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J. C. Ryle e Joel Beeke EDITORA OS PURITANOS Cultivando a Santidade Autores: J. C. Ryle e Joel Beeke Primeiro Edição - Junho de 2000 É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, sem autorização por escrito dos editores, exceto citações em resenhas. Editor Responsável: Manoel Sales Canuto Revisão: Emir e Alaíde Bermeguy Tradução: Manoel Sales Canuto e Eurico Correia Projeto Gráfico: Heraldo F. de Almeida Impressão e Distribuição: Facioli Gráfica e Editora Ltda. Fone/Fax: 11 -6957-5111 Projeto Os Puritanos Órgão de Divulgação da Fé Reformada Recife: Rua da Pernambucanas, 30 - Sala 7 Graças - Recife-PE Fone/Fax: 81-423-4175 E-mail: ospuritanos@uol.com.br São Paulo: Fone/Fax: 11 - 6957-3148 E-mail: facioligrafic@osite.com.br Site: www.puritanos.com.br PREFÁCIO Os puritanos foram chamados de os teólogos da santificação. E não foi sem razão que assim fossem chamados. Eles viam, como Calvino, que o propósito de Deus para o crente, durante toda a vida, era a santificação (I Ts 4.3; I Pe 1.15). O grande teólogo puritano e chamado de “Príncipe dos Puritanos”, John Owen, disse: “A santificação é uma obra imediata do Espírito Santo de Deus nas almas dos crentes, purificando e expurgando de sua natureza a poluição e a impureza do pecado, renovando neles a imagem de Deus, e, por meio disto, capacitando-os a prestarem obediência a Deus, obra essa baseada em um princípio espiritual e habitual da graça,… Ou, mais abreviadamente, é a renovação da natureza humana pelo Espírito Santo, segundo a imagem de Deus, por meio de Jesus Cristo. Segue-se, pois, que a nossa santidade, que é o fruto e o efeito dessa obra…no que concerne a renovada…imagem de Deus operada em nós, consiste em uma santa obediência a Deus, por meio de Jesus Cristo, de acordo com os termos do pacto da graça”. Devemos nos lembrar que o Espírito Santo age em nós com aquilo que a Palavra primeiramente requer de nós, e o nosso crescimento em santidade está de conformidade com esta Palavra, sendo nosso crescimento progressivo e por toda vida. Quando falamos de santidade, não podemos esquecer que é um dom de Deus, mas é também um dever exigido por Deus ao homem. Por isso, aquele que quiser ser santo deve ter a devida consideração pela Lei do Senhor, sempre sendo encorajado em saber que existem promessas do Senhor de que forças virão dEle para guardarmos essa Lei, por meio de Jesus Cristo. Nós necessitamos de orar, pedindo ajuda para o combate da fé e para o exercício espiritual. Para obtermos santidade, precisamos usar os meios de graça de forma ativa, permanente, orando, vigiando, lendo a Palavra e ouvindo-a, meditando, sempre lembrando que o poder vem de Deus e não de nós mesmos, caso contrário fracassaremos. Por isso John Owen disse: “A verdadeiro ajuda, a assistência e operação do Espírito de Deus, é necessáría… para a produção de cada ato santo…”. A santificação tem um aspecto duplo. A vivificação que é o lado positivo, e a mortificação que é o lado negativo. A santificação é o crescimento e o amadurecimento do novo homem, e a mortificação é o enfraquecimento e o golpe mortal do velho homem. Devemos ser santos, porque sem santidade, na terra nunca estaremos preparados para gozar do céu. O céu é um lugar santo. J.C. Ryle pergunta: “Imagine, só por uns instantes, mailto:ospuritanos@uol.com.br mailto:facioligrafic@osite.com.br http://www.puritanos.com.br que sem santidade te fosse permitido entrar no céu. O que farias? Que prazeres podería dar-te o céu? Que companhia de santos buscarias e ao lado de quem sentarias? Seus prazeres não são teus prazeres…seu caráter não é teu caráter. Se não tens sido santo na terra, poderías ser feliz no céu?”. A Igreja Católica só faz santos aqueles que morreram, mas as Escrituras exigem santidade dos vivos. “Que ninguém se engane”, nos diz Owen, “o santificação é um requisito necessário e indispensável de todos aqueles que desejam submeter-se à conduta de Cristo para a salvação. Os que vão ao céu são precisamente aqueles que têm sido santificados sobre a terra. Esta Cabeça viva não admite membros mortos”. Neste livro, dois servos de Deus, um do passado e o outro contemporâneo, J.C. Ryle e Joel Beeke, conclamam os crentes a que lutem, busquem e cultivem a santidade sem a qual ninguém verá a Deus. A igreja de hoje está envolvida com o mundo, paganizada, quando Deus nos chama à “separação”: “Não ameis o mundo!”. Que Deus use este livro para despertar os cristãos a uma vida dependente de Deus, uma vida comprometida com Cristo, e guiada pelo Espírito Santo - uma vida santa, separada do mundo para Cristo. O Editor A Santificação A - Pontos concordantes: Cultivando a Santidade OBSTÁCULOS AO CULTIVO DA SANTIDADE A SANTIFICAÇÃO J. C. Ryle João 17:17; I Ts.4:3 A Santificação é um tema que muitas pessoas aborrecem em alto grau; algumas o evitam com desdém, pois o que menos lhes agradaria era ser “santos” ou “santificados”. No entanto, o tema não merece ser considerado desse modo. A santificação não é um inimigo nosso, mas um amigo. É um tema de suma importância para nossas almas. Segundo a Bíblia, a menos que sejamos santos não podemos ser salvos. Claramente nos indicam as Escrituras que há três coisas que são absolutamente necessárias à salvação: a justificação, a regeneração e a santificação. Estas três devem coincidir em cada filho de Deus; cada um deles tem nascido de novo, tem sido justificado e santificado. Se em uma pessoa falta alguma destas coisas, com fundamento podemos dizer que não é verdadeiramente cristã aos olhos de Deus, e se morrer em tais condições não irá ao céu, nem será glorificado no último dia. A consideração deste tema é muito apropriada e oportuna nos nossos dias. Ultimamente tem surgido doutrinas muito estranhas sobre santificação. Alguns parecem confundi-la com a justificação; outros a desmerecem reduzindo-a a insignificância sob um pretendido zelo pela graça soberana, e praticamente a esquecem; outros estão tão cheios de temor de fazer das “obras” parte da justificação, que não há lugar algum para as “obras” em sua confissão religiosa; outros tem feito uma norma equivocada da santificação e por ela vão de igreja em igreja, mas fracassam em seus intentos de vivê-las na prática. Podemos nos beneficiar muito em meio a esta confusão, por uma análise abalizada e bíblica desta grande doutrina da fé cristã. A SANTIFICAÇÃO I O que quer dizer a Bíblia quando fala de uma pessoa santificada? Para responder a esta pergunta diremos que santificação é aquele obra espiritual interna que o Senhor Jesus opera através do Espírito Santo naquele que tem sido chamado para ser um verdadeiro crente. O Senhor Jesus não só lava-o de seus pecados com Seu sangue, mas também o separa de seu amor natural ao pecado e ao mundo, e põe um novo princípio em seu coração, que o faz apto para o desenvolvimento de uma vida piedosa. Para efetuar esta obra o Espírito Santo se serve, geralmente, da Pãlavra de Deus, e algumas vezes usa de aflições e das visitações providenciais “sem a Palavra” (I Pedro 3:1). A pessoa que experimenta esta ação de Cristo através do Seu Espírito, é uma pessoa “santificada”. Aquele que pensa que Cristo viveu, morreu e ressuscitou para obter somente a justificação e o perdão dos pecados do seu povo, tem muito que aprender; e está desonrando a nosso bendito Senhor, pois relega sua obra salvadora a um plano secundário. O Senhor Jesus tem tomado sobre Si todas as necessidades do seu povo; não só os tem livrado, com Sua morte, da culpa de seus pecados, mas que também, ao por em seus corações o Espírito Santo, os tem livrado do domínio do pecado. Não só os justifica, mas também os santifica. Ele não só é sua “justiça”, mas também sua “santificação” (I Co.1:30). Consideremos o que a Bíblia diz: “E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (Jo.17:19); “…Cristo amou a Igreja, e a si mesmo se entregou por ela para que a santificasse…” (Ef.5:25-26); “…o qual a si mesmo se deu por nós, afim de remir-nos de toda iniquidade,e purificar para si mesmo um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt.2:14); “…carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos aos pecados, vivamos para a justiça” (I Pe.2:14); “…agora, porém, vos reconciliou no corpo da sua carne, mediante a sua morte, para apre- sentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis…” (Cl.1:22). O ensino destes versículos é bem claro: Cristo tomou sobre si, além da justificação, a santificação do seu povo. Ambas as coisas já estavam previstas e ordenadas naquele pacto perpétuo de que Cristo é o Mediador. E em certo lugar da Escritura nos fala de Cristo como “o que santifica”, e de Seu povo como “os que são santificados” (Hebreus 2:11). O tema que temos adiante é de uma importância tão vasta e profunda, que requer delimitações próprias, defesa, clareza e exatidão. Toda doutrina que é necessária para a salvação nunca é demasiadamente desenvolvida em sua amplitude nem pode ser suficientemente destacada. Para tirar a confusão doutrinária, que infelizmente tanto abunda entre os cristãos, e para deixar bem firmadas as verdades bíblicas sobre o tema que nos ocupa, darei a seguir uma série de proposições tiradas da Escritura, que são muito úteis para uma exata definição da natureza da santificação. 1. A santificação é o resultado de uma união vital com Cristo. Esta união se estabelece através da fé. “Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto…” (Jo.l5:5). A videira que não dá fruto não tem um ramos vivos. Ante os olhos de Deus, uma união com Cristo meramente formal e sem fruto, não tem valor algum. A fé que não revela uma influência santificadora no caráter do crente, não é melhor do que a fé dos demônios; é uma fé morta, não é um dom de Deus, não é a fé dos eleitos. Onde não há vida santificada, não há fé real em Cristo. A verdadeira fé opera pelo amor, e é movida por um profundo sentimento de gratidão pela redenção. A verdadeira fé constrange o crente a viver para o Senhor e o faz sentir que tudo que possa fazer por Aquele que morreu por seus pecados não é suficiente. Aquele que muito foi perdoado, muito ama. O que tem sido limpo com Seu sangue, anda em luz. Qualquer que tem uma esperança viva e real em Cristo se purifica, como Ele também é limpo (Tg.2:17-20; Tt.lrl; G1.5:6; I Jo.l:7; 3:3). 