Buscar

Evolução das Relações Educação-Trabalho

Prévia do material em texto

1 
CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA 
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
 
 
ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE AULA PARA EAD 
(MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO) 
 
Curso: Engenharia de Produção / UFF-CEFET/RJ 
Disciplina: Psicologia e Sociologia do Trabalho 
 
Conteudista: Alexandre de Carvalho Castro 
 
AULA 3 – Questões históricas, sociológicas e psicológicas das relações entre educação e 
trabalho 
 
META 
Apresentar a evolução histórica das relações entre educação e trabalho 
 
 
OBJETIVOS 
Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 
1. Identificar autores e momentos históricos importantes do desenvolvimento da 
educação tecnológica e da atividade produtiva; 
2. Entender a evolução histórica das relações entre educação e trabalho 
 
 
 
PRÉ-REQUISITOS 
Esta aula não demanda pré-requisitos especiais. 
 
 2 
 
1. INTRODUÇÃO: 
 
Nas duas últimas aulas vimos, panoramicamente, aspectos da Psicologia e da Sociologia 
do Trabalho. Nesta aula, a partir de alguns autores específicos, iremos tentar mostrar 
como, historicamente, essas abordagens convergem para a questão da educação 
tecnológica e do trabalho. 
Sim! Vários autores perceberam que a educação precisa ser voltada para o trabalho, para 
a qualificação profissional, e isso interessa tanto à psicologia quanto à sociologia. Esta, 
como você sabe, é a nossa terceira aula. E a apresentação, didaticamente, será um pouco 
diferente, pois algumas idéias e autores serão apresentados em enquadramentos 
históricos comparativos. E você é quem vai decidir quais os pensamentos e propostas são 
mais adequados à qualificação profissional e à Educação para o Trabalho, hoje em dia. 
O desenvolvimento da aula, portanto, segue uma linha histórica. E como não seria possível 
citar todo mundo, foram escolhidos teóricos que são frequentemente referidos pela 
Sociologia do Trabalho. Afinal de contas, desde as últimas décadas do século XX, assiste-se 
a introdução, no Brasil, de teorias críticas da relação entre Educação e Trabalho, por meio 
de um intensificado esforço dos educadores brasileiros na definição de uma proposta 
pedagógica; e, além disso, na estruturação de uma correspondente organização de ensino 
que venha a responder às demandas da qualificação tecnológica, na fase de 
desenvolvimento industrial que o país intermitentemente atravessa. 
 
2. DESENVOLVIMENTO: 
 
O Engenheiro de Produção típico geralmente não se interessa muito por história. Mas isso 
é um erro, principalmente para aqueles que têm de lidar com a educação tecnológica e a 
qualificação profissional. 
O desenvolvimento proposto nessa aula identificará autores e idéias como tópicos de 
discussão. Um aviso, porém, antes de tudo. Os tópicos a seguir são análogos aos da 
linguagem da medicina, onde um tópico é eminentemente restrito, um medicamento cuja 
 3 
aplicação é estritamente local, exercendo efeito única e exclusivamente onde é aplicado. 
A intenção aqui não é a de discutir profundamente História Social da Educação & 
Trabalho, mas oferecer apenas alguns temas pontuais de reflexão. 
 
2.1 Platão 
 
[Inserir imagem de Platão numa diagramação harmônica com o Box] 
 
 
Em “A República”, Platão, que foi um dos 
principais filósofos gregos do V séc a.C., 
redigiu uma narrativa que passou a ser 
conhecida como “O mito da caverna”. 
Esse texto de Platão, escrito há séculos, 
mantém sua permanente atualidade 
quando demonstra a incômoda existência 
de uma condição de bloqueio 
epistemológico no campo da 
aprendizagem. No texto do Box deste 
tópico, o antigo mito sofre uma 
atualização de termos, mas a idéia básica 
mantém a mesma estrutura do autor 
original. 
A discussão do que seria a educação em 
Platão pode ser incorporada à educação 
tecnológica, com grandes ganhos de 
análise. Dê uma olhada, há vários vídeos 
no Youtube que exploram essa questão. 
 
