Buscar

Aula 03c_Dowbor, Ladislau - Desafios da Comunicacao - Os meios da comunicacao a servico do marketing

Prévia do material em texto

1 
 
 
 
Ladislau Dowbor 
Octavio Ianni 
Paulo-Edgar A. Resende 
Hélio Silva 
(orgs.) 
 
 
 
 
 
 
 
DESAFIOS DA 
 COMUNICAÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
EDITORA 
VOZES 
 
 
Petrópolis 
2001 
21 
 
Os meios de comunicação a serviço do marketing 
 
MONIKA DOWBOR1 e HÉLIO SILVA2 
 
 
 
 
A expansão dos meios de comunicação de massa, que 
permitem um contat o cada vez mais direto e constante com 
fluxos de informação gerados por várias fontes, em 
benefício de diversos grupos de interesse, causam uma 
série de impactos, dos quais a sociedade e a ciência 
dificilmente dão conta. Esta colocação é especialmente 
verdadeira no campo de marketing, no que se refere à suas 
conseqüências sociais e ambientais. 
Os 435 bilhões de dólares gastos mundialmente em 
publicidade comercia l por ano, número que atinge um 
trilhão, quando somadas todas as formas de marketing nos 
alertam sobre as possíveis conseqüências deste poderoso 
mecanismo de informação (Human Development Report 
1998, 1998:63). A relevância desta discussão se desvenda 
mais ainda na medida em que nos damos conta da presença 
dos anúncios publicitários na nossa vida cotidiana. Logo de 
manhã, quando abrimos as cortinas, junto com os primeiros 
raios de sol adentram o nosso espaço as fotografias 
gigantes dos outdoors, oferecendo as mais variadas 
 
