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51 0 Laura Perls-Textos


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Prévia do material em texto

1
2
Proibida venda e reprodução. Uso exclusivo como material de 
estudos do Ciclo de seminários sobre vida e obra de Laura Perls.
3
Uma conversa de aniversário 
Como Educar Crianças para a Paz
Notas sobre a Psicologia de dar e receber
A Abordagem de Um Gestalt Terapeuta
Notas sobre Ansiedade e Medo
Notas sobre Mitologia do Sofrimento e Sexo
Dois casos em Gestalt Terapia
04
11
17
26
33
37
48
índice
4
Uma conversa 
de aniversário
5
Uma conversa de aniversário
Caros amigos, como posso chamar cada um de vocês que veio aqui essa noite 
para celebrar conosco o 25º aniversário do Instituto de Gestalt Terapia de Nova York.
Esse é um momento feliz, especialmente para mim, vendo o que começou há 
25 anos como um experimento distante e ousado envolvendo apenas um punhado 
de pessoas, pessoas dedicadas, e um pequeno número de alunos e clientes reunidos 
desordenadamente, agora completamente transformado em um método de terapia 
abrangente e em constante desenvolvimento que está sendo ensinado e praticado 
não apenas nos Estados Unidos, mas na muitas partes do mundo.
Não quero aborrecê-los com uma palesta longa sobre começos e desenvolvimento 
do nosso Instituto, mas eu gostaria de dividir com você algumas memórias das pessoas 
que estavam envolvidas no momento que começamos.
Quatro pessoas com quem Fritz e eu já trabalhávamos há alguns anos se 
juntaram a nós como professores no início do Instituto. Eram eles: Paul Goodman, Paul 
Weiz, Elliot Shapiro, e Isadore From.
A contribuição de Paul Goodman para Gestalt Terapia é amplamente 
subestimada. Na verdade, não haveria nenhuma teoria coerente de Gestalt Terapia sem 
ele. A segunda parte do Gestalt Terapia: Excitamento e Crescimento da personalidade 
humana é em grande parte seu trabalho e por sorte temos agora sua coleção de 
ensaios psicológico que refletem seu desenvolvimento como terapeuta, como teórico, 
e Gestalt Terapeuta. Para nós que trabalhamos com ele e fomos seus amigos, Paul 
permanece uma presença viva e o celebramos nesse dia de lembrança.
Paul Weisz era, como Paul Goodman, um professor nato, produzindo, 
aparentemente sem esforço, observações, ideias, teorias, e piadas de um fundo 
inesgotável de experiência, conhecimento, e imaginação que ia de alquimia à 
bioquímica, de ecologia à matemática, de contos de fadas à filosofia, de Cabala ao 
Zen budismo. Se ele escreveu algo, e eu suspeito que sim, ele não publicou nada. Ele 
também morreu muito cedo, ele vive inesquecível na memória daqueles que tiveram 
a sorte de trabalhar com ele- seus pacientes e seus alunos aqui em Nova York e em 
Cleveland e seus amigos. 
E tem o Elliot Shapiro, que fiz os primeiros cursos de Gestalt para educadores, 
mas ficou no instituto apenas por poucos anos antes de se tornar tão completamente 
envolvido e imerso nos problemas de inovação na educação e políticas educacionais 
6
que não havia mais tempo e energia para nós. Mas ele está vivo e bem.
Ralph Hefferline que foi co-autor do Gestalt Terapia: Excitamento e Crescimento, 
não se juntou à equipe do Instituto. Na época, uma associação próxima a nós 
provavelmente não se encaixava em sua carreira acadêmica, ele deu algumas palestras 
como convidado e manteve contato, mesmo que fosse somente enviando pacientes e 
estudantes até o ano da sua morte prematura.
Dos fundadores originais, apenas dois ainda estão vivos e ativos no instituto, 
Isadore From e eu. Isadore começou com o curso que ele anunciou como “não será 
dado esse ano”, mas desde então a ele foram entregues muitas práticas e seminários, 
trabalhou com inúmeros pacientes, trabalhou com um grande inúmeros pacientes, 
treinou um grande número de terapeutas, aqui em Nova York e em Cleveland, e se 
tornou nosso melhor terapeuta e professor. Hoje nós honramos ele como ainda mais 
criativo e encantador, fiel velho amigo e colaborador. E também celebramos seu 
sexagésimo aniversário, que ele fez mês passado.
Não é fácil falar sobre o papel do Fritz no desenvolvimento do Instituto. Pelo 
menos não é fácil para mim. Ele era o mais interessado em iniciá-lo e deu as palestras 
introdutórias e parte dos workshops por alguns anos. A genialidade do Fritz eram seus 
insights intuitivos e palpites inquietantes, que então teriam que ser fundamentados 
para uma elaboração mais exata. Fritz com frequência não tinha paciência para 
esse trabalho detalhado. Ele era em criador, não um desenvolvedor ou organizador. 
Sem o constante apoio de seus amigos, e meu, sem o constante encorajamento e 
colaboração, Fritz nunca teria escrito uma linha, nem fundado nada. Mas ele tinha o 
tipo de personalidade carismática que facilmente envolvia pessoas nas suas ideias e 
planos e fazia com que elas cuidassem, de maneira entusiasmada, de todos os detalhes 
que ele mesmo não gostaria de se preocupar.
Nesse contexto, quero mencionar, além dos professores que se tornaram 
professores, Jim Hoffman, que como secretário do Instituto, tomou de conta de todo 
os aspectos técnicos, como publicidade, impressão e envio de folhetos e cartões de 
admissão dos cursos., etc, etc. Eu, em particular, passei a apreciar seu trabalho, pois 
quando ele não pode mais fazê-lo eu me tornei o pau pra toda obra. Eu recebia todas 
as ligações e entrevistas e eu respondia a correspondência. Tudo acontecia na minha 
casa- todos os workshops e reuniões. Além de Fritz e eu, Isadore e Paul Weis tinha seus 
consultórios em nossa casa também.
Quando a ideia de começar um instituto Gestalt terapia nasceu entre Fritz e Paul 
7
Goodman após a publicação do Gestalt Terapia: Excitamento e Crescimento. Eu deixei 
claro que eu não iria assumir parte alguma disso. Além de uma clínica que crescia 
constantemente, eu tinha uma casa, crianças e netos, e não queria assumir nenhuma 
responsabilidade adicional. Eu também estava acostumada principalmente ao trabalho 
individual. Eu trabalhei com um grupo pequeno somente por uns dois anos e eu ainda 
estava assustada em trabalhar com grupos maiores. 
Mas na primeira palestra de Fritz, quarenta pessoas apareceram. Então para a 
prática, ele ficou com vinte e eu com vinte. E aqui ainda estou.
Quero falar algo sobre as pessoas que vieram ao Instituto como pacientes e 
alunos. Através dos milhares de folhetos que enviamos a todos os profissionais em e 
ao redo de Nova York, nós tivemos quase nenhuma resposta. As pessoas que vieram 
eram nossos pacientes ou amigos de Paul Goodman. Daí se desenvolveram longas 
cadeias de referências pessoais e profissionais das Universidades, Columbia, Yeshiva e 
Adelphi, dos hospitais Kings County, Bellevue, e St.Luke, departamento de assuntos 
dos Veteranos e outras instituições.
Quase todas as pessoas que são hoje nossos professores trabalharam conosco 
nos primeiros dez anos, a maioria deles começou como pacientes que apesar de, ou 
talvez por causa de, seus muitos talentos e interesses não encontrou um lugar agradável 
em nossa sociedade rigidamente estruturada. Eles encontraram através e na Gestalt 
Terapia não somente uma profissão, mas uma vocação.
Então por muito tempo nós não fizemos propaganda, mas desenvolvemos 
muito discretamente como uma organização de membros que funcionava como um 
sistema de formação, minimamente organizado, mas crescendo de maneira constante. 
Somente nos últimos anos que, devido à crescente popularidade da Gestalt Terapia 
e nossa crescente adesão, tivemos que nos organizar de uma forma um pouco mais 
estruturada e estamos continuamente repensando nossos processos. É extremamente 
difícil não cair na armadilha de uma Gestalt fixada e permanecer na fronteira de 
crescimento.
No final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, i clima cultural começou 
a mudar. Eu acredito que a abordagem da Gestalt, particularmente o trabalho do Fritz 
em muitos lugares e os escritos de Paul Goodman- Growing up Absurd, Compulsory 
Mis-Education e outros- contribuíram substancialmente para o desenvolvimentohumanístico. Não apenas na terapia e educação, mas na forma de viver como um todo 
de uma geração mais jovem. Mas se Fritz e Paul eram os feiticeiros, seu verdadeiros 
8
discípulos eram e são frequentemente aprendizes de feiticeiros que nunca entenderam 
completamente os fundamentos realistas e organísmicos da Gestalt terapia, mas 
liberaram uma onda de anti-intelectualismo, esquecendo que é o intelecto que nos 
diferencia de outras criaturas viventes. É o equipamento específico do ser humano. 
Dispensando todo discurso intelectual como “porcaria”, a prática da Gestalt terapia 
se torna empobrecida e simplista e, na realidade, não é levada a sério por muitos 
terapeutas e professores sérios que foram apresentados apenas a essa abordagem 
reduzida e diminuída. Mas estou feliz em ver nos últimos dois anos um crescente 
reconhecimento dessa insensatez do humanismo de hoje, e eu assumo algum crédito 
por minhas contribuições para essa mudança através do meu trabalho com muitos 
grupos nos Estados Unidos e por toda Europa.
Eu não quero encerrar em expressar minha gratidão a algumas pessoas que 
desde o início mostraram interesse e até confiança em nosso empreendimento. 
Primeiro temos, Arthur Ceppos, da Julian Press, que assumiu o risco de publicar em 
1951, Gestalt Terapia: Excitamento e Crescimento da Personalidade Humana. Ele disse, 
na época, esse livro vai sair bem devagar no início, e em dez anos se tornará um clássico. 
Ele estava certo. Virou a nossa bíblia.
Mas imediatamente algumas pessoas fora de Nova York se interessaram. Num 
curso intensivo de dez dias três pessoas de Cleveland apareceram, entre elas Erving 
Polster, quem se tornou um dos maiores expoentes da Gestalt Terapia. Eles começaram, 
em 1953, o Instituto de Gestalt de Cleveland, que se tornou num ativo e multifacetado 
instituto de Gestalt.
