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2 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FILOSOFIA DA LINGUAGEM GUARULHOS - SP 2 SUMÁRIO 1 A CONDIÇÃO DA FILOSOFIA E A PRIMARIEDADE DA LINGUAGEM ........... 4 Filosofia da Linguagem e sua História ............................................................ 4 Sinonímia e Antonímia .................................................................................... 8 Paronímia e Homonímia ................................................................................. 9 Polissemia ..................................................................................................... 10 Conotação e Denotação ............................................................................... 10 Relações Lógico-semânticas ........................................................................ 11 2 RELAÇÕES DISCURSIVAS OU ARGUMENTATIVAS ................................... 14 3 ANÁLISE INTENCIONAL E PRAGMÁTICA .................................................... 18 A Pragmática em geral .................................................................................. 18 4 ANÁLISE HERMENÊUTICA DA LINGUAGEM ............................................... 25 Historicidade e Linguagem ............................................................................ 25 O círculo hermenêutico ................................................................................. 27 Hermenêutica e Linguagem .......................................................................... 39 5 ESTRUTURALISMO LINGUÍSTICO E SEMIÓTICA ....................................... 41 Fundamentação Teórica do Estruturalismo Linguístico ................................ 41 O curso de Sausure ...................................................................................... 44 Origens e Concepções do Estruturalismo Linguístico ................................... 44 As Dicotomias enunciadas por Saussure ...................................................... 46 Sincronia x Diacronia .................................................................................... 46 2 6 LINGUAGEM E PENSAMENTO ..................................................................... 47 Origens do pensamento e da língua de acordo com Vygotsky ..................... 47 Pensamento, Linguagem e desenvolvimento intelectual .............................. 47 A teoria de Piaget sobre a Linguagem e o Pensamento das crianças .......... 48 A teoria de Stern sobre o desenvolvimento da Linguagem ........................... 49 As raízes genéticas do pensamento e da linguagem .................................... 50 7 LINGUAGEM E MUNDO ................................................................................. 51 A palavra conduz a uma ideia ....................................................................... 51 As palavras não conduzem aos objetos do mundo externo .......................... 52 Há um mundo externo para além de nossas percepções? ........................... 53 8 LINGUAGEM E INTERSUBJETIVIDADE ....................................................... 55 Intersubjetividade e Interação social: contribuições de algumas perspectivas contemporâneas ........................................................................................... 55 Cognição Social e os Vários Níveis de Intersubjetividade ............................ 60 9 LINGUAGEM E FICÇÃO ................................................................................. 64 10 A QUESTÃO LINGUÍSTICA COMO MEIO DA CONSCIÊNCIA E DA AUTO COMPREENSÃO ............................................................................................ 70 Desenvolvimento da autoconfiança linguística dos alunos ........................... 70 Desenvolvimento da tolerância cultural e linguística ..................................... 70 11 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ................................................................................. 71 4 1 A CONDIÇÃO DA FILOSOFIA E A PRIMARIEDADE DA LINGUAGEM Filosofia da linguagem é o ramo da filosofia que estuda a essência e natureza dos fenômenos linguísticos. Ela trata, de um ponto de vista filosófico, da natureza do significado linguístico, da referência, do uso da linguagem, do aprendizado da linguagem, da criatividade dos falantes, da compreensão da linguagem, da interpretação, da tradução, de aspectos linguísticos do pensamento e da experiência. Trata também do estudo da sintaxe, da semântica, da pragmática e da referência. As principais questões investigadas pela disciplina são: Como as frases compõem um todo significativo? O que é o significado das “partes” (palavras) das frases? Qual a natureza do significado? O que é o significado? O que fazemos com a linguagem? Como a usamos socialmente? Qual sua finalidade? Como a linguagem se relaciona com a mente do falante e do intérprete? Como a linguagem se relaciona com o mundo? Os filósofos da linguagem não se ocupam muito do que significam palavras ou frases individuais. Qualquer dicionário ou enciclopédia pode resolver o problema do significado das palavras. O mais interessante é: O que significa para uma palavra ou frase significar alguma coisa por que as expressões têm os significados que têm? Como uma expressão pode ter o mesmo significado de outra? E, principalmente: qual o significado de “significado”?1 Filosofia da Linguagem e sua História O surgimento da linguagem é um fato fundamental na história humana. Não seria possível a organização dos seres humanos em sociedade sem a linguagem e vice-versa. Isso indica que a linguagem e a vida em sociedade devem ter surgido praticamente ao mesmo tempo. É difícil determinar qual a origem da linguagem, pois 5 não há muitas pistas a seguir. As primeiras explicações sobre a origem da linguagem têm seus fundamentos na religião. Deus teria dado a Adão uma língua e a capacidade de nomear tudo o que existe. Haveria apenas uma língua, em que cada palavra teria apenas um significado. Mas como explicar a diversidade das línguas? Torre de Babel Na Bíblia, o Gênesis conta que "o mundo inteiro falava a mesma língua, com as mesmas palavras" (Gn 11,1). Os homens resolveram, porém, criar uma cidade com uma torre tão alta que chegaria a tocar o céu e os tornaria famosos e poderosos. Então Deus, para castigá-los, fez com que ninguém mais se entendesse e os homens passaram a falar línguas diferentes. Assim, os construtores da torre se dispersaram e a obra permaneceu inacabada. A diversidade das línguas surge como forma de evitar a centralização do poder. A cidade dessa história bíblica ficou conhecida como Babel, que significa "confusão". Rousseau e o “Grito da Natureza” O filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) supôs que a linguagem humana teria evoluído gradualmente, a partir da necessidade de exprimir os sentimentos, até formas mais complexas e abstratas. Para Rousseau, a primeira linguagem do homem foi o "grito da natureza", que era usado pelos primeiros homens para implorar socorro no perigo ou como alívio de dores violentas, mas não era de uso comum. A linguagem propriamente dita só teria começado "quando as ideias dos homens começaram a estender-se e a multiplicar-se, e se estabeleceu entre eles uma comunicação mais íntima, procuraram sinais mais numerosos e uma língua mais extensa; multiplicaram as inflexões de voz e juntaram-lhes gesto. 1 Texto extraído de: www.estudantedefilosofia.com.br http://www.estudantedefilosofia.com.br/ 6 Fonte de: ontop.news Mead e a experiência comum Nesse processo, a comunicação se torna possível pelo fato dos indivíduos adotarem o mesmo significado para um gesto evocando uma vivência anterior do próprio indivíduo. Segundo Mead, quando o gesto chega a essa situação, converte-se no que chamamos de "linguagem", ou seja, um símbolo significante que representa certo significado. Com o passar do tempo, esse conjunto de gestos significantes dá lugar a formas mais elaboradas de linguagem, compondo um universo de discurso. Nesse estágio, o sentido já não é articulado apenas tendo por base a interiorização das expectativas de ação do outro. Há uma sofisticação da comunicação, que se torna possível pelo fato dos indivíduos adotarem o mesmo significado para o objeto dentro deste universo de discurso. “Esse universo de discurso é constituído por um grupo de indivíduos que conduz e participa de um processo social comum de experiência e comportamento, e no qual esses gestos ou símbolos significantes têm a mesma significação, ou uma significação comum para todos os membros do grupo... Um universo de discurso é simplesmente um sistema de significados comuns ou sociais”. (Mead, G., “Mind, Self and Society”). http://www.ontop.news/ 7 Portanto, a forma como o indivíduo organiza sua experiência é determinada em grande parte pelo universo de discurso ao qual ele pertence e conforma seu imaginário social e as formas de simbolização de sua experiência. Mas será que os limites da minha linguagem e da minha cultura são também os limites para pensar e significar a realidade? Será que existem línguas mais apropriadas ao filosofar como o grego ou o alemão, por exemplo? Ou existiriam estruturas de pensamento universais independentes da cultura e da linguagem? Noam Chomsky Uma sugestiva contribuição sobre esse tema foi elaborada pelo linguista e ativista político americano Noam Chomsky (nascido em 1928), que revolucionou a linguística ao introduzir a relação entre o pensamento e a linguagem. Para Chomsky, a criança disporia de pouca informação da língua para aprender como a linguagem funciona. Ainda mais, se considerarmos que além de contarem com poucos estímulos, os adultos, muitas vezes, não ajudam