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1 CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE AULA PARA EAD (MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO) Curso: Engenharia de Produção / UFF-CEFET/RJ Disciplina: Psicologia e Sociologia do Trabalho Conteudista: Alexandre de Carvalho Castro AULA 3 – Questões históricas, sociológicas e psicológicas das relações entre educação e trabalho META Apresentar a evolução histórica das relações entre educação e trabalho OBJETIVOS Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1. Identificar autores e momentos históricos importantes do desenvolvimento da educação tecnológica e da atividade produtiva; 2. Entender a evolução histórica das relações entre educação e trabalho PRÉ-REQUISITOS Esta aula não demanda pré-requisitos especiais. 2 1. INTRODUÇÃO: Nas duas últimas aulas vimos, panoramicamente, aspectos da Psicologia e da Sociologia do Trabalho. Nesta aula, a partir de alguns autores específicos, iremos tentar mostrar como, historicamente, essas abordagens convergem para a questão da educação tecnológica e do trabalho. Sim! Vários autores perceberam que a educação precisa ser voltada para o trabalho, para a qualificação profissional, e isso interessa tanto à psicologia quanto à sociologia. Esta, como você sabe, é a nossa terceira aula. E a apresentação, didaticamente, será um pouco diferente, pois algumas idéias e autores serão apresentados em enquadramentos históricos comparativos. E você é quem vai decidir quais os pensamentos e propostas são mais adequados à qualificação profissional e à Educação para o Trabalho, hoje em dia. O desenvolvimento da aula, portanto, segue uma linha histórica. E como não seria possível citar todo mundo, foram escolhidos teóricos que são frequentemente referidos pela Sociologia do Trabalho. Afinal de contas, desde as últimas décadas do século XX, assiste-se a introdução, no Brasil, de teorias críticas da relação entre Educação e Trabalho, por meio de um intensificado esforço dos educadores brasileiros na definição de uma proposta pedagógica; e, além disso, na estruturação de uma correspondente organização de ensino que venha a responder às demandas da qualificação tecnológica, na fase de desenvolvimento industrial que o país intermitentemente atravessa. 2. DESENVOLVIMENTO: O Engenheiro de Produção típico geralmente não se interessa muito por história. Mas isso é um erro, principalmente para aqueles que têm de lidar com a educação tecnológica e a qualificação profissional. O desenvolvimento proposto nessa aula identificará autores e idéias como tópicos de discussão. Um aviso, porém, antes de tudo. Os tópicos a seguir são análogos aos da linguagem da medicina, onde um tópico é eminentemente restrito, um medicamento cuja 3 aplicação é estritamente local, exercendo efeito única e exclusivamente onde é aplicado. A intenção aqui não é a de discutir profundamente História Social da Educação & Trabalho, mas oferecer apenas alguns temas pontuais de reflexão. 2.1 Platão [Inserir imagem de Platão numa diagramação harmônica com o Box] Em “A República”, Platão, que foi um dos principais filósofos gregos do V séc a.C., redigiu uma narrativa que passou a ser conhecida como “O mito da caverna”. Esse texto de Platão, escrito há séculos, mantém sua permanente atualidade quando demonstra a incômoda existência de uma condição de bloqueio epistemológico no campo da aprendizagem. No texto do Box deste tópico, o antigo mito sofre uma atualização de termos, mas a idéia básica mantém a mesma estrutura do autor original. A discussão do que seria a educação em Platão pode ser incorporada à educação tecnológica, com grandes ganhos de análise. Dê uma olhada, há vários vídeos no Youtube que exploram essa questão. A sala, hermeticamente fechada. O ambiente, tecnologicamente asséptico. E os homens, sentados em seus terminais, contemplavam os movimentos das sombras nas telas de seus monitores. A mediação com a realidade se processava em bytes que não dimensionavam o conhecimento do Homo Tecnologicus enquanto humano. O inconsciente coletivo se via circunscrito apenas ao potencial randômico das memórias contidas nos ‘chips’. Triste, muito triste, situação. Não que não houvesse convites. Apelos. Os de fora sempre chamavam com insistência, pedindo que os de dentro verificassem a realidade como ela é. Mesmo que, em essência, um simulacro. Afinal, era necessário perceber os efeitos da tecnologia na vida do próprio homem. E da sociedade. 