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Filosofia da linguagem e interpretação jurídica - impactos da virada linguística e da textura aberta, positivismo essencialista/ideológico e positivismo pós-hartiano
A filosofia passou por muitas mudanças importantes no decorrer do desenvolvimento intelectual da humanidade. Cada uma dessas mudanças buscou, em geral, alterar a nossa percepção do estudo filosófico da realidade para atingir um resultado: descobrir a Verdade.
No entanto, uma mudança filosófica relativamente recente transformou drasticamente a nossa percepção do que seria o objeto da filosofia através de um avanço na filosofia da linguagem. Tal marco é denominado por muitos de “virada linguística”.
A essência da virada linguística está no fato de que questões filosóficas deveriam ser consideradas como problemas linguísticos. Milênios de filosofia sempre nos ensinaram que a jornada filosófica almeja entender o externo, o mundo que está fisicamente e etereamente à nossa volta. A virada linguística dá um giro nesse entendimento (daí o uso apropriado do termo “virada”) ao apontar para a importância de entendermos a linguagem em si, uma vez que é ela que traduz a nossa realidade humana. Nada existe fora da nossa linguagem, uma vez que tudo que é percebível pelo ser humano é automaticamente incorporado à sua linguagem, seja ela qual for. O importante para a virada linguística não é o conhecimento sobre o mundo externo, mas como a linguagem funciona e é utilizada.
Avançando nessa direção, percebemos o choque que a virada linguística tem com a mentalidade que a precede. A Verdade da filosofia não é mais tão importante, e foi substituída pelo significado da linguagem e o seu uso. É importante entendermos que, sob essa perspectiva, a filosofia não está dissociada de seu objeto de estudo, mas é parte dele, uma vez que a próprio filosofia é uma atividade linguística.
Com essa lógica, passamos de uma filosofia que tinha a pretensão de estudar o externo para uma filosofia que tem como essência entender os termos linguísticos que encapsulam em si as definições da nossa realidade humana.
Feitas as considerações acima, podemos partir para a análise do impacto que a virada linguística da filosofia contemporânea teve na interpretação jurídica e constitucional.
O direito está atrelado à linguagem. Tal fato é simples e absolutamente inegável. A antiga e ingênua crença de que o direito é a ciência da subsunção foi devidamente destruída pela compreensão da importância da interpretação jurídica dos fatos, das palavras e das circunstâncias do caso concreto. Essa interpretação é apenas possível por conta da textura aberta das palavras (tema que será abordado mais adiante neste texto) e da percepção do julgador do significado das palavras.
O verdadeiro impacto da virada linguística na interpretação jurídica está no fato de que o julgador passa a entender que definir as palavras da lei (e dos outros textos que utilizamos) não é uma maneira de diminuir ambiguidades sobre conceitos externos ao direito, mas de definir o direito em si.
Assim como citamos a virada da definição do externo para a compreensão do uso da linguagem, a interpretação jurídica passa de uma tentativa de definir o externo dentro do sistema jurídico para a compreensão de que o ponto importante é entender a linguagem e o seu uso no sistema jurídico. Dois casos que podemos utilizar para exemplificar estes conceitos são o Caso Ellwanger e a ADPF nº 54.
No caso Ellwanger, fez-se mister definir o que era racismo. Na verdade, a definição da palavra não foi apenas importante: foi o caso em si. Literalmente toda a controvérsia do caso estava no simples fato de um termo não estar claramente definido para todos de forma unânime. Nos aprofundaremos no aspecto de textura aberta do termo “racismo” mais adiante, mas devemos utilizar a dificuldade em definir o termo para explicar a virada linguística na interpretação jurídica do caso, mesmo que não adentrando na sua característica de textura aberta por enquanto.
O caso Ellwanger é um excelente exemplo de como a definição de uma palavra incorpora em si a solução do caso para o julgador. Ao entender como a palavra racismo é utilizada e qual o seu significado, o julgador pode decidir o caso porque efetivamente entendeu qual foi a realidade da conduta através de sua compreensão da palavra utilizada para descrever tal conduta.