1 Socióloga formada pela Universidade de São Paulo. 
2 Mestre em Administração de Empresas pela PUC-SP; doutorando 
em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP; professor e coordenador 
do Curso de Administração de Empresas da UNICAPITAL e 
consultor de empresas 
 2 
mercadorias; do pesado pacote do jornal diário deslizam 
suavemente os brilhantes panfletos de supermercados; a 
televisão, além das inserções publicitárias, chamadas 
curiosamente de intervalos, que nos atormentam a cada 15 
minutos, parece ser um mercado de mil e uma utilidades, 
no qual é vendido no meio de programas de audiência, tudo 
e qualquer coisa: de panelas e remédios até música. Enfim, 
só para termos a idéia em níveis quantitativos: um 
americano típico assiste em média a 150.000 inserções 
publicitárias na sua vida (Human Development Report 1998, 
1998: 91). Diante deste quadro, é preciso nos interrogar 
sobre os mecanismos utilizados pelo marketing, sobre as 
suas ferramentas e sua eficácia e sobre o conteúdo da 
informação, às vezes incompleto ou deformado, cujo 
objetivo supremo não é mais somente nos impulsionar a 
comprar aquilo que interessa às organizações, mas 
também, como aponta Korten, "criar na mente do público 
uma cultura política que iguale os interesses das 
corporações com os interesses humanos" (Korten, 
1999:174). 
Antes de passar para a discussão sobre o discurso do 
marketing, tal como ele se apresenta nos manuais da 
administração e nos meios de comunicação, é necessário 
antes pensar sobre os mecanismos que potencializam de 
uma maneira extraordinária o alcance da propaganda, a 
saber, os meios de comunicação de massa. 
Ao abordar as questões da comunicação de massa é preciso 
pensá-la enquanto instrumento de articulação da sociedade. 
Em outras palavras, a comunicação de massa permite à 
sociedade ver a si própria por vários ângulos; político, 
econômico ou simbólico, graças à sua extrema capacidade 
de alcance. Este processo significa também uma 
contribuição na democratização da informação, dada a 
divulgação de seus meios: televisão, rádio, jornais e 
Internet, entre outros. As novas tecnologias já permitem 
pensar na interatividade dos telespectadores com o meio, 
transformando-os em produtores da informação. Um 
exemplo deste processo de mudança são os 
telecomputadores - aparelhos de conexão a distância 
ligados a um grande número de pessoas ao mesmo tempo, 
em tempo real - por meio dos quais, como aponta D. de 
Kerckhove, as pessoas podem realmente falar umas com as 
outras, podem entrar na ação. "Tudo que era estúpido na 
televisão torna-se extremamente inteligente com o 
telecomputador" (Kerckhove, 1997: 89). 
Um outro olhar, desta vez partindo-se da recepção da 
informação pelo público - da sua leitura, ressignificação e 
reinterpretação -, nos leva a refletir sobre a possibilidade da 
criação do novo, do alternativo ou daquilo que pode romper 
com o status quo. Neste sentido, lembremo-nos da rede de 
Internet que, criada pelo Pentágono como um sistema de 
controle da comunicação, foi apropriada pela sociedade, de 
maneira a facilitar o fluxo de informações talvez mais 
democrático que tenha existido. 
Entretanto, a discussão sobre os meios de comunicação de 
massa precisa, imprescindivelmente, ser submetida a uma 
análise crítica. E pertinente perguntar, por exemplo, até que 
ponto criou-se acesso a esses meios, para uma ampla 
parcela da sociedade. No Brasil, a rede da Internet 
proporciona teoricamente a recepção e produção de 
informações a todos; porém, apenas aproximadamente oito 
milhões de pessoas têm acesso a este instrumento. E é 
preciso questionar ainda a respeito de como e onde são 
criadas as mensagens das informações, isto é, se a 
informação vem de fontes pluralistas ou se é gerada por 
grupos de interesses que a monopolizam. 
A monopolização da informação alcançada por meio da 
tecnologia da comunicação de massas constitui um exemplo 
prenhe de desastrosas conseqüências. Na Alemanha 
nazista, o seu uso monopolizado auxiliou a ascensão e um 
 3 
extremo poder de Hitler, envolvendo e comprometendo 
milhares de pessoas com uma "obra" da destruição do 
outro, por meio das atrocidades jamais conhecidas pela 
humanidade. O mais temeroso é que, após 50 anos 
observamos a potencialização da exploração dos meios de 
comunicação neste sentido. Uma análise do contexto das 
guerras na ex-Iugoslávia não poderá ignorar, por um lado, 
o papel das mídias locais na disseminação de nacionalismos 
e, por conseguinte, dos antagonismos entre os povos dessa 
região 3 e, por outro a criação de uma visão .simplista, pela 
mídia estrangeira, que transformou os Bálcãs numa região 
bárbara, longínqua situada nos confins a Europa - e 
permeada pelos "ódios ancestrais". 
Um outro exemplo da reconstrução parcial e dirigida dos 
fatos é comentado por N. Chomsky. Este autor relata da 
seguinte forma as notícias do episódio da invasão do sul do 
Líbano por Israel, em 1982: "E interessante notar como 
aquele período foi reconstruído pelo jornalismo norte-
americano. Tudo o que resta são histórias sobre o 
bombardeio da OLP a acampamentos israelenses, apenas 
parte da verdadeira história" (Chomsky, 1997: 69). 
Os meios de comunicação de massa, tal como se 
configuram hoje, estão intimamente ligados ao contexto 
socioeconômico da atualidade. A fase em que se encontra o 
capitalismo transforma o indivíduo, cidadão, homem, 
 