Tem o Bill Groman, agora professor de psicologia in Richmond, Virginia, que 
treinou e supervisionou a maioria dos gestalt terapeutas de Washington, D.C – quem, 
no início dos anos cinquenta, voltou para a faculdade e aos anos de estudos acadêmicos 
para se tornar um Gestalt terapeuta.
A primeira oportunidade de participar de um simpósio interdisciplinar foi 
oferecida por Sam e Karen McGruval. Incitado provavelmente por Leo Chafin e Ira 
Suldillano por seus relatos de casos em psicologia clínica no Kings County Hospital. 
Esse simpósio foi presidido pelo falecido Harry Bone. Eu contribuí com duas instâncias 
da Gestalt Terapia. Harry Bone escreveu uma discussão extraordinária, inteligente e 
imaginativa na qual ele me fez falar do ponto de vista da Gestalt de uma maneira muito 
mais pungente do que eu mesmo poderia ter conseguido na época. Eu gostaria que 
ele pudesse ter escrito meu discurso hoje.
9
A próxima oportunidade, dessa vez em escala nacional, se apresentou anos 
depois, em 1959, quando eu fui convidada pela Academia de Psicoterapeutas para 
estar numa painel com Carl Rogers, Carl Whittaker, Drichos e Julie Nieds na sua 
conferencia anual. Desde que me tornei membra da A.A.P1, eu fiz workshops em todos 
os workshops de verão por mais de dez anos. Foi pelo contato pessoal e as amizades 
que se desenvolveram, assim como através do trabalho do Fritz em Columbus, Miami, 
e mais tarde na costa oeste, que a Gestalt Terapia se tornou conhecida com um grande 
método terapeutico e que um número de pacientes e alunos era encaminhados a nós 
por todo Estados Unidos.
Eu tenho o prazer de cumprimentar alguns membros da A.A.P aqui nessa noite 
– alguns dos quais se tornaram membros do nosso Instituto ou começaram institutos 
em Atlanta e em Washington.
Assim como outros terapeutas de longa data e conhecidos, vindos de orientações 
muito diferentes, juntaram-se ao Instituto: Betsy Mintz, Ruth Cohn, quem me enviou 
uma longa carta e manda seus melhores votos e parabéns ao Instituto e a todos os 
membros, Leon Menaker e Ruth Ronall, Alan Shwartz, e outros.
Finalmente quero agradecer todos os companheiros e membros que através 
dos anos ministraram workshops e seminários: Isadore From, Richard Kitzler, Pat 
Kelly, Magda Denes, o falecido Buck Eastman, Paul Oliver, Daniel Rosenblatt, Marilyn 
Rosanes, David Altfeld, Karen Humphrey, Elaine Rapp, Theo Skolnik e muitos outros. 
E por último mas não menos, eu agradeço a todos os colegas de trabalho que, 
nos últimos anos, me aliviaram de todos os deveres e tarefas que por muitos anos eu 
assumi. Em particular os sucessivos vice-presidentes: Isadore From, Daniel Rosenblatt, 
Richard Kitzler e Jean Greggs. Eu agradeço as pessoas que cuidaram das finanças e 
e outros serviços demorados: Marilyn Rosanes, Doug Davidove, Art Bartunek. 
Todos os membros que se revesaram respondendo questionamentos, entrevistando e 
indicando potenciais pacientes e alunos, e todos os membros e associados que estão 
ou estiveram, no conelho executivo e todos vocês que são envolvidos em atividades do 
Instituto e dão tanto suporte em seu desenvolvimento contínuo.
E agora eu desejo a todos vocês, todos nós, uma noite muito feliz. Divirtam-se e 
uns aos outros2 . 
Obrigada!
1 A.A.P – Academia Americana de Psicoterapeutas
2 No inglês: Enjoy yourselves and each other – que numa tradução literal seria : Aproveitem a si mesmos e aos 
outros. E que como expressão idiomática, enjoy yourselves quer dizer: Divirtam-se! Ela, que gosta de jogos de 
palavras, complementa a expressão acrescentando “each other” incluindo o a relação com os demais como 
parte da experiência.
10
Essa fala foi escrita por Laura Perls que a leu no 25º Jantar de Aniversário do 
Instituto de Gestalt Terapia de Nova York. Foi publicada inicialmente na revista de 
Gestalt, número 2, volume XIII (outono, 1990).
Como citar:
PERLS, Laura. Uma conversa de aniversário. In: PERLS, Laura. Living at the 
Boundary. Tradução Tássia Lobato Pinheiro. Gouldsboro: The Gestalt Journal Press, 
1992. 25-33 p. Título original: An Anniversary Talk.
11
Como Educar 
Crianças para a Paz
12
Como Educar Crianças para a Paz
Confrontado com a pergunta: “Como podemos educar as crianças para a paz?” 
o psicanalista1 se encontra em uma posição difícil. Os psicanalistas olham para os seres 
humanos e seu comportamento não moralmente, mas psicologicamente. Tentamos 
ver as coisas como são, não como deveriam ser. E assim, antes que possamos sugerir 
algo sobre como treinar crianças para a paz, primeiro temos que declarar as condições e 
possibilidades que essa tarefa apresenta. Talvez também tenhamos de destruir alguns 
delírios, dos quais muitas pessoas sofrem porque colocam seus próprios desejos antes 
dos fatos. 
Desejo chamar a sua atenção em particular para o fato de que a exigência por 
paz se opõe estritamente a um dos instintos mais vitais de cada ser vivo, a saber, a 
agressão. 
Por “agressão”, a maioria das pessoas entende o desejo de atacar, destruir e 
matar. Portanto, eles a condenam de todo o coração, e a tendência geral em nossa 
civilização por muitos séculos, é para a supressão, mais ou menos completa, desse 
instinto aparentemente mais perigoso de todos. 
Como todos devemos saber, a criança pequena é um pouco selvagem, um animal 
indomado, cujo comportamento é dirigido principalmente pelo princípio do prazer e 
com pouca atenção às exigências da realidade. As etapas pelas quais a criança aprende 
as demandas da realidade variam em diferentes lares. Normalmente, a família média 
reage da seguinte maneira: Cada sinal evidente de agressão na criança (choro, chute, 
mordida, quebra de coisas, etc.) é recebido com desaprovação pelos adultos. A mesma 
desaprovação é dirigida à impaciência e ao mau humor da criança. Suas explosões de 
temperamento frequentemente resultam em punições severas. O cuidador responsável 
tenta realizar seu ideal de um bom cidadão, que ele geralmente não consegue realizar 
por si mesmo - em seus filhos. A criança é instruída a ser bem-humorada, obediente e 
respeitosa. Este objetivo é geralmentealcançado apelando-se para o medo da criança 
de problemas e punição ou para seu desejo de ser amado. 
Pode-se esperar que as pessoas que foram treinadas desde o início de suas vidas 
para ter consideração por seus vizinhos, respeitar a propriedade, obedecer à autoridade, 
tenham o melhor treinamento possível para a paz. Mas se olharmos hoje para os países 
onde por centenas de gerações as pessoas foram educadas dessa forma, devemos 
admitir que os resultados são bastante decepcionantes. Para onde quer que olhemos, 
1 Quando o artigo foi escrito, ela ainda se considerava psicanalista e o livro ego, fome e agressão ainda não 
havia sido publicado. Importante perceber como fundamentos apresentados no livro que foi publicado 
somente em 1942, estavam presentes aqui.
13
vemos pessoas se engajando ou se preparando para a guerra, jovens entusiasmados 
em ir para a guerra e filósofos procurando encontrar justificativas para provar a 
necessidade das guerras - tudo isso apesar dos ideais religiosos e humanitários. Como 
podemos entender isso? 
Primeiro, para descobrir, temos que examinar a concepção comum de 
“agressão”. Esta concepção deriva principalmente dos efeitos que a agressão tem nas 
pessoas a ela expostas. A agressão da criança pequena causa muitos transtornos e 
aborrecimentos aos adultos. Portanto, a maioria das pessoas considera isso indesejável 
e tenta interromper a vontade da criança. Mas eles correm o risco não só de suprimir 
a sua chamada “travessura”, seu choro e gritar, morder, chutar e arranhar, rasgar e 
quebrar coisas, mas também suprimir seus questionamentos e sua curiosidade. 
Claro, a curiosidade da criança e sua agressividade física são muito desgastantes 
para os adultos. A satisfação delas exige muito tempo e paciência, e podem ser 
muito constrangedoras. Elas exigem até o reconhecimento da própria ignorância, o 
que muitos pais consideram um sério dano à sua autoridade. Mas, por outro lado, os 
questionamentos e a curiosidade são condições indispensáveis para o desenvolvimento 
intelectual da criança, sua capacidade de aprender e estudar, de compreender 
as pessoas e as circunstâncias. E a supressão completa da agressividade causa - se 
não estupidez, então certamente inibição intelectual séria - e leva à impossibilidade 
de pensamento crítico. Dentro da família, isso pode aparecer como um benefício. A 
exigência de respeito dos pais implica que a criança não questione os adultos, que se 
faça como mandam, que se acredite no que se ensina, em geral que se deve aceitar e 
não criticar. A psicóloga conclui metaforicamente que muita coisa é forçada garganta 
abaixo da criança, sem permissão para morder, mastigar ou digerir. Na verdade, essa 
não é apenas uma metáfora conveniente, mas a possibilidade de morder, mastigar, 
digerir e assimilar alimentos físicos (e, por outro lado, o poder de pensar, de criticar, de 
compreender, o que representa o meio de assimilar o alimento intelectual) são apenas 
diferenciações do mesmo instinto agressivo. Nossa experiência psicanalítica mostra 
que a supressão de um lado afeta muito seriamente o outro lado e vice-versa.
Prefiro não entrar em uma longa discussão técnica do problema. Se você 
compreender o papel importante que o instinto agressivo desempenha no 
desenvolvimento de uma criança, certamente reconhecerá que as consequências de 
nossa educação2 tradicional costumam ser desastrosas. 
Pessoas que foram criadas para a obediência cega, que não conseguem pensar e 
2 Ela não se refere aqui somente a educação escolar. O termo utilizado é upbringing – que está relacionado a 
educação em termos mais abrangentes, como criação e cuidado familiar também.