Aproveitando a ADPF nº 54 na sequência, segue-se a lógica de que definir o que é vida é exatamente a mesma coisa que definir qual a solução para o caso em questão. Se a dúvida é determinar se um feto anencéfalo está vivo ou morto, definir vida através da compreensão da palavra é exatamente a mesma coisa que definir o que é a vida em si. Justamente por conta da virada linguística é que entendemos que o externo só existe na nossa realidade na medida em que podemos percebê-la, e assim o fazemos, no direito e em outros campos, através da linguagem. O julgador não pode decidir o que é vida com base no externo, mas sim com base no significado da palavra (no caso, vida e racismo).
Estes dois casos são exemplos primordiais do impacto tremendo que a virada linguística teve na interpretação jurídica, uma vez que demonstram que a filosofia da linguagem alterou a nossa percepção da realidade de forma irreversível. O direito agora entende que define casos com base em descrições linguísiticas, exatamente como a filosofia define conceitos para entender essências. Entender o uso de uma palavra significa entender o conceito em si.
Tendo esclarecido o impacto da virada linguística na interpretação jurídica, podemos aprofundar nossa análise para a textura aberta das palavras. No entanto, antes de adentrarmos o conceito de textura aberta, é preferível aproveitarmos a menção aos casos acima citados para analisarmos com um pouco mais de precisão as implicações da filosofia da linguagem na interpretação jurídica de forma geral. A seguir será feita uma análise dos termos “racismo”, “vida”, “planeta”, e “vírus”, todos presentes nas argumentações expostas por juristas no caso Ellwanger e na ADPF nº 54.
Um primeiro aspecto que podemos dissecar na definição de “racismo” no caso Ellwanger é o significado concedido pelo então Ministro do Supremo Tribunal Federal Moreira Alves à palavra. O núcleo do argumento do Ministro para não enquadrar o Ellwanger no crime de racismo é afirmar que judeus não integram o conceito de raça e que, portanto, livros antissemitas contra judeus não poderiam ser classificados como prática de racismo. Concordando ou não com a visão do Ministro, fica clara a influência da filosofia da linguagem em sua análise. Todo o argumento gira em torno de um encaixe (ou falta de) linguístico para inocentar o acusado. Desta forma, a filosofia da linguagem não somente foi aplicada no direito como acabou sendo definidora de voto de um Ministro do Supremo Tribunal Federal. Reparamos no voto do Moreira Alves que nenhuma fundamentação jurídica é base de seu argumento. É evidente que dispositivos legais são citados, porém o crucial a ser observado é que o cerne do voto é a definição de um conceito (racismo), sendo a legislação um mero apoio justificativo para o conceito. O crime de racismo está previsto na lei e isso não é assunto de discussão; neste sentido, a lei não importa, uma vez que não há dúvidas sobre sua existência. O conceito de racismo, no entanto, é relativamente maleável e depende parcialmente da visão do leitor.
O Ministro Nelson Jobim, por sua vez, faz exatamente a mesma coisa que o Ministro Moreira Alves: utiliza a filosofia da linguagem como base para sua interpretação jurídica. Dito isso, a conclusão tirada por Nelson Jobim é diametralmente oposta à de Moreira Alves. O Ministro Jobim argumenta que o conceito de racismo tem uma lógica de discriminação de grupos, o que inclui os judeus. Neste sentido, nos deparamos mais uma vez com um núcleo linguístico de argumentação, sem a presença da lei nos holofotes do voto. Todo o embate de opiniões acerca do caso Ellwanger gira em torno do significado da palavra racismo (o que é uma característica gritanteda virada linguística) e o caso em si é inteiramente definido pelo significado atribuído à palavra.
No mesmo sentido, podemos analisar o voto da Ministra Rosa Weber na ADPF nº 54. Como já mencionado anteriormente, o voto (assim como no caso Ellwanger) emana a filosofia da linguagem já fortemente impregnada pela noção de virada linguística. Não fosse um voto de uma Ministra do Supremo Tribunal Federal e tirando as referências a dispositivos legais, poderíamos confundir o texto com uma aula de filosofia da linguagem. No seu voto, a Ministra demonstra com alguns exemplos pontuais que definir certas palavras é uma tarefa hercúlea, praticamente impossível de ser realizada por meros juristas (por mais excelentíssimos que sejam). Dentre suas considerações, destacamos primeiramente a definição da palavra “vírus”.