2. A santificação é o resultado e conseqüência inseparável da regeneração. O que tem nascido de novo e tem sido feito uma nova criatura, tem recebido uma nova natureza e um novo princípio de vida. A pessoa que pensa ter sido regenerada e que, no entanto, vive uma vida mundana e de pecado, a si mesmo se engana; as Escrituras descartam tal conceito de regeneração. Claramente nos diz João que o que tem nascido de Deus não vive pecando, ama a seu irmão, se guarda a si mesmo e vence o mundo (I Jo.2:29; 3:9-15; 5:4-18). Em outras palavras, se não há santificação, não há regeneração; se não se vive uma vida santa não há novo nascimento. Talvez para muitas mentes estas palavras sejam duras, porém sejam duras ou não, o certo é que constitui a simples verdade da Bíblia. Se nos diz a Bíblia que o que tem nascido de Deus “não vive na prática do pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (I Jo.3:9). 3. A santificação constitui a única evidência certa de que o Espírito Santo mora no crente. A presença do Espírito Santo no crente é essencial para a salvação. “E se Alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm.8:9). O Espírito nunca está dormindo ou inativo na alma: sempre dá a conhecer sua presença pelos frutos que produz no coração, caráter e vida do crente. Nos diz Paulo: “O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (G1.5:22- 23). Onde se encontram estas coisas, ali está o Espírito Santo; porém, onde não se vê estas coisas, é sinal de seguro de morte espiritual diante de Deus. O vento é comparado ao Espírito, e como sucede com aquele, não podemos ver com os olhos da carne (naturais). Porém, da mesma maneira que conhecemos que há vento por sobre as ondas, as árvores e espalha a fumaça, assim podemos descobrir a presença do Espírito numa pessoa pelos efeitos que produz em sua vida e conduta. Não há sentido dizer que temos o Espírito, se não andamos também n’Ele (G1.5:25). podemos estar bem certos de que aqueles que não vivem de modo santo, não têm o Espírito santo. A santificação é o selo que o Espírito Santo imprime nos crentes. “Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm.8:14). 4. A santificação constitui a única evidência certa da eleição de Deus. Os nomes e número dos eleitos é um segredo que Deus, na Sua sabedoria não tem revelado ao homem. Não nos tem sido dado neste mundo o folhear o livro da vida para ver se nossos nomes se encontram nele. Porém há uma coisa plenamente clara no que a eleição consiste: os eleitos se conhecem e se distinguem por suas vidas santas. Expressamente as Escrituras nos dizem que eles são eleitos em “santificação do Espírito” (I Pe.l:2). “…Deus vos escolheu desde o princípio para salvação, pela santificação do Espírito…” (II. Ts.2:13);“ “…também os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho” (Rm.8:29); “… nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos…” (Ef.l:4). Quando Paulo, vendo a “operosidade da vossa fé” e a “abnegação do vosso amor” e a “firmeza da vossa esperança” dos crentes de Tessalônica pode concluir: “… reconhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição…” (I Ts.1:3-4). Se alguém se gloria de ser um eleito de Deus e, habitualmente e sabidamente, vive em pecado, na realidade se engana a si mesmo, e sua atitude vem a ser uma perversa injúria a Deus. Naturalmente, é difícil conhecer o que uma pessoa é na realidade, pois muitos dos que apresentam aparência de religiosidade, no fundo não são mais que empedernidos hipócritas. De todo modo podemos estar certos de que, se não há evidência de santificação, não há eleição para a salvação; como ensina nosso catecismo, o Espírito Santo “santifica a todo o povo eleito de Deus”. 5. A santificação é algo que sempre se deseja ver. “…cada árvore é conhecida pelo seu próprio fruto” (Lc.6:44). Tão genuína pode ser a humildade do crente verdadeiramente santificado que pode em si mesmo não ver mais que enfermidade e defeito; é igual a Moisés quando desceu do monte e não pode dar-se conta de que seu rosto resplandecia. Como os justos no dia do juízo final, o crente verdadeiramente santificado crerá que não há nada nele que o faça merecedor dos elogios de seu Mestre: “Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer?” (Mt.25:37). Se vê ou não vê, a verdade é que os outros sempre verão nele um tom, um sabor, um caráter e um hábito de vida completamente distinto dos demais homens. O mero supor que uma pessoa pode ser “santa” sem uma vida e obras que o demonstrem seria um absurdo, um disparate. Uma luz pode ser muito débil, porém em uma habitação escura se verá. A vida de uma pessoa pode ser muito exígua, porém ainda assim se verá o débil bater do seu pulso. O mesmo sucede com uma pessoa santificada: sua santificação será algo que se verá e se fará sentir, mesmo que algumas vezes a mesma não se faça notada. Um “santo” em que só se pode ver mundanismo e pecado, é uma espécie de “mostro” que não se conhece na Bíblia. 6. A Santificação é algo pelo que o crente é responsável. Aqui não me entenda mal. Defendo firmemente que todo homem é responsável diante de Deus; no dia do juízo os que se perdem não terão desculpa alguma; todo homem tem poder para “perder sua própria alma” (Mt.l6:26). Porém defendo também que os crentes são responsáveis - e de uma maneira eminente e peculiar - de viver uma vida santa; esta obrigação pesa sobre eles. Os crentes não são como as demais pessoas - mortas espiritualmente - mas que estão vivas para Deus, e têm luz, conhecimento e um novo princípio neles. Se nãovivem vidas santas, de quem é a culpa? A quem podem culpar senão a eles mesmos? Deus lhes tem dado graça e lhes tem dado uma nova natureza e um novo coração; não têm pois, desculpas para não viver para o Seu louvor. Este é um ponto que se esquece com muita fre- qüência. A pessoa que professa ser cristã, porém adota uma atitude passiva e se contenta com um grau de santificação muito pobre - se é que chega a ter isso - e friamente se desculpa com aquilo de que “não pode fazer nada”, é digna de compaixão, pois ignora as Escrituras. Estejamos em guarda contra esta noção errônea. Os preceitos que a Palavra de Deus dirige e impõe aos crentes, se dirigem a estes como seres responsáveis e que têm de prestar contas. Se o Salvador dos pecadores nos tem dado uma graça renovadora, e nos tem chamado por Seu Espírito, podemos estar certos que é porque Ele espera que nos façamos uso desta graça e não nos ponhamos a dormir. Muitos crentes “entristecem o Espírito Santo” por esquecerem-se disto e vivem vidas inúteis e desprovidas de consolo. 7. A santificação admite graus e se desenvolve progressivamente. Uma pessoa pode subir um e outro degrau na escada da santificação, e ser mais santificada em um período de sua vida que em outro. Não pode ser mais perdoada e mais justificada que quando creu, mesmo que possa estar mais consciente destas realidades. Porém pode gozar de mais santificação, porquanto cada uma das graças do Espírito em seu novo caráter e natureza, são susceptíveis de crescimento, desenvolvimento e profundidade. Evidentemente este é o significado das palavras do Senhor Jesus quando orou pelos discípulo: “Santifica-os na verdade…” (Jo.17:17); e também do apóstolo Paulo pelos Tessalonicenses: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo…” (I Ts.5:23). Em ambos os casos a expressão implica na possibilidade de crescimento no processo de santificação. Porém, não encontramos na Bíblia uma expressão como: “justificai-vos” com referência aos crentes, porquanto estes não podem ser mais justificados do que na realidade já foram. As escrituras não nos falam de uma “imputação de santificação”, como muitos crêem; esta doutrina é fonte de equívocos e conduz a conseqiiências errôneas. Além disso, é uma doutrina contrária a experiência dos cristãos mais eminentes. Estes, à medida que progridem na vida espiritual e na proporção em que andam mais intimamente com Deus, mais vêem, mais conhecem, mais sentem (II. Pe.3:18; I Ts.4:l). 8. A santificação depende, em grande parte, do uso dos meios espirituais. Pela palavra “meios” me refiro à leitura da Bíblia, à oração privada, à freqüência regular dos cultos de adoração, ao ouvir às pregações da Palavra de Deus e à participação regular da Ceia do Senhor. Devo dizer, como bem se compreenderá, que todos aqueles que de uma maneira descuidada e rotineira fazem uso destes meios, não farão muito progresso na vida de santificação. Por outro lado, não se tem podido encontrar evidência de que nenhum santo eminente jamais descuidou destes meios; é que estes meios são os canais que Deus tem designado para que o Espírito Santo supra ao crente com reservas frescas de graça para aperfeiçoar a obra que um dia iniciou na alma. Por mais que me tenham por legalista neste aspecto me mantenho firme ao dizer: “sem esforço não há proveito”. Antes esperaria boa colheita em um agricultor que semeou seus campos porém nunca os cuidou, que ver frutos de santificação em um crente que tem se descuidado da leitura da Bíblia, da oração e do Dia do Senhor. Nosso Deus opera através dos meios de graça. 