14
agir independentemente, usando seu próprio discernimento e vontade - essas pessoas 
só podem fazer o que lhes é mandado, e tornam-se presas fáceis para qualquer um 
que assuma a liderança. Essas pessoas acreditarão e aceitarão qualquer coisa que 
lhes for impressa com pressão suficiente, seja com promessas ou pela força. Como 
não treinaram sua capacidade crítica, têm poucas possibilidades de compreender 
as circunstâncias sociais e políticas ou de agir de acordo com seu discernimento e 
julgamento. Eles são facilmente dominados por uma demonstração de força aparente 
e sucumbem à propaganda. Desta forma, podemos explicar o fato de que o fascismo 
poderia ganhar um número tão grande de seguidores em tão pouco tempo, não só nos 
países onde se originou, mas em todo o mundo, em países que diferem muito em seu 
desenvolvimento histórico, seu sistema político, seu caráter nacional ou sua formação 
social e cultural.
 É claro que a imaturidade intelectual não é causada apenas pela supressão da 
agressão infantil precoce. De igual importância para o desenvolvimento do fascismo 
é o fato de que a repressão da agressão individual geralmente acarreta um aumento 
da agressão universal. Em todos os países altamente civilizados, podemos ver onde o 
indivíduo médio não desenvolveu suas capacidades agressivas em qualquer extensão 
considerável, mas é, pelo contrário, bastante contido, bem-comportado, até mesmo 
com medo de complicações, que a comunidade desenvolveu seus meios de agressão 
em extremos absolutamente aterrorizantes. O aperfeiçoamento da máquina de guerra 
(canhões, tanques, aeronaves, bombas, gás venenoso, treinamento militar e eficiência 
estratégica) parece estar em proporção direta com a supressão da agressividade 
individual, como se a agressão reprimida de todos os indivíduos tivesse se acumulado 
em algo além do indivíduo e simplesmente teve que forçar sua saída.
 Aqui estamos bem próximos da verdade. Na verdade, um instinto não pode ser 
reprimido, apenas suas expressões. As energias agressivas permanecem as mesmas e 
precisam encontrar uma saída. Em alguns casos, elas podem ser investidas na resistência 
contra a agressão e construir uma consciência forte, como meio de direcionar essas 
energias. 
Frequentemente, as energias agressivas reprimidas manifestam-se em dois 
fenômenos muito indesejáveis: neurose e delinquência. E, de certo modo, esses dois 
são os pilares do militarismo e do fascismo. O fato de um governo, um general ou 
um “Führer” assumir a responsabilidade dos ombros do indivíduo tem o efeito como 
o de tirar a tampa de uma chaleira com água fervente. Como o vapor comprimido, 
15
a agressão há muito reprimida e acumulada simplesmente dispara. Mas por ter 
sido totalmente reprimida, não pode ser transformada de forma alguma, ainda é a 
agressividade original da criança pequena: pouco inteligente, cruel, bestial - agora 
apenas executada com a força física e os meios técnicos de um adulto. A permissão na 
guerra ou em circunstâncias semelhantes para cometer atos que, em circunstâncias 
normais, trariam a condenação social e jurídica do indivíduo, na verdade significa 
uma ruína, uma aniquilação das inibições infantis iniciais da agressão. E a pessoa ou 
o sistema que dá essa permissão, toma o lugar das primeiras autoridades infantis: pai, 
mãe, professores, etc. Mas se essas autoridades impuseram inibições e, portanto, talvez 
encontraram um certo ressentimento e medo, a autoridade que desfaz essas inibições 
é aceita sem reservas; ele é recebido como um libertador e um salvador; ele é o bom 
pai, e a fixação que é criada pode ser igualmente forte ou até mais forte do que as 
primeiras fixações infantis.
Pintei um quadro bastante sombrio. Receio que não tenha sido exatamente o 
que você esperava e que eu possa até ter criado a impressão de que “saí do trilho” e 
divaguei. Para voltar ao nosso tema: Como podemos treinar nossos filhos para a paz? 
Apesar ou talvez com os fatos que apresentei. Nosso primeiro passo deve ser revisar 
nossa concepção de “agressão”. A agressão não é apenas uma energia destrutiva, mas 
a força que está por trás de todas as nossas atividades, sem a qual nada poderíamos 
fazer. A agressão não só nos faz atacar, mas também nos faz enfrentar ascoisas: não só 
destrói, mas também edifica: não só nos faz roubar e furtar, mas também está por trás 
de nossos esforços para agarrar e dominar o que temos por direito.
É uma falsa questão reprimir ou não a agressão. Visto que a agressão é um 
ingrediente indispensável do fazer humano, temos que usá-la para transformá-la em 
um instrumento valioso para a gestão de nossas vidas. Isso implica que, em particular, 
não se deve impedir os primeiros sinais de agressão na criança pequena, mas sim 
encorajá-la e dar-lhe o apoio adequado. No início, isso significa principalmente comida 
suficiente, pois a falta geralmente cria avidez. Assim que os dentes da criança começam 
a crescer, ela quer morder. Agora ele precisa de comida sólida e brinquedos. Do 
contrário, ele morderá tudo o que puder, até mesmo o dedo ou o peito da mãe: mas se 
ele fizer isso, não deveria ser considerado um crime. Mais tarde, os brinquedos devem 
ser algo com que a criança possa trabalhar: blocos, areia, argila, papel, giz de cera, etc. 
Devem estimular as habilidades criativas e construtivas da criança. Brinquedos que só 
podem ser estragados ou destruídos, sem fornecer material para novas atividades, são 
de uso limitado.
16
Quando os pais têm uma atitude pacifista, provavelmente não darão aos filhos 
brinquedos militares: armas, soldados, etc. Mas mesmo que o façam, não acho que a 
criança sofrerá por toda a vida por causa de suas influências, se em geral ele aprendeu 
a pensar e agir de forma independente. E assim, volto ao ponto que quero enfatizar 
mais fortemente: as mães - e os pais - devem encorajar as atividades mentais da criança 
desde o início. As crianças deveriam ter permissão para descobrir coisas, mesmo que 
isso ocasionalmente significasse quebrar uma boneca e descobrir o que está dentro. 
As perguntas das crianças devem ser respondidas com a maior honestidade possível. 
Embora a criança saiba pouco, sua curiosidade e curiosidade são os principais meios 
pelos quais ela pode adquirir conhecimento e experiência. Se lhe disserem: “Não seja 
bobo!”, se ela é levada a sentir que é muito pequena e muito jovem para entender 
as coisas e que só atrapalha os grandes quando eles trabalham ou se divertem, não 
será capaz de se livrar desse sentimento de inferioridade quando ela própria for adulto. 
A criança está preocupada com o presente e mantém suas primeiras reações ao 
ambiente como um padrão para sua vida futura. Ela então considerará suas próprias 
opiniões e realizações como pequenas e sem importância em comparação com as de 
outras pessoas, talvez nem tente fazer nada por conta própria ou pensar seus próprios 
pensamentos, mas apenas fará e acreditará no que lhe é contado. E isso significa que, 
como ser social e político, ele terá uma qualidade muito duvidosa, será pouco inteligente 
e pouco confiável. Mas a criança que não reprimiu sua agressão, que aprendeu a usá-
la, a administrá-la, mais tarde poderá ter um papel inteligente na vida social e política.
“How to Educate Children for Peace” foi escrito em alemão e publicado em 
Joanesburgo, África do Sul, em 1939. Foi editado para publicação por Joe Wysong. A 
primeira publição em inglês está no Living at Boundary publicado em 1994.
Como citar:
PERLS, Laura. Como Educar Crianças para paz. In: PERLS, Laura. Living at the 
Boundary. Tradução Tássia Lobato Pinheiro. Gouldsboro: The Gestalt Journal Press, 
1992. 37-44 p. Título original: How to educate children for peace.
17
Notas sobre a 
Psicologia de 
dar e receber 
18
Notas sobre a psicologia de dar e receber
“É dar e receber1”. Essa mais oportuna frase do inglês (nenhuma outra língua tem 
igual) indica a própria essência de relacionamentos. Dar e receber não são meramente 
verbos transitivos no sentido estrito da gramática. Eles sugerem como objetos não 
apenas o que é dado ou recebido, mas o ato de dar e o ato de receber, os dois tendo 
um ao outro como objeto. Entre eles abrangem todo o âmbito do processo social, cujo 
objetivo é o equilíbrio do campo social, enquanto o crescimento continua.
A consciência alerta, contínua e sempre mutante do positivo e do negativo na 
situação social que chamamos de Justiça. A justiça é cega; pois o olho - de acordo com 
a formação da figura-fundo - é o órgão de preferência. O sentido cinestésico é o órgão 
do equilíbrio, então a Justiça é retratada segurando uma balança, e para equilibrar o, 
“é dar e receber”.
Dar e Receber espontâneo 
Um PRESENTE é algo que simplesmente “é”, entregue, oferecido. 
A palavra alemã para presente é “ Geschenk”. Schenken significa “derramar”; “der 
Schenke” é aquele que derrama2 o vinho à mesa (Músicas de Hafiz, West-Oestl, Divan, 
etc); “die Schenke” ou ” der Ausschank” significa “ a pousada”. Geschenk é assim algo 
derramado, transbordando, obtido sem esforço. Ele vem de abundância (Cornucópia, 
Mãe Terra, Terra de Leite e Mel, etc).
Um presente não é um sacrifício, mas algo que se dá com facilidade e sem 
expectativas do lado do doador. Também não é uma surpresa ou recompensa, mas o 
que é naturalmente experado e procurado em uma comunidade estabelecida, como 
o bebê espera pelo leite da mãe. Pois para o bebê tudo é ( ou deveria ser) Geschenk, a 
realização natural e fácil do desejo natural. 
O bebê não é (e não precisa ser) grato. Gratidão é a resposta ao presente 
inesperado, ao benefício não merecido, resumidamente, a um ato de graça. Alguém 
se sente grato pela liberação dos sentimentos de culpa, e pelo reestabelecimento do 
sentimento de pertecimento. Alguém não sente ou expressa gratidão especial pelo 
que está chegando a ele no curso natural dos eventos, tal como a situação onde é tão 
1 Apesar de esse ser o equivalente da expressão em inglês, a tradução ao pé da letra sugere algo como: 
Dar e tomar, com algo que se toma de volta. No popular, algo como “toma lá, da cá!” Talvez Laura tenha se 
precipitado em dizer que não há expressão igual em outra língua. 