a criança em seu aprendizado dizendo-lhes coisas sem muito sentido. Mesmo assim, a maioria das crianças tem um domínio razoável da língua por volta dos dois anos de idade. Se considerarmos que a linguagem é um sistema bastante complexo com regras semânticas e sintáticas sutis e que o ambiente para o aprendizado da língua não é suficiente, então o que torna possível o seu aprendizado? A explicação estaria na estrutura mental geneticamente determinada, na qual estaria fixado um conjunto de regras gerais para a utilização da linguagem, que são universais por necessidade biológica e não por simples acidente histórico, e que decorrem de características mentais da espécie. Gramática Universal Chomsky define o conjunto de princípios e regras que determinam o uso da linguagem como "gramática universal". Trata-se de um sistema de princípios, condições e regras que são elementos ou propriedades de todas as línguas humanas. Esse sistema seria o resultado de um longo processo de evolução biológica, que constituiria a essência da linguagem humana. Esta gramática universal seria, portanto, uma estrutura anterior ao aprendizado de qualquer gramática específica, pertencendo a um estágio inicial do cérebro. Ela 8 não se identifica a nenhuma linguagem particular, mas é subjacente a todas as línguas possíveis. Se a linguagem é aprendida a partir da interação social e por ela condicionada ou é produto da relação entre o ambiente e as estruturas mentais geneticamente herdadas é algo que ainda não podemos afirmar com certeza. Tal questão permanece guardada como um fascinante segredo sobre sua origem2. Diacrônica, se encarrega de estudar o significado das palavras em determinado espaço de tempo. A fim de conhecer as palavras apropriadas para empregá-las em determinados discursos, recorremos à semântica, ou seja, a significação dos termos. Para isso, alguns conceitos são basilares para o estudo das significações, como por exemplo: Sinonímia e Antonímia; Polissemia; Conotação e Denotação. Fonte: bibliotecamadre.com Sinonímia e Antonímia Os sinônimos designam as palavras que possuem significados semelhantes, por exemplo: Andar e caminhar Usar e utilizar Fraco e frágil http://www.bibliotecamadre.com/ 9 Do grego, a palavra sinônimo significa “semelhante nome” sendo classificados de acordo com a semelhança que compartilham com o outro termo. Os sinônimos perfeitos possuem significados idênticos (após e depois; léxico e vocabulário). Já os sinônimos imperfeitos possuem significados parecidos (gordo e obeso; córrego e riacho). Os antônimos designam as palavras que possuem significados contrários, por exemplo: Claro e escuro Triste e feliz Bom e mau Do grego, a palavra “antônimo” significa “nome oposto, contrário”. Paronímia e Homonímia Homônimos são palavras que ora possuem a mesma pronúncia, (palavras homófonas), ora possuem a mesma grafia (palavras homógrafas), entretanto, possuem significados diferentes. São chamados de "homônimos perfeitos", as palavras que possuem a mesma grafia e a mesma sonoridade na pronúncia, por exemplo: O pelo do cachorro é curto. Pelo caminho da vida. Tenho que chegar cedo. Cedo meu lugar aos idosos. Parônimos são aquelas palavras que possuem significados diferentes, porém se assemelham na pronúncia e na escrita, por exemplo: Soar (produzir som) e suar (transpirar); Acento (sinal gráfico) e assento (local para sentar); Acender (dar luz) e ascender (subir). 10 Polissemia A polissemia representa a multiplicidade de significados de uma palavra. Com o decorrer do tempo, determinado termo adquiriu um novo significado, entretanto, ainda se relaciona com o original, por exemplo: A menina quebrou a perna no acidente. A perna da cadeira é marrom. Que letra ilegível! A letra dessa canção é muito bonita. Conotação e Denotação A conotação designa o sentido virtual, figurado e subjetivo da palavra, alargando o seu campo semântico. Assim, depende do contexto. Na maioria das vezes, a conotação é utilizada nos textos poéticos com o intuito de produzir sensações no leitor. A denotação designa o sentido real, literal e objetivo da palavra. Ela explora uma linguagem mais informativa, em detrimento de uma linguagem mais poética (conotativa). É muito utilizada nos trabalhos acadêmicos, jornais, manuais de instruções, dentre outros. Exemplos: Ele foi um cara de pau! (Sentido conotativo) Não foi aquele cara que te pediu informação ontem? (Sentido denotativo) https://www.todamateria.com.br/polissemia/ 11 Fonte: clubedoportugues.com.br Agiu como um porco. (Sentido conotativo) No sítio do meu avô há um porco. (Sentido denotativo)3 Relações Lógico-semânticas Relação de condicionalidade (se p então q) – Expressa-se pela conexão de duas orações, uma introduzida pelo conector se ou similar (oração antecedente) e outra por então, que geralmente vem implícita (oração consequente). O que se afirma nesse tipo de relação é que, sendo o antecedente verdadeiro, o consequente também o será. Exemplos: Se aquecermos o ferro, (então) ele se derreterá. Caso faça sol, (então) iremos à praia. 3 Texto extraído de: www.todamateria.com.br http://www.clubedoportugues.com.br/ http://www.todamateria.com.br/ 12 Relação de causalidade (p porque q) – Expressa-se pela conexão de duas orações, uma das quais encerra a causa que acarreta a consequência contida na outra. Tal relação pode ser veiculada sob diversas formas estruturais, como: O torcedor ficou rouco porque gritou demais. Consequência causa O torcedor gritou tanto que ficou rouco. Causa Consequência O torcedor gritou demais; então (por isso) ficou rouco. Como tivesse gritado demais, o torcedor ficou rouco. Por ter gritado demais Causa Relação de mediação– que se exprime por intermédio de duas orações, numa das quais se explicitam o (s) meio (s) para atingir um fim expresso em outra: Meio Fim O jovem envidou todos os esforços para conquistar/o amor da garota dos seus sonhos. Embora, do ponto de vista lógico, a relação de condicionalidade (implicação) englobe as de causalidade e de mediação, são apresentadas separadamente por razões didáticas. Relação de disjunção – se expressa através do conectivo ou. Esse conector, porém, é ambíguo, correspondendo ora à forma latina aut, com valor exclusivo (isto é, um ou outro, mas não ambos), ora à forma vel com valor inclusivo (ou seja, um ou outro, possivelmente ambos). Exemplos: Você vai passar o fim de semana em São Paulo ou vai descer para o litoral? (Exclusivo) Todos os congressistas deveriam usar crachás ou trajar camisas vermelhas. 13 (Inclusivo: e/ou). Relação de temporalidade – por meio da qual, através da conexão de duas orações, localizam-se no tempo, relacionando-os uns aos outros, ações, eventos, estados de coisas do “mundo real” ou a ordem em que se teve percepção ou conhecimento deles. O relacionamento temporal pode ser de vários tipos: Tempo simultâneo (exato, pontual): Quando / Mal / Nem bem / Assim que / Logo que / No momento em que... o filme começou, ouviu-se um grito na plateia. Tempo anterior/posterior: Antes que o inimigo conseguisse puxar a arma, o soldado deferiu-lhe uma saraivada de tiros. Depois que Maria enviuvou, ele preferiu viver na fazenda de seus pais. Tempo contínuo ou progressivo: Enquanto os alunos faziam os exercícios, o professor corrigia as provas da outra turma. À medida que os recursos iam minguando, aumentava o desespero da população do vilarejo isolado pelas inundações. Relação de conformidade: Expressa-se pela conexão de duas orações em que se mostra a conformidade do conteúdo de uma com algo asseverado na outra: O réu agiu conforme o advogado lhe havia determinado. Relação de modo: Por meio da qual se expressa, numa das orações, o modo como se realizou a ação ou evento contido na outra. Exemplo: Sem levantar a cabeça, a criança ouvia as reprimendas da mãe Como se fosse um raio, o cavaleiro disparou pela campina afora. 14 Fonte: institutonetclaroembratel.org.br 2 RELAÇÕES DISCURSIVAS OU ARGUMENTATIVAS Conjunção – efetuada por meio de operadores como é, também, não só..., mas também, tanto... como, além de, além disso, ainda, nem (=e não), quando ligam enunciados que constituem argumentos para uma mesma conclusão. Exemplos: João é, sem dúvida, o melhor candidato. Tem boa formação e apresenta um consistente programa administrativo. Além disso, revela pleno conhecimento dos problemas da população. Ressalte- se, ainda, que não faz promessas demagógicas. A reunião foi um fracasso. Não se chegou a nenhuma conclusão importante, nem (=e não) se discutiu o problema central. Disjunção argumentativa – Trata-se aqui da disjunção de enunciados que possuem orientações discursivas diferentes e resultam de dois atos de fala distintos, em que o segundo procura provocar o leitor/ouvinte para leva-lo a modificar sua opinião ou, simplesmente, aceitar a opinião expressa pelo primeiro: Todo voto é útil. Ou não foi útil o voto dado ao rinoceronte “Cacareco” nas eleições municipais, há alguns anos atrás? http://www.institutonetclaroembratel.org.br/ 15 Contrajunção – Através da qual se contrapõem enunciados de orientações argumentativas diferentes, devendo prevalecer a do enunciado introduzido pelo operador: mas (porém, contudo, todavia, etc.). Exemplo: Tinha todos os requisitos para ser um homem feliz. Mas vivia só e deprimido. Quando se utiliza o operador embora (ainda que, apesar de (que) etc.), prevalece a orientação argumentativa do enunciado não introduzido pelo operador. Exemplos: Embora desconfiasse do amigo, nada deixava transparecer. O calor continuava insuportável, apesar da chuva que caiu o dia todo. Explicação ou justificativa – quando se encadeia sobre um primeiro ato de fala, outro ato que justifica ou explica o anterior: Não vá ainda, que