9. A santificação pode seguir um curso ascendente em meio a grandes conflitos e batalhas interiores. Ao usar as palavras conflitos e batalhas, me refiro a contenda que tem lugar no coração do crente entre a velha e a nova natureza, entre a carne e o espírito (G1.5:17). Uma percepção profunda desta contenda, e a conseqüente aflição e consternação que se derivam da mesma, não é prova de que um crente não cresça na santificação. Não! Antes, pelo contrário, são sintomas salutares de uma boa condição espiritual. Estes conflitos provam que não estamos mortos, mas vivos. O cristão verdadeiro, não só tem paz de consciência, mas que também tem guerra no seu interior; tanto é conhecido por sua paz como também por seus conflitos espirituais. Ao dizer e afirmar isto não me esqueço que estou contradizendo os pontos de vista de alguns cristãos que defendem uma “perfeição sem pecado”. Porém não posso evitá-lo. Creio que o que digo está bem confirmado pelo que diz Paulo no capítulo sétimo de sua Epístola aos Romanos. Peço aos meus leitores que estudem atentamente este capítulo; e que se dêem conta de que não descreve a experiência de um homem não convertido, ou de um cristão vacilante e todavia jovem na fé, mas que faz referência a experiência de um velho santo de Deus que vivia em santa comunhão com Deus. Só uma pessoa assim podia dizer: “ Porque no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Rm.7:22). Creio, além disso, que o que ele diz é confirmado pela experiência dos mais eminentes servos de Cristo de todos os tempos. Uma prova disso encontramos em seus diários, em suas autobiografias e em suas vidas. Mas se não tivermos este contínuo conflito interno, não pensemos que a obra de santificação não tem lugar em nossas vidas. A libertação completa do pecado a experimentaremos sem dúvida no céu, porém nunca a gozaremos enquanto estivermos neste mundo. O coração do melhor cristão ainda que esteja em momentos de alta santificação, é terreno onde acampam dois bandos rivais; algo como “a reunião de dois acampamentos” (Cantares 6:13). Recordemos os artigos doze e quinze de nossa Confissão (Anglicana): “A infecção da natureza permanece ainda nos que tem sido regenerados”. “Embora temos nascido de novo e sido batizados em Cristo, todavia ofendemos em muitas coisas; e se dizemos que não temos pecado, nos enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” Dizia aquele puritano, santo homem de Deus: “A guerra do diabo é melhor que a paz do diabo”. 10. A santificação, embora não justifique a bamem, agrada a Deus. As ações mais santas do crente mais santo que jamais havia vivido, estão mais ou menos cheias de defeito e imperfeições. Quando não são más em seus motivos o são na sua execução; e por si, diante de Deus, não são mais que “pecados esplêndidos” que mere- cem sua ira e sua condenação. E seria absurdo supor que tais ações podem passar sem censura pelo severo juízo de Deus, e obter méTi-tos para o céu. “Por obras da lei nenhuma carne se justificará”. “Concluímos ser o homem justificado pela fé sem as obras da lei” (Rm.3:20-28). A única justiça se acha no nosso Representante e Substituto, o Senhor Jesus. Sua obra, e não a nossa, é a que nos da certificado de acesso ao céu. Por esta verdade deveriamos estar dispostos a morrer. No entanto, e apesar do que foi dito, a Bíblia ensina que as ações santas de um crente santificado, mesmo imperfeitas, são agradáveis aos olhos de Deus “porque com tais sacrifícios Deus se compraz” (Hb.13:16). “Filhos, em tudo obedecei a vossos pais; pois fazê-lo égrato diante do Senhor” (Cl.3:20). “…e fazemos diante dele o que lhe é agradável” (I Jo.3:22). Não nos esqueçamos nunca desta doutrina tão consoladora. Da mesma forma que o pai se compadece dos esforços do seu pequeno filho ao colher uma margarida, ou em sua façanha de andar só de uma extremidade a outra da casa, assim se compadece nosso Pai nas ações tão pobres de seus filhos crentes. Deus olha o motivo, o princípio, a intenção de suas ações, e não a quantidade ou qualidade das mesmas. Considera os crentes como membros de seu próprio Filho querido, e por amor ao mesmo se compraz nas ações do seu povo. 11. A santificação nos será absolutamente necessária no grande dia do juízo como testemunho de nosso caráter cristão. A menos que nossa fé tenha tido efeitos santificadores em nossa vida, de nada servirá naquele dia o que digamos que cremos em Cristo. Uma vez compareçamos diante do grande trono branco, e os livrossejam abertos teremos de apresentar evidências. Sem a evidência de uma fé real e genuína em Cristo, nossa ressurreição será para condenação; e a única evidência que satisfará ao Juiz será a santificação. Que ninguém se engane sobre este ponto. Se há algo certo sobre o futuro, é a realidade de um dia de juízo; e se há algo certo sobre este juízo, é que as “obras” e os “feitos” do homem serão examinados (Jo.5:29; 2 Co.5:10; Ap.20:13). 12. A santificação é absalutamente necessária coma preparação para o céu. A maioria dos homens ao morrer pensam ir para o céu; porém, poucos param para considerar se em verdade gozariam indo ao céu. O céu é, essencialmente um lugar santo; seus habitantes são santos e suas ocupações são santas. É claro e evidente que para ser feliz no céu devemos passar por um processo educativo aqui na terra que nos capacite e prepare para entrar. A noção de um purgatório depois da morte, que de pecadores serão feitos santos, é algo que não encontramos na Bíblia; é uma invenção do homem. Para ser santo na glória, devemos ser santos na terra. Esta crença tão comum, segundo a qual o que uma pessoa necessita na hora da morte é somente a absolvição e o perdão dos pecados (pelo sacerdote católico), é na verdade uma crença vã e ilusória. Tanta necessidade temos da obra do Espírito Santo como da de Cristo; tanto necessitamos da justificação como de santificação. E muito freqüente ouvir dizer a pessoas que jazem no leito de morte: “Eu só desejo que o Senhor me perdoe meus pecados, e me dê descanso eterno”. Porém, quem diz isto se esquece de que para poder gozar do descanso celestial precisa de um coração preparado para gozá-lo. Que faria uma pessoa não santificada no céu, supondo que pudesse entrar? Fora de seu ambiente, uma pessoa não pode ser feliz. Quando a águia fora feliz na gaiola, o cordeiro na água, a coruja ante o brilhante sol do meio dia e o peixe sobre a terra seca, então e só então, poderiamos supor que a pessoa não santificada seria feliz no céu. Apresento estas doze proposições sobre a santificação com a firme persuasão de que são verdadeiras, e peço a todos os leitores que meditem seriamente. Todas, e cada uma delas podería ser desenvolvida mais amplamente e talvez algumas poderíam ser debatidas, porém sinceramente duvido de que alguma delas pudesse ser descartada e eliminada como errada. Com respeito a todas elas peço um estudo justo e imparcial. Creio, com toda consciência, que estas proposições poderão nos ajudar a conseguir noções mais claras sobre a santificação. AS EVIDÊNCIAS VISÍVEIS DA SANTIFICAÇÃO. II. Quais os sinais visíveis da obra de santificação? Esta parte do tema é ampla e difícil. Ampla porque exigiría fazermos menção de toda uma série de detalhes e considerações que temo, vão além do horizonte deste escrito; é difícil, porque não poderemos desenvolvê-la sem ferir a susceptibilidade e crenças de algumas pessoas. Porém, seja qual for o risco, a verdade tem de ser dita; e especialmente em nosso tempo, a verdade sobre a doutrina da santificação tem de fazer-se ouvida. A verdadeira santificação não consiste em um mero falar sobre religião. Não nos esqueçamos disso. Há um grande número de pessoas que tem ouvido tantas vezes a pregação do Evangelho, que tem contraído uma familiaridade pouco santa com suas palavras e frases, e inclusive falam com tanta freqüência sobre as doutrinas do Evangelho que nos levam a crer que são cristãos. Às vezes até resulta nauseante, e extremamente desagradável, ouvir como pessoas se expressam com um linguajar frio e petulante sobre “a conversão, o Salvador, o Evangelho, a paz espiritual, a graça, etc.”, enquanto de forma notória servem ao pecado ou vivem para o mundo. Não podemos duvidar de que este falar é abominável aos ouvidos de Deus, e não melhor do que o blasfemar, o maldizer e o tomar o nome de Deus em vão. Não é só com a língua que devemos servir a Cristo. Deus não quer que os crentes sejam tubos vazios, metal que ressoa, ou címbalo que retine; devemos ser santificados, “não… de palavras, nem de língua, mas de fato e de verdade” (I Jo.3:18). A verdadeira santificação não consiste em sentimentos religiosos passageiros. Umas palavras de advertência são necessárias. Os cultos missionários e de avivamento cativam a atenção das pesso- as e dão lugar a um grande sensacionalismo. Igrejas que até agora estavam mais ou menos adormecidas, parece que despertam como resultado destas reuniões, e damos graças a Deus que sejam assim. Porém, junto com os benefícios, estas reuniões e correntes avivacionistas encerram grandes perigos. Não duvidemos que onde se semeia a boa semente, satanás semeia também o joio. São muitos que aparentemente tem sido alcançados pela pregação do evangelho, e cujos sentimentos têm sido despertados, porém seus corações não foram mudados. O que na realidade acontece não é mais que um emocionalismo vulgar que se produz com o contágio do derramar de lágrimas e as emoções dos outros. As feridas espirituais que se produzem são leves, e a paz que se professa não tem raízes nem profundidade. Igualmente ao coração rochoso, estas pessoas “recebem a Palavra com alegria” (Mt. 13:20), porém depois de pouco tempo duvidam dela e voltam ao mundo e chegam a ser mais duros e piores que antes. São como a aboboreira de Jonas: brotam em menos de uma noite, para secar-se também em menos de uma noite. Não nos esqueçamos destas coisas. Vamos com muito cuidado, não curemos levianamente as feridas espirituais dizendo: “Paz, paz, quando não há paz”. Esforcemo-nos para convencer aos que mostram interesse pelas coisas do Evangelho a que não se contentem com nada que não seja obra sólida, profunda e santificadora do Espírito Santo. Os resultados de uma falsa excitação religiosa são terríveis para a