3 Para ilustrar como os políticos e as suas mídias subalternas 
obrigavam os habitantes das repúblicas da ex-Iugoslávia a se 
identificarem etnicamente, Jan Pitklo - um jornalista polonês com 
vasta experiência e vivência na região em questão - cita, entre outros, 
o depoimento de uma jornalista croata: "Estou pronta para mentir em 
favor dos Croatas" (Pieklo & Wilkanowicz, 1999: 170). 
mulher e criança, em suma, todos, em consumidores4 , 
privilegiando a cultura do dinheiro, do consumo 
desenfreado, de uma identidade homogeneizada e 
globalizada, em detrimento de valores que visam uma 
maior justiça social. E pertinente se perguntar sobre os 
mecanismos que potencializam esta ação humana, a ponto 
de fazerem dela elemento constituidor da cidadania em 
alguns países, tal como o Brasil, por exemplo, em 
detrimento de outras atividades. 
O modelo neoliberal contemplado pela maioria dos países 
capitalistas deixa ao mercado o controle dos capitais. As 
instituições governamentais transferem quase que na 
totalidade, as responsabilidades do crescimento econômico 
e do desenvolvimento social à iniciativa privada, o que 
equivale dizer, ao mercado. As organizações privadasjustificam os cortes dos benefícios sociais, tendo como pano 
de fundo a desculpa da competitividade. Alguns dados 
podem demonstra o desencontro dos interesses: 
 
4 Milton Santos aponta este processo no caso brasileiro: "Em 
nenhum outro país foram assim contemporâneo e concomitantes 
processos como a desruralização, as migrações brutais 
desenraizadoras, a urbanização galopante e concentradora, a 
expansão do consumo de massa, o crescimento econômico delirante, 
a concentração da mídia escrita, falada e televisionada, a degradação 
das escolas, a instalação de um regime repressivo com a supressão 
dos direitos e lementares dos indivíduos, a substituição rápida e 
brutal, o triunfo ainda que superficial, de uma filosofia de vida que 
privilegia os meios materiais e se despreocupa com os aspectos 
finalistas da existência e entroniza o egoísmo como lei superior, 
porque é o instrumento de busca da ascensão social. Em lugar do 
cidadão , formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de 
usuário (Santos, 1987:12). 
 
 4 
Cerca de 500 a 600 empresas, que controlam um quarto da 
produção mundial, dominam as áreas tecnologicamente 
dinâmicas. Enquanto 800 milhões de habitantes dos países 
ricos ostentam uma renda per capita de mais de vinte mil 
dólares, 3,2 bilhões de habitantes do mundo 
subdesenvolvido vivem com uma média de 350 dólares, 
menos de 30 dólares por mês. Cerca de 150 milhões de 
crianças hoje passam fome no mundo, cifra projetada para 
180 no ano 2000, enquanto cerca de 12 milhões 
simplesmente morrem antes dos cinco anos O analfabetismo 
atinge mais de 800 milhões de pessoas, e aumenta cerca de 
10 milhões a cada ano que passa. O planeta ganha 
anualmente cerca de 90 milhões de novos habitantes, sendo 
que cerca de 60 milhões já nascem nas áreas mais 
miseráveis, condenados no seu primeiro dia de vida. Não se 
conseguem os cinco centavos de dólar por criança, que custa 
o iodo que impedirá o bócio, ou os dez centavos para a 
vitamina A, que impedirá a cegueira. Cerca de um milhão de 
crianças ficam assim mutiladas para a vida inteira, por ano. 
Meio milhão de mães morrem anualmente de parto, por não 
ter acesso a serviços e informação médica elementar: no 
conjunto dos países desenvolvidos são apenas 5 mil. Uma 
África devastada chora as suas últimas árvores, e vê os seus 
solos desprotegidos carregados pelos ventos e pelas chuvas 
torrenciais, enquanto o Ocidente que a devastou lhe 
recomenda cuidados ambientais. Mas temos cada dia 
melhores computadores, videocassetes e discos (Dowbor, L, 
1999. Internet: http://www.ppbr:com/ld/). 
 