2 No sentindo de servir o vinho de maneira generosa. 
19
imperioso para mãe dar como é para a criança receber alimento.
O presente restaura a integridade do doador assim com a de quem recebe. A 
livre correspondência entre abundância e necessidade garantem o equilibrio do campo 
social.
Natal à moda antiga
 O significado oral original do presente é muito obviamente expresso nos 
costumes europeus do Natal. Papai Noel chega com um grande saco cheio de 
nozes, frutas e doces que ele esvazia no meio da sala, e todas as crianças pegam o 
quanto podem segurar. Na Alemanha, a piéce de resistance3 de cada pilha individual 
de presentes de Natal é um prato de biscoitos tradicionais de Natal, nozes, passas, 
frutas, doces, etc. Antes da fabricação industrial de decorações de Natal, as principais 
decorações da árvore de Natal, além das velas, eram comestíveis. A árvore, cravejada de 
luzes e carregada de comida no meio do inverno, é uma manifestação feliz do senso de 
abundância e justiça do Homem, simbolizando o esforço para compensar a escuridão 
e a esterilidade da natureza.
 Presentes eram dados principalmente a crianças e outros dependentes, aos 
pobres, etc.
 O grande evento do dia de Natal era a grande refeição, alimentar os servos, 
empregados, órfãos, indigentes, etc. Adultos na mesma categoria econômica e 
social não davam presentes uns aos outros, pois isso significaria impor e incorrer em 
obrigações, o que seria contrário ao verdadeiro espírito do Schenken. E certamente, 
não se esperava que nenhum dependente fizesse qualquer despesa por um presente a 
alguém em melhor situação que ele mesmo, ou seja, fazer um sacrifício. O necessitado 
tinha um direito natural ao presente, sem obrigação, sem “merecimento”, etc.
 A mesma atitude é refletida no costume de dar presentes de aniversário. 
Pelo seu aniversário você ganha algo não porque você é necessitado, muito menos 
“merecedor”, mas simplesmente porque você “é”. Com o reconhecimento de sua 
existência comoser humano, sua potencial necessidade é tida como certa. O mundo 
é um presente para toda criança humana; as fadas boas e más ou os Três Reis Magos 
estão presentes em todo nascimento. Adultos, que por todo ano privam as crianças dos 
seus direitos de nascença, expiam a culpa dando presentes de Natal e aniversário.
3 Pièce de résistance é uma expressão francesa, também chamada “plat de résistance” na França, que em 
tradução livre para o português significa um “pedaço de resistência”, em referência à parte mais significativa 
ou valorizada de algo. FONTE: Wikipédia
20
Novo estilo de Natal
 Expiação não é um ato de justiça; não se baseia na awareness aguda e responsável 
da necessidade real. Deriva do vago senso de obrigação que, na complicada estrutura 
de nossa sociedade, está substituindo cada vez mais a awareness espontânea e 
discriminadora do relacionamento. Atualmente os presentes de Natal ou aniversário 
compensam não tanto a necessidade de quem recebe, mas a culpa do doador. Assim, 
ele não reestabelece o equilíbrio no campo social, mas cria um desequilíbrio adicional 
através de frustração do lado quem recebe e ressentimento do lado do doador, quem, 
para aliviar seus sentimentos de culpa e criar um semblante de equilíbrio social, precisa 
investir o presente de natal com um significado muito maior que seu valor real. Se torna 
um agente de propaganda que tem que convencer o recebedor que ele realmente 
precisa e quer o que está recebendo. O mínimo possível é gasto em presentes que são 
feitos para parecer que valem um milhão. “ Boa vontade aos Homens” torna-se algo 
impresso cada vez menor em cartões de natal cada vez mais artísticos e embalados, 
em quantidades mesquinhas e de qualidade inferior, em embalagens cada vez mais 
engenhosas.
 O senso de obrigação é a vaga aceitação do envolvimento social sem a awareness 
aguda que faria do cumprimento da obrigação um ato limitado e socialmente válido. 
O cumprimento da obrigação não libera o doador e receptor a uma relação mais 
balanceada, mas cria um novo vínculo, como o nome indica, de obrigação mútua 
ilimitada. Portanto, introduz o circulo vicioso completo de competição e suborno, 
sacrifício fútil, frustração, ressentimento e culpa. 
A farsa anual de natal deixa todos exaustos física, emocional e financeiramente; 
em Janeiro estamos doentes, mesquinhos e falidos. De símbolo do amor e da justiça 
do homem, o Natal degenerou-se em uma algazarra, cuja própria característica é 
desequilibrar o processo social.
 Como em nossa civilização urbanizada e industrializada, tornou-se cada vez mais 
difícil e, de fato, impossível estar plenamente ciente da situação social e do lugar de 
cada um nela, muitas atitudes sociais anteriormente eficazes (medidas para restaurar 
o equilíbrio no campo social) tornaram-se distorcidas e inválidas.
21
Sacrifício Criativo e Prejudicial
Fazer um SACRIFÍCIO originalmente implicava abrir mão de algo de menor valor 
por algo de maior valor. Ele quebra a inteireza da integridade pessoal para atingir 
integridade num nível suprapessoal. Como a palavra “sacrifício” indica, ela tem um 
significado principalmente religioso (ou social, o que é originalmente o mesmo). 
Significa fazer alguém inteiro através da comunhão com o Divino; abrindo mão dos 
prazeres na terra pela vida futura; sacrificar a sexualidade pelo amor a Cristo ou a vida 
privada pelo bem da comunidade. 
O sacrifício colocaria uma enorme responsabilidade no receptor, se não fosse 
no contexto religioso ou social, o sacrificador o faz responsável (através de oração e 
meditação e atividades sociais), entao seu sacrificio não será em vão. Ele não precisa 
sobrecarregar Deus ou a sociedade com sentimentos de culpa por sua falta de sucesso, 
pois por seu próprio sacrifício ele é afastado de seus próprios sentimentos de culpa. 
Assim, o sacrifício, por maior que seja, nunca equivale a uma privação real, mas a uma 
reestruturação intrapessoal da personalidade, longe de linhas mais pessoais e ao longo 
de linhas mais impessoais.
Nas relações interpessoais, por outro lado, o sacrifício equivale praticamente a 
um suborno. Um amor forte ou relações familiares podem ser um caso boderline ( 
o contexto sexual, também, é impessoal), mas qualquer contato interpessoal tende a 
colocar toda responsabilidade do sacrificio de algo menor por algo maior no receptor. 
O sacrificador espera que o receptor cresça em seu sacrifício, por exemplo, mostre e 
aprecie seu ganho ( do receptor), o que por si só faria o sacrifício valea pena. O sacrifício 
impessoal tenta extrair do receptor algo (amor, afeto, reconhecimento, gratidão, etc.) 
que de outra forma poderia não acontecer. Falta auto estima ao sacrificador e ele tenta 
forçar isso do receptor, por exemplo, ele aumenta o que quer que ele esteja dando ou 
fazendo, ele “ esfrega na cara”, para que o receptor não esqueça disso em momento 
algum. Como ele projetou sua própria necessidade não realizada de totalidade no 
receptor, o sacrificador nunca pode fazer o suficiente e nunca pode obter o suficiente. 
Ele continuamente tenta escapar de seus próprios sentimentos de culpa, jogando-os 
no receptor.
Enquanto o sacrificio supra pessoal genuíno abre mão de algo de valor pessoal 
definitivamente apreciado pela união com algo maior, o sacrifício interpessoal compra 
apreço pessoal e, assim, compensa a falta de auto-estima. O desapontamento é 
22
inevitável, pois quanto mais do que é dado, mais é tido como garantido pelo receptor, 
de modo que cada vez menos a apreciação vem, enquanto o sacrificador fica 
progressivamente mais e mais empobrecido e desintegrado.
Enquanto o sacríficio interpessoal é geralmente feito por pessoas imaturas 
e inseguras, o sacrifício genuíno ( supra pessoal) é um ato de maturidade e insight. 
O Buda, abre mão de uma vida de prazer e dissipação para o caminho da pobreza e 
concentração aos quarenta anos de idade. Cristo vai à Cruz aos trinta e três. Abrãao se 
prepara para sacrificar Isaque, quem ele gerou na sua velhice, e somente no momento 
final ele é abençado 
pela percepção de que seu próprio sacrifício pessoal do seu maior tesouro não 
é nada comparado com a promessa de gerações futuras após gerações vivendo aos 
olhos do Senhor. 
Renunciar ao sacrifício, e com ele a própria integração intrapessoal imediata, é 
talvez o maior sacrifício - tão grande, na verdade, que Abraão em sua senilidade (ou 
infantilidade) não é totalmente capaz de realizá-lo. O sacrifício do carneiro no lugar do 
sacrifício original novamente equivale a um suborno. É um dispositivo fictício infantil, 
um substituto que permite exteriorizar o sentimento de culpa (a evidência da falta 
de integração) e, assim, prevenir com eficácia qualquer reorganização intrapessoal ou 
intergrupal. Afinal, a diferença entre o bode expiatório e o bezerro de ouro não é tão 
grande!
Suborno e Chantagem
O SUBORNO é um pagamento a priori por uma traição ainda não cometida. Para 
ser bem-sucedido, o suborno deve ser atrativo o suficiente, por exemplo, vantagem 
material ou social suficiente para o receptor, para tentá-lo a fazer uma mudança na 
lealdade moral. Precisa ser forte para quebrar um compromisso prévio e para superar 
os sentimentos de culpa associados a tal ruptura, formando um vínculo de lealdade 
mais promissor.
Somente os insatisfeitos e frustrados estão abertos ao suborno; somente os 
gananciosos e insaciáveis estão propensos a pagar subornos. É, na verdade, o mesmo 
tipo de pessoa que, dependendo das circunstancias reais, paga ou recebe suborno. É 
o parasita infantil e inseguro, que não se sente convencido da legitimidade de suas 
23
próprias necessidades e demandas e que não tem confiança em sua capacidade de 
impor consideração e respeito.
