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Instituto Federal do Rio de Janeiro – Campus Nilópolis Programa de Pós-Graduação Lato Sensu Especialização em Estudos Linguísticos Disciplina: Narrativa Brasileira Profª: Drª. Viviane de Guanabara Mury Aluno: Tadeu Augusto de Azevedo Vasconcelos Silva Matrícula: 20201023974 Segundo Bauman, “o eixo da vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se, mas evitar que se fixe”. Nesse sentido, seria válido considerarmos o protagonista do romance Hotel Atlântico, de João Gilberto Noll, um típico representante do sujeito pós-moderno? Discorra, sustentando sua posição com exemplos da obra nolliana. Para dar conta de responder à questão levantada no enunciado acima, é necessário primeiramente ter em mente do que se trata o pós-modernismo. Nesta perspectiva, pode-se apresentar o que é exposto por Borba (2011) que afirma que tal conceito diz respeito ao “conjunto de movimentos artísticos subsequentes ao modernismo, caracterizados pelo abandono de práticas do Modernismo, mas conservação de alguns de seus princípios.” (BORBA, 2011, p. 1100). Logo, é possível perceber nessa definição o fator de continuação e ruptura com a tradição modernista. Acrescenta-se que os momentos de ruptura são demonstrados sobretudo em aspectos relacionados ao olhar crítico em relação ao passado e ao questionamento das grandes narrativas e de verdades universais, uma vez que para o pós-modernismo não existe verdade absoluta. Outro elemento característico do pós-modernismo diz respeito à fragmentação identitária que se faz presente nas obras literárias filiadas a essa corrente. Com efeito, as personagens e/ou narrador passam por um processo de crise de identidade que se mostra evidente ao longo da narrativa. No que concerne ainda o pós-modernismo é válido acrescentar que faz parte desse movimento o universo envolvendo a experiência urbana. Por certo, dentro deste aspecto há a existência da cidade moderna surgida após o advento da Revolução Industrial. Cidade essa que representa a utopia e o inferno com todas as problemáticas envolvidas; representa o caos e é retratada por um viés pessimista. De certo modo, tal cenário contribui para o advento da narrativa brutalista. Nela, há a inserção de elementos ligado ao submundo presentes de modo corriqueiro no cotidiano das grandes cidades e constantemente ignorados ou tratados com indiferença pela classe burguesa. Há lugar para as experiências chocantes e não há pudor na narração; tudo é exposto às claras. Tendo em mente essas características a respeito do pós-modernismo, Schollamer (2009) comentando sobre a particularidade da obra produzida pelo autor João Gilberto Noll, afirma que o autor cumpre uma trajetória que o identifica, inicialmente, como o intérprete mais original do sentimento pós-moderno de perda de sentido e de referência. Sua narrativa se move sem um centro, não ancorada num narrador autoconsciente; seus personagens se encontram em processo de esvaziamento de projetos e de personalidade, em crise de identidade nacional, social e sexual, mas sempre à deriva e à procura de pequenas e perversas realizações do desejo. Acontecimentos violentos, interrompem seus trajetos de modo enigmático e deixam o corpo em estado de ferida e num arriscado percurso de vulnerabilidade e exposição. Sempre em movimento, perambulando numa geografia incerta, o movimento narrativo de Noll é a viagem numa paisagem obtusa em que fronteiras são abolidas, e dimensões temporais e espaciais são questionadas por trajetos errantes que cruzam um território sem claras definições, produzindo um movimento hesitante em direção a Porto Alegre, a cidade que (...) simboliza a origem, o lar e a identidade que nunca são retomados. (SCHOLLAMER, 2009, p. 32) Tais características gerais da obra nolliana se fazem presentes no romance Hotel Atlântico. A obra em questão, narra determinado momento da vida de um ator decadente que é constantemente tangenciado pela morte e que sai do Rio de Janeiro sem rumo pré-estabelecido, tudo sendo definido pelas circunstâncias com as quais ele se depara até chegar em Porto Alegre, passando por Florianópolis e dois lugares fictícios, a saber, Viçoso e Arraiol. Em cada