A comunicação, indubitavelmente, exerce um papel 
fundamental na reprodução deste processo por meio dos 
mass media agravando mais ainda o desencontro entre o 
mundo econômico e social, e por isso torna-se 
imprescindível pensar em agentes capazes de reverter 
esta'situação, ampliando formas mais justas da convivência 
social. A respeito desta desestruturação social, Dowbor 
afirma: “O ser humano não poderá mais sobreviver sem 
formas mais avançadas de organização social, capazes de 
ultrapassar este caos articulado de interesses corporativos 
que nos acostumamos a chamar de neoliberalismo e que 
manejam técnicas de impactos universal e irreversível" 
(Dowbor, 1999. Internet: http://www.ppbr.com/ld/). 
Estas formas mais avançadas de organização social podem 
ser construídas com ação voluntária dos cidadãos, enraizada 
no lugar de sua vivência, e não controlada unicamente por 
instituições centralizadas ou corporações (Korten, 1999). 
É evidente, portanto, que não se trata aqui de propor o 
controle ou algum tipo de censura impostos de cima para 
baixo aos mass media no que se refere à identificação do 
que é bom ou ruim para a sociedade. O que se coloca em 
questão são as possibilidades e necessidades de formas de 
intervenção nos meios de comunicação debatidas. por todos 
os setores da sociedade – iniciativa privada, poder público e 
sociedade civil 
Um bom exemplo disso é a Suécia, onde é proibida a 
veiculação de propagandas para crianças, partindo-se de 
pressuposto, obtido a partir de pesquisa científica, de que é 
somente em torno de doze anos que a maioria das crianças 
desenvolve um entendimento mais abrangente da 
propaganda, o que se constitui num pré-requisito para 
criação da atitude crítica (Human Development Report 
1998, 1998:65). 
A experiência sueca, cuja difusão para toda a Comunidade 
Européia já está em debate, é, no entanto, uma das poucas 
exceções da articulação dos interesses privados com os da 
sociedade. O que nós assistimos diariamente é o uso 
desenfreado e perverso do marketing, no único objetivo de 
servir à lógica do mercado. Por isso, a analise do 
mecanismo que gerencia esse processo de consumo, ao 
qual damos aqui o nome de marketing, torna-se necessário. 
O conceito de marketing em geral é visto de uma forma 
fragmentada, ou seja, o seu discurso se mantém 
desvinculado dos impactos econômicos, sociais, ambientais 
 5 
e culturais por ele acarretados. Os livros de marketing, 
vendidos em livrarias de aeroportos, apresentam-se como 
manuais de auto-ajuda que oferecem meras ferramentas de 
competitividade às organizações, como que ignorando os 
seus desdobramentos dentro do sistema. E esta idéia 
falsificadora do marketing está presente nos teóricos da 
administração. Assim, segundo Kotler, o marketing abrange 
tanto a identificação das necessidades e desejos do “... 
consumidor quanto o posterior desenvolvimento do produto 
ou do serviço do seu desejo” (Kotler, 1996: 25). 
O levantamento das necessidades e desejos dos indivíduos 
parece transcorrer de forma livre e espontânea, 
respeitando-se a sua produção: por exemplo, uma 
determinada organização produz carros para atender a 
necessidade do indivíduo em se deslocar ou o seu desejo de 
fazer uma viagem com sua família pelo sul do país. Outros 
autores, tais como Stone e Nooclcock, definem o papel do 
marketing como criador da demanda para a comercialização 
de um determinado produto ou serviço (Stone & Nooclcock, 
1998: 48). 
O que parece ser uma definição neutra - "criar demanda" - 
talvez seja o que reflita mais de perto a estruturação 
perversa do sistema de consumo do mercado. Lembremos, 
a propósito, as empresas que montam seus planos de 
crescimento para os próximos anos com um foco único no 
aumento de seus lucros, desenvolvendo, em seguida, o 
processo de criar a demanda para atender o target da 
empresa. O resultado deste mecanismo' traduz-se no plano 
individual, na perplexidade diante de um produto adquirido 
sem se saber muito por que e no desencanto de perceber 
que a promessa de satisfazer um valor comunicado pelos 
mass media não se realizou. 
Entre as formas do marketing, a publicidade e propaganda 
ressaltam-se enquanto uma fonte poderosa da informação 
sobre os produtos. O Relatório sobre o Desenvolvimento 
Humano de 1998 aponta para o fato de que os gastos em 
publicidade cresceram 30% mais rápido do que a economia 
mundial desde 1950, crescimento que não se restringiu 
somente aos países desenvolvidos, mas também se 
expandiu para as regiões da Ásia e América Latina (durante 
os últimos 10 anos alguns países apresentaram um 
vertiginoso aumento dos gastos nesta área: China: mais de 
1000%; Indonésia: 600%; Malásia e Tailândia: 300%; e 
Índia e Filipinas: 200%). Para se ter uma idéia da 
importância do montante, o relatório supramencionado 
compara a porcentagem do PIB, em termos de gast o com 
publicidade, com os efetuados na área de educação. Assim, 
por exemplo, no caso de China, temos 1.4 contra 2.8 
respectivamente, na Colômbia 2.6 contra 3.4, ou os EUA, 
1.3 contra 5.4 (1998: 64). 
Além da discussão sobre o capital investido nas 
propagandas, coloca-se inevitavelmente a questão sobre o 
tipo da informação fornecida pela publicidade. Não 
raramente, as campanhas publicitárias apresentam 
qualidades de produtos sem nenhuma base científica, 
fornecendo informações incompletas,não advertindo sobre 
os riscos envolvidos no consumo de uma dada mercadoria. 
Do outro lado, observamos o jogo de apropriação de 
símbolos pelas mercadorias: quando uma organização 
promove a venda de um carro Mercedez-Benz (carro de 
luxo), ela enfatiza os atributos sociais desta mercadoria, ou 
seja, uma ascensão de status social neste caso; na compra 
de um batom adquire-se uma esperança de um amor; na 
compra de um tênis Nike, compra-se uma idéia de vencedor 
e de fama 5 . 
 