Tanto o que suborna quanto aquele que recebe o suborno estão abertos à 
CHANTAGEM e são chantageadores em potencial. Eles têm que cuidar bem uns dos 
outros; a generosidade dosuborno nunca deve diminuir; a subserviência do subornado 
deve ser perpetuamente assegurada. Como o subornador e o subornado se sentem 
igualmente culpados, eles se sentem igualmente ameaçados pela exposição. E a 
chantagem nada mais é do que extorsão (de dinheiro ou outras vantagens) pela 
ameaça de exposição.
 Claro que suborno não é uma condição indispensável para a chantagem. De 
fato, qualquer conhecimento sobre qualquer coisa que poderia pontencialmente 
descredibilizar alguém aos olhos de outras pessoas pode ser usado com o propósito de 
extorsão. Como em uma sociedade totalitária, a desintegração das relações humanas 
individuais se torna objetivo político, o suborno e a chantagem se tornam os principais 
dispositivos políticos.
Mas aprendemos, com a experiência de nossa própria época, que nenhuma 
sociedade equilibrada pode ser estabelecida por métodos que podem aumentar 
os sentimentos de culpa e produzir o desprezo mútuo de seus membros. O grau de 
indiferença e atrevimento necessário para se livrar da depressão subsequente põe 
em movimento todo o processo paranóico de dessensibilização e projeção, suspeita, 
sentir-se atacado e perseguido, procurar bodes expiatórios, ataque e destruição e, 
finalmente, autodestruição.
Pagamento e Recompensa
Deve-se esperar que a maneira mais bem-sucedida de equilibrar o processo 
social seja uma troca exata de valores. Mas, infelizmente, “olho por olho e dente por 
dente” aplica-se apenas no campo da retribuição e punição. Desde que foi refutado pela 
primeira vez pela Sabedoria de Salomão, muita tinta já fluiu para provar a invalidade 
desse princípio primitivo, que pressupoe um senso de valores não desenvolvido e 
indiferenciado, por exemplo, sem awareness das necessidades e possibilidades na 
situação atual.
Vamos nos limitar aqui a uma discussão de dois outros aspectos da troca de 
24
valor, a saber, PAGAMENTO e RECOMPENSA.
O pagamento é feito como um equivalente monetário ou material para 
mercadorias ou para trabalho. É dado em reconhecimento de valor, que por sua vez 
é definido por circunstâncias econômicas temporárias, dependendo da oferta e da 
demanda
Recompensa, por outro lado, é uma expressão de apreciação de mérito. 
Qualquer ação meritória permanece por si só, “por seu próprio mérito”. Não há padrões 
comparáveis de valor que pudessem ser adequadamente expressos em dinheiro. 
Assim, uma recompensa pode consistir em uma quantia em dinheiro (que então é 
decidida arbitrariamente), mas também pode consistir em uma medalha, um diploma 
ou um título, ou o reconhecimento e a gratidão de um próximo, ou simplesmente na 
consciência de uma coisa bem feita.
Promoção no serviço militar ou civil é em parte uma recompensa, uma apreciação 
de mérito. Mas quando é esperada com regularidade e conectada com vantagens 
materiais contínuas, é pagamento pelo serviço.
O médico americano ou europeu é pago por serviços prestados em uma escala 
geralmente aceita, tanto por visita ou operação ou sessão psicoterapêutica. O médico 
chinês é pago quando sua cura é bem-sucedida, ou seja, ele é recompensado por um 
esforço único.
Em geral pode-se dizer que quanto mais meritório o esforço, ou seja, quanto 
mais contribui para um equilíbrio social genuíno, menos ele é recompensável em 
dinheiro. Então, a recompensa policial, que é prometida e dada por informação, é 
simplesmente pagamento por traição. , que cai mais na categoria de “suborno” que 
de “recompensa”. Por outro lado, “a virtude é sua própria recompensa”. Os serviços 
e sacrifícios mais incessantes e altruístas permanecem não apenas não pagos e não 
recompensados, mas também são tidos como garantidos. Apenas o trabalho ou objeto 
limitado pode ser pago com uma quantia limitada de dinheiro; apenas o serviço ou 
esforço limitado pode ser recompensado com promoção, título ou citação. A devoção 
ilimitada de um familiar ou a dedicação de uma vida inteira a uma causa não pode ser 
paga ou recompensada; pode apenas ser aceita e não precisa nem ser reconhecida. 
Sua recompensa está no próprio desempenho, no sentimento de restaurar o equilíbrio 
social em um processo contínuo de mudança.
25
 “Notas sobre a Psicologia de dar e receber “ apareceu originalmente no Volume 
IX (1953) da Complex, uma revista edutada pelo amigo do Dr. Perls e profissional 
associado, Paul Goodman.
Como citar:
PERLS, Laura. Notas sobrea Psicologia de dar e receber. In: PERLS, Laura. Living 
at the Boundary. Tradução Tássia Lobato Pinheiro. Gouldsboro: The Gestalt Journal 
Press, 1992. 71-81 p. Título original: Notes on the Psychology of Give and Take.
26
A Abordagem 
de Um Gestalt 
Terapeuta 
27
A Abordagem de Um Gestalt Terapeuta
Confrontada com a lista formidável de perguntas que o Comitê do Programa 
criou, sou uma oradora muito relutante. Se este grande inquisidor fosse um paciente 
vindo para sua primeira sessão comigo, armado com esse tipo de pergunta “o que 
você faz, quando ...?” Eu não tentaria responder a nenhuma delas. Em vez disso, posso 
contar uma história a ele. 
Dois mendigos, um cego e um tolo, estão viajando juntos. Ao fim de um dia longo 
e quente, chegam a uma casa de fazenda e o tolo diz: “Vamos entrar e pedir um copo 
de leite.” O cego pergunta: “O que é leite?” “Leite? O leite é branco.” “O que é branco?” 
“Branco? Branco é um cisne.” “Mas o que é um cisne?” “Um cisne é um grande pássaro 
com pescoço torto.” “E o que é ‘dobrado’?” O tolo pega o braço do cego, estica-o e diz: 
“Está vendo? Isso é reto. E isso”, ele dobra o braço do outro no pulso e no cotovelo: “isso 
é ‘dobrado’.” “Aaahh”, diz o cego, “agora eu sei o que é leite!” 
 Portanto, vamos mendigar juntos e tentar responder à primeira pergunta: O que 
fazer com o paciente relutante?
Todos os pacientes relutam em uma coisa ou outra, em algum momento. Quase 
todos os pacientes são mal motivados no sentido de que vêm, ou são obrigados a 
vir, pelos motivos errados. Desconfio do paciente que demonstra grande perspicácia 
e carrega seu sofrimento na ponta da língua. E desconfio do paciente ansioso e 
entusiasticamente cooperativo que concorda e confirma, pega o jargão em um instante 
e sonha sob encomenda. Ele reluta em experimentar e expressar sua diferença de 
opinião, suas dúvidas e objeções.
Mas, de modo geral, não estou particularmente interessada nas questões 
de motivação e encaminhamento. Eu recebo o paciente como ele se apresenta no 
momento de sua sessão comigo, ele estava motivado o suficiente para vir para aquela 
consulta, e partimos daí, fazendo contato um com o outro estritamente com base em 
nossa consciência mútua no momento . Focar no que é e não no que não é ou no que 
deveria ser, geralmente dá ao paciente apoio suficiente para vir para a próxima sessão 
- não necessariamente uma motivação melhor para “fazer terapia”, mas a vontade de 
continuar o contato com o terapeuta.
Fiz atendimentos domiciliares apenas em casos de acidentes imobilizantes e em 
dois casos de agorafobia. Depois de algumas semanas, os dois pacientes puderam vir 
28
ao meu consultório.
O paciente que esquece ou se recusa a pagar seus honorários dará indicações de 
sua relutância desde o início da terapia, não apenas em relação ao dinheiro, mas a tudo 
o que você possa pedir dele: pontualidade nas consultas, informações, expressão de 
opiniões e sentimentos, tentativa de experimento, avaliação de suas próprias atitudes 
e ações ou de outras pessoas. Ele pode ser relutante por muitos motivos: medo ou 
rancor, um senso confuso de valores, uma necessidade infantil de ser cuidado sem 
ter que fazer nada em troca.Esses são os problemas que, em última análise, devem 
ser enfrentados. Nesse ínterim, é claro, o paciente pode ser persuadido e estimulado 
a pagar com relutância, de uma forma ou de outra (você pode deixar claro que tudo o 
que você fizer por ele ou com ele não pode ser avaliado e compensado em dinheiro. 
O que o paciente paga é por seutempo e sua atenção durante esse tempo, Tudo o 
que acontece durante a sessão está a serviço das necessidades do paciente, mesmo 
aquelas de nossas demandas que no momento o deixam ansioso ou desconfortável. 
Por suas próprias necessidades o terapeuta pede apenas pelo pagamento regular). 
Essa explicação é geralmente aceita intelectualmente como justa, mas você descobrirá 
que a relutância do paciente se transforma em genuína disposição de pagar apenas 
quando ele desenvolve uma consciência de seu próprio valor. Só ele pode dar quem 
tem e é. 
Por outro lado, o paciente que paga de forma fácil e regular não é necessariamente 
o mais promissor. Ele pode obter alguma satisfação secreta com os sacrifícios de sua 
família por ele. Ele pode estar comprando você. 
Ele pode até ser o paciente que olha as vitrines que precisamente não “compra”, 
mas paga a taxa de admissão para uma consulta como para um desfile de moda, testa 
o tamanho do analista e repete a mesma façanha durante a próxima temporada de 
confusão ou depressão com outro terapeuta. Acho que minha consciência do “estilo” 
do paciente e o fato de mostrar a ele apenas o que imediatamente “se ajusta” a ele 
geralmente o faz “comprar”. Por fim, fico com o vitrinista, sobrecarregadoa não apenas 
com sua “relutância”, mas também com os problemas específicos decorrentes de suas 
tentativas anteriores de interrupções na terapia. Mas essa é outra história!
A segunda pergunta: Você supõe que deseja inconscientemente que todos os 
seus pacientes melhorem? 
Eu não posso responder. Não sei o que faço inconscientemente. Pelo que sei, 
29
quero que meus pacientes melhorem. Do contrário, tenho que buscar o que deixei de 
perceber ou de fazê-los perceber no relacionamento em curso. 