4 2.2 Karl Marx (1818-1883) Karl Marx, muitas vezes em parceria com seu influente amigo, Friedrich Engels, elaborou um sistema teórico que influenciou largamente o pensamento político, histórico e econômico no decorrer do século passado. Marx sustentava que o ser humano se constitui a si mesmo através de sua atividade, que é uma atividade especial - práxis - que o caracteriza particularmente. Para Marx, o homem se tornou homem através do trabalho. Mas, ponderava ele, há uma falta de realização do homem na sociedade moderna no âmbito da esfera do trabalho. Isso porque as classes sociais privilegiadas, que detém os mecanismos dos meios de produção, impõem formas de trabalho ao homem que o alienam do produto de seu trabalho, e o exploram. O chamado modo de produção capitalista agravou esse quadro e aumentou os abismos sociais. Marx desenvolveu uma concepção de história segundo a qual a realidade atual não decorre naturalmente da condição humana, mas, ao contrário, foi preparada e construída socialmente através de longos processos Para Leandro Konder, referência em estudos brasileiros sobre marxismo, apesar das grandes oposições em contrário, a influência marxista na educação brasileira se concretizou através do ‘método Paulo Freire’. Isso porque o conhecido professor Paulo Freire desenvolveu um método de alfabetização de adultos ligado, entre outras coisas, ao mundo do trabalho. O homem do povo, ao se alfabetizar, era levado a encarar sua realidade imediata, inclusive suas condições precárias de trabalho, por meio de frases que remetiam ao seu mundo. 5 históricos, razão pela qual pode vir a ser superada. Sua teoria, chamada de ‘Materialismo Histórico’, viria a ser alvo de enormes controvérsias entre seus seguidores, que viriam a explicá-la de forma acentuadamente diferente. Explicitar distinções entre essas interpretações, entretanto, fugiria totalmente ao âmbito desta aula. Por enquanto, basta acentuar que nem todos que citam Marx defendem necessariamente as mesmas ideias. Marx, que viveu boa parte de sua vida exilado em Londres, esteve intimamente ligado à criação da Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864 e extinta em 1872. Depois dele, ocorreram muitos desenvolvimentos posteriores de seu pensamento original, particularmente através de Lênin e Stálin. Algumas de suas contribuições implicaram desenvolvimentos na área da educação, além, é claro, de muitas outras discussões no campo da Sociologia do Trabalho. 2.3 Anton Makarenko (1888 - 1939) Makarenko procurou dar vazão às teorias de Marx e concebeu uma escola baseada no trabalho produtivo. Seu pensamento se estruturou, obviamente, da situação histórica em que se encontrava, em pleno decorrer das reformas de base da revolução Bolchevique. Os bolcheviques haviam fundado, após violenta guerra civil, um novo estado — a União Soviética — sob a liderança de Lênin. Nesse sentido, Makarenko se deparou com grandes desafios. Em especial, precisava Dentro dos critérios do Marxismo, Makarenko desenvolveu uma proposta pedagógica com as seguintes características básicas: - A escola era concebida, desenvolvidae inserida em um ‘coletivo’ que produzia bens econômicos. - O ensino era oferecido para todos de forma gratuita. - A filosofia de ensino tinha forte caráter politécnico, para familiarizar os alunos com as bases científicas e os aspectos técnico- práticos das atividades produtivas industriais e agrícolas. - A politecnia concebia o trabalho como princípio educativo, visando integrar a profissionalização com a educação geral ligada ao mundo do trabalho. 6 prover qualificação destinada à necessidades econômicas e oferecer educação de base para toda a população. E os índices não eram nada animadores posto que apontavam para 80% de analfabetos em 1917, ano da revolução. 