A sala, hermeticamente fechada. O 
ambiente, tecnologicamente asséptico. E 
os homens, sentados em seus terminais, 
contemplavam os movimentos das 
sombras nas telas de seus monitores. A 
mediação com a realidade se processava 
em bytes que não dimensionavam o 
conhecimento do Homo Tecnologicus 
enquanto humano. O inconsciente coletivo 
se via circunscrito apenas ao potencial 
randômico das memórias contidas nos 
‘chips’. Triste, muito triste, situação. 
Não que não houvesse convites. Apelos. Os 
de fora sempre chamavam com insistência, 
pedindo que os de dentro verificassem a 
realidade como ela é. Mesmo que, em 
essência, um simulacro. Afinal, era 
necessário perceber os efeitos da 
tecnologia na vida do próprio homem. E da 
sociedade. 
 
 
 
 
 
 
 4 
 
 
 
 
2.2 Karl Marx (1818-1883) 
 
Karl Marx, muitas vezes em parceria com seu influente amigo, Friedrich Engels, elaborou 
um sistema teórico que influenciou largamente o pensamento político, histórico e 
econômico no decorrer do século passado. 
Marx sustentava que o ser humano se 
constitui a si mesmo através de sua atividade, 
que é uma atividade especial - práxis - que o 
caracteriza particularmente. Para Marx, o 
homem se tornou homem através do 
trabalho. Mas, ponderava ele, há uma falta de 
realização do homem na sociedade moderna 
no âmbito da esfera do trabalho. Isso porque 
as classes sociais privilegiadas, que detém os 
mecanismos dos meios de produção, impõem 
formas de trabalho ao homem que o alienam 
do produto de seu trabalho, e o exploram. O 
chamado modo de produção capitalista 
agravou esse quadro e aumentou os abismos 
sociais. 
Marx desenvolveu uma concepção de história 
segundo a qual a realidade atual não decorre 
naturalmente da condição humana, mas, ao 
contrário, foi preparada e construída 
socialmente através de longos processos 
Para Leandro Konder, referência em 
estudos brasileiros sobre marxismo, apesar 
das grandes oposições em contrário, a 
influência marxista na educação brasileira 
se concretizou através do ‘método Paulo 
Freire’. Isso porque o conhecido professor 
Paulo Freire desenvolveu um método de 
alfabetização de adultos ligado, entre outras 
coisas, ao mundo do trabalho. 
O homem do povo, ao se alfabetizar, era 
levado a encarar sua realidade imediata, 
inclusive suas condições precárias de 
trabalho, por meio de frases que remetiam 
ao seu mundo. 
 5 
históricos, razão pela qual pode vir a ser superada. Sua teoria, chamada de ‘Materialismo 
Histórico’, viria a ser alvo de enormes controvérsias entre seus seguidores, que viriam a 
explicá-la de forma acentuadamente diferente. Explicitar distinções entre essas 
interpretações, entretanto, fugiria totalmente ao âmbito desta aula. Por enquanto, basta 
acentuar que nem todos que citam Marx defendem necessariamente as mesmas ideias. 
Marx, que viveu boa parte de sua vida exilado em Londres, esteve intimamente ligado à 
criação da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864 e 
extinta em 1872. Depois dele, ocorreram muitos desenvolvimentos posteriores de seu 
pensamento original, particularmente através de Lênin e Stálin. Algumas de suas 
contribuições implicaram desenvolvimentos 
na área da educação, além, é claro, de 
muitas outras discussões no campo da 
Sociologia do Trabalho. 
 