Para isso, devo fazer uso não apenas de suas expressões, comunicações e 
atitudes, mas também de minha chamada contratransferência. Não gosto de usar esse 
termo, que não faz sentido em nossa abordagem, pois se orienta pela consciência do 
momento presente real e não pela interpretação do passado.
Nem sempre expresso verbalmente meus sentimentos e atitudes em relação 
ao paciente. Mas, no decorrer da terapia, o paciente aprende a tomar consciência de 
minhas reações e expressões tanto (e às vezes mais!) quanto eu tenho das dele, mesmo 
que não seja verbalizado. 
Compartilho verbalmente apenas o que estou ciente de que o capacitará a dar 
o próximo passo por conta própria - isso expandirá seu apoio para assumir um risco no 
contexto de seu mau funcionamento atual. Se me comunico demais, posso provocar 
uma reação terapêutica negativa: ansiedade intolerável, fuga, resistência, paralisia, 
dessensibilização, projeção.
Descreverei alguns problemas e experiências de minha própria vida ou de outros 
casos, se espero que isso me dê suporte ao paciente para uma compreensão mais 
plena de sua própria posição e potencialidades - se isso o ajudar a dar o próximo passo.
A terceira questão: o que fazer com o paciente que está “encenando”? 
Isso me parece mais criar um problema do que identificá-lo. Cada paciente, 
o tempo todo, está encenando de alguma forma, e chamamos isso de “atuação” 
principalmente quando é obviamente indesejável, inadequado, exagerado, 
superagressivo, pervertido, por exemplo, quando interrompe o desenvolvimento e os 
relacionamentos contínuos do paciente. Mas o paciente está ou pode estar “atuando” 
também quando se comporta muito corretamente - mantém uma postura catatônica 
- e frequentemente mesmo quando ele verbaliza de forma mais racional e articulada: 
e ele continuará a “atuar” enquanto tiver apoio insuficiente para um comportamento 
mais apropriado. Portanto, a tarefa da terapia não é interferir ou impedir a “atuação” 
do paciente, que para ele é, de toda forma, a única maneira possível de agir, mas 
construir um auto-suporte mais adequado para um comportamento que está mais 
continuamente se integrando e integrado. 
Esse processo demorado geralmente não é auxiliado pela imposição de todos 
30
os tipos de restrições, limitações e ameaças, pelo menos não no que diz respeito ao 
comportamento do paciente fora da situação terapêutica. Dentro das situações de 
terapia, algumas restrições podem fazer parte de uma exploração experimental dos 
padrões e possibilidades comportamentais do paciente: mas é a reação do paciente 
que define aos limites de tolerância ao comportamento do terapeuta. 
Eu não sou punitiva. Não acho que a atitude: “é melhor você fazer o que estou 
te mandando, senão ...!” vai com um respeito genuíno pelo paciente, cujas resistências 
são o seu principal suporte. Puni-lo pelo que ele mais confia sempre provoca uma 
reação negativa: medo, rancor, ressentimento, vingança, todos os quais interrompem 
o processo contínuo de comunicação e compreensão. O terapeuta punitivo está 
“atuando” da pior maneira possível: e ele o faz pela mesma razão que o paciente 
que “atua”: porque ele não sabe mais o que fazer, porque ele mesmo não tem apoio 
suficiente para dar suporte onde é mais necessário.
Quarta questão: Contato físico com o paciente? 
Vou responder muito brevemente. Eu uso qualquer tipo de contato físico se 
espero que facilite o próximo passo do paciente em sua consciência da situação real 
e do que ele está fazendo (ou não) nela e com ela. Não tenho regras especiais com 
relação a pacientes do sexo masculino ou feminino. Vou acender um cigarro, alimentar 
alguém com uma colher, arrumar o cabelo de uma menina, dar as mãos ou segurar 
um paciente no colo, se esse parecer ser o melhor meio de estabelecer a comunicação 
inexistente ou interrompida. Eu também toco pacientes ou deixo que eles me toquem 
em experimentos para aumentar a consciência corporal: para apontar tensões, 
descoordenação, ritmo de respiração, espasmos ou fluidez de movimento, etc.
 Parece haver grande divergência de opinião e muito de ansiedade quanto à 
admissibilidade do contato físico na terapia, como é indicado pela própria formulação 
das questões que estamos considerando aqui. Eles me parecem muito um apelo por 
salvo-conduto em território desconhecido, obviamente um absurdo. Se quisermos 
ajudar nossos pacientes a se realizarem mais plenamente como seres humanos, nós 
mesmos devemos ter a coragem de arriscar os perigos de ser humanos.
Isso me leva diretamente à pergunta: o que você pensa sobre a natureza básica 
do homem e como isso afeta o processo terapêutico? 
Lamento que esta tenha sido colocada como a última questão, pois considero-a 
31
a mais importante, à luz da qual todas as outras fazem sentido ou são irrelevantes. 
Acredito que não apenas todas as medidas terapêuticas, mas todos os pensamentos 
e atos são informados por nossa convicção básica do que torna o homem “humano”, 
mesmo que nunca expressemos manifestamente essa convicção e a consideremos tão 
óbvia que dificilmente estamos consciente dela.Falando estritamente por mim - a única 
maneira que uma gestalt terapeuta Gestalt pode dizer algo - estou profundamente 
convencida de que o problema básico da vida, não apenas da terapia, é: Como tornar a 
vida habitável para um ser cuja característica dominante é sua consciência de si mesmo 
como um indivíduo único, por um lado, de sua mortalidade, por outro. O primeiro dá-
lhe uma sensação de importância avassaladora como o próprio centro do mundo, o 
outro um sentimento de frustração e vaidade, por ser menos que um grão de areia no 
Universo. Suspenso entre esses dois pólos, ele vibra num estado de inevitável tensão e 
ansiedade que, pelo menos para o homem ocidental moderno, parece inviável e deu 
origem a várias soluções neuróticas. Se a consciência e a expressão da singularidade e 
da individualidade são reprimidas, temos a uniformidade, o tédio e a falta de sentido 
da cultura de massa, na qual a consciência da própria morte se torna tão intolerável 
que deve ser alienada a qualquer preço, “divertindo-se “com futilidades acumuladas 
ou com excitaçõesartificiais (álcool, drogas, delinquência). Quando a singularidade e a 
individualidade são enfatizadas demais, temos um falso “humanismo” com o homem 
como a medida de todas as coisas, resultando em expectativas exageradas, frustração e 
decepção. Como uma formação reativa, encontramos ou um falso distanciamento, um 
laissez-faire sem esperança ou blasé, ou um falso compromisso, uma busca frenética 
de uma pseudo-criatividade, que é apenas uma brincadeira obsessiva com “hobbies” e 
“atividades culturais” , desde a pintura faça-você-mesmo das prateleiras da cozinha até 
“ver meu analista “e ir à igreja. 
A verdadeira criatividade, em minha experiência, está inextricavelmente ligada 
à consciência da mortalidade. Quanto mais nítida for essa consciência, maior será o 
desejo de trazer algo novo, de participar da criatividade infinitamente contínua da 
natureza. É isso que faz do sexo, amor: do rebanho, sociedade: do milho e da fruta, 
do pão e do vinho: e do som, da música. Isso é o que torna a vida habitável e - aliás - a 
terapia possível.
Enquanto a orientação judaico-cristã era o esteio estrutural da sociedade e da 
personalidade, o homem ocidental poderia aceitar a identidade de viver e morrer sem 
questionar. No Oriente, o objetivo do Zen Budismo é precisamente essa compreensão 
da identidade de viver e morrer, de compromisso e desapego. Em nosso mundo 
32
ocidental, o neurótico é o homem que não pode enfrentar sua própria morte e, portanto, 
não pode viver plenamente como um ser humano. Na Gestalt-terapia, com sua ênfase 
na consciência e no envolvimento imediatos, temos um método para desenvolver as 
funções de suporte necessárias para um ajuste criativo autocontinuado, que é a única 
maneira de enfrentar a experiência de morrer e, portanto, de viver.
 “A Abordagem de Um Gestalt Terapeuta“ foi apresentado na cidade de Nova 
York como um artigo na conferência anual de 1959 da Academia Americana de 
Psicoterapeutas. Foi publicado como “The Gestalt Approach”1 no Barron & Harper’s 
(Eds.) Annals of Psychotherapy em 1962 e foi revisado para a publicação Fagan & 
Sheperd’s (Eds.) Gestalt Therapy Now em 1970.
Como citar:
PERLS, Laura. Abordagem de uma Gestalt Terapeuta. In: PERLS, Laura. Living at 
the Boundary. Tradução Tássia Lobato Pinheiro. Gouldsboro: The Gestalt Journal Press, 
1992. 115-123 p. Título original: One Gestalt Therapists approach
1 Pode ser traduzido como: A abordagem Gestaltática
33
Notas sobre 
Ansiedade 
e Medo
34
Notas sobre Ansiedade e Medo
Medo é da alteridade; de um objeto, uma pessoa, um evento reconhecível. Ele 
mobiliza maior atenção (orientação) para e manipulação da situação perigosa.
O metabolismo aumenta: excitação, raiva, agressividade.
Medo e coragem não são fenômenos mutuamente exclusivos, mas manifestações 
de uma e mesma experiência: contato com o perigo. A consciência intensificada e a 
produção excedente temporária de energia facilitam uma manipulação extraordinária 
de uma situação. Portanto, o feito “corajoso” não parece algo muito especial para o 
herói “modesto”.
 Em contraste, ansiedade surge em uma situação confluente, quando e onde 
a confluência é ameaçada. A ameaça permanece essencialmente vaga, como uma 
tendência em direção a uma ruptura- surgindo no próprio indivíduo ou em seu ambiente 
- não pode ser objetivamente reconhecida dentro de um estado de confluência.
 O estado de confluência é um sistema de equilíbrio organísmico que deve 
funcionar sem orientação específica e manipulação dirigida especificamente. Sempre 
que esse equilíbrio é alterado, há a ansiedade.
 Ansiedade é a única emoção infantil mais antiga. (Sua alternativa é indiferença, 
quando o equilíbrio da confluência está funcionando cem por cento). É um estado 
de irritação geral indiferenciada que não fornece orientação suficiente para um 
enfretamento bem sucedido da situação.