tenho uma coisa importante para lhe dizer. (Justificativa) Deve ter faltado energia por muito tempo, pois a geladeira está totalmente descongelada. (Explicação) Comprovação – em que, através de um novo ato de fala, acrescenta-se uma possível comprovação da asserção apresentada no primeiro: Encontrei seu namorado na festa, tanto que ele estava de tênis Adidas. Conclusão – em que, por meio de operadores como: portanto, logo, por conseguinte, pois etc., introduz-se um enunciado de valor conclusivo em relação a dois (ou mais) atos de fala anteriores que contêm as premissas, uma das quais, geralmente, permanece implícita, por tratar-se de algo que é voz geral, de consenso em dada cultura, ou, então, verdade universalmente aceita. Toda a equipe jogou desentrosada. Portanto (logo) o novo atacante não poderia mesmo ter mostrado o seu bom futebol. João é um indivíduo perigoso. Portanto, fique longe dele. Comparação – expressa-se por meio dos operadores (tanto, tal)... como (quanto), mais... (do) que, menos... (do) que, estabelecendo entre um 16 termo comparante e um termo comparado, uma relação de inferioridade, superioridade ou igualdade. A relação comparativa possui um caráter eminentemente argumentativo: a comparação se faz tendo em vista dada conclusão a favor ou contra a qual se pretende argumentar. Assim, se a uma pergunta como: “Devemos chamar Pedro para tirar a mala de cima do armário?”, se obtivesse como resposta: “João é tão alto quanto Pedro” A resposta seria desfavorável a Pedro (embora não negando a sua altura) e favorável a João. Se, por outro lado, a resposta fosse: “Pedro é tão alto como João” Haveria inversão da orientação argumentativa, agora favorável a Pedro. Fonte: infoenem.com.br Generalização/extensão – em que o segundo enunciado exprime uma generalização do fato contido no primeiro, ou uma amplificação da ideia nele expressa: http://www.infoenem.com.br/ 17 Maria está atrasada. Aliás / Também / É verdade que..., ela nunca chega na hora. Tive prazer em conhece-la. De fato / Realmente..., estou encantado. Pedro está de novo sem dinheiro. Bem / Aliás / Mas..., é o que acontece com todo estudante que vive de mesada. Especificação/exemplificação – em que o segundo enunciado particulariza e/ou exemplifica uma declaração de ordem mais geral apresenta no primeiro: Muitos de nossos colegas estão no exterior. Pierre, por exemplo, está na França. Nos países do Terceiro Mundo, como a Bolívia e o Brasil, falta saneamento básico em muitas regiões. Contraste – na qual o segundo enunciado apresenta uma declaração que contrasta com a do primeiro, produzindo um efeito retórico: Gosto muito de esporte. Mas luta-livre, faça-me o favor! Os ricos ficam cada vez mais ricos, ao passo que os pobres se tornam cada vez mais pobres. Correção/Redefinição – Quando, através de um segundo enunciado, se corrige, suspende ou redefine o conteúdo do primeiro, se atenua ou reforça o comprometimento com a verdade do que nele foi veiculado ou, ainda, se questiona a própria legitimidade de sua enunciação: Irei à sua festa. Isto é, se você me convidar. Eu não agiria deste modo. Se você quer saber a minha opinião. Meus parabéns! Ou não devo cumprimenta-la por isso? Pedro chega hoje. Ou melhor, acredito que chegue, não tenho certeza. Ele não é muito esperto. De fato (Pelo contrário), parece-me bastante estúpido. Prometo ir ao encontro. Isto é (Ou melhor), vou tentar. 18 3 ANÁLISE INTENCIONAL E PRAGMÁTICA A Pragmática em geral A pragmática, como se conhece hoje, começou com a ‘Teoria dos Atos de Fala’ desenvolvida por John Langshaw Austin. Diferente doque pode se pensar, Austin construiu sua teoria a partir de ferrenha crítica a Wittgenstein que, através de seus adeptos, anunciava que “o significado é o seu uso” (Austin, 1990, p.89). Para Austin, filósofo de Oxford, era inaceitável a tese de Wittgenstein, oriundo de Cambridge, da impossibilidade de classificar e sistematizar o uso da linguagem. Para Austin, era necessária e possível uma definição sistemática dos usos linguísticos que, certamente, não se restringem às descrições ou às declarações de um fato. Por mais tempo que o necessário, os filósofos acreditaram que o papel de uma declaração era tão-somente o de descrever um estado de coisas, ou declarar um fato, o que deveria fazer de modo verdadeiro ou falso. Os gramáticos, na realidade, indicaram com frequência que nem todas as sentenças são (usadas para fazer) declarações, há tradicionalmente, além das declarações (dos gramáticos), perguntas e exclamações, e sentenças que expressam ordens, desejo ou concessões (Austin, 1990, p.21) Para Austin (1990) usar a linguagem é realizar uma ação. A partir da análise da teoria dos jogos de linguagem, que salienta a importância das condições de uso da linguagem, exposta por Wittgenstein (2008), que também, sob este aspecto, pode ser considerado um dos iniciadores da pragmática (Dascal, 2006, p. 51), Austin (1990) conclui que determinadas sentenças são, na verdade, ações. Toda ação que é realizada através do dizer é chamada de ato de fala. Criticando a posição de vários linguistas e filósofos que davam grande importância à função descritiva da linguagem, sendo, portanto, sujeita às condições de verdade e verificabilidade, Austin distingue os usos das sentenças em “constatativos” e “performativos”, conforme descrevam fatos ou realizem (to perform) algo. São exemplos de “constatativos” os usos da linguagem que tenham como objetivo descrever ou relatar estados de coisas como: “João está brincando no quintal” (Marcondes, 2005, p.17). Já os “performativos” devem atender a determinadas condições, como: não descrever, relatar ou constatar; não ser “verdadeiro” ou “falso”; ser, no todo ou em parte, a realização de uma ação (Austin, 19 1990, p. 24). Austin, ao exemplificar os performativos, demonstra que ao proferir as sentenças não se está descrevendo o ato e sim o realizando. Exemplos: “Aceito, esta mulher como minha legítima esposa” – do modo que é proferido no decurso de uma cerimônia de casamento. “Batizo este navio com o nome de Rainha Elizabeth” – quando proferido ao quebrar-se a garrafa contra o casco do navio. “Lego a meu irmão este relógio” – tal como ocorre em um testamento. “Aposto cem cruzados como vai chover amanhã”. (Austin, 1990, p. 24) Como dito, os performativos por expressarem ações não se sujeitam aos critérios de “verdade” e “falsidade”, contudo, como toda ação, podem ser bem ou mal - sucedidas, ao que Austin chamará de “condições de felicidade” em sua II Conferência (Austin, 1990, p.29). Além do proferimento das palavras chamadas performativas, muitas outras coisas em geral têm que ocorrer de modo adequado para podermos dizer que realizamos, com êxito, a nossa ação. Quais são essas coisas esperamos descobrir pela observação e classificação dos tipos de caso em que algo “sai errado” e nos quais o ato – isto é, casar, apostar, fazer um legado, batizar, etc. – redunda, pelo o menos em parte, em fracassar. Em tais casos não devemos dizer de modo geral que o proferimento seja falso, mas malogrado. Por esta razão chamamos a doutrina das “coisas que podem ser ou resultar malogradas”, por ocasião de tal proferimento, de doutrina das “infelicidades” (Austin, 1990, p. 30). Fonte: portugues.com.br http://www.portugues.com.br/ 20 Assim, para que um ato de fala performativo possa se constituir em uma ação “feliz” ele deve satisfazer a algumas condições, que podem ser agrupadas em dois tipos, às que se referem às convenções (as enunciações devem responder a determinadas convenções ou serão nulas. Exemplo: um casamento realizado perante o capitão do navio e não perante a um padre não é válido) e às que dizem respeito à intenção (as enunciações devem ser sinceras e exprimir a reta intenção ou configurarão um “abuso”) (Penco, 2006, p. 156). Como se pode inferir, não respeitar as convenções é mais grave do que ser “insincero”, ou seja, praticar um ato de fala contrário à intenção. Embora os dois determinem que o performativo seja malogrado, no caso de desrespeitar-se uma convenção, como se casando perante o capitão do navio, o ato de “casar” é nulo ou sem efeito. Já o casamento realizado em atenção às convenções, mas sem a intenção de realizar o ato, como no caso de coação de um dos nubentes, o ato de “casar” será concretizado, não será nulo, ainda que possa ser desfeito em momento posterior em razão da coação. Como só se desfaz o que foi consumado, conclui-se que o desrespeito a uma convenção determina a não produção de efeitos do ato, sendo mais grave, enquanto o desrespeito à intenção, não impede a efetivação do ato, mesmo que depois este possa ser desfeito (Austin, 1990, p. 32). Após distinguir os proferimentos performativos dos constatativos e concluir que os atos performativos possuem uma dimensão constatativa e vice e versa, pode-se falar então que usar a linguagem é uma ação que contém elementos constatativos e performativos, devendo a teoria do ato de fala performativo ser estendida para toda a linguagem, como uma teoria geral da ação (Austin, 1990, p.122), em que o “ato de fala” é a unidade básica de significação (Marcondes, 2005, p. 18). Os atos de fala têm diferentes dimensões, podendo os atos serem locucionários (ato “de” dizer algo), ilocucionários, que são o núcleo dos atos de fala e tem como aspecto a força ilocucionária, consistente no uso performativo propriamente dito (que realiza uma ação ao ser dito) e perlocucionário (em que há intenção de provocar nos ouvintes certos efeitos). Nem todos os atos de fala possuem as três dimensões, isso porque depende da força ilocucionária que está ligada às interações sociais que se estabelecem entre os sujeitos falantes, que podem ser de cooperação, de