5 O exemplo da Nike ilustra bem as distorções do marketing. Korten 
demonstra que o custo de produção de um par de Nikes vendido nos 
EUA ou na Europa por 73 a 135 dólares é de 5,60, manufaturado por 
jovens da Indonésia que recebem apenas 15 centavos por hora. Toda 
 6 
A propaganda de cigarro é neste contexto, como diria Lévi-
Strauss, "boa para pensar" 6 . Constitui um caso-limite, 
vistos os aspectos claramente nocivos do tabagismo, desta 
apropriação pelos interesses econômicos específicos dos 
símbolos culturais inteligíveis para a população com o 
intuito de criar a vontade e necessidade de consumo de 
uma mercadoria que, entre outros, mata. Estamos diante de 
um paradoxo: como propagar algo que ao ser inalado nos 
põe em risco de adoecermos de câncer de pulmão: 90% de 
chance de ter um enfisema pulmonar: 80% bronquite 
crônica e derrame cerebral: 40%, entre outros ou, visto de 
uma outra maneira, que nos coloca entre 3 milhões de 
pessoas que o tabaco mata a cada ano (serão 10 milhões de 
pessoas nos próximos 30 a 40 anos). 7 
Uma primeira análise das propagandas brasileiras de cigarro 
da década dos anos 90 chama atenção para um progressivo 
desaparecimento do cigarro e do ato de fumar propriamente 
dito. Isto é especialmente visível quando comparamos as 
propagandas dos anos 90 com as de 80. Enquanto o 
culpado (cada vez mais socialmente banido por meio de 
campanhas antitabagistas) se retira de cena, ressurgem 
com toda a força as imagens de uma vida feliz, de acordo 
 