lugar, o personagem principal assume uma identidade diferente, se desprendendo de quem realmente é, e sem procurar estabelecer laços muitos profundos com as pessoas com quem encontra e interage. A sua viagem, as suas várias facetas assumidas ao longo da narrativa representam a sua liberdade que é brutalmente perdida quando é amputado e passa a depender de terceiros para (sobre)viver. Nesse momento, acaba por estreitar de certo modo laços com Sebastião, o enfermeiro que se encarrega dele e, curiosamente, a morte, que apenas o tangenciava, acaba, aparentemente, por atingi-lo, quando, enfim, chega ao destino onde sua história incógnita se originou, a saber, Porto Alegre. Quando se observa de modo mais minucioso a obra em questão, é possível se atentar a aspectos que nos fazem defender a ideia de que o protagonista do romance Hotel Atlântico pode ser sim um representante do sujeito pós-moderno. Com efeito, ele começa sua trajetória no romance vindo de algum lugar desconhecido e chegando ao Rio de Janeiro sem carregar consigo bagagem alguma, e tal “característica” o acompanha em todos os demais destinos para os quais ele vai; como se quisesse se desprender ou estivesse fugindo de algo ou alguém. Essa característica de aparente fuga que o protagonista apresenta, pode estar, de certo modo, relacionada a um processo de crise identitária. Suas constantes viagens, suas estadias curtas nos locais por onde passa, o desconforto que sente ao passar tempo demais em um lugar atrelados ao fator de que ele sempre omite ou adultera alguma informação sobre si podem indicar que ele não queira ser identificado ou caracterizado apenas por um único “atributo”. Por isso, talvez, opte por assumir vários papéis ao longo da narrativa e não hesita em mentir quando necessário a fim de não relevar plenamente quem é ou o que sente e obter de certo modo alguma vantagem. Nesse sentido, mente sobre seu estado civil, mente sobre sua profissão, mente sobre seu estado de saúde, mente sobre o seu destino, dentre outras mentiras que conta. Entretanto, observa-se que quando o protagonista é reconhecido de fato pela sua profissão, seja pelos homens que lhe oferecem carona, seja pelo médico-político em Arraiol, é um dos poucos momentos em que prefere de fato dizer a verdade. Ele também não omite ou falsifica informações sobre si quando conversa com a passageira estrangeira que comete suicídio no ônibus. Durante a interação entre ambos, além de dizer que realmente é ator aparenta demonstrar interesse nela e não apenas de cunho sexual como em outros momentos da narrativa. Tais momentos, nos quais ora opta por mentir, ora opta por dizer a verdade, podem, ao nosso ver, ser mais um indício da crise identitária do protagonista. Pode-se pensar que nos momentos em que ele demonstra desenvolver certa confiança nas pessoas, escolhe por dizer a verdade. Enquanto em outros momentos que desconfia, prefira mentir. Desse modo, a questão da confiança vs desconfiança atrelada a questão da verdade vs mentira na vida do protagonista representam um paradoxo para o protagonista. É interessante notar que a partir do momento em que se vê amputado e sua vida muda completamente e passa a depender dos cuidados de Sebastião, não raras vezes o protagonista expressa aos poucos seu sentimento de confiança no enfermeiro, o que também o faz levar em consideração a opinião de Sebastião, ao ponto de afirmar que "costumava dar atenção plena ao que ele [Sebastião] falava - coisa rara em mim que sempre tivera dificuldades em seguir os outros." (NOLL, 1989, p. 76). Um contraponto direto a momentos em que ele preza por justamente evitar maiores relações e amarras quando por exemplo declara que "recorrer a alguém seria o mesmo que ficar, e eu precisava ir." (NOLL, 1989, p. 13) ou ainda “quando me vi com a passagem na mãome senti como comprando minha alforria." (NOLL, 1989, p. 17). Situações nas quais, nitidamente, o protagonista não quer se envolver com ninguém. No que concerne à relação desenvolvida entre o protagonista e o enfermeiro, observa-se que o protagonista, com o desenvolver da narrativa, se vê totalmente dependente de Sebastião e desenvolve afeição pelo mesmo. Característica que ele mesmo confessa que