alma. Quando num calor de uma reunião de avivamento satanás tem sido posto fora do coração só por uns momentos ou por um tempo curto, não tarda em voltar novamente à sua casa e o estado posterior da pessoa é muito pior que o primeiro. E mil vezes melhor iniciar devagar, e continuar firmemente na Palavra, que iniciar com toda velocidade, sem medir o custo, para logo, como a mulher de Ló, olhar para traz e voltar ao mundo. Quão perigoso é para a alma tomar os sentimentos e emoções experimentados em certas reuniões como evidência segura de um novo nascimento e de uma obra santificadora. Não conheço perigo maior para a alma. A verdadeira santificação não consiste em um mero formalismo e devoção externa. Quão terrível é esta ilusão! E por infelicidade, quão fre-qüente é. Milhares e milhares de pessoas imaginam que a verdadeira santidade consiste na quantidade e abundância do elemento externo da religião; em uma assistência rigorosa aos serviços da igreja, à participação da Ceia do Senhor, à observância e participação das festas religiosas (igreja anglicana), a participação no culto litúrgico elaborado, a imposição de atos de austeridade e a abnegação nas pequenas coisas, na maneira de vestir, etc… Possivelmente muitas pessoas fazem estas coisas por motivos de consciência e realmente crêem que com elas beneficiam suas almas. Porém na maioria dos casos esta religiosidade externa não é mais que um substituto para a santidade. A santificação não consiste em um abandono do mundo e das obrigações sociais. No correr dos séculos muitos têm caído nesta armadilha na tentativa de buscar a santificação. Centenas de ermitãos se tem enterrado em algum deserto, e milhares de homens e mulheres se têm fechado entre as paredes de monastérios e conventos, movidos pela vã idéia de que desta maneira escapariam do pecado e conseguiríam a santidade. Se esqueceram de que nem as cadeias, nem as paredes podem manter o diabo fora e que onde quer vamos levamos em nosso coração a raiz do mal. O caminho da santificação não consiste em sermos monges ou nos fazermos membros de casas de misericórdia. A verdadeira santidade não isola o crente das dificuldades e das tentações, mas faz com que este as enfrente e supere. A graça de Cristo no crente não é como uma plantade inverno que só pode desenvolver-se sob abrigo e proteção, mas é algo forte e vigoroso que pode florescer em meio a qualquer relação social e meio de vida. E essencial à santificação que nós mesmos desempenhemos nossas obrigações onde Deus nos tem colocado, como sal no meio da corrupção e luz no meio das trevas. Não é o homem que se esconde em uma cova, mas o homem que glorifica a Deus como servo, como pai ou filho, na família ou na rua, no trabalho ou no comércio, que responde ao tipo bíblico do homem santificado. Nosso mestre disse em Sua última oração: “Nãopeço que os tires do inundo; e, sim, que os guardes do mal” (Jo. 17:15). A santificação não consiste em praticar de vez em quando as boas obras. A santificação é um novo princípio celestial no crente que faz com que este manifeste as evidências de um chamado santo, tanto nas coisas pequenas como nas grandes em sua conduta diária. Este princípio tem sido implantado no coração se deseja sentir em todo o ser e conduta do crente. Não é como uma bomba que só tira água quando se aspira até fora, mas como uma fonte contínua cuja vazão flui espontaneamente e naturalmente. O rei Herodes quando ouvia João Batista “ficava perplexo, escutando-o de boa mente”, porém seu coração não era reto diante de Deus (Mc.6:20). Assim acontece com muitas pessoas que parecem ter ataques espasmódicos de “bondade” como resultado de alguma enfermidade, provação, morte na família, calamidades ou em meio a uma relativa tranqüilidade de consciência. No entanto, tais pessoas não são convertidas, e nada sabem do que é santificação. O verdadeiro santo é como Ezequias foi, de todo coração; como o salmista disse: “Por meio dos teus preceitos consigo entendimento; por isso detesto todo caminho de falsidade” (S1.119:104). Uma santificação genuína se evidenciará na obediência natural à Lei de Deus. Não só na obediência, mas no esforço contínuo para segui-la como regra de vida. Que grande erro cometem aqueles que supõem que pelo fato de os dez mandamentos não justificarem a alma, não é importante observá-los. O mesmo Espírito Santo que tem dado ao crente convicção de pecado através da Lei e o tem levado a Cristo para justificação, é quem o guiará no uso espiritual da Lei como modelo de vida em seus desejos de santificação. O Senhor Jesus nunca rejeitou os dez mandamentos a um plano de insignificância, mas, pelo contrário, em Seu primeiro discurso público - o Sermão do Monte - desenvolveu-os e manifestou o caráter revelador de suas exigências. O apóstolo Paulo também não considerou a Lei insignificante: “…a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo…” “Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (I Tm.l:8; Rm.7:22). Se alguém pretende ser um santo e olha com desprezo para os dez mandamentos e não se importa em mentir, o ser hipócrita, fraudar, insultar e levantar falso testemunho, embriagar-se, quebrar o sétimo mandamento, etc., na realidade se engana terrivelmente; e no dia do juízo lhe será impossível provar que foi um “santo”. A verdadeira santificação se manifestará na esforço contínuo para fazer a vontade de Cristo e viver à luz de Seus preceitos práticas. Estes preceitos são encontrados espalhados nas páginas dos Evangelhos, porém, especialmente no Sermão do Monte. Se alguém imagina que Jesus o pronunciou sem o propósito de promover a santidade do crente se equivoca lamentavelmente. E quão triste é ouvir de certas pessoas falar do ministério de Jesus sobre a terra dizendo que o única coisa que o Mestre fez foi ensinar doutrina e que o ensino das obrigações práticas Ele delegou a outros. Um conhecimento superficial dos evangelhos bastará para convencer estas pessoas de quão errada é esta noção. Nos ensinos de Cristo se destaca de uma maneira proeminente o que seus discípulos devem ser e fazer; e uma pessoa verdadeiramente santa nunca se esquecerá disto, pois serve a um Senhor que disse: “Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando” (Jo.15:14). A verdadeira santificação se mostrará no esforço contínuo para alcançar o nível espiritual que Paulo estabelece para as igrejas. Este nível ou norma espiritual, podemos encontrar nos últimos capítulos de quase todas suas epístolas. E uma idéia generalizada a de que Paulo só escreveu sobre matéria doutrinária e controversa como: justificação, eleição, predestinação, profecia, etc. Tal idéia é em extremo errônea, e é mais uma evidência de ignorância das pessoas dos nossos dias. Os escritos do apóstolo Paulo estão cheios de ensinos práticos sobre as obrigações cristãs na vida diária, e sobre nossos hábitos cotidianos, temperamento e conduta entre os irmãos crentes. Estas exortações foram escritas por inspiração de Deus como guia perpétuo dos crentes. Aquele que é omisso destas instruções, talvez passe como membro de uma igreja, porém certamente não é o que a Escritura chama uma pessoa “santificada”. A verdadeira santificação se evidenciará na atenção especial às graças ativas que o Senhor Jesus de uma maneira tão bonita exemplificou, particularmente a graça da caridade. “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo.l3:34-35). O homem santificado tratará de fazer o bem no mundo, diminuir a dor e aumentar a felicidade em torno de si. Sua meta será a de ser como Cristo, cheio de mansidão e de amor para com todos; e isto não só de palavras mas de fato, negando-se a si mesmo. Aquele que professa ser cristão, porém está centrado em si mesmo com egoísmo assumindo um ar de possuir grandes conhecimentos, e sem preocupar-se com seu próximo se ele está se afundando ou não, se vai ao céu ou ao inferno e como tal vai à igreja com seu melhor traje e ser considerado um bom membro, tal pessoa, digo, não sabe nada do que é a santificação. Pode considerar-se um santo na terra, mas certamente não será um santo no céu. Cristo não é o Salvador daquele que não imita Seu exemplo. A graça da conversão e da fé salvadora tem de produzir, necessariamente, certa semelhança com a imagem de Jesus (Cl.3:10). A verdadeira santificação se evidenciará também na atenção habitual às graças passivas. Ao referir-me às graças passivas me refiro àquelas graças que se mostram mui especialmente na submissão à vontade de Deus e na paciência e condescendência aos outros. Poucas pessoas fazem idéia do muito que se fala no Novo Testamento sobre esta graça e o importante papel que parecem desempenhar. Este é especialmente o tema que Pedro nos desenvolve e apresenta em suas epístolas. “Portanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos, o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca, pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje, quando maltratado não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente…” (I Pe.2:21-23). Estas graças passivas se encontram entre os frutos do Espírito que Paulo nos menciona em sua Epístola aos Gálatas. São mencionadas nove graças e delas, três - longanimidade, benignidade, mansidão - são graças passivas (Gl.5:22-23). As graças passivas são mais difíceis de obter que as ativas, porém a influência delas sobre o mundo é maior. A Bíblia nos fala muito destas graças passivas e em vão fazemos menção se em nós não há este desejo de possuir longanimidade, benignidade e mansidão. Aqueles que continuamente explodem com um temperamento agressivo e que dão mostras de possuir uma língua muito incisiva, sendo sempre do contra, rancorosos, vingativos, maliciosos - e dos quais o mundo infelizmente está cheio - os tais, digo, nada sabem sobre o que é santificação. Estes são os sinais visíveis de uma pessoa santificada. Não pretendo dizer que se verão de uma maneira