a folha de pagamento anual destes trabalhadores é menor do que os 
20 milhões recebidos pelo astro de basquete, Michael Jordan, em 
1992 (Korten, 1996: 133). 
6 A pesquisa sobre as propagandas de cigarro no Brasil foi realizada 
como trabalho final da matéria de N. Sevcenko: "A história 
contemporânea II", em 1998 junto com Marcelo Daher, a quem 
agradecemos a disponibilização dos dados. 
7 Ao lado dos aspectos prejudiciais à saúde, é preciso lembrar que o 
cigarro, junto com aspirina e açúcar, é um dos estimulantes 
difundidos na modernidade para auxiliar a atenção redobrada que 
exige a aceleração da vida. 
com o gosto e estilo de vida que cada um idealiza para si, e 
que se tornará realidade se fumarmos um dado cigarro. Ao 
exibir as cenas de gente feliz, saudável e bonita, que não 
conhece limites, que é capaz de tomar deliberadamente as 
decisões porque se trata de "mera questão de bom-senso", 
que se deleita com um raro prazer, a propaganda do cigarro 
introduz a sua própria contradição. O limite - a morte - se 
vislumbra muito mais para um fumante; o vício não permite 
deliberar sobre o bem e o mal das nossas ações; o raro 
prazer se traduz, na realidade, em um ou dois maços de 
cigarros que nos acompanham por dia. 
Assim, de acordo com o público definido pelo preço, cada 
marca de cigarro explora nas suas propagandas um 
conjunto diferenciado de referenciais simbólicos. Os 
"jovens" de meia idade desbravam a natureza inóspita por 
meio da mais alta tecnologia de esportes radicais nas 
propagandas de HolIywood, passando a idéia de que não 
existem limites para quem fuma esta marca. "No limits", diz 
o slogan. Os jovens artistas, "moçada" bonita, 
intelectualizada e cibernética, apesar de estilos alternativos 
de vida e da incontestável individualidade de cada um - 
"cada um na sua" - buscam os valores mais arraigados na 
sociedade: amor, paixão, amizade, liberdade. E tudo isso 
pode, à nossa surpresa, ser alcançado por meio de algo que 
têm em comum - o cigarro Free. O "raro prazer" que o 
Carlton dá ao seu fumante desdobra-se numa vida 
igualmente rara - ventos levantam finas cortinas de uma 
solitária casa na praia, águas cristalinas escorregam pelo 
belo corpo feminino que não tem pressa, espaços desertos 
em tonalidades esbranquiçadas oferecem a quem fuma esta 
marca, uma possibilidade de reflexão, individualidade e 
meditação. O Brasil se abre e brilha com todas as cores de 
sua gente e suas paisagens numa ininterrupta festa nas 
propagandas de Derby. Existem diferenças - há carioca, 
gaúcho, baiano ... E impossível se conhecer nesta terra tão 
 7 
vasta ... Mas felizmente é possível reinstaurar a 
fraternidade e companheirismo por meio de um valor em 
comum que conquistou o Brasil - o cigarro Derby 8 . 
Como aponta esta pequena descrição, o marketing, 
aproveitando os recursos cada vez mais sofisticados 
oferecidos pela revolução em tecnologia e 
telecomunicações, apropria-se arbitrariamente de um 
conjunto de símbolos de uma dada comunidade, ligando-os 
de uma maneira artificial e falsa às suas mercadorias. Ao 
fazê-lo, desenvolve formas de comunicação que induzem à 
ilusão da realização destes valores. A respeito deste 
"desengate" dos significantes e dos significados, fala-nos 
Henri Lefebvre: "Já mencionamos a existência de um 
extraordinário fenômeno no qual nós (cada um de nós) 
estamos mergulhados. Ocorre uma libertação de enormes 
massas de significantes mal ligados a seus significados ou 
separados deles (palavras, frases, imagens, signos 
diversos). Eles flutuam à disposição da publicidade e da 
propaganda: o sorriso torna-se símbolo da felicidade 
cotidiana, o do consumidor esclarecido e a idéia de 'pureza' 
aderem à brancura obtida pelos detergentes" (Lefebvre, 
1991: 64). 
O poder dos símbolos aproveitado pelo consumo não é 
ocasional ou aleatório. Sem negar o lado pragmático e 
funcional daquilo que consumimos, é inegável que o 
consumo é perpassado por uma série de razões simbólicas. 
Ou seja, o carro, por exemplo, é cômodo e confortável 
enquanto veículo de locomoção, mas o sonho de ter uma 
Ferrari transcende a sua funcionalidade e eleva este objeto 
à categoria de alto status, de potência, virilidade. 
 