 
2.3 Anton Makarenko (1888 - 1939) 
 
Makarenko procurou dar vazão às teorias 
de Marx e concebeu uma escola baseada no 
trabalho produtivo. Seu pensamento se 
estruturou, obviamente, da situação 
histórica em que se encontrava, em pleno 
decorrer das reformas de base da revolução 
Bolchevique. Os bolcheviques haviam 
fundado, após violenta guerra civil, um novo 
estado — a União Soviética — sob a 
liderança de Lênin. 
Nesse sentido, Makarenko se deparou com 
grandes desafios. Em especial, precisava 
Dentro dos critérios do Marxismo, 
Makarenko desenvolveu uma proposta 
pedagógica com as seguintes 
características básicas: 
- A escola era concebida, desenvolvidae 
inserida em um ‘coletivo’ que produzia 
bens econômicos. 
- O ensino era oferecido para todos de 
forma gratuita. 
- A filosofia de ensino tinha forte caráter 
politécnico, para familiarizar os alunos com 
as bases científicas e os aspectos técnico-
práticos das atividades produtivas 
industriais e agrícolas. 
- A politecnia concebia o trabalho como 
princípio educativo, visando integrar a 
profissionalização com a educação geral 
ligada ao mundo do trabalho. 
 
 6 
prover qualificação destinada à necessidades econômicas e oferecer educação de base 
para toda a população. E os índices não eram nada animadores posto que apontavam para 
80% de analfabetos em 1917, ano da revolução. 
 
