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Estrutura discursiva sob análise Rosiani Machado Estrutura discursiva sob análise 2 Introdução Neste conteúdo de ensino, você terá contato com o discurso, um termo que remete a falas enfáticas e carregadas de emoção. No entanto, o discurso é mais do que isso. Como já vimos em conteúdos anteriores, a regulamentação da língua pressupõe orientações de uso que requerem conhecimento ampliado sobre aquilo que se quer comunicar, dentro de um determinado contexto. Assim, reconhecer a estrutura de um discurso e identificar suas características fará com que você se utilize das técnicas discursivas de modo eficaz e favorável. Bons estudos! Objetivo da Aprendizagem • Compreender como a língua está regulamentada e de que forma ela se orien- ta. • Reconhecer a estruturação do discurso. • Identificar os diferentes tipos de discurso presentes na linguagem. 3 O discurso O termo discurso está relacionado, geralmente, a falas persuasivas e enfáticas, proferidas por políticos, autoridades, aniversariantes, enfim, dirigido a determinado público em determinado momento. Contudo, no estudo da língua, o discurso diz respeito aos enunciados e às falas ou escritas que usamos em diferentes situações. Inicialmente, o discurso estava relacionado aos gêneros literários. Foi Platão, o filósofo grego, quem fez essa observação, há pelos menos 25 séculos. Na modernidade, no entanto, o discurso está ligado aos diferentes gêneros, sejam eles literários ou não literários, falados ou escritos. Mas, o que é discurso? O Dicionário Aurélio traz a seguinte significação para o termo: Qualquer manifestação concreta da língua. Unidade linguística maior do que a frase; enunciado, fala. Quadro 1 - Conceito de discurso Fonte: Adaptado de Ferreira (2009). Para melhor compreensão do que seja e como se dá o discurso, veremos algumas abordagens discursivas sobre a árvore. Primeiro, veremos um poema de Olavo Bilac, publicado em seu livro Poesias Infantis, de 1929: 4 As velhas árvores Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores novas, mais amigas: Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas... O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas Vivem, livres de fomes e fadigas; E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo! Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem: Na glória da alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem! Olavo Bilac Quadro 2 - Poema “As velhas árvores” Fonte: Bilac (1929). A seguir, no Quadro 3, leia com atenção a pesquisa publicada por um site de notícias: Presença de árvores reduz casos de câncer de pulmão em idosos, diz estudo. Pesquisas feitas no exterior já têm mostrado como as árvores urbanas afetam a qualidade do ar. Agora a bióloga Bruna Lara de Arantes mostra, em seu mestrado, defendido na Esalq/ USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo) relação entre arborização, material particulado e casos de câncer. O estudo aponta que a presença de árvores diminui a quantidade de material particulado no ar. Em consequência disso, foi observada também uma redução nos casos de doenças respiratórias. Quadro 3 - Árvores afetam a qualidade do ar Fonte: Adaptado de Lopes (2017). 5 Agora, veremos as indicações feitas por especialistas em bonsai: Cuidados com Bonsai Manter uma árvore de Bonsai viva não é realmente tão difícil. Mas, uma vez que as árvores são plantadas em pequenos vasos, elas têm menos reservas em termos de água e nutrientes. Isto significa que você precisa regar e adubar regularmente, bem como colocar a sua árvore em um bom local. Se você prestar atenção à sua árvore e regar quando necessário, sua árvore vai prosperar! Quadro 4 - Cuidados com a árvore bonsai Fonte: https://www.bonsaiempire.com.br/. E, por fim, veremos o significado formal da palavra árvore: árvore [Do lat. arbore.] Substantivo feminino. 