Para o campo da biologia, definir o que é um vírus é uma tarefa complicada. De acordo com biólogos, uma determinada coisa é considerada viva se preencher certos requisitos. Vírus não preenche esses requisitos, mas não é coisa morta. É justamente nesse ponto que a Ministra insiste, demonstrando que um problema aparentemente biológico é, na verdade, um problema linguístico. A dificuldade não está em saber se vírus é coisa viva (posto que é evidente que enxergamos vida em vírus), mas em saber definir vida. O problema parece não existir ao falarmos de vírus, porque há um certo consenso de que um vírus está vivo. Dito isso, não há consenso sobre feto anencéfalo estar vivo ou morto. A comparação feita pela Ministra demonstra que a definição da palavra é essencial para entender a situação de fato.
Além da palavra vírus, Rosa Weber menciona “planeta”. Seguindo o raciocínio anterior, a Ministra explica que existem certos requisitos, frutos de convenções, que devem ser preenchidos para que um corpo celestial seja considerado especificamente um planeta. Neste viés, Weber demonstra que nenhum corpo celestial é um planeta por sê-lo, e sim por convenção linguística. Nada é um planeta essencialmente, mas um planeta é algo a partir da definição que temos da palavra. Esta abordagem transborda de filosofia da linguagem e, mais uma vez, percebemos a forte influência que a virada linguística da filosofia contemporânea exerce sobre a interpretação jurídica.
Retornando ao ponto central do voto, que é o de definir se um feto anencéfalo está vivo ou morto, passamos pelo dilema da Ministra. Após todo um longo percurso filosófico da linguagem, que busca demonstrar a dificuldade que reside na tarefa de definir uma palavra como vida, a Ministra encontra sua saída por uma porta entreaberta no fundo da sala: a definição de vida dada pelo Conselho Federal de Medicina. Apesar da bela reviravolta filosófica e linguística que dá a Ministra, sua artimanha final é decidir com base na lei vigente. Com isso, fica claro para nós a influência da filosofia da linguagem na interpretação jurídica. Tanto no caso Ellwanger como na ADPF nº 54, as decisões são completamente fundadas em definições de palavras que são indispensáveis para as próprias resoluções das questões. A filosofia da linguagem acaba integrando diretamente o direito e, consequentemente, a interpretação jurídica, que vira uma atividade linguística em si.
Exauridas as elucidações acerca do impacto da virada linguística e das implicações da filosofia da linguagem na interpretação jurídica, cabe dissertarmos sobre um último tópico: o conceito de “textura aberta”, como bem define Waismann e, em seguida em direito, Hart.
A ideia principal de textura aberta é que palavras são dotadas de porosidade. Em outros termos, podemos dizer que palavras podem ter diversos significados e nuances que afetam sua compreensão e sua interpretação. Nos parece evidente que tal característica é de suma importância para os estudiosos e operadores do direito, na medida em que quanto mais precisos forem quanto às palavras, mais precisos serão quanto à aplicação da lei e do direito de forma geral. Não é por menos que fica aparente a relação entre textura aberta da linguagem e casos difíceis, uma vez que estes têm como assinatura comum uma falta de consenso a respeito do significado de determinadas palavras e expressões. Para abordar o assunto da influência da textura aberta da linguagem nos casos difíceis e como o positivismo jurídico foi afetado por essa nova compreensão da relação entre linguagem e realidade, iremos nos basear principalmente, mas não somente, em textos de Steven Pinker, Noel Struchiner, e Fernando de Andréa.