determinação, de autoridade e etc. 21 Em geral, o ato locucionário como o ato ilocucionário é apenas uma abstração: todo ato linguístico genuíno é ambas as coisas de uma só vez (Austin, 1990, p.121). O efeito equivale a tornar compreensível o significado e a força da locução. Assim, a realização de um ato ilocucionário envolve assegurar sua apreensão. O ato ilocucionário “tem efeito” de certas maneiras, o que se distingue de produzir consequências no sentido de provocar estado de coisas de maneira “normal”, isto é, mudanças de no curso normal dos acontecimentos (Austin, 1990). O ato locucionário ou locutório para Austin é definido fundamentalmente pelos aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos. Já os atos ilocucionários, tidos como centrais na teoria dos atos de fala, serão caracterizados pelas forças ilocucionárias que consistem no performativo propriamente dito. Quando digo “Aposto cem cruzados que vai chover amanhã”, não estou descrevendo algo, nem declarando uma intenção e sim realizando uma ação: a aposta. Portanto, “apostar” é um performativo e, quando profiro a sentença, a força do meu ato é a da aposta. O estudo das classes de “força ilocucionária” é o tema da última Conferência de Quando dizer é fazer. Deixando de lado a ideia de elaborar uma lista de verbos performativos explícitos, Austin reconhece que sua teoria precisa é de uma lista das forças ilocucionárias de um proferimento (Austin, 1990, p.123), o que ele faz determinando cinco classes de proferimentos em função de sua força ilocucionária. Os primeiros, veriditivos, caracterizam-se por dar um veredicto, como o nome sugere, por um corpo de jurados, por um árbitro, ou por um desempatador. (...) constituem essencialmenteo estabelecimento de algo – fato ou valor – a respeito do qual, por diferentes razões, é difícil estar seguro. Os segundos, os exercitivos, consistem no exercício de poderes, direitos ou influências. Por exemplo: designar, votar, ordenar, instar, aconselhar, avisar e etc. Os terceiros, os comissivos, caracterizam-se por prometer ou de alguma forma assumir algo, comprometem a pessoa a fazer algo, incluem também declarações ou anúncios de intenção, que não constituem promessa (...) os quartos, comportamentais, constituem um grupo muito heterogêneo, e têm a ver com atitudes e comportamento social. Exemplos são: pedir desculpas, felicitar, elogiar, dar os pesamos, maldizer e desafiar. Os quintos, os expositivos, são difíceis de definir. Eles esclarecem o modo como nossos proferimentos se encaixam no curso de uma argumentação ou conversa (...). Exemplos são: “contesto”, “argumento”, “concedo”, “exemplifico”, “suponho”, “postulo” (Austin, 1990. p. 123-124) No fim de suas conferências, Austin esclarece que apresentou um programa, em que disse o que deve ser feito ao invés de fazê-lo (Austin, 1990, p.132). Tal programa serviu de ponto de partida para outros filósofos, dentre eles John R. Searle, que além de ter desenvolvido uma classificação alternativa de atos ilocucionários, 22 reelaborou o conjunto de componentes da força ilocucionária. Searle ainda definiu os “atos de fala indiretos”, como sendo os que sem pedir diretamente que se realize a ação, os atos linguísticos indiretos sugerem isto implícita e indiretamente. São exemplos de atos de fala indiretos as perguntas: “Sabe que horas são?”, “Pode passar-me o sal?”. São perguntas que, embora tenham força de uma pergunta, desempenham a função de ordens ou pedidos, não sendo satisfatórias as respostas diretas como “sim” ou “não” (Penco, 2006, p. 160). Austin (1990, p. 69) esclarece que a linguagem não é clara, o que reforça a necessidade de instrumentos extralinguísticos para conferir sentido ao enunciado: As formas primitivas ou primárias dos proferimentos conservam, neste sentido, a “ambiguidade”, ou “equivoco”, ou o “caráter vago” da linguagem primitiva. Tais formas não tornam explícita a força exata do proferimento. (...) A linguagem em si, e nos seus estágios, não é precisa, nem explícita, no sentido que demos a esta palavra (Austin, 1990, p. 69). Fonte: letrasnaoencontradas.com A contribuição de Austin e de seus sucessores, como Searle, para os estudos da pragmática é inquestionável, vez que o filósofo desenvolveu a partir da teoria do “segundo” Wittgenstein sobre “jogos de linguagem” o importante conceito de “atos de fala” e a classificação da força ilocucionária dos atos performativos, superando então a ideia da linguagem como descrição e afirmando que a linguagem é um meio de agir sobre o ouvinte e sobre o mundo. Desta maneira, enquanto a Linguística se preocupa http://www.letrasnaoencontradas.com/ 23 em explicar o sistema ou o conhecimento, a Pragmática busca compreender a produção e a interpretação completa dos enunciados, analisando o uso da linguagem em geral (Forin, 2002, p. 185). Forin diz que “o estudo do uso é absolutamente necessário, pois há palavras e frases cuja interpretação só pode ocorrer na situação concreta da fala”. Este estudo do uso da linguagem e sua estrutura são conhecidos como pragmática (Forin, 2002, p. 167). Muitas vezes o texto ou o enunciado verbal não é diretamente compreensível através dos métodos clássicos de interpretação, como a busca do significado de cada uma das palavras ou mesmo da relação entre elas, sendo necessária a verificação do contexto e do uso das palavras, como propagava Wittgenstein ao falar dos “jogos de linguagem”. Com Austin, verificou-se ainda que os enunciados têm natureza performativa e que ao falar, o sujeito realiza uma ação. De tudo isso, percebeu-se a importância do desenvolvimento de um método, de uma teoria ou de uma forma de compreensão que não se restringisse ao que é literalmente dito e ao exclusivamente linguístico. Tornou-se decisiva a inclusão da análise de fatores extralinguísticos que configuram o ato comunicativo (Vidal, 1999, p. 22). Com esta inclusão passou-se a falar de uma perspectiva pragmática, cujo objeto de estudo ainda é controverso na doutrina. Koch (2008, p.30) para explicar que o sentido de um texto não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso de uma interação recorre à “metáfora do iceberg”: Como este, todo texto possui apenas uma pequena superfície exposta e uma imensa área imersa subjacente. Para se chegar às profundezas do implícito e dele extrair um sentido, faz-se necessário o recurso aos vários sistemas de conhecimento e a ativação de processos e estratégias cognitivas e interacionais (Koch, 2008, p.30). Dascal (2006) busca uma definição para a pragmática, bem como as diferenças desta para a semântica. Todavia, embora com o reconhecimento das distinções, reconhece e afirma a existência de uma relação de interdependência entre a pragmática e a semântica7. Para o Autor, a pragmática possui um “domínio, específico e bem definido, de objetos a serem investigados: as intenções comunicativas” (2006, p. 44). Criticando a inclusão de fenômenos diversos e variados no campo da pragmática, Dascal (2006, p.8) busca estabelecer um critério distintivo. Nesse 24 desiderato Carnap apud Dascal (2006, p.29) estabelece um modelo residual, nome dado por Dascal, para a definição do domínio da pragmática, dizendo que enquanto a semântica e a sintaxe são disciplinas teóricas, a pragmática é “tão somente uma disciplina empírica”, que não possui método próprio e faz uso, em vez disso, “dos resultados de diferentes ramos da ciência (principalmente da ciência social, mas também da física, da biologia e da psicologia) ”. Para ele a pragmática é uma disciplina que lida com os fenômenos linguísticos com que as outras disciplinas linguísticas (principalmente a semântica) não têm obrigação de lidar. Uma vez encontradas as características sintáticas de uma linguagem através da pragmática, podemos desviar nossa atenção dos usuários da língua e voltarmos os nossos olhos para as características semânticas e sintáticas. (Canarp apud Dascal, 2006, p. 29) Dascal (2006, p. 30) rejeitando este modelo, por ele mesmo nomeado como residual, vez que a pragmática é definida como tudo o que não é tratado pela semântica e pela sintaxe, busca o desenvolvimento de uma teoria mais sólida do objeto e dos métodos da pragmática, que não se confunda com objetos de outras disciplinas, especialmente, a semântica e a sintaxe. Nesta busca, utiliza como ponto de partida, “os resíduos de outras teorias” (Dascal, 2006, p. 31). Segundo Dascal (2006, p.31), toda teoria pragmática do século XX é uma tentativa de reciclar o “rico material que Frege descartou em sua cesta de lixo”. Frege apud Dascal (2006, p. 31) diz que a semântica está interessada exclusivamente nos aspectos do significado relativos à verdade das sentenças. Assim, um enunciado tem sentido porque expressa uma proposição que pode ser avaliada como sendo verdadeira ou falsa. Para ele existem aspectos do “significado” que, não sendo relevantes para a verdade de um enunciado, não são de interesse da teoria semântica. São três tipos de sentença que contêm fenômenos do significado que Frege considera irrelevantes para a preocupação semântica com a verdade: Sentenças que não levantam a questão da verdade (ordens, pedidos, promessas e etc.); (b) sentenças que exprimem mais que “pensamentos” (sentenças cuja finalidade é excitar os sentimentos ou a imaginação do ouvinte, assim como insinuações e expectativas); (c) sentenças que não são suficientes por si só, para expressar um “pensamento” (demonstrativos, pronomes, advérbios de tempo e etc.). 