 
2.4 Antonio Gramsci (1891-1937) 
 
As perspectivas em Educação e Trabalho sob teorias oficializadas pelo Stalinismo no plano 
comunista internacional sofreram grande crítica na Itália, sobretudo pela obra de Antonio 
Gramsci, numa época em que as forças fascistas cresciam espantosamente. Em Gramsci, 
as figuras do líder político e do filósofo se fundem em uma só pessoa, cuja ação no seio da 
classe operária e cujas idéias a serviço da ascensão da mesma classe, incomodaram a 
Mussolini, a tal ponto que este o manteve preso no cárcere até a morte. 
Intimamente ligado à luta concreta das classes populares e influenciado desde a infância 
pelo bom senso de seus pais, camponeses pobres da Sardenha, Gramsci procurou abordar 
numa linguagem simples e clara os problemas ideológicos que a atualidade propunha à 
sua inteligência. Daí o caráter fragmentário de sua obra, que não se apresenta no quadro 
de um sistema, mas como uma série de reflexões informadas pela intenção profunda de 
fidelidade ao pensamento de Marx. Aliás, em nome dessa fidelidade é que Gramsci 
desenvolve profundas críticas a alguns outros ‘teóricos’ do marxismo. 
Em seu livro ‘Concepção Dialética da História’, Gramsci defende a idéia de que a 
concepção do mundo mais eficaz é aquela que resulta da atividade real de cada um, a que 
se encontra implícita na ação humana. Daí a importância do trabalho e do labor humano. 
Quando aborda problemas de filosofia e história, o autor acha que a filosofia de uma 
época histórica é a ‘história’ desta mesma época. ‘História’ como norma de ação 
resultante de uma combinação das concepções de mundo anteriores. Nesse sentido, 
história e filosofia formam um só bloco, um bloco histórico que integra na totalidade a 
estrutura econômica e as superestruturas ideológicas. Assim, Gramsci consegue escapar 
tanto do idealismo quanto do materialismo mecanicista herdado do positivismo. A história 
 7 
é simplesmente a práxis humana, ou seja, a resultante concreta da reflexão do homem 
que se exerce a partir das necessidades de aperfeiçoamento da organização do mundo. 
A sua noção de filosofia criadora opõe-se igualmente a qualquer cristalização ideológica e 
inscreve-se numa perspectiva marxista dinâmica. Com efeito, perguntando-se se a 
filosofia cria o mundo exterior, Gramsci começa por colocar o problema de uma maneira 
historicista, situando na base da filosofia uma vontade racional que se realiza enquanto 
corresponde às necessidades objetivas históricas. E o conceito de criatividade já presente 
na filosofia clássica alemã, arrancado de sua perspectiva idealista, gera, na filosofia da 
práxis (a proposta dele), um pensamento criador que assume a concepção do mundo 
difuso na multidão, a racionaliza, a historiciza e converte-se em norma ativa de conduta. 
A filosofia da práxis aparece como sendo uma das preocupações mais importantes do 
autor. Gramsci sublinha a importância das questões de método em relação aos escritos de 
Marx. Tal insistência se justifica, pois em a ‘Concepção Dialética da História’, Gramsci 
dedica bom espaço de texto para criticar o ‘Manual Popular de Sociologia Marxista’ 
publicado por Bukharin, em 1921. Seu objetivo era denunciar o que chamava de 
materialismo vulgar em que foi reduzida a filosofia da práxis. 
No que diz respeito a relação entre Educação e Trabalho, o ser humano aparece como 
outro tema de reflexão fundamental. Gramsci procura defini-lo como um processo, o 
processo de seus atos, levando em consideração o contexto de sua atualidade. Interessa-
se pelo homem “hoje, nas condições de hoje, da vida de hoje, e não de uma vida qualquer 
ou de um homem qualquer.” Desse modo, encontra-se em Gramsci o respeito ao 
funcionamento da liberdade individual, liberdade esta também criadora. Essa liberdade 
deve, porém, inserir-se no conjunto das relações humanas que determinam os processos 
dos atos humanos, da práxis humana. E os contatos do homem entre si não podem, 
afirma Gramsci, se realizar por justaposição, mas sim ‘organicamente’, na medida em que 
o indivíduo passa a fazer parte de organismos, dos mais simples aos mais complexos. 
Em ‘Os intelectuais e a formação da cultura’, há também textos importantes, onde 
Antonio Gramsci desenvolve grandemente a concepção do que seria a educação numa 
perspectiva marxista. Segundo ele, cada grupo social cria para si ‘de um modo orgânico’, 
 8 
camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função. 
Assim, ao lado do intelectual tradicional, há o orgânico. 
Gramsci assinala, entretanto, que a massa dos camponeses — função produtiva 
importante — não tem seus intelectuais orgânicos. E o problema estava na estrutura de 
ensino, pois havia uma escola profissional destinada à classe instrumental, e outra — a 
clássica — orientada para as classes dominantes. Para ele, a crise da organização escolar 
era um aspecto da crise orgânica. 
Ora, se cabe ao intelectual homogeneizar a classe e levá-la à consciência histórica, é 
preciso reformular então a estrutura do ensino. É preciso criar condições para a formação 
de intelectuais orgânicos entre as camadas populares, entre as classes proletárias. A 
função desse ‘intelectual’ seria a de transformar uma classe ‘em-si’ em uma classe ‘para-
si’. 
Sua defesa da escola unitária — de uma organização educacional que ligue organicamente 
a formação humanista concreta e a atividade prática — tem seu ponto de partida na 
crítica radical à tradicional divisão entre escolas ‘humanistas’ e escolas técnicas. Para 
Gramsci, a solução estaria em uma escola única que equilibrasse o desenvolvimento da 
capacidade técnica e o intelectual. 
Em suma, a proposta teórica de Gramsci — a de uma escola unitária — incorporaria duas 
vertentes principais: (1) A escola unitária requer participação do Estado; (2) A escola 
unitária significa novas relações entre trabalho intelectual e industrial. 
 
2.5 Um olhar para o futuro 
 
Em que pese a contribuição de autores que historicamente discutiram a Educação e o 
Trabalho, há de se refletir sobre cenários futuros. Então, nesta aula vamos explorar 
também novos campos, outros horizontes. A literatura, particularmente, nos oferece 
conceitos muito vívidos para a análise do mundo em que vivemos. Principalmente no que 
tange ao impacto tecnológico, encontramos no gênero da ‘ficção científica’ ilustrações 
incrivelmente sugestivas dos possíveis reveses do progresso (?!) da ciência. 
 9 
Isaac Asimov, em um livro clássico com textos 
escritos originalmente em 1939 — “Eu Robô” 
(coletânea de contos publicada em 1950), 
concebeu um mundo em que gradativamente 
os robôs ocupavam o espaço humano. Talvez 
você até já tenha visto o filme (baseado nos contos desse livro), lançado em 2004 pela 
20th Century Fox, com Will Smith. A narrativa aludia a uma sociedade tecnologizada ao 
extremo, situada em 2035. E a relação do homem com a tecnologia era intermediada pelo 
que chamou de leis da robótica. Como metáfora da discussão entre Educação e Trabalho, 
assim como do impacto da tecnologia no homem e na sociedade, duas dessas leis servirão 
para firmar as vertentes de um olhar futuros cenários. 
 