Um primeiro exemplo de relação entre textura aberta da linguagem e casos difíceis é o caso do seguro do World Trade Center que Steven Pinker traz em seu texto “Do que é feito o pensamento?”. O cerne da questão é se o atentado de 11 de setembro é considerado um evento ou dois, fato que determinaria o pagamento de US$3,5 bilhões ou US$7 bilhões. O que Pinker demonstra é que a semântica pode parecer uma bobeira, mas esse caso prova que sua importância pode ser da ordem de bilhões de dólares para uma seguradora. É justamente a porosidade do termo “evento” que transparece a indeterminabilidade da situação. Dando sequência ao raciocínio de Pinker, o autor explica que a maioria das pessoas concorda com o que aconteceu no dia 11 de setembro, mas divergem na sua interpretação. Existe aqui uma ideia de base comum, que só se transforma em conflito de opiniões quando saímos do núcleo estável de significado para a área porosa do conceito. Se atentarmos para os casos difíceis, perceberemos que é exatamente o que Pinker descreve que acontece: todos concordamos com os fatos em si, de forma geral, mas discordamos a respeito do significado dos fatos. De outra forma, podemos dizer que há um consenso a respeito do sentido básico e relativamente universal das palavras, mas que a sua interpretação mais precisa dá origem a visões diferentes e muitas vezes conflitantes.
Este entendimento é concisamente resumido por Noel Struchiner em seu texto sobre a textura da linguagem. O autor explica que Hart entende o direito como um sistema de regras que são analisadas a partir da textura aberta da linguagem. A visão oferecida no texto mencionado é que existem regras no sistema jurídico que são dotadas de uma certa clareza semântica, ou seja, que não demandam um esforço interpretativo por parte do aplicador, e regras que dispõe de “áreas cinzentas”, que podemos traduzir como a própria noção de textura aberta. Como bem explica o professor Noel, o sistema jurídico deve funcionar sem muita interferência interpretativa por parte do julgador no que diz respeito às regras mais simples e claras, mas com maior discricionariedade e liberdade de interpretação no que diz respeito às regras dotadas de áreas cinzentas de significado.
A vagueza característica da textura aberta é a brecha que permite o surgimento das opiniões conflitantes acerca de uma determinada palavra. A própria possibilidade de conflito entre normas é fruto dessa vagueza, na medida em que duas normas podem ser consideradas conflitantes com base na interpretação que pode ser feita das mesmas. Uma outra interpretação de uma das duas normas poderia acabar com o conflito, sem que seja necessária qualquer alteração textual, porém apenas interpretativa.
Recuperando brevemente o pensamento de Pinker, o próprio Hart explica que o direito não tem como funcionar sem algum tipo de base de significado, ou o que ele chama de “critérios gerais de conduta”. Fica claro que ambos os pensadores concordam que, por mais que a textura aberta enseje uma indeterminação de termos, existe sempre uma raiz comum de significado.
Feitas as considerações acima, fica clara a influência da noção de textura aberta da linguagem nos casos difíceis do direito. É precisamente a falta de consenso, a área cinzenta, a porosidade, a diversidade de significado das palavras que, na maioria das vezes, define um caso como difícil. Esta elasticidade conceitual transforma fatos que são aparentemente intuitivamente compreensíveis em ponderações complexas que desafiam nosso conhecimento acerca de palavrase seus significados.
Explicitados e dissecados os pontos referentes ao impacto da virada linguística da filosofia contemporânea na interpretação jurídica, às implicações da filosofia da linguagem na interpretação jurídica, e à influência da textura aberta da linguagem nos casos difíceis, nos resta mencionar um último ponto: como o positivismo jurídico foi afetado por essa nova compreensão da relação entre linguagem e realidade.
O positivismo jurídico é caracterizado, de forma simplista, pela subsunção da norma jurídica. O importante para o positivista é a capacidade de aplicar direta e, sempre que possível, automaticamente a lei ao caso concreto, sem se deparar com problemas como a discricionariedade (ou a temida arbitrariedade) do julgador.
