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Desenterrando o passado: 
Paleobiologia dos indivíduos exumados 
na Rua do Adro e Santa Maria em Lagos
Catarina Costa*
Teresa Matos Fernandes*
Pedro Almeida*
Miguel Serra**
XELB 8  |   329
330    | XELB 8  | Actas do 5º Encontro de Arqueologia do Algarve, pp.
* Laboratório de Antropologia da Universidade de Évora. 
** Palimpsesto, Lda. geral@palimpsesto.pt
Resumo
 Este trabalho representa o estudo paleobiológico de 17 sepulturas provenientes da necrópole da antiga 
igreja de Santa Maria Graça em Lagos. A proporção sexual aponta para um maior número de homens (3:1) e 
a maior mortalidade observa-se nos 2 anos, na adolescência e entre os 30 e os 60 anos. A diferença média de 
estaturas entre sexos é aproximadamente 10 cm, variando nos homens entre 161 e 171 cm e nas mulheres 
entre 150 e 160 cm. A robustez foi variável, obtendo-se tanto valores inferiores como superiores à média. O 
achatamento embora com alguma variabilidade, é tendencialmente alto para todos os ossos.
 No âmbito das patologias degenerativas, não foram registados casos muito severos de artrose ou de 
entesopatias.
 Todas as infecções ocorrem em ossos adultos e foram classificadas como não específicas, estando sempre 
confinadas ao periósteo (periostite). As lesões são geralmente ligeiras e atingem preferencialmente as tíbias e 
fíbulas. 
 As patologias traumáticas também só foram diagnosticadas no grupo dos adultos. São fracturas sempre 
remodeladas e com excepção de um caso onde ocorreu danificação dos tecidos moles envolventes, não se 
observam alterações ósseas secundárias.
 A análise dentária revelou um desgaste dentário acentuado, algumas cáries mas não muito severas, baixa 
frequência de tártaro assim como de doença periodontal e abcessos.
Abstract
 The present work refers to the paleobiological study of 17 burials from the necropolis of the old church 
of Santa Maria da Graça in Lagos. The sexual distinction among bones points to a greater number of male 
individuals (3:1) and the highest mortality rate is seen around 2 years old, teenagers and between the 30 to 60 
years old group.
 Height average distinction between sexes is c. 10 cm, varying among males between 161 and 171 cm and 
between 150 and 160 cm among females. Robustness was variable, with both lower and higher media rates. 
Bones flattening though with some variability is high for all bones.
 Regarding degenerative pathologies, no severe cases of arthrosis or enthesopathies were found.
 All infections recorded occurred in adult bones and were classified as non-specific, and were always 
circumscribed to the periosteo (periosteum). Lesions were in general light and occurred mainly in shinbones and 
fibulas.
 Traumatic pathologies were also only diagnosed in the adult group. Those were all recovered fractures 
with the exception of one case where the surrounding soft tissues were damaged; no secondary ostheological 
alterations were visible.
 Dental analysis showed high wear, some cavities though not severe, low frequency of tartar as well as of 
periodontal disease and abscesses.
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Pedro Almeida, Miguel Serra
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1. Introdução
 No seguimento da intervenção realizada em 
2004, no Largo da Santa Maria da Graça (centro 
Histórico de Lagos), e no âmbito do projecto Polis, 
realizou-se, entre Setembro e Outubro de 2005, 
uma intervenção arqueológica na Rua do Adro (área 
contígua à igreja de Santa Maria da Graça, destruída 
pelo terramoto de 1755, posteriormente transfor-
mada em cemitério) na perspectiva de identificar e 
registar possíveis enterramentos, minimizando os 
eventuais impactos negativos provocados pela obra 
a realizar no referido local.
2. Contextualização
 A área física adscrita aos mortos na Idade 
Média e Moderna era todo o espaço religioso 
existente nas cidades, desde os cemitérios junto a 
igrejas, adros e interior de templos. Sendo verdadeira 
a interpenetração e sobreposição de espaços, ou 
seja, a múltipla funcionalidade dos mesmos, não é 
raro verificar exemplos de convivência entre vivos 
em locais reservados aos mortos. Assim, os adros das 
igrejas, pela sua dimensão, albergavam frequente-
mente área de cemitério e de comercialização e 
convívio.
Fig. 1 – Registo na Rua do Adro
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 Durante os trabalhos, foi identificada a 
continuação da área de necrópole, contígua ao 
Largo de Santa Maria da Graça (Díaz-Guardamino 
et alii, 2005), com dezasseis enterramentos, alguns 
com ossário, circunscritos apenas a três sondagens, 
numa área de 113,5 metros quadrados, não havendo, 
portanto, uma homogeneidade na sua distribuição. 
É de salientar que todos eles se encontravam em 
muito mau estado de conservação, outros parcial-
mente destruídos, muito provavelmente pelas 
cons-tantes modificação e obras efectuadas na rua, 
nomeadamente abertura de valas para saneamento.
 Todos os enterramentos foram feitos em 
fossas escavadas no substrato rochoso, com forma 
ovalada e orientadas no sentido O – E, sendo 
posteriormente cobertas com a terra retirada, não 
mostrando grande preocupação na inumação. Fig. 2 – Trabalhos de campo na Rua do Adro
Fig. 3 – Trabalhos de campo na Rua do Adro
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Quadro 1 - Métodos utilizados na análise paleobiológica
Alguns enterramentos apresentam espólio, normal-
mente moedas, objecto aliás bastante conhecido 
como pagamento da passagem do rio Styx. 