1.Bot. Vegetal lenhoso cujo caule, chamado tronco, só se ramifica bem acima do nível do solo, ao contrário do arbusto, que exibe ramos desde junto ao solo. Quadro 5 - Significado do termo “árvore” Fonte: Adaptado de Ferreira (2009). Os Quadros 2 até o 5 mostram diferentes textos relacionados à árvore. O que os diferencia são a função que cada um deles exerce. Vejamos: No Quadro 2 temos um poema; no Quadro 3, uma notícia; no 4, temos um texto com orientações; o Quadro 5, por sua vez, apresenta um verbete de dicionário. Algumas características presentes nesses textos, como a quem se destina, quem escreve, como está estruturado e para qual fim foi escrito, aparecem com frequência 6 em outros textos. Assim, é possível classificá-los dentro de um mesmo gênero do discurso. E o que texto e discurso têm em comum? O que têm de diferentes? Observe a Figura 3.1 a seguir: Figura 3 - Competências do discurso e do texto Fonte: Elaborada pela autora (2018). O discurso diz respeito ao dizer, enunciar algo por meio da língua. A enunciação, ação individual da língua, é realizada por meio do enunciado, que nada mais é do que o próprio discurso. De acordo com Tomasi e Medeiros (2014, p. 373), o discurso “[...] não é transmissão de informação, mas efeito de sentido entre interlocutores e faz parte do funcionamento social geral. [...] Ao dizer algo, alguém o diz de algum lugar da sociedade para alguém também situado em algum lugar da sociedade”. Dessa forma, o discurso seria o produto da realização discursiva, dentro de um determinado contexto. É a frase, a sentença produzida por alguém. Por outro lado, o texto é a esquematização do discurso, o resultado da enunciação que dá sentido à situação de comunicação. Todo texto é produzido dentro de um contexto, levando-se em conta o sujeito e a situação de ocorrência. De acordo com o que vimos, é possível dizer, então, que texto e discurso são duas unidades que se complementam dentro de uma situação comunicativa. No tópico seguinte, você verá como está estruturado o discurso. 7 O discurso é, sobretudo, efeito de sentido entre locutores, e menos transmissão de informação. A linguagem é parte do funcionamento social geral, ela é ação social. O contexto histórico-social, a situação, os interlocutores constituem a instância verbal produzida, ou seja, o discurso. Assim, o discurso não é fechado em si mesmo nem é domínio exclusivo do locutor. O que ele diz significa em relação ao que não diz, ao lugar social do qual diz, para quem diz, em relação a outros discursos. (TOMASI e MEDEIROS, 2014, p. 377) Reflita Estrutura do discurso A estrutura do discurso diz respeito à forma como ele está organizado. Por outro lado, sua organização dependerá de alguns fatores, como o público que se quer atingir, como será proferido (se oral ou por escrito), como será veiculado (site, jornal, rádio, televisão), tudo isso para que haja produção de sentido. Em um discurso jornalístico, por exemplo, uma notícia a ser veiculada em um site deverá apresentar a introdução (sobre o que é a notícia), o desenvolvimento (qual tema da notícia, fatos e acontecimentos) e a conclusão (finalização). Se formos pensar nos diversos textos produzidos de forma discursiva, podemos, igualmente, identificar esses mesmos fatores em outros gêneros discursivos. Observe a figura a seguir: 8 Figura 2 - Cartão de agradecimento Fonte: Adaptada de Plataforma Deduca (2018). No cartão de agradecimento que acabamos de ler, podemos perceber uma estrutura típica desse tipo de discurso: nomes de quem agradece, o agradecimento em si (neste caso, pelo comparecimento ao casamento), além da data, localizando o tempo e o lugar do acontecimento. Assim como em um agradecimento ou em uma notícia, os discursos seguem uma estrutura de identificação e de reconhecimento. Outra situação que se deve dar o devido valor é à palavra. Em diferentes contextos discursivos, a mesma palavra poderá apresentar sentidos distintosou, até mesmo, opostos. Analisemos a seguinte situação: uma lata de refrigerante em uma lixeira poderá representar a conscientização de alguém em relação à preservação do meio ambiente; para outra pessoa, poderá representar uma fonte de renda, pois o comércio desse tipo de material é comum entre os catadores de material reciclável. Com isso, o termo “lata” pode significar lixo reciclável para um e lucro para outro. 