25 Com o tempo, cada um destes aspectos do significado foi objeto paradigmático da pragmática,sendo que cada uma destas escolhas pressupõe um modelo residual de definição, pois caracteriza a pragmática como a que estuda aspectos do significado que estão fora do domínio da semântica. E, em cada uma destas escolhas, utiliza-se de seu próprio critério “positivo”, segundo o qual se define um fenômeno como pragmático (Dascal, 2006, p.31). Todavia, todos os critérios cogitados, são dados como insuficientes para estabelecer-se um conjunto coerente de aspectos que possam ser distintos de uma teoria semântica, isso porque mesmo a teoria semântica necessita de aspectos contextuais sem que isso a torne pragmática.4 4 ANÁLISE HERMENÊUTICA DA LINGUAGEM Historicidade e Linguagem Contrapondo-se à negação da história representada pelo cientificismo positivista e neopositivista, existe uma linha de filósofos que parte de Nietzsche e passa por Heidegger e pelos existencialistas, afirmando a historicidade do homem e do seu conhecimento. Fonte: novaresistencia.org 4 Texto extraído de: www.maxwell.vrac.puc-rio.br http://www.novaresistencia.org/ http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/ 26 Essa postura anticientífica e historicista é tipicamente qualificada como a filosofia continental, em oposição à filosofia analítica de matriz tipicamente anglo- saxã. Porém, por mais que essa divisão persista até os dias de hoje, sendo caracterizáveis diferenças fundamentais na formação típica dos filósofos e dos estilos de discurso envolvidos no labor filosófico, as linhas de força que inspiram esses grandes modelos passaram a se encontrar com bastante frequência, especialmente no período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial. Um dos maiores responsáveis por essa convergência foi Wittgenstein, que é um dos filósofos da linguagem mais lidos pela tradição continental, especialmente porque ele propôs em suas obras póstumas conceitos linguísticos que se contrapunham à filosofia analítica tradicional e que abriram espaço para uma espécie de historicização da linguagem. Em vez de se preocupar apenas com a formalização da linguagem e da garantia de rigor e precisão necessários para uma linguagem científica, Wittgenstein foi o grande responsável pelo nascimento de uma filosofia da linguagem ordinária, em que a busca não era a de estabelecer uma linguagem purificada, mas de compreender o modo como as linguagens naturais efetivamente funcionam. O principal conceito que ele desenvolveu foi o de jogo de linguagem, rompendo com a noção cientificista de que a perfeição linguística estava no rigor e na precisão, e afirmando existência de uma pluralidade de jogos linguísticos, cada qual com suas regras e elementos. Segundo Warat, contrapondo-se à ideia de que a linguagem natural era inadequada ao conhecimento, Wittgenstein passou a defender que faltava ao neopositivismo lógico uma compreensão filosófica adequada dos mecanismos que regem as linguagens ordinárias: enquanto estes estudos se limitavam aos planos sintáticos e semânticos, uma compreensão das linguagens ordinárias dependia de uma análise pragmática. Essa virada pragmática gera uma abertura para além do cientificismo e da lógica, mas ainda não é uma abertura historicista, pois “a análise pragmática da filosofia da linguagem ordinária não se estendeu aos fatores sócio-políticos”, ignorando a necessária inserção histórica da linguagem. Porém, a generalização do conceito de jogo construiu uma ponte entre a filosofia da linguagem e a o historicismo continental, na medida em que ela possibilita a percepção das relações sociais como interações linguísticas, mas sem recair no cientificismo logicista do neopositivismo. 27 A partir desse giro pragmático, a filosofia da linguagem passou a desenvolver instrumentos para uma compreensão linguística de problemas históricos, que gradualmente passaram a integrar o instrumental teórico dos filósofos continentais. Por exemplo, a reflexão sobre o nível pragmático da linguagem permitiu uma conexão das preocupações linguísticas com a crítica da ideologia da Escola de Frankfurt, cujos desenvolvimentos de matriz linguístico estão na base da influente teoria da ação comunicativa de Habermas. Habermas, por sua vez, deve bastante às investigações de Apel, cuja obra tenta articular uma combinação entre a filosofia analítica e a hermenêutica. Inspiração pragmática também tem a arqueologia proposta por Foucault, indo além do estruturalismo (que tinha influências da teoria da linguagem, mas mantinha- se em um nível predominantemente semântico) para investigar na origem dos discursos as relações entre o saber e o poder. O desconstrutivismo de Derrida também ressalta o papel da linguagem, pois somente pode ser desconstruído aquilo que foi construído histórica e linguisticamente. Mesmo a teoria dos sistemas de Luhmann, na qual ainda há uma presença maior de um cientificismo, define as relações sociais como interações linguísticas. Assim, nas décadas de 50 e 60, ocorre no campo de domínio da filosofia continental uma espécie de universalização do fenômeno linguístico, com um uso cada vez mais ampliado de conceitos ligados à filosofia da linguagem. Essa mesma tendência se opera também no campo do direito, em que a teoria da argumentação de Perelman tenta restaurar a dignidade da retórica, que havia sido posta de lado no ambiente cientificista da modernidade. Na mesma época, Viehweg chamava atenção para o caráter tópico do pensamento jurídico, que não se deixa descrever nos quadros de um sistema de conceitos semanticamente definidos. Posteriormente, outras vertentes linguísticas ganharam força, como a teoria da argumentação de Alexy e as teorias hermenêuticas de Dworkin. O círculo hermenêutico No campo da hermenêutica, o maior protagonista nessa aproximação entre historicidade e linguagem foi Hans-Georg Gadamer, que operou uma espécie de releitura linguística dos conceitos hermenêuticos propostos por Heidegger no campo 28 da ontologia. Assim, mesmo que se tenha inspirado explicitamente na hermenêutica da facticidade heideggeriana, foi de Gadamer o grande esforço no sentido de levar essa renovada preocupação hermenêutica ao campo da interpretação dos objetos culturais, dedicando-se ele especialmente a investigar o modo como interpretamos as obras de arte. Mas por que a arte, e não os textos jurídicos ou bíblicos, que também fazem parte da preocupação de Gadamer? Em primeiro lugar, porque tanto faz, na medida em que Gadamer propôs uma universalização do fenômeno hermenêutico que permitiria estudar a sua ocorrência em qualquer dos seus âmbitos, pois “a compreensão deve ser entendida como parte da ocorrência de sentido, em que se formula e se realiza o sentido de todo enunciado, tanto dos da arte como dos de qualquer outro gênero de tradição”. Então, tratava-se de uma nova universalidade: depois da universalidade da razão, a universalidade da interpretação, inspirada tanto por Heidegger quanto pelo giro linguístico. Fonte: queconceito.com.br Em segundo lugar, por um motivo estratégico: parece mais aceitável reconhecer o relativismo na interpretação das obras de arte que em outras áreas hermenêuticas, pois estamos já condicionados a não exigir da estética a definição dos cânones objetivos que normalmente se exige das disciplinas dogmáticas como o direito e a teologia. Então, se a interpretação das obras de arte não pode http://www.queconceito.com.br/ 29 ser submetida a uma metodologia predeterminada (como Gadamer intui e tenta mostrar), por que esse método seria possível em outras áreas? Afinal, de contas, como pode uma pessoa defender consistentemente a subjetividade da interpretação artística e a objetividade da interpretação jurídica? Assim, explorar o sentido da interpretação dentro de uma área em que o relativismo já era consolidado possibilitava a construção de um discurso que não precisaria bater-secontra as sólidas paredes dos nossos preconceitos dogmáticos. E depois de elaborada uma concepção hermenêutica nesse âmbito em que o pensamento é mais livre, parece mais fácil extrapolar o campo artístico mediante a aplicação a outros espaços dos conceitos ali construídos. Assim, Gadamer inicia sua obra principal analisando a compreensão da verdade na obra de arte, passa pela avaliação das peculiaridades da literatura (o que o traz para mais próximo dos textos verbais), para somente depois estender essa análise à compreensão nas ciências do espírito. E como Gadamer descreve a compreensão de uma obra de arte? Em primeiro lugar, ele retoma a ideia de que, quando recebemos uma informação nova, avaliamos esse dado com base nas nossas pré-compreensões. Segundo Gadamer, toda atribuição de sentido tem como base as percepções valorativas dos indivíduos, e essas percepções são uma mistura de algumas crenças individuais com muitas crenças socialmente compartilhadas, que formam o pano de fundo de toda interpretação. Com base nessas compreensões, projetamos um sentido para todo o texto ou situação analisada, projeção esta que pode ser confirmada ou não pelo aprofundamento do processo de compreensão. Segundo Gadamer: “Quem quiser compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete projeta um sentido para o texto como um todo. O sentido inicial só se manifesta porque ele está lendo o texto com certas expectativas em relação ao seu sentido. A compreensão do que está posto no texto consiste precisamente no desenvolvimento dessa projeção, a qual tem que ir sendo constantemente revisada, com base nos sentidos que emergem à medida que se vai penetrando no significado do texto”. 