 Ainda não é possível determinar a crono-
logia destes enterramentos, visto o espólio a eles 
associado ainda se encontrar em fase de estudo.
 De salientar o enterramento 146, um indiví-
duo do sexo masculino, adulto, depositado em 
decúbito ventral, com os ossos parcialmente 
carbonizados (côndilos, parte de trás das epífises 
superiores da tíbia, parte de trás das vértebras 
torácicas e mãos).
 Para além da posição pouco comum aos 
rituais de inumação católicos, estas marcas de 
fogo nos ossos indicam, muito possivelmente, que 
estamos perante um indivíduo proscrito e castigado 
pela comunidade católica local, ou até mesmo pelo 
tribunal distrital da Inquisição.
 No caso do enterramento 146, é possível que 
o indivíduo tenha sido condenado por aberração 
sexual, crime punido com a flagelação da carne. É 
quase certo que tenha recebido o perdão antes de 
morrer, ou até depois, já que o seu corpo, apesar 
de diferenciado pela posição, repousa juntamente 
com o resto da comunidade.
3. Localização
 O local intervencionado localiza-se em plena 
malha urbana da cidade de Lagos, dentro do núcleo 
muralhado primitivo, na zona Noroeste da muralha 
Filipina, em zona central da Rua do Adro.
 Administrativamente pertence ao distrito 
de Faro, concelho de Lagos, freguesia de Santa 
Maria, encontrando-se nas seguintes coordenadas 
geográficas da CMP 1:25000, n.602: Longitude N: 
37º 05` 53``, Latitude W: 08º 40` 18``, Altitude: 28 
metros
4. Paleobiologia
4.1. Métodos
 Na tabela 1 estão referidas as metodologias 
utilizadas no estudo paleobiológico: demográfico, 
morfológico e patológico.
4.2. Resultados
 Os enterramentos desta área da necrópole 
estavam depositados em fossas de inumação 
abertas no substrato ou no nível geológico, com 
uma orientação predominantemente W-E. Das 21 
sepulturas, 12 apresentam indícios de reutilização, 
tendo sido contabilizados 34 indivíduos de ossário. 
Em relação ao contexto funerário, salientam-se 
três indivíduos: 157 e 158 (adulto e criança, respec-
tivamente) sepultados directamente numa lixeira 
constituída quaseexclusivamente por conchas de 
diversos bivalves, e o enterramento 146 (masculino 
adulto), deposto em decúbito ventral (Figuras 4 e 
5), com áreas do esqueleto carbonizadas.
 A diagnose sexual aponta para um maior 
número de homens em relação às mulheres, numa 
proporção de 3:1. Em relação à idade, existe maior 
número de indivíduos imaturos (56%) do que de 
adultos (44%). Nas crianças a maior mortalidade é 
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Fig. 4 – Enterramento 146 em decúbito ventral com ossos queimados
Fig. 5 – Enterramento 146 (pormenor) 
observada aos 2 anos e na adolescência, enquanto 
que no grupo dos adultos, obtêm-se mais indivíduos 
entre os 30 e os 60 anos.
 A diferença média de estaturas entre sexos é 
aproximadamente 10 cm, variando nos homens entre 
161 e 171 cm e nas mulheres entre 150 e 160 cm. Os 
ossos são de uma maneira geral muito achatados, e 
apresentam uma robustez variável.
 No âmbito das patologias degenerativas 
(Figura 6), não foram registados casos muito severos 
de artrose ou de entesopatias. 
 Todas as infecções ocorrem em ossos adultos 
e foram classificadas como não específicas, estando 
sempre confinadas ao periósteo (periostite). 
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 As patologias traumáticas (Figuras 7 e 8) 
também só foram diagnosticadas no grupo dos 
adultos. São fracturas sempre remodeladas e com 
excepção de um caso onde ocorreu danificação 
dos tecidos moles envolventes, não se observam 
alterações ósseas secundárias.
 Os indicadores de stress foram analisados 
numa amostra muito pequena. Os três crânios 
completos exibem hiperostose ao nível do tecto das 
orbitas (cribra orbitalia).
 Em relação às hipoplasias lineares do esmalte 
dentário, só foram observadas em dentes definitivos, 
ocorrendo em número superior na dentição anterior, 
em especial nos caninos.
 A análise estomatológica evidenciou que 
todos os indivíduos adultos perderem pelo menos 
um dente em vida. O desgaste é bastante frequente 
tanto na dentição de leite dos sub-adultos como 
na definitiva dos adultos, e em ambos os casos não 
atinge graus muito avançados. 
 Foram detectados um abcesso e dez cáries 
em oito indivíduos, ocorrendo sempre em dentes 
definitivos. As lesões são pequenas e atingem 
preferencialmente os dentes posteriores. Os dados 
obtidos para o tártaro e para a doença periodontal 
indicam que estas patologias são muito pouco 
frequentes nas crianças, e ligeiramente superiores 
nos adultos.
5. Discussão e Conclusão
 Dos resultados obtidos é necessário destacar o 
maior número de homens relativamente às mulheres, 
assim como a ausência de crianças com idades 
inferior aos dois anos. Estes valores são coincidentes 
com estudos anteriores onde foram analisados outros 
indivíduos desta mesma população (Costa et al, 
2005). No entanto, como não se conhece ainda os 
limites da necrópole, é preferível atribuir este padrão 
pouco usual a um possível uso diferencial do espaço 
funerário.
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Fig. 8 – Fractura num metatarsiano do ossário do enter-
ramento 146
Fig. 6 – Vértebra lombar do enterramento 162 com artrose
Fig. 7 – Lesão traumática no crânio do ossário do enter-
ramento 160
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