9 Figura 3 - Reciclagem Fonte: Plataforma Deduca (2018). A palavra toma lugar de destaque no discurso, sendo responsável pelo dito ou pelo não dito em diversas situações. Em situações discursivas, há que se analisar, também, aquilo que não está sendo dito. Por exemplo, em: “Joana não se casou com André”, o não dito é que “Joana continua solteira” ou que “Joana não ama mais André”, ou, ainda, que “André não quis casar com Joana”. Portanto, aquilo que está pressuposto no discurso poderá dar vasão a inúmeras possibilidades, sendo que somente o dito poderá dar o devido valor de verdade. (TOMASI; MEDEIROS, 2014) Curiosidade A seguir, você terá conhecimento dos tipos de discurso existentes na língua. Tipos de discurso Vimos que o discurso faz parte dos atos comunicativos, tanto de fala quanto de escrita, e que tais atos acontecem dentro de um determinado contexto. Nas narrativas, o discurso é utilizado para configurar a fala do narrador e/ou do personagem, e que poderá ser expressa de modo direto, indireto ou, ainda, indireto livre ou semi-indireto. 10 Figura 4 - A narrativa determina a fala do narrador Fonte: Plataforma Deduca (2018). Vejamos cada um desses casos de maneira isolada. Discurso direto No discurso direto, aquele que conta a história será, também, quem apresentará o personagem. Isso deixará livre o autor para relatar com maior riqueza de detalhes o que realmente acontece em cada cena descrita, sendo espontâneo e autêntico em sua narração. São características do discurso direto, de acordo com Martins e Zilberknop (2010): • fala aparente dos personagens; • uso de verbos dicendi para introduzir as falas: afirmar, responder, perguntar, dizer etc.; • uso de pontuações como recurso, também, de introdução às falas: travessão, dois-pontos, aspas ou mudança de linha, simplesmente. Verbos dicendi são os verbos do dizer, usados para introduzir uma fala, um diálogo. Exemplos de verbos dicendi: afirmar, falar gritar, declarar, ordenar, perguntar, exclamar, pedir, concordar etc. O que irá determinar o uso de um ou outro verbo será o contexto em que será utilizado.Fonte: https://www.gramatica.net.br/duvidas/o-que- sao-verbos-dicendi/. Acesso em: 1 fev. 2018. Atenção 11 Vejamos um exemplo: [...] Estêvão chamou a atenção de Meneses para uma mulher vestida de preto que se achava em um camarote da primeira ordem. − Não conheço aquela mulher, disse Estêvão. Sabe quem é? Meneses olhou para o camarote indicado, contemplou a mulher por alguns instantes e respondeu: − Não conheço. A conversa ficou aí; mas o médico reparou que a mulher duas vezes olhou para Meneses, e este duas vezes para ela, encontrando-se os olhos de ambos. (A mulher de preto. Machado de Assis) Quadro 6 - Discurso direto em “A mulher de preto”. Fonte: Assis (1994). No exemplo, temos a voz do narrador informando onde os personagens estavam e, logo em seguida, inclui uma terceira pessoa na narrativa. No trecho lido, temos a pontuação, indicando a introdução (dois-pontos) e a própria fala (travessão) sendo usada como recurso discursivo, além do verbo dicendi “respondeu”, indicativo de fala do personagem. Vejamos as características do discurso indireto no próximo tópico. Discurso indireto O discurso indireto é usado na narrativa para dar vida à voz do personagem, sendo que este não aparece no texto. É o narrador que fala pelo personagem. Martins e Zilberknop (2010), as principais características desse tipo de discurso são: • fala não aparente dos personagens. Esta é dada pelo narrador da história; • uso de verbos dicendi, como dizer, falar, perguntar, responder etc.; • uso da terceira pessoa do discurso. 