 Ansiedade como uma emoção predominantemente infantil pode ser manejada 
de forma adequada e superada na primeira infância apenas com meios puramente 
infantis. A irritação indiferenciada é descarregada em reações motoras indiferenciadas 
e não direcionadas: chorando, chutando, o que, por sua vez, é normalmente suficiente 
para promover algum tipo de atividade no ambiente que restaure o equilíbrio. Não 
acho que uma criança possa ficar paralisada pela ansiedade. E nenhum adulto em 
plena posse de funções de apoio e contato fica paralisado pelo medo.
 Paralisia é a inibição de uma manipulação inadequada em potencial combinada 
com uma orientação defeituosa ou inadequada. Nesse estado de semi-orientação, há 
uma vaga percepção “autoconsciente” da responsabilidade da atividade motora por 
quaisquer mudanças na situação. A primeira consciência é da quebra da confluência, 
35
pela qual a própria atividade da pessoa, já reconhecida, deve ser responsável – enquanto 
a fronteira entre a sua própria atividade e a de qualquer outra pessoa ainda não foi 
estabelecida ou não está funcionando adequadamente (choque, drogas, exaustão, 
introjeção, projeção, etc). Então a paralisia aparece como um tipo de gesto mágico, 
uma tentativa de evitar ou ignorar o evento desastroso- a quebra da confluência- e os 
seus próprios sentimentos de culpa. 
 O diagrama a seguir pode ilustrar mais claramente a coordenação das diferentes 
fases de orientação e manipulação com a reação emocional respectiva a uma ameaça 
de perturbação do equilíbrio.
Se olharmos para o valor de sobrevivência dessas diferentes reações, podemos 
fazer as seguintes observações: A expressão da ansiedade, por exemplo, a demonstração 
de desamparo e atividade motora desorganizada evoca compaixão, simpatia do meio 
ambiente e, com isso, uma restauração do equilíbrio. É, portanto, pelo menos para o 
bebê, uma reação adequada. Seu valor para o adulto é mínimo, pois o que promove 
simpatia e assistência para a criança pequena pode provocar antipatia, ridicularização 
e rejeição para o adulto, principalmente se a ansiedade e desorganização se aplicarem 
apenas a determinados campos de experiência (fobia), enquanto que em outros 
ORIENTAÇÃO MANIPULAÇÃO RESPOSTA EMOCIONAL
Sem orientação
 Indiferenciado, atividade 
motora não diferenciada
Ansiedade, confluência
Inadequada, meio 
orientado, não há 
confluência, ainda não há 
contato.
"Inadequado, atividade 
motora meio direcionada: 
bloqueio motor 
Falta de jeito 
Paralisia 
Erros"
"Vergonha 
Sentimento de culpa 
Constrangimento 
Pânico 
Medo"
Completa, adequada, 
orientação; contato
Atividade motora 
organizada específica
Coragem
36
campos o paciente pode mostrar orientação e manipulação muito adequadas. 
O psicótico avançado pode ser um pouco melhor no que diz respeito a obter 
simpatia do ambiente, pois sua ansiedade pode ser tão óbvia e onipresente como 
a de um bebê. Mas enquanto as necessidades específicas não reconhecidas da 
criança pequena são comparativamente primitivas e podem ser mais ou menos 
fácil e especificamente presumidas por um ambiente experiente, as necessidades 
específicas não realizadas do psicótico adulto são muito mais complicadas não apenas 
por sua estrutura adulta mais diferenciada, mas por introjeções e projeções que 
dificilmente podem ser completamente aferidas, muito menos satisfeitas, mesmo pelo 
ambiente mais experiente e simpático, e assim sua ansiedade nunca é completamente 
amenizada.
”Notas sobre ansiedade e medo” foi originalmente preparada para apresentação 
no Instituto de Nova York em 1965. Aparece aqui em inglês pela primeira vez1. 
Como citar:
PERLS, Laura. Notas sobre ansiedade e medo. In: PERLS, Laura. Living at the 
Boundary. Tradução Tássia Lobato Pinheiro. Gouldsboro: The Gestalt Journal Press, 
1992. 125-128 p. Título original: Notes on Anxiety and Fear.
1 Nota ao final do texto publicado no livro “Living at the boundary”, publicado em 1992
37
Notas sobre 
Mitologia do 
Sofrimento e 
Sexo
38
Notas sobre Mitologia do Sofrimentoe Sexo
I.
Quando o “Elo Perdido” deixou a última árvore, a árvore do conhecimento, 
e andou sobre suas duas pernas - deixando para trás a floresta em chamas - Adão, 
tornando-se humano, cometeu este ato de pecado original. Expulso do Paraíso, ele e 
todos os seus parentes foram condenados a um trabalho vitalício e à morte final. 
O mito bíblico, aceito ao longo dos tempos como a verdadeira história do primeiro 
ser humano, deve representar uma simbolização adequada do Homem como ele se 
encontrava no início de seu desenvolvimento humano. Além disso, a persistência e a 
validade do mito foram garantidas pela experiência mais antiga de cada homem no 
início de sua vida individual. Expulso do paraíso intrauterino, todo homem tem que 
enfrentar as tribulações de sua própria existência separada e a contínua ameaça de 
sua inevitável morte pessoal.
Durante os últimos séculos, os mitos bíblicos perderam parte de sua validade 
original. Sua aparente incongruência com os resultados da pesquisa científica levou 
ao seu abandono consciente pelos de mente mais racional. Mas os conceitos de 
“pecado original” ou “a maldição do trabalho e da morte” ainda permeiam a existência 
contemporânea, o primeiro embutido em um sentimento de culpa a priori que exige 
um esforço contínuo de justificação de nossa existência, o último na desesperança 
onipresente e a indiferença, que ocorreu com a expectativa racionalmente insustentável 
de uma vida compensadora no futuro. 
Essa desesperança me parece não - como comumente se pensa - um resultado, 
mas uma condição para as nossas atuais circunstâncias políticas e econômicas. A 
superindustrialização, a guerra e a bomba atômica fornecem uma tela de projeção 
conveniente para a interpretação errônea não realizada da condição humana como ela 
existe hoje.
Nas culturas ocidentais, ainda não existe nenhum mito válido que pudesse 
substituir os antigos e obsoletos e fornecer a facilitação para o desenvolvimento 
humano e orientação para a conduta humana que a ciência e a tecnologia sozinhas 
não podem bancar. No entanto, um mito não pode ser inventado ad hoc1; surge da 
percepção inconsciente da situação humana e afeta as camadas inconscientes da 
personalidade, por exemplo, o comportamento automático, mesmo muito depois 
1 Ad hoc é uma expressão latina cuja tradução literal é “para isto” ou “para esta finalidade”. É geralmente 
empregada sobretudo em contexto jurídico, também no sentido de “para um fim específico”. Fonte: 
Wikipédia
39
de seu conteúdo manifesto ter sido rejeitado conscientemente ou “cientificamente 
explicado”. Neste momento, podemos apenas tentar desautomatizar as atitudes 
tradicionais obsoletas, desmascarar e reinterpretar os antigos mitos, descobrir e integrar 
as forças e potencialidades que foram impedidas de serem realizadas não apenas no 
indivíduo neurótico, mas em toda a espécie humana. Devemos abrir caminho para o 
crescimento de um novo mito, que possa fortalecer e guiar a humanidade no período de 
seu desenvolvimento que está entrando agora, e dar à existência humana um sentido 
adequado a esse desenvolvimento. Os mitos bíblicos da queda de Adão e da Paixão 
de Cristo poderiam dar esse significado e orientação ao longo de muitos séculos, 
mas as teorias meramente científicas de Marx e Freud ou a filosofia de Nietzsche 
não poderiam, mesmo por algumas décadas. Na criação consciente de uma teoria 
científica ou política em um mito, o terreno científico logo se perde, e o que resta é 
a pseudociência e o pseudo-mito: as monstruosidades totalitárias do Hitlerismo e do 
Estalinismo.
II.
É costume dar à lenda de Adão e Eva uma interpretação moral-sexual; tentação 
e sedução, desobediência e punição são seus ingredientes principais. Mas para que 
uma lenda se torne um mito válido, o problema moral racional não é suficientemente 
forte. Para dar direção ao desenvolvimento humano nos próximos milênios, ele deve 
estar profundamente ancorado no biológico.
A interpretação sexual da lenda parece estranhamente inadequada para explicar 
a validade do mito. Paradoxalmente, apresenta como pecaminoso, o que é a menor 
ruptura possível na confluência paradisíaca. Adão “conheceu” Eva, ele se tornou 
consciente da diferença dos sexos, da sua “alteridade”. Mas, no auge do orgasmo 
sexual, essa consciência da diferença é novamente perdida; o Homem se sente 
totalmente envolvido em um processo natural, não apenas parte disso, mas “isso”: “e 
eles serão uma só carne”. Cada ato, se levado a cabo, traz consigo a expiação do crime 
de reconhecimento e alienação.
Assim, a interpretação sexual da lenda parece ser prematura e sua continuação 
como um mito um sintoma obsessivo. O que originalmente é sentido como um crime 
não é o aspecto sexual, mas a real consciência da diferença no sentido mais amplo. 
O mito da Queda representa não uma queda “moral” da graça “espiritual” (essas 
concepções exigiriam um desenvolvimento avançado na abstração que não podemos 
possivelmente esperar do Homem nos estágios iniciais de sua carreira humana), mas 
40
sim uma queda real do macaco da árvore, caindo sobre as suas pernas traseiras e tendo 
que deixar o pegada protetora que segurava a árvore agora em chamas. Claro que 
podemos olhar para a teoria das “florestas em chamas” apenas como mais um mito. 
Isso não descreditaria, mas sim confirmaria sua validade, se não histórica, certamente 
fisiologicamente. Pois tudo o que é experimentado como diferente é excitante, 
“queima”. O Homem não faz mais parte da árvore, mas de repente se dá conta de si 
mesmo como diferente, à parte, sozinho. E no início de seu desenvolvimento, o Homem 
não experimenta essa alteridade como “levantar-se” ou como “independência “, mas 
como” cair “e” ser expulso “. Ele não está ciente de seu equipamento para discriminação 
e julgamento como sendo próprio, mas o projeta em Deus e no anjo com a Espada que 
guarda a porta fechada do Paraíso.