30 Dessa forma, o entendimento do texto envolve um constante projetar de sentidos, com base nas pré-compreensões do intérprete. Entretanto, ao mesmo tempo em que uma ideia somente pode ser compreendida por meio das pré-compreensões que uma pessoa já possui, toda informação recebida contribui para a mudança do conjunto das pré-compreensões. Assim, embora sirvam como base necessária para o entendimento, as pré-compreensões vão-se transformando a cada passo. Para entender essa teoria, é útil apelarmos para o exemplo de um filme que tenha um bom roteiro. Ficam excluídos, desde logo, os filmes em que já se sabe o final antes de começar a sessão, mas não porque este projetar do final do filme nos leve para longe da hermenêutica (pelo contrário, trata-se de um exercício hermenêutico baseado nas nossas pré-compreensões sobre o cinema comercial e seus produtos), e sim porque o exemplo se torna mais esclarecedor ao lidar com exercícios hermenêuticos mais complexos. Quantas vezes entendemos o significado de uma cena que acontece no início do filme apenas quando chegamos ao final da história? Quantas vezes saímos do cinema relembrando os episódios iniciais e revendo o modo como eles deveriam ser interpretados? Isso acontece porque cada cena particular somente pode ser entendida dentro do contexto da obra completa. Todavia, a obra completa é formada pela sequência dos episódios particulares. Logo que começamos a assistir um filme, formamos uma série de expectativas com relação ao significado de cada cena que nos é apresentada. Essas projeções de sentido, esses projetos de interpretação, resultam da avaliação do roteiro a partir de nossas pré-compreensões. Todavia, a cada nova informação recebida, essas projeções de sentido vão sendo alteradas, o que implica uma modificação gradual no sentido que atribuímos ao filme. Além disso, cada vez que se modifica a nossa projeção de sentido sobre o filme, mudam também os significados que atribuímos às cenas anteriores. Como observou Gadamer, “esse constante processo de reprojetar constitui o movimento do compreender e do interpretar”. Nesse processo de vai-e-vem, a nossa compreensão sobre a obra vai sendo alterada, pois temos necessidade de integrar as novas cenas em um contexto coerente; além disso, a nossa compreensão de cada cena particular vai sendo modificada à medida que muda nossa compreensão sobre o filme como um todo. Dessa forma, tal como cada cena não pode ser compreendida 31 fora do conjunto da obra, o filme não pode ser entendido senão a partir da compreensão de cada cena particular e das relações entre elas. Essa conexão circular entre o entendimento do todo e o das partes é tão aplicável ao cinema quanto ao direito ou a qualquer outro objeto de conhecimento. Na medida em que tentamos harmonizar as informações que recebemos com as que já tínhamos, as nossas visões sobre o mundo são enriquecidas e as nossas pré- compreensões tornadas mais complexas e refinadas. Entretanto, como o conjunto das nossas pré-compreensões forma a base na qual podemos ancorar os novos conhecimentos, a nossa capacidade de compreender é limitada pela extensão e profundidade das nossas pré-compreensões. Em outras palavras, nós temos um horizonte de compreensão, que envolve todos os nossos conhecimentos e funciona como um limite para a nossa capacidade de compreender coisas novas. À medida que nossas pré-compreensões são enriquecidas, esse horizonte é ampliado e nos tornamos capazes de compreender novos tipos de informações. Fonte: info.plataformadoletramento.org.br No momento em que recebemos uma informação nova (Exemplo: a cena inicial de um filme) não somos capazes de perceber todas as suas implicações. Um estudante que descobre a existência na Constituição de uma norma jurídica que exige o tratamento igualitário das pessoas que se encontrem em situações idênticas entra http://www.info.plataformadoletramento.org.br/ 32 em contato com uma informação nova, que aumenta o seu conjunto de conhecimentos. Entretanto, o significado dessa informação se amplia na medida em que o estudante percebe as implicações morais dessa norma, as dificuldades para a sua aplicação na prática, a sua presença no direito internacional e a sua especial constância em decisões judiciais. ‘Percebe’, na verdade, é uma palavra ruim, pois indica uma espécie de passividade cognitiva, como se as relações entre a norma e os seus variados contextos fossem simplesmente apreendidas por meio de uma observação inerte. Porém, tais relações precisam ser ativamente traçadas, para que a pessoa se torne consciente das variadas implicações de uma informação dentro do seu horizonte de conhecimentos. E, na medida em que relacionamos essas informações com aquelas que já tínhamos, passamos a conhecer melhor todas elas. O resultado desse processo, contudo, é sempre provisório, pois os significados do todo e das partes são continuamente modificados sempre que lidamos com uma nova informação. Dessa forma, passamos do particular para o contexto e do contexto para o particular de uma forma cíclica e contínua, motivo pelo qual o processo merece o nome círculo hermenêutico. Assim, uma metáfora mais adequada para descrever a compreensão seria a imagem da espiral, pois, a cada volta, em vez de retornarmos ao mesmo lugar, avançamos para níveis maiores de complexidade. Trata-se, pois, de um processo infinito, sendo impossível afirmar que, em um dado momento, teremos chegado à conclusão definitiva. Porém, a figura da espiral também é enganadora, pois ela sugere que a interpretação evolui na medida em que ela se torna mais profunda (se a espiral desce) ou melhor (se a espiral sobe), o que sugere um movimento rumo a um sentido determinado de perfeição. Porém, isso nos afastaria das críticas com que Nietzsche atacou a ideia de que o conhecimento é melhor tanto quanto mais profundo, crença essa que é arraigada na modernidade. Por isso mesmo, a metáfora usada por Gadamer é a dos círculos, afirmando ele que “a tarefa é ampliar, em círculos concêntricos, a unidade do sentido compreendido”.Então, o processo não é infinito porque ele se movimenta rumo a uma verdade inalcançável em sua perfeição, mas porque as conexões de sentido se tornam mais amplas e densas, e não mais profundas. Para usar uma metáfora botânica de Deleuze e Guattari, esse processo dá-se de uma forma rizomática (que apela para metáforas de ampliação, 33 interconexão e redes), e não axial (que utiliza metáforas de profundidade e proximidade maior com o verdadeiro). Assim, é quase certo que a interpretação que fazemos das partes iniciais de um livro será modificada várias vezes até que cheguemos ao final da história. Não porque nos acercamos de uma verdade imanente ao texto, mas porque elaboramos uma densa concordância das partes singulares com o todo, que é o único critério hermeneuticamente válido para constatar a justeza da compreensão. Além disso, a cada vez que relemos um livro, novos aspectos abrem-se à nossa compreensão e a ideia que formamos na segunda leitura será sempre diversa da primeira interpretação. Dessa forma, as nossas interpretações sobre as partes vão sendo modificadas à medida que muda a nossa compreensão do todo, num processo infinito e reflexivo. Colocada a questão nesses termos, Gadamer permite uma radicalização do projeto de uma hermenêutica unitária. Schleiermacher tentou unificar as hermenêuticas teológica e literária, mas excluiu de suas preocupações a jurídica, por esta ser fundamentalmente determinada pelo problema dogmático da aplicação. Essa aplicação, que não exigia uma reprodução do pensamento do autor, mas uma espécie de extrapolação desse sentido, não encontrava lugar na busca de uma hermenêutica científica. Seguindo uma inspiração semelhante, Emilio Betti buscou diferenciar a interpretação em três tipos (cognitiva, reprodutiva e normativa), mas com o objetivo de estabelecer os métodos adequados para a interpretação normativa, típica de disciplinas dogmáticas como o direito e a teologia. Assim, enquanto Shleiermacher tentou aproximar a hermenêutica bíblica da literária para garantir o seu caráter cognitivo, Betti tentou definir critérios para uma aplicação adequada das normas, que não poderia ser identificada com uma interpretação voltada apenas à cognição do sentido do texto. Gadamer, por sua vez, opõe-se a ambas essas perspectivas, pois ele tenta mostrar que o processo de compreensão não admite uma tal diferenciação entre interpretação e aplicação, pois essas são faces de um mesmo processo unitário, na medida em que o processo circular da compreensão dá-se de forma que elementos ligados à aplicação concreta e à definição abstrata do sentido influenciam-se reciprocamente. E uma das riquezas da teoria de Gadamer é justamente a de integrar num mesmo processo todos os elementos relevantes para a produção do sentido, o que ressalta a impossibilidade de cindir preocupações cognitivas (ligadas ao 34 sentido verdadeiro) de preocupações dogmáticas (ligadas à aplicação correta). Assim, a inspiração gadameriana nos leva a evitar tanto a negação do aspecto cognitivo da hermenêutica jurídica quanto as tentativas de mantê-la isolada das outras disciplinas interpretativas. Com isso, abre-se um novo espaço para a articulação entre interpretação jurídica e verdade. Hermenêutica e Verdade Verdade e método é o nome do principal livro de Gadamer, no qual ele lançou as bases da sua teoria hermenêutica. Para um leitor desavisado, o título pode sugerir que a obra esclarecerá os métodos capazes de conduzir ao conhecimento verdadeiro. Porém, o objetivo de Gadamer é justamente o oposto, mostrar como o processo de compreensão não pode ser reduzido à aplicação de métodos predeterminados. Para ele, a hermenêutica não é nem envolve um método dogmático de interpretação, mas um estilo que organiza o modo humano de atribuir sentidos para o mundo. Fonte: conceitos.com Com isso, Gadamer segue na trilha de Heidegger, reafirmando a ruptura com a tradição hermenêutica que liga verdade e método, cuja expressão maior foi o historicismo de