uniforme em todos os crentes, nem que brilharão com todo seu fulgor nos crentes mais experimentados. Porém que se constituem os sinais bíblicos da santificação, e que aqueles quenão sa- bem nada dos tais, bem podem duvidar de terem, na realidade alguma graça. A verdadeira santificação é algo que se pode ver, e as anotações que temos procurado esboçar, são, mais ou menos aquelas de uma pessoa santificada. III - Distinção entre a santificação e a justificação. No que concordam e no que diferem? Esta distinção é importantíssima, mesmo que à primeira vista não pareça. Em geral as pessoas mostram certa predisposição em considerar só o superficial da fé, e a relegar as distinções teológicas como “meras palavras” que não têm nenhum valor. Eu exorto àqueles que se preocupam com suas almas a que se esforcem por obter noções claras sobre a santificação e a justificação. Lembremo-nos de que mesmo que a justificação e a santificação sejam coisas distintas, no entanto em certos pontos são concordantes e em outros diferem. Vejamos: A - Pontos concordantes: •Ambas procedem e têm origem na livre graça de Deus. •Ambas são parte do grande plano de salvação que Cristo, no pacto eterno, tomou sobre si em favor de seu povo. Cristo é a fonte de vida de onde flui o perdão e a santidade. A raiz de ambas está em Cristo. •Ambas se encontram na mesma pessoa. Os que são justificados são também santificados, e aqueles que têm sido santificados, têm sido também justificados. Deus as têm unido e não podem separar-se. •Ambas acontecem ao mesmo tempo. No momento em que uma pessoa é justificada, começa a ser também a ser santificada, mesmo que a princípio não se perceba. •Ambas são necessárias para a salvação. Jamais ninguém entrará no céu sem um coração regenerado e sem o perdão de seus pecados, sem o sangue de Cristo e sem a graça do Espírito, sem a disposição apropriada para gozar da glória e sem credencial para a mesma. B. - Pontos em que diferem: • Pela justificação, a justiça de outro - de Jesus Cristo - é imputada, posta na conta do pecador. Pela santificação o pecador convertido experimenta em seu interior uma obra que o vai fazendo justo. Em outras palavras, pela justificação somos considerados justos (declarados], enquanto que pela santificação somos feitos justos. • A justiça da justificação não é própria, mas que é a justiça eterna e perfeita de nosso maravilhoso Mediador Cristo Jesus, a qual nos é imputada e a fazemos nossa pela fé. A justiça da santificação é o nossa própria, inerente e infundida em nós pelo Espírito Santo, porém mesclada com fraquezas e imperfeições. • Na justificação não há lugar para nossas obras. Porém na santificação a importância de nossas próprias obras é imensa e por isso Deus nos ordena a lutar, orar, velar, nos esforçar, afadigar e trabalhar. • A justificação é uma obra acabada e completa; no momento em que uma pessoa crê, é justificada, perfeitamente justificada. A santificação é uma obra relativamente imperfeita; será perfeita quando entrarmos no céu. • A justificação não admite crescimento nem é susceptível de aumento. O crente goza da mesma justificação no momento que vai a Cristo pela fé, que daquela que gozará por toda eternidade. A santificação é, eminentemente, uma obra progressiva, e admite um crescimento contínuo enquanto o crente viva. • A justificação faz referência a pessoa do crente, a sua posição diante de Deus e a absolvição de sua culpa. A santificação faz referência a natureza do crente, e a renovação moral do coração. •A justificação nos dá direito de acesso ao céu, e confiança para entrar. A santificação nos prepara para o céu, e nos faz prever seus prazeres. •A justificação é um ato de Deus com referência ao crente, e não é dicernível para os outros. A santificação é uma obra de Deus dentro do crente que não pode deixar de manifestar-se aos olhos dos outros. Estas distinções são postas para atenta consideração dos leitores. Estou convencido de que grande parte das dúvidas, confusão e inclusive sofrimento de algumas pessoas muito sinceras, se deve ao fato de se confundir e não distinguir a santificação da justificação. Nunca se poderá se enfatizar demais o que se trata de duas coisas distintas, ao que na realidade não pode separar-se, e o que participa de uma por necessidade há de participar da outra. Porém nunca, nunca, deve confundir-se, duvidar-se, a distinção que existe entre ambas. Só nos resta finalizar o tema com uma palavras de aplicação. A natureza e sinais visíveis da santificação foram apresentadas para consideração do leitor, e a pergunta que agora surge em nossas mentes é esta: Que conclusões práticas podemos tirar do exposto? 1. Devemos dar-nos conta do estado tão perigoso em que se encontram algumas pessoas que se dizem cristãs. “…a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb.12:14). Quanta religião há, pois, que não serve para nada! Quão grande é o número de pessoas que vão à igreja, e que no entanto andam por caminhos que levam à destruição! Esta reflexão é terrível! Ho, se os pregadores e os mestres abrirem os seus olhos e se derem conta da condição das almas ao seu redor! Ho, se as almas pudessem ser persuadidas a “fugir da ira vindoura”! Se as almas não santificadas pudessem ir ao céu, então a Bíblia não seria verdadeira. Porém a Bíblia é verdade e não pode mentir! Sem a santidade ninguém verá o Senhor. 2. Asseguremo-nos de nossa própria condição. E não descansemos até que vejamos em nós outros os frutos da santificação. Quais são nossos gostos, nossas preferências, nossas escolhas, nossas inclinações? Esta é a grande peigunta. Pouco valor tem o que podemos desejar e esperar na hora da morte; agora é quando devemos analisar nossos desejos. Que somos agora? Que fazemos? Se vê em nós os frutos da santificação? Se não for assim a culpa é nossa. Se desejamos verdadeiramente a santificação, o curso a seguir é claro e sensível: devemos começar com Cristo. Devemos ir a Ele tal como somos, como pecadores. Devemos apresentar-lhe nossa extrema necessidade; devemos abandonar nossas almas a Ele pela fé, para assim poder obter a paz e a reconciliação com Deus. Devemos por-nos em Suas mãos, tal como o fazemos com o bom médico, e suplicar sua graça e misericórdia. Não esperemos levar nada em nossas mãos. O primeiro passo para a santificação e o mesmo para a justificação, é ir pela fé a Cristo. 3. Se desejamos crescer em santidade, devemos buscar continuamente a Cristo. Devemos ir a Ele tal como fomos no princípio da nossa vida espiritual. Ele é a cabeça da qual cada membro recebe alimento (Ef.4:16). Devemos viver diariamente a vida de fé no Filho de Deus e, prover-nos diariamente de Sua plenitude para nossas necessidades de graça e fortaleza. Aqui se encerra o grande segredo de uma vida de santificação ascendente. Os crentes que não fazem progresso algum na santificação e parecem haver estancado, sem dúvida é porque se descuidam da comunhão com Jesus, e em consequência entristecem ao Espírito Santo. Aquele que na noite antes da crucificação orou ao pai com aquelas palavras de “santifica-os na verdade”, está infinitamente disposto a socorrer a todo crente que pela fé o busque por ajuda. 4. Não esperemos demasiadas coisas de nossos próprios corações. Mesmo nos melhores momentos, encontraremos em nós motivos suficientes para uma profunda humilhação e descobriremos que em todo momento somos devedores da graça e da misericórdia. A medida que aumente nossa visão espiritual mais nos daremos conta de nossa imperfeição. Éramos pecadores quando iniciamos, e pecadores nos veremos à medida que sigamos adiante. Sim, pecadores regenerados, perdoados e justificados, porém pecadores até o último momento de nossas vidas. A perfeição absoluta de nossas almas todavia há de vir, e a expectação da mesma haverá de ser uma grande razão para desejarmos mais e mais o céu. 5. Em último lugar, nunca nos envergonharemos de dar demasiada importância ao tema da santificação. E de nossos desejos de conseguir uma elevada santidade. Mesmo que uns se contentem com uns resultados pobres e miseráveis, e outros não se envergonhem de viver vidas que não são santas, nós devemos nos manter nas antigas veredase seguir adiante em busca de uma santidade iminente. Temos aqui a maneira de sermos realmente felizes. Por mais que digam certas pessoas, devemos convencer-nos de que santidade é felicidade; e a pessoa que vive mais feliz nesta terra é a pessoa mais santificada. Sem dúvida há cristãos verdadeiros que, como resultado de uma saúde débil, ou de provações na família, ou alguma outra causa secreta, não parecem gozar de muito consolo, e com suspiros prosseguem seu peregrinar ao céu; porém estes casos não são muito freqüentes. Em geral podemos dizer que os crentes santificados são as pessoas mais felizes da terra. Gozam de consolos sólidos que o mundo não pode dar. “Os seus caminhos são caminhos deliciosos…” (Pv.3:17); “Grandepaz têm os que amam a tua lei…” (S1.119:165j; “Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt.ll:30); “Para os perversos, todavia, não há paz, diz o Senhor” (Is.48:22). CULTIVANDO A SANTIDADE Joel Beeke “A melhor maneira de nos prepararmos paro o amanha é buscarmos o reino de Deus e a sua justiça no dia de hoje” (John Blanchard). “Quando Deus declara um homem justo, Ele imediatamente começa a santificá-lo” (A. W. Tozer). “A santidade não é mais pela fé sem esforço do que é pelo esforço sem a fé” (James I. Packer) “Irmãos, nós podemos ser muito mais santos do que somos. Alcancemos primeiro aquela santidade acerca da qual não há disputa”. (Charles H. Spurgeon). O fazendeiro piedoso que ara o seu campo, sabe com certeza que, em última análise, ele depende completamente de forças que estão fora de si para obter uma boa colheita. Ele sabe que não pode fazer a semente germinar, a chuva cair e o sol brilhar. No entanto, ele prossegue com diligência em sua tarefa, olhando