 
2.5.1 Primeira lei: A tecnologia deve ser benéfica ao homem.O emprego da tecnologia de forma desumanizadora impede que o homem se realize 
plenamente. E o que constatamos é que o efeito da sociedade tecnológica sobre o homem 
— como indivíduo — tem implicado na fragmentação da consciência individual, na ruptura 
da visão do homem sobre o ‘humano’ em si mesmo. No dizer de Habermas, filósofo 
alemão que se interessou em discutir as aplicações da tecnologia, há uma total dicotomia 
entre a razão instrumental e a razão social. 
A racionalidade técnica, que objetiva a apropriação da natureza, gira em torno de uma 
razão instrumental. Seus interesses procuram atingir o resultado máximo desejável com o 
mínimo possível de meios. Assim, a tecnologia continuamente permite ao homem 
gerenciar seu domínio sobre os elementos e recursos naturais ao seu redor. A razão 
humana, entretanto, pouco avança nos domínios do homem interior, ou na compreensão 
intersubjetiva dos homens entre si, acerca do sentido de suas próprias vidas. Considere, 
nesse sentido, as palavras de Flávio Siebeneichler, no Box ao lado: 
As três leis da robótica, segundo Asimov: 
 
a) Os robôs não podem fazer mal a um ser 
humano. 
 
b) Os robôs devem servir à sociedade. 
 
c) Os robôs devem preservar a si mesmos. 
 
 10 
Torna-se necessário, portanto, dimensionar a 
tecnologia numa perspectiva mais social. De 
modo que não favoreça a alienação do homem. 
Nem do produto de seu trabalho, conforme 
critérios econômicos-sociais; nem de si mesmo, 
segundo categorias humanistas-existenciais. 
Heidegger, outro filósofo alemão, em um 
escrito de 1953 - ‘A essência da técnica’, chegou a dizer que a tecnologia pode obstacular 
a visão do homem quanto ao seu próprio núcleo de sentido existencial. Veja como Michel 
Renaud comentou esse fato no Box ao lado. 
Ao analisarmos o impacto negativo da 
tecnologia no indivíduo precisamos, no 
entanto, fazer algumas considerações. A 
tecnologia não existe como entidade 
autônoma. Não apareceu do limbo de um 
hiato histórico, nem surgiu do nada. Ela 
foi criada pelo homem. E esse deve ser o 
ponto de partida básico de qualquer 
análise do conteúdo ético da tecnologia. 
 
 
Em si mesma, vamos generalizar aqui para simplificar o argumento, a tecnologia não é um 
bem nem um mal. É apenas um instrumento. O problema está nos usos (e abusos) 
impróprios e deletérios. E é o interesse político do homem que determina os 
pressupostos, os meios e os objetivos da tecnologia. E isso tem a ver com a educação para 
o trabalho e a qualificação profissional. 
O problema - assim como toda a possibilidade de solução - está na esfera volitiva do Homo 
Politicus; criador, mentor e idealizador do Homo Tecnologicus. E infelizmente (ou 
felizmente, quem sabe?) é justamente essa vontade política que determina a questão da 
“O avanço indevido das formas de racionalidade 
técnica (...), em áreas dos valores éticos, fragmenta 
o mundo da vida e da cultura em dois campos: de 
um lado temos normas e orientações técnicas cada 
vez mais sofisticadas para a ação humana no campo 
instrumental, técnico. De outro lado, as normas e 
valores éticos da ação humana vão se 
generalizando cada vez mais, até o ponto de sua 
diluição ou extinção completa, de que resulta o 
ceticismo moral.” 
Siebeneichler, Flávio Beno. A crise como resultante do desequilíbrio 
entre sistema e mundo vital. In: JURGEN HABERMAS: Razão 
Comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989. 
p.41. 
“O homem que se lança de modo cego no 
caminho da técnica, esperando dela a 
resolução de todos os problemas e 
entregando-lhe todas as suas esperanças, 
vai à frente de um fracasso, pois o sentido 
do ser, da existência e do agir, deborda o 
domínio da produção técnica.” 
 