Dilthey, que apresentou a hermenêutica como um método que possibilitaria a superação da distância histórica e temporal, para a leitura da história como um texto. Nesse tipo de historicismo, Gadamer identifica uma http://www.conceitos.com/ 35 ingenuidade que consiste em que, evitando esse refletir sobre seus próprios pressupostos e confiando em sua metodologia, o pensador “acaba por esquecer sua própria historicidade”. Assim, a base da teoria gadameriana é a tese de que “um pensar verdadeiramente histórico deve pensar também sua própria historicidade”. Portanto, o objetivo de Gadamer não era o de oferecer um método interpretativo capaz de revelar o significado do objeto, mas esclarecer o modo como os homens conferem sentidos a sua própria atividade. Por isso mesmo é que ele afirma que o sentido da obra de arte é produzido em uma espécie de jogo que coloca em relação o intérprete e a obra. E apenas nesse jogo é que os textos ganham sentido, pois “somente na sua compreensão se produz a transformação do rastro de sentido morto em sentido vivo”. Então, não há um significado escondido a ser descoberto, mas um sentido a ser produzido em um jogo hermenêutico que coloca o intérprete frente à obra interpretada. Nem mesmo o sentido originalmente intencionado pelo autor deve ser entendido como o sentido verdadeiro a ser buscado, pois a interpretação não deve ser entendida, como propunha Schleiermacher, apenas como uma reprodução da produção original de sentido pelo artista. Então, se o milagre da compreensão é possível, não é porque existe um sentido imanente à obra, mas pelo fato de que a produção de sentidos pelo intérprete não é uma atividade arbitrária, pois não se pode atribuir aos textos um sentido qualquer. Por isso mesmo é que a ideia de jogo ganha espaço, na medida em que ela indica uma certa ordem (porque todo jogo tem as suas regras), mas uma ordem que não é método unificado, porque todo jogo é uma abertura para as diversas formas de jogar. Assim, por mais que seja necessário haver critérios de produção de sentido, eles não podem ser reduzidos a um método interpretativo, como deixa clara a radical experiência da interpretação das obras de arte: o sentido de uma escultura não é unívoco nem imutável, o que não quer dizer que seja inexistente. Porém, ele somente existe como resultado da interação entre o intérprete e uma obra que não fala por si mesma. Portanto, o significado de uma obra de arte não é simplesmente atribuído (como se ele derivasse apenas da subjetividade do 36 intérprete) nem descoberto (como se ele derivasse apenas da objetividade da obra), mas produzido pelo contato do homem com a obra. E o contato com essa obra nos coloca frente à radical distância ontológica que temos frente ao Outro. Assim, em vez de acentuar o papel hermenêutico de reduzir as distâncias históricas, Gadamer acentuou o fato de que a distância está em toda comunicação, pois ela também se mostra na simultaneidade, pois está ligada ao momento hermenêutico em que nos encontramos com o Outro. O problema da hermenêutica é justamente a compreensão desse Outro, que “rompe a centralidade do meu eu, à medida que me dá a entender algo”. E é justamente nessa abertura para o outro que ele identifica o problema fundamental da hermenêutica. E como é possível compreender o Outro contido na obra de arte? É na resposta a essa pergunta que a hermenêutica gadameriana se define, pois ele afirma que “a tarefa da hermenêutica é esclarecer o milagre da compreensão, que não é uma comunicação misteriosa entre as almas, mas participação num sentido comum”. Se é possível falar que as obras têm um significado, isso não pode ser feito senão em um sentido figurado, pois o sentido não está nas próprias obras, mas é produzido no processo desua interpretação, inclusive pelo seu próprio autor. Esse deslocamento do lugar do sentido fez com que a teoria de Gadamer fosse percebida por alguns autores como a defesa de uma espécie de niilismo, que negava a possibilidade da relação entre interpretação e verdade. Porém, essa é uma percepção equivocada, pois o que Gadamer faz não é anular a pretensão de veracidade das interpretações, mas torná-la relativa a uma determinada tradição. Gadamer acentua que o iluminismo pretendeu ancorar a objetividade do conhecimento em uma racionalidade universal, capaz de esclarecer a verdade. A aplicação dessa mentalidade à hermenêutica conduziu à tendência cientificizante, que via no método a garantia da correspondência objetiva entre o sentido imanente ao texto e o resultado da interpretação. Porém, Gadamer rejeita essa universalidade na medida em que ela é baseada em um esquecimento da própria historicidade. E, por meio da afirmação radical de uma autocompreensão histórica, Gadamer redescreve a trajetória do Iluminismo, conferindo-lhe um novo significado. A mentalidade moderna articulou um ataque à tradição medieval, afirmando uma racionalidade individual cujo caráter universal lhe confere uma validade para além de todas as tradições. O que marca a reforma protestante é que ela não propôs uma 37 tradição alternativa de interpretação da Bíblia, mas a negação da própria necessidade de uma tradição hermenêutica. Radicalizando essa posição, os pensadores Iluministas, como Kant, Rousseau ou Hobbes, não se viam como portadores dos valores de sua cultura, mas como esclarecedores dos valores universalmente válidos porque racionais. Nesse contexto, a primazia do método era a garantia de uma verdade fundada na racionalidade e não em uma tradição. Após séculos de tentativas de criar um lugar para além da tradição, percebe-se que o que se criou foi justamente uma nova tradição: uma nova autocompreensão, uma nova forma hegemônica de conferir significado à própria existência e ação humanas. É claro que toda tradição se coloca como detentora da verdade universal, e não se espera que uma religião deixe de afirmar que os seus dogmas, e somente eles, são objetiva e universalmente válidos. A tradição, seja ela religiosa, cultural ou epistemológica, nunca se posta como tal, pois ela não tem um caráter reflexivo com relação à própria historicidade. E, nesse ponto, a tradição iluminista não se diferencia da católica nem da islâmica nem da medieval. Fonte: projectmentoring.com Essa autoconsciência de que a modernidade é uma nova tradição, conduz a um pensamento renovado sobre o sentido da hermenêutica e sobre o papel da tradição na produção de conhecimento. Se mesmo nós, que vivemos dentro da tradição moderna, não podemos sair de dentro da nossa própria cultura, então as http://www.projectmentoring.com/ 38 pretensões de veracidade não podem ser planteadas em nível universal, mas apenas em nível cultural. Por isso mesmo, o pertencimento a uma tradição é a condição necessária para uma compreensão que nunca pode se pretender universal sem passar os seus próprios limites. Toda verdade é contextual, toda interpretação é contextual, toda compreensão é contextual. Todo discurso é interno e, nessa medida, ele pode ter uma validade objetiva na medida em que ele se coaduna com os critérios de veracidade da tradição que define o jogo interpretativo que o intérprete joga. E joga sem decidir jogar, pois ninguém escolhe pertencer à tradição em que está inserido, na medida em que nossa subjetividade é constituída especialmente dentro da sociedade em que somos educados — e ninguém escolhe ser educado em uma determinada tradição. Então, Gadamer não se contrapõe à objetividade da interpretação, mas apenas a sua universalidade. A verdade universal e imutável não encontra espaço no pensamento hermenêutico, embora a verdade seja um conceito operativo dentro de toda tradição interpretativa, pois é com base nela que avaliamos a validade objetiva de uma determinada interpretação. E daí vem a ênfase de Gadamer na afirmação de que “a compreensão é menos um método através do qual a consciência histórica se aproximaria do objeto eleito para alcançar seu conhecimento objetivo do que um processo que tem como pressuposição estar dentro de um acontecer tradicional”. Portanto, é possível falar em uma interpretação verdadeira, mas apenas no sentido de que ela é adequada aos cânones de uma determinada tradição cultural. E uma parte relevante dessas tradições hermenêuticas é justamente o conjunto das regras de interpretação vigentes, estejam elas reunidas ou não de modo sistemático. Com isso, torna-se claro que o que Gadamer nega não é a necessidade do método, pois “nenhum pesquisador produtivo pode duvidar de que a pureza metodológica é indispensável à ciência”. O discurso metodológico linear pode até ser o modo específico de a ciência falar sobre o mundo, mas esse discurso é mudo sobre o processo de invenção dos novos métodos. Assim, o cientista não reflete sobre a legitimidade dos métodos que ele próprio usa nem os modos de sua constituição, e é nesse ponto que a hermenêutica tem o que dizer, pois ela coloca a autocompreensão (inclusive do cientista) no centro das atenções. Portanto, a questão da hermenêutica não é negar a validade dos métodos interpretativos, mas compreendê-los historicamente como expressões de uma tradição. Não se trata, pois, de oferecer 39 uma metodologia interpretativa que supere as existentes, mas de compreender adequadamente como essas metodologias operam no processo de compreensão, contribuindo para que o intérprete não se aliene de sua própria subjetividade e historicidade. Hermenêutica e Linguagem A filosofia tradicional sempre foi consciente de que a linguagem nos prega peças e buscou a verdade fora da linguagem. Gadamer, porém, sob clara influência da Filosofia da Linguagem, tenta definir a compreensão como um processo linguístico, pois “a linguagem é