2.4 Antonio Gramsci (1891-1937) As perspectivas em Educação e Trabalho sob teorias oficializadas pelo Stalinismo no plano comunista internacional sofreram grande crítica na Itália, sobretudo pela obra de Antonio Gramsci, numa época em que as forças fascistas cresciam espantosamente. Em Gramsci, as figuras do líder político e do filósofo se fundem em uma só pessoa, cuja ação no seio da classe operária e cujas idéias a serviço da ascensão da mesma classe, incomodaram a Mussolini, a tal ponto que este o manteve preso no cárcere até a morte. Intimamente ligado à luta concreta das classes populares e influenciado desde a infância pelo bom senso de seus pais, camponeses pobres da Sardenha, Gramsci procurou abordar numa linguagem simples e clara os problemas ideológicos que a atualidade propunha à sua inteligência. Daí o caráter fragmentário de sua obra, que não se apresenta no quadro de um sistema, mas como uma série de reflexões informadas pela intenção profunda de fidelidade ao pensamento de Marx. Aliás, em nome dessa fidelidade é que Gramsci desenvolve profundas críticas a alguns outros ‘teóricos’ do marxismo. Em seu livro ‘Concepção Dialética da História’, Gramsci defende a idéia de que a concepção do mundo mais eficaz é aquela que resulta da atividade real de cada um, a que se encontra implícita na ação humana. Daí a importância do trabalho e do labor humano. Quando aborda problemas de filosofia e história, o autor acha que a filosofia de uma época histórica é a ‘história’ desta mesma época. ‘História’ como norma de ação resultante de uma combinação das concepções de mundo anteriores. Nesse sentido, história e filosofia formam um só bloco, um bloco histórico que integra na totalidade a estrutura econômica e as superestruturas ideológicas. Assim, Gramsci consegue escapar tanto do idealismo quanto do materialismo mecanicista herdado do positivismo. A história 7 é simplesmente a práxis humana, ou seja, a resultante concreta da reflexão do homem que se exerce a partir das necessidades de aperfeiçoamento da organização do mundo. A sua noção de filosofia criadora opõe-se igualmente a qualquer cristalização ideológica e inscreve-se numa perspectiva marxista dinâmica. Com efeito, perguntando-se se a filosofia cria o mundo exterior, Gramsci começa por colocar o problema de uma maneira historicista, situando na base da filosofia uma vontade racional que se realiza enquanto corresponde às necessidades objetivas históricas. E o conceito de criatividade já presente na filosofia clássica alemã, arrancado de sua perspectiva idealista, gera, na filosofia da práxis (a proposta dele), um pensamento criador que assume a concepção do mundo difuso na multidão, a racionaliza, a historiciza e converte-se em norma ativa de conduta. A filosofia da práxis aparece como sendo uma das preocupações mais importantes do autor. Gramsci sublinha a importância das questões de método em relação aos escritos de Marx. Tal insistência se justifica, pois em a ‘Concepção Dialética da História’, Gramsci dedica bom espaço de texto para criticar o ‘Manual Popular de Sociologia Marxista’ publicado por Bukharin, em 1921. Seu objetivo era denunciar o que chamava de materialismo vulgar em que foi reduzida a filosofia da práxis. No que diz respeito a relação entre Educação e Trabalho, o ser humano aparece como outro tema de reflexão fundamental. Gramsci procura defini-lo como um processo, o processo de seus atos, levando em consideração o contexto de sua atualidade. Interessa- se pelo homem “hoje, nas condições de hoje, da vida de hoje, e não de uma vida qualquer ou de um homem qualquer.” Desse modo, encontra-se em Gramsci o respeito ao funcionamento da liberdade individual, liberdade esta também criadora. Essa liberdade deve, porém, inserir-se no conjunto das relações humanas que determinam os processos dos atos humanos, da práxis humana. E os contatos do homem entre si não podem, afirma Gramsci, se realizar por justaposição, mas sim ‘organicamente’, na medida em que o indivíduo passa a fazer parte de organismos, dos mais simples aos mais complexos. Em ‘Os intelectuais e a formação da cultura’, há também textos importantes, onde Antonio Gramsci desenvolve grandemente a concepção do que seria a educação numa perspectiva marxista. Segundo ele, cada grupo social cria para si ‘de um