Se, ao que parece, o próprio Homem ergueu a barreira para o Paraíso, podemos 
presumir que naquele momento deve ter sido, ou ter parecido ser para ele, no interesse 
de seu desenvolvimento humano. A interpretação meramente sexual está em apoio 
direto à barreira, já que o ato sexual desinibido é o retorno mais fácil e óbvio ao Paraíso 
(como todo ser humano saudável sabe). Para salvaguardar o seu desenvolvimento 
humano de orientação e manipulação (enfrentamento do outro, do diferente), o 
Homem teve que se livrar do sentimento de culpa que se origina no rompimento da 
confluência de um lado, na awareness incompleta e no tratamento incompleto da 
diferença do outro. Ele desviou seus sentimentos de culpa para o canal mais inócuo, o 
sexo, onde o “saber”, a consciência da diferença, é bastante não essencial e redundante 
(os animais copulam de maneira bastante eficaz sem “saber”), e onde o tratamento 
competente da situação não precisa ser “ consciente “, pois a essência do ato é uma 
reflexão espontânea orgástica.
Esse deslocamento, ou melhor, restringir toda a questão da awareness à sua 
parte mais insignificante tem as consequências de mais longo alcance. Por um lado, 
garante o desenvolvimento especificamente humano do Homem, deixando livre a sua 
curiosidade, interesse e iniciativa para tudo o mais, exceto o sexo. Por outro lado, é 
responsável pela divisão mais insidiosa no desenvolvimento das relações humanas. O 
sentimento de culpa limitado deixa livre o caminho da abordagem objetiva (orientação 
e manipulação, criatividade, semelhança à imagem de Deus) para o Homem, mas recai 
fortemente sobre a Mulher, deixando-a muito atrás nas cadeias animais da reprodução 
e da criação dos filhos. A mulher continua envolvida no sexo, ou seja, no pecado; ela é 
do demônio, a eterna tentadora, desprezível e misteriosa (porque o homem não a quer 
conhecer), redimida apenas pelo nascimento de filhos, que por sua vez se tornarão 
41
homens e justificarão sua existência, enquanto suasfilhas mal serão toleradas como 
potenciais portadoras de filhos. E enquanto o Homem gradualmente alivia a maldição 
de ter que trabalhar “com o suor de sua testa” com sua própria imaginação criativa, 
mudando assim o mundo e a si mesmo, tornando-se cada vez mais correto, justo, 
bom, claro, competente, etc, nada pode aliviar o fardo das mulheres de criatividade 
animal sem imaginação. Até a chegada da eletricidade e do controle da natalidade, as 
demandas da domesticidade permaneceram substancialmente as mesmas ao longo 
dos séculos e não proporcionaram muito espaço para a imaginação criativa. A mulher 
permaneceu inferior, sinistra, misteriosa, deixada para lidar com as consequências do 
pecado dentro de um escopo limitado de domesticidade, desprezando-se e invejando 
o homem.
A tal chamada “inveja do pênis” da Mulher não tem muito a ver com a supremacia 
sexual do Homem, mas- se é que existe – é um resultado da mesma atitude obsessiva 
que produziu os sentimentos de culpa sexual. O pênis nesse contexto não é um símbolo 
de superioridade sexual, mas de tudo que não é sexual, por exemplo, que não está 
preocupado com a continuação da espécie, mas com o desenvolvimento do indivíduo, 
sua singularidade e independência comparativa. Mas, como o termo “inveja do pênis” 
indica, a interpretação sexual obessiva tem permeado até mesmo as tentativas 
psicanalíticas contemporâneas de reintegrar o sexo ao tecido humano. Assim como 
antes o sexo era considerado a fonte de todo o mal, agora é considerado a fonte de 
todas as bênçãos, a cura para tudo, e a repressão do sexo tornou-se o bode expiatório.
Mas nós sabemos agora (ou pelo menos deveríamos saber) que o mero desfazer 
da repressão sexual não reabre as portas para o Paraíso. Pelo contrário, traz o que poderia 
ser chamado de “ uma reação terapêutica negativa”. Sem o fortalecimento prévio das 
funções de ego, a remoção do sentimento de culpa limitado (por exemplo, a barreira 
de segurança obsessiva) simplesmente abre a porta para um sentimento de culpa 
ilimitado sobre toda discriminação e diferenciação, expressando-se na dessensibilização 
e indiferença geral e, particularmente entre os jovens, em um antiintelectualismo 
generalizado. A neurose de massa da repressão sexual religiosa foi seguida pela 
psicose de massa do industrialismo e do totalitarismo. O Homem contemporâneo, em 
seu antigo temor da liberdade, produz um modo de vida padronizado e uniforme, no 
qual faz o mínimo e o pior uso possível de seu equipamento humano para orientação 
e manipulação.
Essa indiferença e uniformidade contemporâneas nada têm em comum com 
42
a indiferença comparativa da criança ou do animal (que se deve inteiramente à falta 
de equipamento diferenciador), mas é devido a um esforço de dessensibilização e 
imobilização do aparelho especificamente humano, resultando em paralisia e projeção, 
impotência e paranóia.
III.
Todo o esforço do homem para facilitar o processo de viver parece ter levado não 
à genuína superação do sofrimento e à obtenção do prazer na criatividade humana, 
mas apenas a um embotamento do sofrimento e do prazer, de modo que o ser humano 
permanece no limbo do “descontentamento com a nossa civilização”. Neste ponto, 
parece mais necessário encontrar uma reorientação para a experiência e avaliação 
do sofrimento. O Homem contemporâneo ainda está oprimido com o conceito de 
Adão de sofrimento como punição, por exemplo, como retribuição ou intimidação. O 
sentimento de culpa, o sentimento de pecaminosidade, é um abandono completo da 
tentativa de ato (“Eu não deveria ter feito isso; gostaria de não ter feito isso; nunca mais 
farei isso! Pater peccavi2“). Mas essa retirada só faz sentido se há falha ( 
falibilidade), não se arrepende do sucesso. Implica a expectativa de satisfação 
imediata, que daria ao Homem o sentimento de perfeição e onipotência. Homem 
primitivo – como sua Majestade o bebê – é impaciente e ganancioso e incapaz de 
suportar tensão. Como ele ainda não está consciente do que ele pode eventualmente 
se tornar, ele experiencia o status quo como perfeito e espera de cada movimento que 
ele faz imediata restauração da sua perfeição animal.
Aqui é onde o Diabo entra, o gênio do atalho, o traidor de Deus e Homem com a 
promessa de conquista fácil e imediata (onipotência = semelhança de Deus).
Não é por acaso que a serpente pôde se tornar e permanecer a imagem eterna 
do tentador, do enganador, do Diabo. O verme que, por alguns momentos, atinge uma 
posição quase vertical, serve como um símbolo perfeito do homo sapiens nos primeiros 
estágios de seu desenvolvimento humano, fingindo estar mais longe e saber mais do 
que realmente é verdade em qualquer momento particular. É o limitado, “perfeito” mas 
enganoso, conhecimento obsessivo, baseado na suposição de uma postura pretensiosa 
e na elaboração de uma interpretação precoce, que é rejeitada por Deus como “não 
sua imagem”. A pele pretensiosa deve ser removida repetidamente, revelando o verme 
original rastejando na poeira.
2 Em latim: Pai, eu pequei.
43
Mas Deus se revela apenas até onde Adão pode compreender a si mesmo. “ Do 
pós vieste, ao pós retornarás”. Para Adão essas são as únicas características relevantes 
do Homem: seu início como um verme e seu fim na morte. Mas entre pó e pó o 
Homem cria a si mesmo à imagem de Deus, tanto quanto for realizável em um algum 
dado momento. Como qualquer outro neurótico obsessivo, que impõe um padrão 
concebido prematuramente em toda existência, Adão confunde o parcial com o total, 
os incidentes: o Diabo e a Morte, com o essencial: Deus como ele se revela no homem.
Adão rejeita a auto-realização inexperiente e incompleta à imagem de Deus. 
Tendo perdido a integridade do ciclo do instinto animal, ele se sente culpado, por 
exemplo, expulso de sua matriz e desorientado. Ele é incapaz de reconhecer e realizar 
a infinitude de Deus em suas próprias potencialidades infinitas. Mas a Morte e o 
Diabo são sempre completos e finitos; então para Adão e todos os seu parentes de 
centenas de gerações, Morte e o Diabo, tornam-se indicadores de orientação, placas de 
sinalização pervertidas com a ajuda das quais o humano desorientado se atrapalha em 
seu caminho pela vida. Condenado à ignorância, ao sofrimento e à morte, Adão e sua 
progênie escravizam ao longo dos séculos enquanto um Deus impiedoso, onisciente e 
insensível, observa.
IV.
Alguns milhares de anos depois, Deus não é mais um mero observador. Ele veio 
à terra como um simples trabalhador, sofrendo pobreza, tortura e morte. Usando a 
coroa de espinhos do sofrimento do Homem, carregando a cruz da pecaminosidade 
do Homem, estando para sempre pregado nela e morrendo sobre ela, ele está 
sempre participando do sofrimento da humanidade e por este ato de participação, 
aliviando o sentimento de culpa do Homem por sua inadequação, sua imperfeição, sua 
dessemelhança com Deus: Ecce Homo3 
Desde a época de Adão, este é o passo maior e mais incisivo no desenvolvimento 
humano ocidental. Permite ao Homem salvar-se da Queda, da degradação intolerável 
de ter-se tornado humano (falível). A condescendência de Deus ao nível humano de 
erro, sofrimento e morte torna o Homem aceitável para si mesmo.
Mas aqui outra dicotomia se insinua. Parece que na união mais estreita de Deus 
e do Homem e no modo de desenvolvimento facilitado pelo Cristianismo, o Espírito 
Santo foi para o Diabo. O próprio agente que provocou o desenvolvimento espiritual do 
Homem - desde o macaco assustado que caiu da árvore do Paraíso até o ser humano 
3 Em latim: Eis o Homem. Expressão que teria sido usada por Pôncio Pilatos ao apresentar Jesus Cristo ao 
povo judeu.
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cujo próprio sofrimento é à imagem de Deus - o Espírito Santo da Imaginação Criativa 
foi abandonado no processo de Cristianização . “Em certo sentido, a imaginação criativa 
é repugnante ao cristianismo e a qualquer mito corporificado fixo.” Pela escolha de