o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa”. Não existe, portanto, a possibilidade de uma compreensão imediata das coisas, pois toda compreensão é mediada pela linguagem. Nesse ponto, o pensamento gadameriano se aproxima da ontologia de Heidegger, que determina que o homem é sempre um ser-no-mundo. Não existe o homem em si, a essência humana atemporal, mas apenas uma humanidade que se dá dentro do mundo. Mas esse mundo em que o homem vive, justamente por sua compreensão auto reflexiva, não é composto apenas por um conjunto de objetos empíricos, mas por uma rede de significados: e os significados somente têm lugar dentro da linguagem. Então, “não somente o mundo é mundo apenas na medida em que vem à linguagem, mas a linguagem só tem sua verdadeira existência no fato de que nela se representa o mundo”. Assim, não é certo que a linguagem represente a realidade (no sentido de ela oferecer uma descrição linguística de fatos extralinguísticos), mas nós representamos o real em linguagem (ou seja, moldamos um mundo para nós, que não é composto de fatos, mas de interpretações). Portanto, a realidade humana e uma realidade fundamentalmente linguística, pois nós habitamos a interpretação de mundo que chamamos de Realidade. Assim, a linguagem “é a interpretação prévia pluri abrangente do mundo, e por isso insubstituível. Antes de todo pensar crítico, filosófico-interventivo, o mundo já sempre se nos apresenta numa interpretação feita pela linguagem”. Nessa medida, a hermenêutica é incompatível com a crença científica fundamental de que a verdade se dá por uma espécie de correspondência entre uma 40 frase e o próprio ser do mundo, correspondência essa que pode ser medida objetivamente na medida em que estabelecemos um espaço de observação neutra da realidade. Então, a verdade de um enunciado não se mede por uma espéciede adequação entre o dito e o fato (cuja correspondência o método tenta garantir), mas pela conexão de sentido entre os nossos enunciados e a tradição cultural de onde falamos. Fonte: papodeprimata.com.br Não há, portanto, um lugar neutro da fala. Nesse sentido, Gadamer afirma que, mesmo quando conseguimos superar os preconceitos e barreiras de nossa experiência e nos introduzimos em mundos linguísticos diferentes, nunca abandonamos nosso próprio mundo. “Como viajantes, sempre voltamos para casa com novas experiências. Como perambulantes, que jamais irão voltar para casa, também não podemos esquecer totalmente”. Então, somos como o Marco Polo de Calvino, que diz algo de Veneza sempre que descreve alguma cidade a Kublai Khan. Saber desse condicionamento, porém, não nos livra dele. Um certo marxismo propôs a ideia de que o homem, consciente de que seu pensamento é ideologicamente condicionado pela história, poderia livrar-se dessa ideologia e conquistar uma verdade objetiva. Porém, nunca podemos deixar o mundo que habitamos, pois, a nossa condição é justamente a de habitar o mundo simbólico em que vivemos. http://www.papodeprimata.com.br/ 41 Porém, se a consciência do condicionamento não a cancela, ela pode ter uma função terapêutica. Ao menos parece ser essa a intuição de Freud, que inaugura a psicanálise como um discurso auto compreensivo e circular, que nos ajuda a compreender nossos próprios condicionamentos e a conviver com eles. Nesse ponto, psicanálise e hermenêutica se encontram: a produção de sentidos, derivada de uma autocompreensão, não nos liberta do círculo de condicionamentos que molda nossa subjetividade, mas possibilita uma relação mais transparente com eles.5 5 ESTRUTURALISMO LINGUÍSTICO E SEMIÓTICA Fundamentação Teórica do Estruturalismo Linguístico Os intelectuais da época não ficaram indiferentes ao mundo que os circundava. Na França, poderiam ser encontrados os mais brilhantes pensadores do século XX. Paris mais parecia à capital intelectual da Europa. Estavam em pleno ativismo político figuras como Sartre, Althusser, Foucault, Deleuze, Pêcheux, Lacan, Lévi-Strauss, Barthes, Derrida, Bourdieu, Todorov, Benveniste e Castoriadis, para não citar outros. Debatiam sobre todos os assuntos, principalmente os que gravitavam em torno do estruturalismo e do marxismo. “Duas grades de leitura sem as quais é impossível entender os caminhos percorridos pela análise do discurso francesa”. De todos os países europeus, a França foi aquela em que o estruturalismo teve maior ressonância, um fenômeno que culminou no final dos anos 1960, num momento em que vários movimentos de contestação política chegaram a colocar em crise uma série de valores estabelecidos, naquele país. As duas guerras mundiais fizeram ruir os valores e tradições que apoiavam o mundo moderno. As teses iluministas, aos poucos, foram deixadas de lado. A razão humana havia produzido uma era de catástrofes. O progresso tecnológico serviu para o extermínio de milhares de pessoas e devastar a natureza. O otimismo das Luzes foi substituído pelo medo e pela insegurança do pós-guerra. Como Hobsbawm explica, “não era a crise de uma forma de organizar sociedades, mas de todas as formas tudo que era sólido parecia “se desmanchava no ar”“. Foi uma crise das crenças e supostos sobre os quais se apoiava a sociedade moderna desde que os Modernos ganharam sua famosa batalha contra 42 os Antigos, no início do século XVIII, uma crise das teorias racionalistas e humanistas abraçadas tanto pelo capitalismo liberal como pelo comunismo. Naqueles anos, ficou evidente a necessidade de se fazer rupturas com dezenas de conceitos, até então, inquestionáveis. “O movimento de maio de 68 e as novas interrogações que surgiram de súbito no âmbito das ciências humanas foram decisivos para subverter o paradigma então reinante”. No final dos anos 1960, começam a aparecer às primeiras fissuras na hegemonia do estruturalismo. O ideal de cientificidade requeria de qualquer disciplina uma primorosa delimitação do objeto, a ponto de evidenciar suas leis de invariância. Saussure precisou encontrar na heteroclicidade da linguagem, algo sistêmico e homogêneo. O famoso “corte saussuriano” veio solucionar esse impasse. A oposição langue e parole constituiu a primeira “bifurcação” de seu construto teórico. Essa é a primeira bifurcação que se encontra quando se procura estabelecer a teoria da linguagem. Cumpre escolher entre dois caminhos impossíveis de trilhar ao mesmo tempo; devem ser seguidos separadamente. Pode-se, a rigor, conservar o nome de Linguística para cada uma dessas duas disciplinas e falar de uma Linguística da fala. Será, porém, necessário, não confundi-la com a linguística propriamente dita, aquela cujo objeto é a língua. Segundo Saussure: O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: um, essencial, tem por objeto a língua, que é social em sua essência e independente do indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico; outra, secundária, tem por objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive à fonação e a psicofísica. Os estruturalistas consideram a língua como um sistema de relações ou mais precisamente como um conjunto de sistemas ligado uns aos outros, cujos elementos (fonemas, morfemas, palavras, etc.). (...) primeiro por conceber a linguagem como um instrumento de interação social, e segundo por buscar no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua. Para esses estudiosos a estrutura gramatical depende do uso que se faz da língua, ou seja, a estrutura é motivada pela situação comunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variável dependente, pois os usos da língua, ao longo do tempo, é que dão forma ao sistema. (OLIVEIRA, 2006, p. 98). Com o corte da língua e fala e os conceitos de sistema e sincronia, Saussure elimina da linguística científica a fonologia, o enunciado, o referente, o sujeito, a cultura e a história. Essas “exclusões” vão ser incluídas no debate linguístico por volta dos anos 1950, por vários estudiosos, que vão ficar conhecidos como estruturalistas. 43 “Embora reconhecendo o valor da revolução linguística provocada por Saussure, logo se descobriram os limites dessa dicotomia pelas consequências advindas da exclusão da fala do campo dos estudos linguísticos”. O conceito clássico de estrutura é o seguinte: “um conjunto de elementos entre os quais existem relações, de forma que toda modificação de um elemento ou de uma relação acarreta a modificação dos outros elementos e relações”. Como se percebe, é um conceito muito próximo ao de sistema. Há certa vulgata no uso frequentemente indiferenciado dos termos sistema e estrutura. Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com Entretanto, eles não recobrem necessariamente os mesmos dados, mesmo se eles são indissociavelmente ligados do ponto de vista teórico. É fato que a afirmação do conceito de sistema remete frequentemente àquele de estrutura, tanto que existe de um a outro uma dinâmica de mútua remissão. É preciso lembrar aqui que na teoria linguística, a circulação do conceito de sistema precede o emprego do conceito de estrutura. O método saussuriano encontrou no antropólogo francês Lévi-Strauss o seu mais contundente divulgador. Foi a partir de então que o método originalmente linguístico se estendeu para outras disciplinas, de modo que hoje, não dá mais para se falar de um único estruturalista. http://www.encrypted-tbn0.gstatic.com/ 44 (“...) Chamamos estruturalismos os esforços de aplicação (ou de elaboração) de métodos originalmente concebidos em linguística, e que atingem hoje qualquer um dos campos das ciências humanas” (LEPARGNEUR, 1973, p. 4). Assim, o estruturalismo é a modalidade de pensar e um método de análise praticado nas ciências do século XX, especialmente nas áreas das humanidades.
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