da pessoa cuidada, faz sentido a pessoa estar mais triste, mais deprimida, porque não há o bem-estar físico que a ajude a estar diferente, então nós temos que ter um manejo da dimensão clínica muito assertivo para contribuir com os cuidados da 85 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA dimensão psíquica. A equipe de saúde não deve ter medo de trazer questões vinculadas à dimensão psicológica, e se existir insegurança, sempre é possível compartilhar o caso com outros profissionais que tragam melhores experiências com esses aspectos. Aqui na história do Paulo, a agente Comunitária da família, a Fernanda, sempre o acolhia em sua dor, ela tinha escuta ativa para conseguir acolher essas demandas, e a sua sensibilidade em trazer essas demandas como fontes de sofrimento e talvez possíveis ações de intervenção da equipe para melhorar esse sofrimento é essencial no cuidado do Paulo. É muito importante que todos estejam atentos a essa dimensão e sintam-se como agentes transformadores, trazendo essa demanda para a pauta do plano de cuidado. Até a próxima! 86 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Dimensão social Considerar os fatores sociais no cuidado proporciona maior resolubilidade da assistência e evita a fragmentação do cuidado. Na perspectiva dos Cuidados Paliativos, sugere-se que a equipe esteja atenta a aspectos como: • estado civil; • composição e renda familiar; • local de moradia; • profissão; • situação empregatícia frente o adoecimento; • rede de suporte social. 3 87 A família é, tradicionalmente, o núcleo social mais importante, com laços intensos de proximidade, apoio e segurança – mas que também sofre transformações conforme suas necessidades específicas em função do contexto físico, econômico e social em que vive. Conhecer a composição familiar fornece subsídios à equipe para auxiliar a família na organização do cuidado ou na busca de alternativas quando o cuidado disponível na família não for suficiente para as necessidades do usuário ou o risco de sobrecarga dos mesmos for visível. A maioria dos problemas clínicos e emocionais podem ser tratados com abordagem individual da pessoa, porém muitos só se resolverão ao incorporar a abordagem familiar como ferramenta terapêutica. O genograma é uma ferramenta de abordagem familiar importante para reconhecer modelos de convivência e interação, informações relevantes à história de saúde-doença de todos os familiares e os hábitos, sejam eles saudáveis ou não. O quadro resume como o genograma pode auxiliar as equipes de saúde nas ações de Cuidados Paliativos: 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA 88 25CUIDADOS PALIATIVOS - FUNDAMENTOS PARA A PRÁTICA Quadro 01 - Genograma para abordagem familiar em ações de cuidados paliativos. Conflitos com o paciente ou cuidador (vínculos rompidos, conflituosos etc) • Se há busca por solução, auxiliar; • Se não há busca por solução, o que é o mais comum, atentar-se que membros em conflito com o paciente não são cuidadores potenciais e nem podem ser forçados a serem. Por outro lado, podem enfrentar um luto mais difícil; • Conflitos familiares com o cuidador responsável podem levar a redução de apoio e ajuda efetiva a este, podendo gerar estresse e sobrecarga nos
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