jamais passara por algo semelhante anteriormente. Observa-se que essa relação só é possível pelo fato de o protagonista ter se tornado uma pessoa deficiente física e privada da liberdade que possuía outrora. Nessa situação, ele já não consegue ser mais completamente dono de seu destino. Este é condicionado agora ao rumo que Sebastião pretende dar à sua própria vida, e consequentemente ao do protagonista que lhe implora para levá-lo consigo do hospital rumo à Porto Alegre. Diante disso, pouco a pouco, e de modo não intencional, o protagonista passa pelo grande momento de crise identitária. Tudo aquilo que ele buscava e almejava ser – alguém independente e que não confiava em ninguém e que mentia ou omitia informações sobre si quando necessário – desaparece. Ele se vê cada vez mais dependente de Sebastião, desenvolve confiança e estreita um laço de amizade com o enfermeiro. Junto ao enfermeiro, o único papel desenvolvido pelo protagonista é de um deficiente físico dependente da ajuda alheia. No mais, a viagem sem rumo definido, as estadias não planejadas nos lugares visitadas, as frequentes ocasiões nas quais a morte o “encontra”, representam um simbolismo com a própria vida do protagonista. A viagem seria a de fato o ciclo da vida do protagonista. Do mesmo modo que ele parte sem saber de fato para onde vai, assim parece ser a sua vida. Não raro, ele planeja ir para um destino mas opta por direcionar-se para outro. É o que acontece quando está na rodoviária do Rio de Janeiro com o intuito primeiro de ir para Minas Gerais, porém decide ir para Florianópolis; o mesmo se passa quando chega na capital catarinense. A princípio pensa em ir para Porto Alegre, porém no dia seguinte aceita uma carona rumo ao oeste de Santa Catarina. Logo, do mesmo modo que suas viagens são incertas, assim também é a sua vida sem um propósito maior. O que pode ser aferido quando afirma que é um ator decadente que vive da venda de um carro e que não sabe o que irá fazer quando esse dinheiro acabar; e quando afirma que não carrega consigo bagagem. É como se estivesse agindo à semelhança de Zeca Pagodinho: deixando a vida o levar. As estadias representam os papéis que esse ator decadente exerce nos diversos momentos da narrativa. Ambos são irregulares, possuem momento para começar mas não se conhece ao certo o fim deles, apenas que serão breves, considerando o comportamento inquieto do protagonista em permanecer muito tempo no mesmo lugar. Apenas quando exerce o papel forçado de paciente de um hospital que aparentemente sua estadia se torna um pouco maior do que a naturalidade, apesar dos pedidos insistentes à Sebastião de partir com ele daquele lugar. Junta-se a isso a questão da liberdade. Com efeito, numa viagem sem rumo o protagonista tem o poder de decidir livremente para onde pretende ir. Do mesmo modo, as circunstâncias o fazem optar por qual personalidade irá assumir. Logo, uma hora é o ator, outra é o padre, outra um simples hóspede, outra apenas um passageiro em um meio de transporte. Entretanto, quando se vê privado de uma das pernas acaba perdendo o seu pleno poder de decisão sobre sua própria vida, uma vez que se depara com uma limitação física que o faz depender de terceiros em sua locomoção. De modo semelhante, sua viagem rumo ao desconhecido se encontra limitada, já não pode partir no momento que deseja para um novo destino, antes depende da boa vontade de seu companheiro Sebastião resolver seguir rumo à Porto Alegre e levá-lo consigo. Ainda, enquanto está apto a usufruir de ambas as pernas, é capaz de lubridiar a morte e se esquivar dela. Quando se vê amputado, a morte vai pouco a pouco o matando – através dos tombos, desmaios e sedativos - até que é chegada a consumação do seu fim no lugar onde sua trajetória de vida como um todo teve início. REFERÊNCIAS NOLL, João Gilberto. Hotel Atlântico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. PÓS-MODERNISMO. In: BORBA, Francisco S. DICIONÁRIO UNESP do português contemporâneo. Curitiba: Piá, 2009, p. 1100. SCHOLLAMER, Karl Erik. Breve mapeamento das últimas gerações. In: ______. Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009, p. 21 – 51.
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