modo orgânico’, 8 camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função. Assim, ao lado do intelectual tradicional, há o orgânico. Gramsci assinala, entretanto, que a massa dos camponeses — função produtiva importante — não tem seus intelectuais orgânicos. E o problema estava na estrutura de ensino, pois havia uma escola profissional destinada à classe instrumental, e outra — a clássica — orientada para as classes dominantes. Para ele, a crise da organização escolar era um aspecto da crise orgânica. Ora, se cabe ao intelectual homogeneizar a classe e levá-la à consciência histórica, é preciso reformular então a estrutura do ensino. É preciso criar condições para a formação de intelectuais orgânicos entre as camadas populares, entre as classes proletárias. A função desse ‘intelectual’ seria a de transformar uma classe ‘em-si’ em uma classe ‘para- si’. Sua defesa da escola unitária — de uma organização educacional que ligue organicamente a formação humanista concreta e a atividade prática — tem seu ponto de partida na crítica radical à tradicional divisão entre escolas ‘humanistas’ e escolas técnicas. Para Gramsci, a solução estaria em uma escola única que equilibrasse o desenvolvimento da capacidade técnica e o intelectual. Em suma, a proposta teórica de Gramsci — a de uma escola unitária — incorporaria duas vertentes principais: (1) A escola unitária requer participação do Estado; (2) A escola unitária significa novas relações entre trabalho intelectual e industrial. 2.5 Um olhar para o futuro Em que pese a contribuição de autores que historicamente discutiram a Educação e o Trabalho, há de se refletir sobre cenários futuros. Então, nesta aula vamos explorar também novos campos, outros horizontes. A literatura, particularmente, nos oferece conceitos muito vívidos para a análise do mundo em que vivemos. Principalmente no que tange ao impacto tecnológico, encontramos no gênero da ‘ficção científica’ ilustrações incrivelmente sugestivas dos possíveis reveses do progresso (?!) da ciência. 9 Isaac Asimov, em um livro clássico com textos escritos originalmente em 1939 — “Eu Robô” (coletânea de contos publicada em 1950), concebeu um mundo em que gradativamente os robôs ocupavam o espaço humano. Talvez você até já tenha visto o filme (baseado nos contos desse livro), lançado em 2004 pela 20th Century Fox, com Will Smith. A narrativa aludia a uma sociedade tecnologizada ao extremo, situada em 2035. E a relação do homem com a tecnologia era intermediada pelo que chamou de leis da robótica. Como metáfora da discussão entre Educação e Trabalho, assim como do impacto da tecnologia no homem e na sociedade, duas dessas leis servirão para firmar as vertentes de um olhar futuros cenários. 2.5.1 Primeira lei: A tecnologia deve ser benéfica ao homem.O emprego da tecnologia de forma desumanizadora impede que o homem se realize plenamente. E o que constatamos é que o efeito da sociedade tecnológica sobre o homem — como indivíduo — tem implicado na fragmentação da consciência individual, na ruptura da visão do homem sobre o ‘humano’ em si mesmo. No dizer de Habermas, filósofo alemão que se interessou em discutir as aplicações da tecnologia, há uma total dicotomia entre a razão instrumental e a razão social. A racionalidade técnica, que objetiva a apropriação da natureza, gira em torno de uma razão instrumental. Seus interesses procuram atingir o resultado máximo desejável com o mínimo possível de meios. Assim, a tecnologia continuamente permite ao homem gerenciar seu domínio sobre os elementos e recursos naturais ao seu redor. A razão humana, entretanto, pouco avança nos domínios do homem interior, ou na compreensão intersubjetiva dos homens entre si, acerca do sentido de suas próprias vidas. Considere, nesse sentido, as palavras de Flávio Siebeneichler, no Box ao lado: As três leis da robótica, segundo Asimov: a) Os robôs não podem fazer mal a um ser humano. b) Os robôs devem servir à sociedade. c) Os robôs devem preservar a si mesmos. 