RENAUD, M. em A essência da técnica segundo 
Heidegger, Revista Portuguesa de Filosofia, 45 (1989) p. 
367. 
 11 
educação e do trabalho. O crescente desenvolvimento econômico e tecnológico não têm 
implicado em uma melhor qualidade de vida para grande parcela da população mundial. A 
mídia costuma perguntar de maneira sensacionalista como é possível ao homem, que já 
foi à lua, viver em condições tão sub-humanas de vida. A resposta é simples: O homem 
despossuído que passa necessidades não é o mesmo que usufrui os benefícios dos 
avanços econômicos e das conquistas tecnológicas. Entre os dois há um grande abismo, 
gerado pela educação que cada pessoa recebe; ou para um trabalho qualificado, ou para 
ser apenas um peão de obra. 
No chamado Terceiro Mundo de uma forma geral, e no Brasil de modo mais particular, há 
milhões de pessoas totalmente alienadas dos programas de desenvolvimento gerados por 
uma ótica onde o pressuposto básico é de que o homem é lobo do próprio homem. A 
imposição da cosmovisão neoliberal por parte dos países ricos precisa ser analisada 
dentro da perspectiva da necessidade ética de democratizar o acesso aos meios de 
produção e, consequentemente, a uma educação qualificada. 
Fica, então, diante do Homo Politicus, o desafio de aplicar especificamente à tecnologia o 
que Bertold Bretch disse de forma genérica: “Eu sustento que a única finalidade da ciência 
está em aliviar a miséria da existência humana”.1 
 
 
2.5.2. Segunda lei: A tecnologia deve servir à sociedade. 
 
A análise dos efeitos da sociedade tecnológica nos remete necessariamente à 
considerações de cunho sociológico. Edward 
Hallet Carr, titular da cadeira de história na 
Universidade de Cambridge, afirma 
categoricamente que o conceito de ‘indivíduo’ e 
o de ‘sociedade’ estão profundamente 
 
1 Citado por Rubem Alves em Filosofia da Ciência - Introdução ao jogo e suas regras. São 
Paulo: Brasiliense, 1982. p.207. 
 “Nas sociedades industriais desenvolvidas de hoje 
a ciência transformou-se no motor do progresso 
técnico, chegando assim à condição de primeira 
força de produção. Entretanto, quem de nós espera 
dela um aprofundamento da reflexão, ou mesmo 
um maior grau de emancipação? Não temos mais 
uma filosofia da história, a qual jogamos no ferro 
velho. Será que há teorias substitutas, capazes de 
esclarecer as consequências do progresso técnico-
científico para a vida prática?” 
Citado em: Siebeneichler, Flávio Beno. A mediação entre a 
racionalidade técnica e prática. In: JURGEN HABERMAS: Razão 
Comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989. 
p.72. 
 