para Deus em busca de benção e sabendo que se Ele não fertilizar e cultivar a semente que foi semeada, sua colheita será, no mínimo, pobre. De forma semelhante, a vida cristã deve ser como um jardim cultivado, de modo a produzir os frutos de uma vida santa para Deus. “A teologia”, escreveu William Ames nas palavras iniciais de seu clássico “The manow of theology” (O âmago da Teologia), “é a doutrina ou o ensino concernente à vida para Deus”.1 O próprio Deus exorta seus filhos: “Sede santos porque Eu sou Santo” (I Pe. 1.16).2 Paulo instrui aos Tessalonicenses:“Porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e, sim, em santificação” (I Tessalonicenses 4.7). O autor de Hebreus escreve: “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb. 12.14). O cren- te que não cultivar de forma diligente a santidade, não está nem seguro, de maneira genuína, de sua salvação e tampouco estará obedecendo ao chamado de Pedro para buscá- la (II Pe. 1.10). Procurei aqui focalizar a chamada bíblica para que o cristão cultive a santidade operada pelo Espírito Santo, por meio do uso diligente dos meios que Deus providenciou para assisti-lo. A Chamada Para Cultivar a Santidade “Santidade” é uma palavra que se relaciona com o adjetivo “santo” e o verbo “santificar”, que significa “tornar-se santo”.3 Em ambos os casos, “santo” significa separado e posto de lado para Deus. Para o cristão, ser posto à parte significa, negativamente, ser separado do pecado e, positivamente, ser consagrado (isto é, dedicado) a Deus e semelhante a Cristo. Não existe disparidade entre o Velho Testamento e o Novo Testamento em termos dos conceitos acerca da santidade, embora haja uma mudança na ênfase naquilo que a santidade envolve. O Velho Testamento destaca a santidade moral e ritual; o Novo Testamento destaca a santidade interior e transformadora (Lv.l0:10-ll; 19:2; Hb.l0:10;I Ts.5:23).4 As Escrituras apresentam a essência da santidade primariamente em relação à Deus. A ênfase do domínio sagrado nas Escrituras, é o próprio Deus. A santidade de Deus é a própria essência do Seu ser (Is. 57.15);5 é o pano de fundo a partir do qual todas as coisas acerca dEle são declaradas na Bíblia. Sua justiça é a Sua santa sabedoria: Seu poder é o Seu santo poder; Sua graça é a Sua santa graça. Nenhum outro atributo de Deus é celebrado diante do trono dos céus como é a Sua santidade: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos” (Is. 6.3). A palavra “Santo” antecede o nome de Deus mais do que qualquer outro atributo.6 Somente Isaías chama Deus de “Santo” sessenta e seis vezes. Escreveu John Howe acerca da santidade de Deus: “pode ser dito que trata-se de um atributo transcedental, que, de certa forma, passa através de todos os demais e lança brilho sobre eles. E um atributo dos atributos… e, dessa forma, é o próprio brilho e glória de Suas demais perfeições”.7 Deus manifesta algo de Sua majestosa santidade em Suas obras (Sl. 145.17), em Sua lei (Sl. 19.8,9) e, especialmente, na cruz de Cristo (Mt. 27.46). A santidade é Sua coroa permanente, Sua glória, Sua beleza. É, segundo Jonathan Edwards, “mais do que um simples atributo de Deus - é a soma de todos os Seus atributos, o esplendor de tudo o que Deus é”.8 A santidade de Deus denota duas verdades críticas acerca de Si mesmo: Primeiro, a “separação” de Deus de toda Sua criação e de tudo aquilo que é impuro ou mau. A santidade de Deus testifica da Sua pureza, Sua perfeição moral, Sua separação de tudo o que é externo a Ele, Sua completa ausência de pecado (Jó 34.10; Is.5.16; 40.18; Hab.l.l3).9 Em segundo lugar, uma vez que Deus é santo e isolado de todo o pecado, não pode ser aproximado pelos pecadores sem santo sacrifício (Lv.17.11; Hb. 9.22). Ele não pode ser o Santo e permanecer indiferente ao pecado (Jr. 44.4). Ele precisa punir o pecado (Ex. 34.6,7). Uma vez que todos os homens são pecadores devido à trágica queda de Adão e às nossas transgressões diárias, Deus jamais pode ser apaziguado por nossos próprios esforços. Nós, criaturas, criados à imagem de nosso santo Criador, voluntariamente escolhemos através de nosso representante no pacto, Adão, tornar-nos ímpios e inaceitáveis na presença de nosso Criador. O sangue expiatório precisa ser derramado para que o perdão do pecado seja concedido (Hb. 9.22). Somente um mediador capaz, o mediador Deus-homem, Cristo Jesus, por meio de Sua obediência perfeita e expiatória, pode cumprir as exigências da santidade de Deus, em favor dos pecadores (I Tm. 2.5). Louvado seja Deus. Cristo concordou em realizar essa expiação, iniciada por seu Pai e a realizou com Sua plena aprovação (Sl. 40.7,8; Mc. 15.37-39). “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (II Co. 5.2l). De acordo com a fórmula Reformada Holandesa para a Ceia do Senhor: “A ira de Deus contra o pecado é tão grande, que, ao invés de permanecer sem punição, Ele puniu o pecado em Seu amado Filho Jesus Cristo com a morte vergonhosa e amarga da cruz”.10 Pela graça livre, Deus regenera pecadores e os conduz à fé em Cristo somente, como base de Sua justiça e Salvação. Aqueles dentre nós que pertencemos aos abençoados crentes somos também participantes da santidade de Cristo por meio da disciplina divina (Hb. 12.10). Como discípulos de Cristo, Deus nos chama para sermos mais santos do que jamais seremos, em nós mesmos, nesta vida (I Jo. 1.10).” Em gratidão por Sua grande salvação é que Ele nos chama a nos separarmos do pecado e consagrar-nos e assemelhar- nos a Ele. Esses conceitos - separação do pecado, consagração a Deus e conformidade a Cristo - fazem da santidade algo abrangente. Tudo, diz-nos Paulo em I Timóteo 4:4-5, deve ser santificado, isto é, perfeito, santo. Em primeiro lugar, a santidade pessoal exige a plenitude pessoal. Deus nunca chamou-nos a dar-lhe uma parte de nossos corações. A chamada para santidade é uma chamada para o nosso coração inteiro: “dá-me, filho meu, o teu coração” (Pv. 23.26). Em segundo lugar, a santidade do coração deve ser cultivada em todas as esferas da vida: em secreto com Deus, na confidencialidade de nossos lares, na competitividade de nossa ocupação, nas alegrias de nossas amizades sociais, em relação a nossos vizinhos não evengelizados e entre os desempregados e famintos do mundo, bemcomo também no culto do domingo. Horatius Bonar escreve: “Santidade… abrange todas as partes de nossas pessoas, preenche nosso ser, difunde-se sobre nossa vida, influencia tudo o que somos, fazemos, pensamos, falamos, planejamos, quer grande ou pequeno, externo ou interno, negativo ou positivo; nosso amor, ódio, tristeza, alegria, lazer, negócios, amizades, relacionamentos; nosso silêncio, palavras, leitura, escrita, idas e vindas - todo o nosso ser em todos os movimentos do espírito, alma e corpo”.12 A chamada para a santidade é uma tarefa diária. É uma chamada radial e absoluta, envolvendo o coração de nossa prática e fé religiosa. João Calvino expressa isto da seguinte forma: “Porque eles loram chamados para a santidade, a vida inteira de todos os cristãos dever ser um exercício de piedade”.13 Em poucas palavras, a chamada para a santidade é um compromisso para toda a vida de viver “para Deus” (II Co.3:4), para ser separado para o senhorio de Jesus Cristo. Assim sendo, a santidade é uma coisa interior que deve preencher todo o nosso coração e algo exterior que deve cobrir toda nossa vida. “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de vosso Senhor Jesus Cristo” (I Ts. 5.23), “A santidade”, conforme afirmou Thomas Boston, “ é uma constelação de graças”.14 Em gratidão a Deus, um crente cultiva os feitos da santidade, tais como: amor, gozo, paz, paciência, bondade, amabilidade, fidelidade, auto-controle, mansidão (Gl. 5.22,23).15 Essa chamada para a santidade não objetiva merecer a aceitação diante de Deus. O Novo Testamento declara que todo crente é santificado, como um princípio, através do sacrifício de Cristo: “nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas” (Hb. 10.10). Cristo é a nossa Santificação (I Co. 1.30); portanto, a igreja como a noiva de Cristo, é santificada (Ef. 5.25,26). A situação do crente diante de Deus é de santidade em Cristo, devido à Sua perfeita obediência, a qual satisfez plenamente a justiça de Deus por todos os pecados. No entanto, a situação do crente não significa que ele tenha alcançado uma condição de completa santificação (I Co.1:2). Muitas tentativas têm sido feitas para expressar o relacionamento entre a condição e a situação do crente perante Deus; uma das mais destacadas entre elas é a frase bem conhecida de Lutero “ao mesmo justo e pecador”. Isso quer dizer que o crente é tanto justo na presença de Deus, por causa de Cristo, como também permanece um pecador, quando avaliado de acordo com seus próprios méritos. Muito embora a condição do crente exerça um impacto sobre a sua situação des- de o início da experiência cristã (a qual coincide com a regeneração), ele jamais estará em uma condição de santidade perfeita nesta vida. Paulo ora para que os Tessalonicenses sejam inteiramente santificados como sendo algo ainda por acontecer (I Ts. 5.23). A Santificação recebida é algo iniciado, embora ainda não aperfeiçoado. Isso explica a ênfase do Novo Testamento sobre a santidade como algo a ser cultivado e buscado. A linguagem do Novo Testamento enfatiza a santificação crucial, progressiva. O Cristão deve lutar pela santificação (Hb. 12.14). O crescimento na santidade deve seguir e de fato segue-se à regeneração (Ef. 1.4; Fl. 3.12). Dessa forma, para você verdadeiro crente, a santidade é algo que você possui em Cristo, diante de Deus e algo que deve cultivar no poder de Cristo. Sua condição de santidade foi- lhe conferida; sua situação atual de santidade deve ser buscada. Você é feito santo em sua posição diante de Deus e por meio de Cristo você é chamado para refletir essa posição sendo santo em sua vida diária. Seu contexto de santidade é justificação através de Cristo e seu caminho de santidade é ser crucificado e ressuscitado com Ele, o que envolve a contínua “mortificação do velho homem e a vivificação do novo” (Catecismo de Heidelberg, Pergunta 88). Você é chamado para viver aquilo que já é em princípio, pela graça. O CULTIVO DA SANTIDADE De forma concreta, portanto, o que você deve cultivar? Três coisas. 