10 Torna-se necessário, portanto, dimensionar a tecnologia numa perspectiva mais social. De modo que não favoreça a alienação do homem. Nem do produto de seu trabalho, conforme critérios econômicos-sociais; nem de si mesmo, segundo categorias humanistas-existenciais. Heidegger, outro filósofo alemão, em um escrito de 1953 - ‘A essência da técnica’, chegou a dizer que a tecnologia pode obstacular a visão do homem quanto ao seu próprio núcleo de sentido existencial. Veja como Michel Renaud comentou esse fato no Box ao lado. Ao analisarmos o impacto negativo da tecnologia no indivíduo precisamos, no entanto, fazer algumas considerações. A tecnologia não existe como entidade autônoma. Não apareceu do limbo de um hiato histórico, nem surgiu do nada. Ela foi criada pelo homem. E esse deve ser o ponto de partida básico de qualquer análise do conteúdo ético da tecnologia. Em si mesma, vamos generalizar aqui para simplificar o argumento, a tecnologia não é um bem nem um mal. É apenas um instrumento. O problema está nos usos (e abusos) impróprios e deletérios. E é o interesse político do homem que determina os pressupostos, os meios e os objetivos da tecnologia. E isso tem a ver com a educação para o trabalho e a qualificação profissional. O problema - assim como toda a possibilidade de solução - está na esfera volitiva do Homo Politicus; criador, mentor e idealizador do Homo Tecnologicus. E infelizmente (ou felizmente, quem sabe?) é justamente essa vontade política que determina a questão da “O avanço indevido das formas de racionalidade técnica (...), em áreas dos valores éticos, fragmenta o mundo da vida e da cultura em dois campos: de um lado temos normas e orientações técnicas cada vez mais sofisticadas para a ação humana no campo instrumental, técnico. De outro lado, as normas e valores éticos da ação humana vão se generalizando cada vez mais, até o ponto de sua diluição ou extinção completa, de que resulta o ceticismo moral.” Siebeneichler, Flávio Beno. A crise como resultante do desequilíbrio entre sistema e mundo vital. In: JURGEN HABERMAS: Razão Comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989. p.41. “O homem que se lança de modo cego no caminho da técnica, esperando dela a resolução de todos os problemas e entregando-lhe todas as suas esperanças, vai à frente de um fracasso, pois o sentido do ser, da existência e do agir, deborda o domínio da produção técnica.” RENAUD, M. em A essência da técnica segundo Heidegger, Revista Portuguesa de Filosofia, 45 (1989) p. 367. 11 educação e do trabalho. O crescente desenvolvimento econômico e tecnológico não têm implicado em uma melhor qualidade de vida para grande parcela da população mundial. A mídia costuma perguntar de maneira sensacionalista como é possível ao homem, que já foi à lua, viver em condições tão sub-humanas de vida. A resposta é simples: O homem despossuído que passa necessidades não é o mesmo que usufrui os benefícios dos avanços econômicos e das conquistas tecnológicas. Entre os dois há um grande abismo, gerado pela educação que cada pessoa recebe; ou para um trabalho qualificado, ou para ser apenas um peão de obra. No chamado Terceiro Mundo de uma forma geral, e no Brasil de modo mais particular, há milhões de pessoas totalmente alienadas dos programas de desenvolvimento gerados por uma ótica onde o pressuposto básico é de que o homem é lobo do próprio homem. A imposição da cosmovisão neoliberal por parte dos países ricos precisa ser analisada dentro da perspectiva da necessidade ética de democratizar o acesso aos meios de produção e, consequentemente, a uma educação qualificada. Fica, então, diante do Homo Politicus, o desafio de aplicar especificamente à tecnologia o que Bertold Bretch disse de forma genérica: “Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a miséria da existência humana”.1 2.5.2. Segunda lei: A tecnologia deve servir à sociedade. A análise dos efeitos da sociedade tecnológica nos remete necessariamente à considerações de cunho sociológico. Edward Hallet Carr, titular da cadeira de história na Universidade de Cambridge, afirma categoricamente que o conceito de ‘indivíduo’ e o de ‘sociedade’ estão profundamente 1 Citado por Rubem Alves em Filosofia da Ciência - Introdução ao jogo e suas regras. São Paulo: Brasiliense, 1982. p.207. “Nas sociedades industriais desenvolvidas de hoje a ciência transformou-se no motor do progresso técnico, chegando assim à condição de primeira força de produção. Entretanto, quem de nós espera dela um aprofundamento da reflexão, ou mesmo um maior grau de emancipação? Não temos mais uma filosofia da história, a qual jogamos no ferro velho. Será que há teorias substitutas, capazes de esclarecer as consequências do progresso técnico- científico para a vida prática?” Citado em: Siebeneichler, Flávio Beno. A mediação entre a racionalidade técnica e prática. In: JURGEN HABERMAS: Razão Comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989. p.72. 