8 Vale a pena notar que a marca Derby, cuja propaganda sem dúvida 
apropriou-se do estilo do mundo de Marlboro, ressignificando-o 
dentro do contexto brasileiro, teve um vertiginoso crescimento nas 
vendas, hoje dominando 40% do mercado. 
 
Ademais, seja por meio de características da identidade 
nacional, seja resgatando o estilo da vida urbana ou contato 
com a natureza, as propagandas de cigarro apostam na 
predominante e hegemônica lógica da modernidade. 
Estamos todos condenados a uma eterna felicidade, a um 
mundo de sucesso no qual não há espaço para o fracasso, 
angústia, dúvida ou qualquer coisa que possa indicar o 
desapontamento para com o mundo. Aliás, este contrário 
está justa e perversamente contido nas monótonas e 
paradas telas azuis do Ministério da Saúde, que parece 
desconhecer as possibilidades da tecnologia de 
comunicação. 
Concluindo, não nos parece mais possível deixar a discussão 
sobre o discurso do marketing, apenas ao campo da 
administração, tanto no que se refere ao consumo de 
produtos ou serviços quanto no que diz respeito às áreas de 
prestação de serviços essenciais à sociedade - educação, 
saúde e comunicação. No primeiro caso, é essencial 
instaurar um debate crítico para que o consumo não seja 
mais um único pólo norteador das ações humanas e seja 
alinhado com as necessidades sociais, ambientais e 
espirituais dos homens. Este processo nos instiga a 
repensar os limites da lógica do mercado na apropriação 
dos símbolos culturais pelas corporações no sentido da 
criação de uma cultura homogeneizadora do consumo e na 
utilização da pirotecnia das novas tecnologiasem todos os 
espaços de convivência. É insuportável e intolerável 
observar o cidadão caminhando pelas avenidas das cidades 
como que se tivesse com um controle remoto em mãos num 
processo de extensão dos videoclipes da televisão, 
colocando-o numa condição anestesiante e alienadora. No 
segundo caso, a papel de marketing, pode adquirir aspectos 
mais nefastos no sentido de promover as necessidades 
essenciais do cidadão como se fosse um mero produto a 
 8 
mais a ser adquirido. Acomodações dignas em hospitais é 
uma conquista da modernidade; porém, aqui não está em 
questão apenas o luxo e o conforto, e sim o atendimento 
das necessidades para a segurança dos cidadãos. 
Os exemplos desta perversa lógica são inúmeros. Porém, 
não se trata apenas de apontá-los, e sim de tentar traçar os 
caminhos que nos levarão às formas mais justas e 
sustentáveis da convivência humana. Estes, acreditamos, só 
podem ser percorridos pela sociedade como um todo, por 
meio de ações articuladas e promovidas por comunidades, 
incorporando-se todos os sujeitos. 
 
Bibliografia 
 
CHOMSKY, N. (1997). A minoria próspera e a multidão 
inquieta. Brasília, Ed. da Um. de Brasília. 
DOWBOR, L. Internet: http://www.ppbr.com//d/ 
Human Development Report 1998 (1998). New York, Oxford 
University Press. 
KERCKHOVE, D. (1995). A pele da cultura. Lisboa, Relógio 
d'Água. 
KORTEN, C.D. (1996). Quando as corporações regem o 
mundo. São Paulo, Futura. 
KOTLER, P. (1996). Administração de marketing: análise, 
planejamento, implementação e controle . Atlas, São Paulo. 
LEFEBVRE, H. (1991). A vida cotidiana no mundo moderno. 
São Paulo, Ática. 
PIEKLO, J. & WILKANOWICZ, S. (1999). Wezel balkanski. 
Cracóvia, Lux Libri. 
SANTOS, M. (1987). O espaço do cidadão. São Paulo, 
Nobel. 
STONE, M. & NOOCLCOCK, N. (1998). Marketing de 
relacionamento. São Paulo, Litera Mundi.

Continue navegando