1) Imitação do caráter de Teová. “Sede Santos, porque eu sou santo” (I Pe. 1.16). A Santidade do próprio Deus deveria ser o nosso maior estímulo para cultivar a santidade de vida. Procure ser como seu Pai celestial em justiça, santidade e integridade. No Espírito, esforce-se para pensar os pensamento de Deus, através dEle, por meio de Sua Palavra, sendo uma só mente com Ele, vivendo e agindo da forma que o próprio Deus gostaria que você fizesse.17 Conforme a conclusão de Stephen Chamock: “Essa é a principal forma de honrar a Deus. Não glorificamos tanto a Deus por meio de expressões elevadas de admiração, frases eloqüentes, cultos pomposos, quanto quando aspiramos viver para Ele com espíritos imaculados, vivendo para Ele e vivendo como Ele”.18 2) Conformidade à imagem de Cristo. Esse é o tema favorito de Paulo, do qual somente um exemplo deve ser suficiente: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tomando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz” (Filipenses 2:5-8). Cristo foi humilde, voluntariamente abdicou de Seus direitos de modo a obedecer a Deus e servir aos pecadores. Se vocês quiserem serem Santos, Paulo está dizendo, pensem da mesma forma. Não objetivem conformidade a Cristo como uma condição de salvação, mas sim como um fruto da salvação recebida pela fé. Devemos olhar para Cristo para sermos santos, pois Ele é a fonte e o caminho da Santidade. Não busquem outro caminho. Sigam o conselho de Agostinho que argumentou dizendo ser melhor mancar no caminho do que correr fora dele.19 Façam como Calvino ensinou: Coloquem Cristo diante de vocês como o espelho da santificação e busquem graça para sermos espelhos de Sua imagem.20 Perguntem em cada situação enfrentada: “O que Cristo pensaria, diria, faria?”. Então confiem nEle para santidade. Ele não os desapontará (Tg.l:2-7). Existe espaço para crescimento infindável na Santidade porque Jesus é o poço interminável da salvação. Você jamais irá demais até Ele por santidade, pois Ele é a santidade por excelência. Ele vi- veu a santidade; Ele mereceu a santidade, Ele envia Seu Espírito para aplicá-la. “Porém, Cristo é tudo e em todos” (Colocensses 3.11] — Santidade inclusive. Conforme Lutero declarou de forma profunda: “Nós em Cristo = justificação; Cristo em nós = santificação”.21 31 Submissão à mente do Espírito Santo. Em Romanos 8:6 Paulo divide as pessoas em duas categorias - aqueles que se permitem controlar por suas naturezas pecaminosas (isto é, mentes carnais que seguem seus desejos carnais] e aqueles que seguem o Espírito (isto é, que se preocupam com as “coisas do Espírito”, Rm.8.5]. O Espírito Santo foi enviado para conduzir a mente do crente à submissão à Sua mente (I Co.2]. Ele foi dado para tornar santos os pecadores; os mais santos inclinam-se progressivamente, como servos humildes sob o Seu controle. Supliquemos por graça para sermos servos dispostos mais plena e consistentemente. Como o Espírito opera esta virtude santa da submissão à Sua mente, tornando-nos, dessa forma, santos? (1) Ele nos revela nossa necessidade de santidade, através da convicção de pecado, justiça e juízo (Jo. 16:8). (2) Ele implanta desejo de santidade. Sua obra salvadora nunca conduz ao desespero mas sempre à santificação em Cristo. (3) Ele concede semelhança a Cristo na santidade. Ele atua sobre a nossa natureza como um todo, moldando-nos conforme a imagem de Cristo. (4) Ele fornece poder para viver uma vida santa através de Sua habitação e influência sobre nossas almas. Se vivermos pelo Espírito, não satisfaremos os desejos de nossa natureza pecaminosa (Gálatas 5:16). Viver pelo Espíritosignifica viver em obediência e dependência dAquele Espírito. (5) Por meio de instrução humilde nas Escrituras e o exercício da oração, o Espírito nos ensina Sua mente e estabelece uma conscientização contínua de que a santidade continua sendo essencial como algo digno de Deus e do Seu reino (I Ts. 2.12; Ef. 4.1) e apropriado para o serviço (I Co. 9.24,25; Fl. 3.13). “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito” (Ef. 5.18). Thomas Watson declara: “O Espírito imprime a característica de Sua própria santidade sobre o coração, assim como o selo imprime sua semelhança sobre a cera. O Espírito de Deus em um homem enche-o de perfume com santidade e faz de seu coração um mapa do céu”.22 COMO CULTIVAR A SANTIDADE Que os crentes são chamados para santidade é indisputavelmente claro. Mas a pergunta crucial persiste: Como ele cultiva a santidade? Abaixo seguem sete orientações para ajudar-nos. 1) Conheça e ame as Escrituras. Este é o caminho mais importante de Deus para a santidade e o crescimento espiritual - o Espírito como Professor abençoando a leitura e o exame da Palavra de Deus. Jesus orou: “Santifica-os na verdade. A Tua Palavra é a verdade” (Jo. 17.17). E Pedro admoestou: “Desejai o genuíno leite espiritual, para que por ele vos seja dado crescimento para salvação” (I Pe. 2.2). Se você não quiser permanecer ignorante espiritualmente e empobrecido, leia a Bíblia toda pelo menos uma vez ao ano. Mais importante ainda, memorize as Escrituras (Sl. 119.11), examine-as (Jo. 5.39) e medite sobre elas (Sl. 1.2), ame-as e viva por elas (Sl. 119; 19.10). Compare Escritura com Escritura; tome tempo para estudá-las. Provérbios 2.1-5, colocam diante de nós vários princípios envolvidos com o estudo individual sério da Bíblia: ensino (recebendo as palavras de Deus), obediência (guardando os mandamentos de Deus), disciplina (clamando por conhecimento) eperseverança (examinando em busca do tesouro secreto).23 Não espere crescer em santidade se você gasta pouco tempo sozinho com Deus e não leva Sua Palavra a sério. Uma vez que possuímos um coração enfermo com a tendência de se afastar da santidade, deixe que as Escrituras o ensine como viver uma vida santa em um mundo ímpio. Desenvolva uma fórmula bíblica para viver piedosamente. Aqui está uma possibilidade extraída de I Coríntios. Quando estiver hesitante em relação ao que fazer, pergunte a si mesmo: • Será que isto glorifica a Deus? (I Co. 10.31) • Será que isto é consistente com o senhorio de Cristo? (I Co. 7.23) • Será que é consistente com os exemplos bíblicos? (I Co. 11.1) • Será que é legítimo e benéfico para mim? - espiritual, mental e fisicamente? (I Co. 6.9- 12) • Será que ajuda outros positivamente e não os fere desnecessariamente? (I Co. 10.33; 8.13) • Será que me coloca sob algum poder escravizador? (I Co. 6.12). Permita que as Escrituras sejam sua bússola para guiá-lo no cultivo da santidade, nas decisões da vida e em fazer frente às aflições pessoais. 2) Use os sacramentos do Batismo e da Ceia do Senhor de forma diligente como meios de graça para fortalecer sua fé em Cristo. Os sacramentos de Deus complementam Sua Palavra. Eles nos levam para longe de nós mesmos. Cada sinal - água, pão, vinho - nos levam a crer em Cristo e Seu sacrifício sobre a cruz. Os sacramentos são meios visíveis através dos quais Ele, de forma invisível, mantem comunhão conosco e nós com Ele. Eles são incentivos à semelhança com Cristo e portanto à santidade. A graça recebida através dos sacramentos não é diferente daquela recebida através da Palavra. Ambas comunicam o mesmo Cristo. Conforme disse Robert Bruce: “embora não tenhamos um Cristo melhor nos sacramentos do que na Palavra, algumas vezes temos a Cristo melhor”.24 Corra para Cristo freqüentemente através da Palavra e dos sacramentos. A fé em Cristo é fator motivador poderoso para a santidade; já que a fé e o amor pelo pecado não se misturam. No entanto, tenha cuidado, para não buscar a sua santidade nas experiências com Cristo e sim no próprio Cristo. Assim William Gurnall adverte: “Quando tu confiaste em Cristo dentro de ti, ao invés de Cristo fora de ti, tu colocaste Cristo contra Cristo. A noiva faz bem em estimar o retrato de seu marido, mas seria ridículo se ela amassasse o retrato mais do que o próprio marido, muito mais se ela buscasse ao retrato antes que a ele para satisfazer os desejos dela. Porém, tu ages desta forma quando tens mais afeição ò imagem de Cristo dentro da tua alma do que àquele que a pintou ali”.25 3) Considerem-se como morto para o domínio do pecado e vivo para Deus em Cristo (Rm. 6.11). “Perceber isso”, escreve o Dr. Martyn Lloyd-Jones, “tira de nós aquela velha sensação de desespero que todos nós conhecemos e sentimos por causa do terrível poder do pecado… Posso dizer a mim mesmo que não somente não estou mais sob o domínio do pecado mas sim sob o domínio de um outro poder que nada pode frustrar“.26 Isso não quer dizer que, porque o pecado não domina mais sobre nós como crentes, temos autorização para esquecermos o nosso dever de fugir do pecado. Bridges acertadamente nos admoesta: “confundir o potencial para resistir ao pecado (o qual Deus supriu) com a responsabilidade em resistir (que é nossa) é preparar o caminho para o desastre em nossa busca de santidade”.27 O Breve Catecismo de Westminster equilibra o dom de Deus e a nossa responsabilidade quando afirma que a “santificação é a obra da graça livre de Deus, através da qual somos renovados em nosso homem interior de acordo com a imagem de Deus e somos progressivamente capacitados a morrer para o pecado e vivermos para a justiça” (Pergunta 35). Procure cultivar um ódio crescente pelo pecado como tal, pois esse é o tipo de ódio contra o pecado que Deus possui. Reconheça que Deus é digno de obediência não somente como um juiz, mas especialmente como um Pai amoroso. Diga como José num momento de tentação: “como, pois cometería eu tamanha maldade, e pecaria contra Deus?” (Gn. 39.9). Confie que Cristo é poderoso para mantê-lo vivo pelo Seu Espírito. Você vive através da união com Cristo. Viva para a Sua justiça. A justiça dEle é maior do que a sua injustiça. Sua capacidade de salvar é maior do que a sua pecaminosidade. O Seu Espírito habita dentro de você. “Filhinhos, vós sois de Deus, e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (I Jo. 4.4). Não se desespere; você é forte nEle, vivo e vitorioso nEle. Satanás pode vencer várias batalhas, mas a vitória é sua (I Co. 15.57; Rm. 8.37). Em Cristo, o otimismo da graça divina domina sobre o pessimismo da natureza humana. 