12 imbricados, são inseparáveis. Para ele, “não chegaremos a qualquer compreensão real se tentarmos operar com o conceito de um indivíduo abstrato permanecendo fora da sociedade”2. Por isso, é necessário ir além da mera análise do impacto da tecnologia no indivíduo. É preciso ver também a influência tecnológica exercida sobre o homem coletivamente, como sociedade. Nesse sentido, verifica-se que a tecnologia está se tornando uma ferramenta indispensável a todos os setores do mundo contemporâneo. O crescente desenvolvimento tecnológico está modificando o comportamento social humano. Como, então, interpretar essa tendência em seu caráter distintivo? Em seu artigo ‘Conseqüências práticas do progresso técnico científico’, publicado em 1968, o já citado Habermas procurou situar o sentido da tecnologia em torno da problemática histórica da sociedade. Suas questões são de penetrante relevância (veja Box). A proposta teórica de Habermas para explicitar os efeitos da sociedade tecnológica, aponta uma crítica à absolutização da técnica em detrimento da vida social. A explicação para tal vertente se encontra na subjetivação própria da sociedade de consumo, alimentada pelos interesses da ideologia vigente. Verifica-se, assim, que a Societate Tecnologicae é um subproduto da Societate Politicae. Aliás, essa foi a constatação do colóquio organizado pela Divisão de Filosofia da UNESCO, em julho de 1974, em torno da temática do desafio da ciência e da tecnologia às culturas. Na ocasião, Jean Ladrière, filósofo dedicado aoaprofundamento das relações entre ciência e filosofia, ficou encarregado de elaborar uma obra que dimensionasse de forma prospectiva o impacto da tecnologia na cultura e, em especial, na ética social. Então, ao analisar tanto os aspectos positivos quanto os negativos de todo o processo, Ladrière afirmou: 2 CARR,E.H. Que é história? Trad. Lúcia Maurício de Alverga. 7a. edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p.71 13 “Ora, nada garante que as finalidades imanentes do sistema científico-técnico marchem sempre e necessariamente no sentido das finalidades que a sociedade pode propor-se e, em especial, das finalidades de ordem ética que ela pode fazer valer em seus diferentes setores de atividade (particularmente no setor político que diz respeito, de modo direto, ao devir da coletividade enquanto tal).” 3 Essa perspectiva acentua o contraste muitas vezes existente nas situações em que as finalidades da performance tecnológica não se articulam de forma clara com as finalidades sociais mais emergentes. Pelo menos, não com as dos grupos sociais minoritários, pois tendem a estar sempre - é claro! - coadunadas com os interesses das elites dominantes. Ao analisarmos, portanto, as relações entre Educação e Trabalho e o impacto da tecnologia na sociedade, temos de discernir o elemento de heterogeneidade subjacente na textura social. Nem todos os grupos sociais compartilham das mesmas opiniões, nem estão em idênticos patamares de exercício do poder. Nem todos são iguais. Ou, nas palavras de George Orwell, “todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.4 A influência da tecnologia na sociedade é multifacetada em função das dissonâncias entre as distintas camadas sociais. Esses efeitos fragmentários não dizem respeito àpenas aos diferentes graus de avanços tecnológicos embutidos nos bens de consumo, disponibilizados para alguns poucos. Vão muito além. Em uma obra5 publicada no início da década de 90, Habermas se apoiou nas considerações de Ernst Bloch (Direito natural e dignidade humana) para reafirmar a 3 LADRIÈRE, J. Os Desafios da Racionalidade - O desafio da ciência e da tecnologia às culturas. Trad. Hilton Japiassu. Petrópolis: Vozes, 1979. p.155 4 Na conclusão de sua interessantíssima fábula - ‘Animal Farm’. 