 12 
imbricados, são inseparáveis. Para ele, “não chegaremos a qualquer compreensão real se 
tentarmos operar com o conceito de um indivíduo abstrato permanecendo fora da 
sociedade”2. Por isso, é necessário ir além da mera análise do impacto da tecnologia no 
indivíduo. É preciso ver também a influência tecnológica exercida sobre o homem 
coletivamente, como sociedade. 
Nesse sentido, verifica-se que a tecnologia está se tornando uma ferramenta 
indispensável a todos os setores do mundo contemporâneo. O crescente desenvolvimento 
tecnológico está modificando o comportamento social humano. Como, então, interpretar 
essa tendência em seu caráter distintivo? 
Em seu artigo ‘Conseqüências práticas do progresso técnico científico’, publicado em 
1968, o já citado Habermas procurou situar o sentido da tecnologia em torno da 
problemática histórica da sociedade. Suas questões são de penetrante relevância (veja 
Box). 
A proposta teórica de Habermas para explicitar os efeitos da sociedade tecnológica, 
aponta uma crítica à absolutização da técnica em detrimento da vida social. A explicação 
para tal vertente se encontra na subjetivação própria da sociedade de consumo, 
alimentada pelos interesses da ideologia vigente. 
 
Verifica-se, assim, que a Societate Tecnologicae é um subproduto da Societate Politicae. 
Aliás, essa foi a constatação do colóquio organizado pela Divisão de Filosofia da UNESCO, 
em julho de 1974, em torno da temática do desafio da ciência e da tecnologia às culturas. 
Na ocasião, Jean Ladrière, filósofo dedicado aoaprofundamento das relações entre 
ciência e filosofia, ficou encarregado de elaborar uma obra que dimensionasse de forma 
prospectiva o impacto da tecnologia na cultura e, em especial, na ética social. Então, ao 
analisar tanto os aspectos positivos quanto os negativos de todo o processo, Ladrière 
afirmou: 
 
 
 
2 CARR,E.H. Que é história? Trad. Lúcia Maurício de Alverga. 7a. edição. Rio de Janeiro: Paz 
e Terra, 1996. p.71 
 13 
“Ora, nada garante que as finalidades imanentes do sistema científico-técnico marchem 
sempre e necessariamente no sentido das finalidades que a sociedade pode propor-se e, 
em especial, das finalidades de ordem ética que ela pode fazer valer em seus diferentes 
setores de atividade (particularmente no setor político que diz respeito, de modo direto, 
ao devir da coletividade enquanto tal).” 3 
 
Essa perspectiva acentua o contraste muitas vezes existente nas situações em que as 
finalidades da performance tecnológica não se articulam de forma clara com as finalidades 
sociais mais emergentes. Pelo menos, não com as dos grupos sociais minoritários, pois 
tendem a estar sempre - é claro! - coadunadas com os interesses das elites dominantes. 
Ao analisarmos, portanto, as relações entre Educação e Trabalho e o impacto da 
tecnologia na sociedade, temos de discernir o elemento de heterogeneidade subjacente 
na textura social. Nem todos os grupos sociais compartilham das mesmas opiniões, nem 
estão em idênticos patamares de exercício do poder. Nem todos são iguais. Ou, nas 
palavras de George Orwell, “todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os 
outros”.4 
 
A influência da tecnologia na sociedade é multifacetada em função das dissonâncias entre 
as distintas camadas sociais. Esses efeitos fragmentários não dizem respeito àpenas aos 
diferentes graus de avanços tecnológicos embutidos nos bens de consumo, 
disponibilizados para alguns poucos. Vão muito além. 
Em uma obra5 publicada no início da década de 90, Habermas se apoiou nas 
considerações de Ernst Bloch (Direito natural e dignidade humana) para reafirmar a 
 