12 Vejamos o mesmo trecho do conto de Machado de Assis, usando o discurso indireto: [...] Estêvão chamou a atenção de Meneses para uma mulher vestida de preto que se achava em um camarote da primeira ordem. Meneses disse-lhe que não conhecia aquela mulher, perguntando se o médico sabia quem era. Meneses olhou para o camarote indicado, contemplou a mulher por alguns instantes e respondeu que também não a conhecia. A conversa ficou aí; mas o médico reparou que a mulher duas vezes olhou para Meneses, e este duas vezes para ela, encontrando-se os olhos de ambos. (A mulher de preto. Machado de Assis) Quadro 7 - Discurso indireto em A mulher de preto Fonte: Assis (1994). No trecho do conto que acabamos de ler, é possível identificar as características que compõem o discurso indireto: o narrador fala pelos personagens, o uso dos verbos dicendi “disse-lhe” e “respondeu”. O próximo e último tópico irá tratar do discurso indireto livre ou semi-indireto. Discurso indireto livre ou semi-indireto Nesse tipo de discurso, Martins e Zilberknop (2010) explicitam as seguintes características: • não há fala dos personagens. Esta confunde-se com a do narrador; • não há uso do verbo dicendi, nem de pontuação característica, como no dis- curso direto e indireto; • presença de períodos livres, constituídos sem ligação de subordinação. Vejamos um exemplo desse discurso: A conversa ficou aí; mas o médico reparou que a mulher duas vezes olhou para Meneses, e este duas vezes para ela. Não se conhecem, mas seus olhos encontram-se como se isso não fosse verdade. (A mulher de preto. Machado de Assis - livre adaptação da autora) Quadro 8 - Discurso indireto livre em A mulher de preto Fonte: Assis (1994). 13 Podemos observar, no exemplo dado, a ausência de pontuação indicativa da fala do personagem, bem como do uso do verbo dicendi. No entanto, a última frase caracteriza um período livre, sem subordinação com o anterior. Atente para que ali está o pensamento da personagem, porém sem indicação alguma do autor do conto. Com esse assunto, chegamos ao final de mais um conteúdo. Esperamos que o conteúdo aqui abordado tenha contribuído para a aquisição de novos conhecimentos ou de aprofundamento destes. 14 Conclusão Neste conteúdo, você viu que: • No estudo da língua, o discurso está relacionado com os enunciados e com as falas ou escritas usadas em diferentes situações comunicativas. • A estrutura do discurso diz respeito à sua organização e essa organização irá depender de alguns fatores de uso. • Os discursos podem ser direto, indireto ou indireto livre ou semi-indireto. Esperamos que você possa ter ampliado ou, até mesmo, adquirido novos conhecimentos sobre o discurso, para utilizá-los nos diversos e diferentes momentos comunicativos em que haja necessidade. Em 1940, momento em que o mundo assistia ao domínio de Adolf Hitler, Charles Chaplin fez uso da semelhança existente entre ele e o ditador alemão para atacar o governante em sua política opressiva, usando cenas que vão do hilário ao dramático. Durante seu proferimento, o personagem reproduz a fala emocionada e acalorada sobre a guerra e suas consequências, com ênfase elevada em cada palavra pronunciada, aspecto característico desse tipo de discurso. Acesse o link para ter acesso ao discurso. http:// www.seufuturonapratica.com.br/portal/fileadmin/user_upload/ POL/discurso_final.pdf Saiba mais 15 Referências ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II BILAC, O. Poesias Infantis. Francisco Alves. 1929. Disponível em: http://www.unicamp. br/iel/memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil/Poesias%20Infantis/Pi01.htm. Acesso em: 8 fev. 2018. FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. Curitiba: Positivo, 2009. LOPES, L. Presença de árvores reduz casos de câncer de pulmão em idosos, diz estudo. UOL Notícias, São Paulo, 28 nov. 2017. Disponívelem: https://noticias.uol.com.br/ saude/ultimas-noticias/redacao/2017/11/28/presenca-de-arvores-reduz-casos-de- cancer-de-pulmao-em-idosos-diz-estudo.htm. Acesso em: 30 jan. 2018. MARTINS, D. S.; ZILBERKNOP, L. S. Português Instrumental: de acordo com as atuais normas da ABNT. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2010. TOMASI, C.; MEDEIROS, J. B. Comunicação empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
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