5 Elaborado em termos de uma entrevista feita por escrito e concedida a Michael Haller, por via postal, em abril de 1991, o livro tenta, nas palavras introdutórias de Flávio Siebeneichler “lançar luzes do esclarecimento habermasiano sobre temas atuais do cenário político europeu e mundial” (pág.9). HABERMAS,J. Passado como futuro. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1993. 112p. 14 independência de dois conceitos fundamentais para qualquer investigação social: o direito natural e a utopia social. Enquanto este retrata condições nas quais o povo vive melhor; aquele, menos enfatizado, constrói condições para que os oprimidos possam efetivamente se restaurar. Há inúmeros exemplos históricos da inexistência de um nexo automático entre o direto dos povos e as utopias sociais. Infelizmente, nem sempre um discurso implica no outro. Daí sua conclusão: “os filósofos não são capazes de transformar o mundo. O que nós necessitamos é de um pouco mais de práticas solidárias; sem isso, o próprio agir inteligente permanece sem consistência, e sem conseqüências.”6 Se partirmos da observação de Habermas alcançaremos o âmago do problema. O impacto da tecnologia na sociedade deve ser intermediado por práticas solidárias que marcam uma racionalidade regida pelo agir responsável. Por mais utópica que tal tarefa possa parecer. Nesse livro, que vislumbrou a perplexidade dos derradeiros anos do milênio, Habermas se posicionou radicalmente contrário à “crença da filosofia da história, segundo a qual o espírito do mundo só se coloca tarefas que ele realmente pode resolver.”7 Ele vê o mundo cheio de ricas e criativas tensões. Não garante o sucesso do agir responsável diante das possibilidades, mas indica a necessidade de tentar. Por isso, traz luz às cavernas de Platão, onde a letargia das sombras abissais insiste em se mover num passado que emudece o futuro. 3. ATIVIDADES A atividade proposta para esta aula é a de ressaltar, dentre os autores citados, aqueles com quem você mais se identificou. Procure ler um pouco mais, em outras fontes, e aprofundar seu conhecimento. 6 HABERMAS, J. Op. Cit. p.94 7 HABERMAS, J. Op. Cit. p.82 15 5. CONCLUSÃO Na conclusão de toda essa análise, fica diante de nós, então, o desafio de repensar o contexto da educação tecnológica, mas não sem antes refletir nas instigantes palavras de Acácia Kuenzer, que defendeu a necessidade de se ampliar Sistema de Educação Tecnológica, que é estreito por restringir o conceito de tecnologia apenas a alguns setores e áreas da economia. Como ampliar essa visão, incorporando o trabalho efetivamente como princípio educativo? RESUMO Há teorias críticas da relação entre Educação e Trabalho que constituem área de interesse da Psicologia e da Sociologia do Trabalho, por conta da questão da qualificação profissional. Nessas teorias preconiza-se por uma estruturação de ensino que venha a responder às demandas da qualificação tecnológica necessária ao desenvolvimento industrial e social do país. LEITURAS RECOMENDADAS OFFE, C. Trabalho: Uma categoria chave da sociologia? Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v.4, n.10, p.5-19, jan.1989 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a formação da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991. KONDER, Leandro. As idéias socialistas no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Moderna, 1995. 16 KUENZER, Acácia Zeneida. Trabalho e Educação. Campinas: Papirus, 1992. p.113. MACHADO, Lucília Regina de Souza. Politecnia, Escola Unitária e Trabalho. São Paulo: Cortez & Autores Associados, 1989. PAIM, Antonio. História das idéias filosóficas no Brasil. São Paulo, Editora Convívio,1984. PILETTI, Claudino & PILETTI, Nelson. Filosofia e História da Educação. Rio de Janeiro, Ática, 1985. CARR,E.H. Que é história? Trad. Lúcia Maurício de Alverga. 7a. edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. JURGEN HABERMAS: Razão Comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989.
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