3 LADRIÈRE, J. Os Desafios da Racionalidade - O desafio da ciência e da tecnologia às 
culturas. Trad. Hilton Japiassu. Petrópolis: Vozes, 1979. p.155 
4 Na conclusão de sua interessantíssima fábula - ‘Animal Farm’. 
5 Elaborado em termos de uma entrevista feita por escrito e concedida a Michael Haller, 
por via postal, em abril de 1991, o livro tenta, nas palavras introdutórias de Flávio 
Siebeneichler “lançar luzes do esclarecimento habermasiano sobre temas atuais do 
cenário político europeu e mundial” (pág.9). HABERMAS,J. Passado como futuro. Trad. 
Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1993. 112p. 
 14 
independência de dois conceitos fundamentais para qualquer investigação social: o direito 
natural e a utopia social. Enquanto este retrata condições nas quais o povo vive melhor; 
aquele, menos enfatizado, constrói condições para que os oprimidos possam 
efetivamente se restaurar. Há inúmeros exemplos históricos da inexistência de um nexo 
automático entre o direto dos povos e as utopias sociais. Infelizmente, nem sempre um 
discurso implica no outro. Daí sua conclusão: “os filósofos não são capazes de transformar 
o mundo. O que nós necessitamos é de um pouco mais de práticas solidárias; sem isso, o 
próprio agir inteligente permanece sem consistência, e sem conseqüências.”6 
Se partirmos da observação de Habermas alcançaremos o âmago do problema. O impacto 
da tecnologia na sociedade deve ser intermediado por práticas solidárias que marcam 
uma racionalidade regida pelo agir responsável. Por mais utópica que tal tarefa possa 
parecer. 
Nesse livro, que vislumbrou a perplexidade dos derradeiros anos do milênio, Habermas se 
posicionou radicalmente contrário à “crença da filosofia da história, segundo a qual o 
espírito do mundo só se coloca tarefas que ele realmente pode resolver.”7 Ele vê o mundo 
cheio de ricas e criativas tensões. Não garante o sucesso do agir responsável diante das 
possibilidades, mas indica a necessidade de tentar. Por isso, traz luz às cavernas de Platão, 
onde a letargia das sombras abissais insiste em se mover num passado que emudece o 
futuro. 
 
 
3. ATIVIDADES 
 
A atividade proposta para esta aula é a de ressaltar, dentre os autores citados, aqueles 
com quem você mais se identificou. Procure ler um pouco mais, em outras fontes, e 
aprofundar seu conhecimento. 
 
 
6 HABERMAS, J. Op. Cit. p.94 
7 HABERMAS, J. Op. Cit. p.82 
 
 15 
5. CONCLUSÃO 
Na conclusão de toda essa análise, fica diante de nós, então, o desafio de repensar o 
contexto da educação tecnológica, mas não sem antes refletir nas instigantes palavras de 
Acácia Kuenzer, que defendeu a necessidade de se ampliar Sistema de Educação 
Tecnológica, que é estreito por restringir o conceito de tecnologia apenas a alguns setores 
e áreas da economia. Como ampliar essa visão, incorporando o trabalho efetivamente 
como princípio educativo? 
 
RESUMO 
Há teorias críticas da relação entre Educação e Trabalho que constituem área de interesse 
da Psicologia e da Sociologia do Trabalho, por conta da questão da qualificação 
profissional. Nessas teorias preconiza-se por uma estruturação de ensino que venha a 
responder às demandas da qualificação tecnológica necessária ao desenvolvimento 
industrial e social do país. 
 
LEITURAS RECOMENDADAS 
OFFE, C. Trabalho: Uma categoria chave da sociologia? Revista Brasileira de Ciências 
Sociais. São Paulo, v.4, n.10, p.5-19, jan.1989 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de 
Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966. 
 
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a formação da cultura. Rio de Janeiro, Civilização 
Brasileira, 1991. 
 
KONDER, Leandro. As idéias socialistas no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Moderna, 1995. 
 16 
 
KUENZER, Acácia Zeneida. Trabalho e Educação. Campinas: Papirus, 1992. p.113. 
 
MACHADO, Lucília Regina de Souza. Politecnia, Escola Unitária e Trabalho. São Paulo: 
Cortez & Autores Associados, 1989. 
 
PAIM, Antonio. História das idéias filosóficas no Brasil. São Paulo, Editora Convívio,1984. 
 
PILETTI, Claudino & PILETTI, Nelson. Filosofia e História da Educação. Rio de Janeiro, Ática, 
1985. 
CARR,E.H. Que é história? Trad. Lúcia Maurício de Alverga. 7a. edição. Rio de Janeiro: Paz e 
Terra, 1996. 
JURGEN HABERMAS: Razão Comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo 
Brasileiro,1989.

Continue navegando