Como bem explica Fernando de Andréa em seu texto “Introdução Crítica” a Robert Alexy, o positivismo se preocupa com a sintaxe e a semântica. Uma expressão linguística deve corresponder aos fatos e ser verificável no mundo, ao passo que será considerada semanticamente verdadeira. O autor explica que uma sentença científica, para o positivismo, é definida por certas condições que a tornam uma sentença integrante da própria linguagem científica (neste caso, do direito). Tal perspectiva nos permite entender como o positivismo jurídico é capaz de afastar o aspecto moral do direito, se declarando apenas como estudo de uma ciência jurídica pura, na medida em que enunciados sobre moral não têm qualquer referência empírica ou verificável de fato no mundo, não fazendo parte da linguagem científica do direito. Essa visão remonta a uma abordagem essencialista da linguagem, que entende a palavra como uma descrição de uma coisa existente no mundo real. Como demonstramos exaustivamente no começo deste texto, a filosofia da linguagem evoluiu recentemente a respeito do assunto, quebrando completamente com a noção essencialista da linguagem e passando para uma noção de existência de conceitos na definição das palavras em si. Como a relação entre linguagem e realidade foi drasticamente alterada, e como o direito e a filosofia da linguagem estão intrinsecamente ligados, nada menos lógico do que o positivismo jurídico baseado na concepção superada de linguagem ter sofrido as repercussões destas mudanças.
Não é possível sustentar um positivismo essencialista num mundo cuja relação entre linguagem e realidade não é algo cientificamente definido ou uniforme, mas sim dotado de textura aberta das palavras e definido por estas. O positivismo pós-hartiano é a evolução natural do positivismo essencialista e ideológico que se deparou com uma parede de tijolos que simplesmente não era capaz de derrubar.
A essência do positivismo pós-hartiano é que existem regras sem muita elasticidade conceitual, que podem ser aplicadas com a simples subsunção, e regras dotadas de textura aberta, que devem ser tratadas com maior cuidado e discricionariedade. A evolução desta forma de positivismo reside na aceitação de que certos conceitos são porosos demais para se permitir uma cega subsunção, mas que isso não quer dizer que tudo deva necessariamente ser interpretado. O positivismo pós-hartiano não se pauta em uma espécie de desistência sobre a certeza de significados, mas apenas reconhece que existem palavras com textura aberta.
Neste sentido, é interessante observarmos como o positivismo em si foi forçado a ser dotado de textura aberta pela própria mudança da filosofia da linguagem. Se o positivismo fosse uma noção simples, não poderia existir neste novo mundo filosófico. Ao entrar em embate com a virada linguística, sua definição deixaria de ser científica por conta da incompatibilidade com a nova abordagem da filosofia da linguagem e, de acordo com sua própria lógica, seria inaplicável em virtude dessa incongruência. O surgimento do positivismo pós-hartiano é prova de que o próprio positivismo é dotado de uma certa textura aberta, uma vez que é interpretável de diversas maneiras. Tanto o positivismo ideológico quanto o positivismo pós-hartiano são formas de positivismo, e cada uma delas é uma noção distinta da outra, mas a segunda só pôde surgir graças ao questionamento do significado de positivismo. A palavra positivismo em si é dotada de um núcleo de sentido (a lei como base), mas tem textura aberta (diversas correntes e interpretações do que é o supostamente verdadeiro positivismo).
A nova compreensão da relação entre linguagem e realidade afetou o positivismo de forma tão brutal que ele teve que se adaptar a essa mudança, sob ameaça de ser erradicado. O positivismo pós-hartiano é prova de que houve de fato uma virada linguística, e que a filosofia da linguagem afeta profundamente nosso entendimento acerca do que é e como funciona o direito.
Assim sendo, agora acompanhamos a evolução dessa nova fase da filosofia da linguagem (e, por conseguinte, do direito), esperando desvendar mais perguntas que nos trarão novas respostas.
REFERÊNCIAS
ANDREA, Fernando de. Robert Alexy. Introdução Crítica. 1ª ed. São Paulo: Forense Universitária, 2013.
PINKER, Steven. Do que é feito o pensamento?: a língua como janela para a natureza humana. 1ª ed. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2008.
STF - ADPF: 54 DF, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 27/04/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-092 DIVULG 30-08-2007 PUBLIC 31-08-2007 DJ 31-08-2007 PP-00029 EMENT VOL-02287-01 PP-00021
STF - HC: 82424 RS, Relator: MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 17/09/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 19-03-2004 PP-00017 EMENT VOL-02144-03 PP-00524
STRUCHINER, Noel. Uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação ao direito. Dissertação (Mestrado em Filosofia) — Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.

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