4) Ore e trahalhe na dependência de Deus para santidade. Ninguém pode produzir algo puro a partir que é impuro a não ser Deus (Jó 14.4). Portanto, ore como Davi: “cria em mim, ó Deus, um coração puro” (Sl. 51.10). Enquanto você ora, trabalhe. John Owen escreveu: “Deus opera em nós e conosco, não contra nós ou sem nós; de forma que a ajuda dEle é um encorajamento para facilitar o trabalho e não uma oportunidade para negligenciarmos o trabalho em si mesmo”.28 O Catecismo de Heidelberg (Pergunta 116) destaca que oração e trabalho andam juntos. Eles são como dois remos, os quais, quando utilizados em conjunto, manterão o barco movendo-se para frente. Se você usar somente um remo - se você ora sem trabalhar ou trabalha sem orar - estará remando em círculos. Santidade e oração têm muito em comum. Ambas ocupam uma posição central na fé e vida cristãs; elas são obrigatórias, não opcionais. Ambas se originam e estão centralizadas em Deus. Ambas são ativadas, muitas vezes simultaneamente, pelo Espírito de Deus. Nenhuma delas pode sobreviver sem a outra. Aprende-se sobre ambas através da experiência e de batalhas espirituais.29 Nenhuma delas é perfeita nesta vida, mas precisam ser cultivadas através de toda a vida. E mais fácil escrever sobre ambas do que exercitá- las. Aqueles que mais oram frequentemente sentem que não oram o suficiente;os mais santos consideram-se impuros. Santidade e trabalho encontram-se também intimamente relacionadas, especialmente o trabalho de perseverança e diligência na disciplina pessoal. Disciplina leva tempo e esforço. Paulo exortou Timóteo: “Exercita-tepessoalmente na piedade” (I Tm. 4.7). A santidade não é alcançada instantaneamente.30 A santidade nos chama para uma vida disciplinada; ela não pode existir a partir daquilo que Dietrich Bonhoeffer chamou de graça barata - isto é, a graça que perdoa sem exigir arrependimento e obediência. Santidade é uma graça custosa - a graça que custou a Deus o sangue de Seu Filho, custou ao Filho Sua própria vida e custa ao crente a mortificação diária no exercício da santidade, de tal forma que Paulo morria diariamente (I Co.l5:31).31 A santidade graciosa nos chama para compromisso, diligência, prática e arrependimento contínuos.32 Se você, “ algumas vezes, devido à fraqueza, cai em pecado, não deve desesperar-se da misericórdia de Deus, nem continuar em pecado, já que possuímos um pacto eterno de graça com Deus” (Rito de Batismo). Resolva, como Jonathan Edwards: “jamais abandonar, nem esmorecer por pouco que seja, minha luta contra minhas corrupções, apesar de todos os insucessos que possam ocorrer”.33 Essas duas coisas, lutar contra o pecado e o insucesso, parecem contraditórias, mas não são. Fracassar e tornar-se um fracasso são duas coisas diferentes. O crente reconhece que pode fracassar frequentemente. Lutero disse que o homem justo sente-se mais vezes “um perdedor de que um vitorioso” na luta contra o pecado, “pois o Senhor permite que ele seja testado e atacado até o seu limite, da mesma forma que o ouro é testado na fornalha”.34 Esta é, também, uma importante parte do discipulado. Porém, o homem piedoso perseverará mesmo através de seus fracassos. O fracasso não faz com que ele desista; faz com que ele se arrependa mais ardorosamente e a esforçar-se no poder do Espírito. “Porque sete vezes cairá o justo, e se levantará; mas os perversos são derrubados pela calamidade” (Pv. 24.16). Jamais nos esqueçamos que o Deus que amamos, ama a santidade. Daí a intensidade de Sua disciplina paterna (Hb. 12.5,6,10)! Talvez William Gurnall tenha afirmado isso da melhor maneira: “Deus não esfregaria com tanta força se não fosse para eliminar a sujeira que está arraigada em nossas naturezas. Deus ama a pureza de tal forma que Ele preferida ver um buraco do que uma mancha nas roupas de seus filhos”.35 51 Fuia do mundanismo. Devemos nos rebelar contra as primeiras aparências da soberba da vida, as concupiscências da carne e dos olhos e de todas as formas de mundanismo pecaminoso à medida em que batem à porta de nossos corações e mentes. Se abrimos a porta e permitimos que entrem e passeiem por nossas vidas, tornamo-nos suas presas. “Resolveu Daniel firmemente não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; então pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar- se” (Dn. 1.8). As coisas que lemos, nossas diversões e recreações, a música que ouvimos e as conversas que temos, afetam nossas mentes e deveríam ser consideradas no contexto de Filipenses 4.8: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Fl. 4.8). Nós devemos viver acima do mundo e não ser do mundo muito embora ainda estejamos no mundo (Rm. 12.1-2). 6) Busque comunhão na iereia: associe-se com mentores de santidade (Ef. 4.12-13; I Co. 11.1).36 A igreja deve ser uma comunidade de cuidado mútuo e oração (I Co. 12.7; At. 2.42). Tenha comunhão e ore com outros cristãos cuja conduta piedosa você admira (Cl. 3.16). “Quem anda com os sábios será Sábio” (Pv. 13.20). Associação promove assimilação. Uma vida cristã vivida em isolamento de outros crentes será defeituosa; em geral, esse cristão permanecerá espiritualmente imaturo. Tal comunhão não deve, todavia, exclui a leitura de livros piedosos de épocas passadas os quais promovem a santidade. Lutero disse que alguns de seus melhores amigos estavam mortos. Por exemplo, ele perguntou se alguém poderia ter vida espiritual e não sentisse simpatia com Davi quando ele derramava o seu coração nos Salmos. Leia os clássicos que falam veementemente contra o pecado. Deixe que Thomas Waltson seja seu mentor em the Mirchief of Sin (O Engano do Pecado); John Owen em Temptation and Sin (Tentação e Pecado); Jeremiah Burroughs em The Evil ofEvils (O mal dos Males); Ralfh Verning em The Plagne ofPlagnes (A peste das Pestes).37 Mas leia também Holiness (Santidade) de J. C. Ryle; Personal Declension and Revival ofReligion in the Soul de Octaniuns Winslow e Keeping the Heart (Conservando o Coração)38 de John Flavel. Permita que esses homens piedosos de épocas passadas sejam seus amigos e mentores espirituais. 7) Viva o compromisso total com Deus no “Tempo presente”. Não caia na armadilha da síndrome do “mais uma vez”. Obediência adiada é desobediência. A santidade de amanhã é a impureza de hoje. A fé de amanhã é a incredulidade de hoje. Deseje não pecar de forma alguma (I Jo. 2.1), suplicando pelo poder divino para levar todo pensamento cativo à obediência de Cristo (II Co. 10.5), pois as Escrituras indicam que a nossa vida de pensamento determina o nosso caráter: “Porque, como imagina em sua alma, assim ele é” (Pv. 23.7a). (Ia parte do artigo “Cultivating Holiness” Reformation and Revival, pgs. 81-94) ESTÍMULOS AO CULTIVO DA SANTIDADE O cultivo da santidade é algo obrigatório. Thomas Watson denominou-o de “trabalho exaustivo”. Felizmente Deus nos oferece, em Sua Palavra, vários motivos para fazê-lo. Para nos encorajar na busca da santidade, precisamos conservar nossos olhos focalizados nas seguintes verdades bíblicas: 1) Deus chamou você para a santidade para o seu bem e para Sua glória, “porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e, sim, para a santificação.”(1 Ts..4.7). O que quer que Deus nos convoque a fazer, é necessário. A Sua chamada, em si mesma, assim como os benefícios que experimentamos de uma vida santa, conforme descrito abaixo, deveriam induzir-nos a buscar e praticar a santidade. A santidade nos beneficia aumentando nosso bem-estar espiritual. Deus nos assegura que “nenhum bem sonega aos que andam retamente” (Salmo 84.11). “O que a saúde representa para o coração, a santidade representa para a alma”, observou John Flavel.39 Nos poucos comentários de Richard Baxter sobre a santidade, os próprios títulos dos capítulos são iluminadores: A santidade é o Único Caminho para a Segurança; A Santidade é o Caminho mais Benéfico; A Santidade é o Caminho mais Honrado e A santidade é o Caminho mais Agradável.40 O mais importante é que a santidade glorifica o Deus que você ama. Conforme a afirmação de Thomas Brooks: “A santidade faz o máximo pela honra de Deus”.41 2) A santidade faz com que você se assemelhe a Deus e preserva a sua integridade. De acordo com a observação de Thomas Watson: “Devemos nos esforçar para sermos semelhantes a Deus em santidade. É um nítido espelho no qual podemos ver uma face; é um santo coração no qual podemos ver algo de Deus”.42 Neste ponto, Cristo serve como um padrão de santidade para nós - um padrão de humildade santa (Fil.2.:5-13), de santa compaixão (Mc.1.41), de santo perdão (Col.3..13) de santo desprendimento (Rom.15.3), de santa indignação contra o pecado (Mt.23) e de santa oração (Heb.5.7). A santidade cultivada que se assemelha a Deus e está baseada em Cristo, nos salva de muita hipocrisia, de recorrer a um Cristianismo “só de domingo”. Dá-nos vitalidade, propósito, significado e direção ao nosso viver diário. 3) A santidade fornece evidências de sua justificação e eleição, e promove a segurança. A santificação é o fruto inevitável da justificação (1 Cor.6.11). Os dois podem ser diferenciados, mas nunca separados; o próprio Deus os juntou. A justificação está organicamente unida à santificação;