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Historia tambem tem historia

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17/04/24, 17:21 Introdução aos Estudos Históricos
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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS
HISTÓRICOS
CAPÍTULO 3 - HISTORIOGRAFIA: A
HISTÓRIA TAMBÉM TEM UMA
HISTÓRIA?
Emilly Joyce Oliveira Lopes Silva
INICIAR
Introdução
A História tem uma história? É possível afirmar que sim. Com isso, queremos dizer
que o conhecimento histórico, como campo do saber, passou e ainda vai passar por
transformações. A historiografia é o ramo que se destina a tratar da escrita da
História, observando essas mudanças no decorrer do tempo. 
Quando olhamos para história da História, podemos perceber diversas teorizações
que se relacionam com as noções de tempo, espaço e papel do historiador, dentre
outras. Porém, antes de discutirmos com mais profundidade essas visões,
precisamos perguntar: O que é uma teoria? Quais são as principais teorizações sobre
a História? O que mudou em relação ao conhecimento histórico com o passar do
tempo?
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Na tentativa de respondermos a essas questões, mostraremos as principais
concepções de História e suas teorias. Além disso, vamos diferenciar História, de
Historiografia e discutir algumas das críticas que são feitas ao conhecimento
histórico.
3.1 As implicações do conceito de tempo
em diferentes teorias históricas
Segundo Antoine Prost (2008), o tempo é o principal ator da História. Por isso, as
relações com a noção de tempo foram determinantes na produção do conhecimento
histórico. Existem, no campo da História, diversas teorias sobre esse conhecimento:
seus significados, limites, métodos e objetivos. No decorrer desse tópico,
apresentaremos, de modo mais breve, quais são essas teorias e como elas se
utilizam do conceito de tempo.
3.1.1 Definições de teoria
Você sabe o que é uma teoria? O termo é bastante utilizado, mas nem sempre
sabemos exatamente o que ele significa. Quando falamos em teoria, estamos
geralmente nos referindo a um conjunto de ideias relacionada a um modo de ver o
mundo. Dessa forma, as chamadas teorias da História indicam como pensadores
conceberam o conhecimento histórico. 
De acordo com José d’Assunção Barros (2011a), ao afirmar que a teoria é uma “visão
de mundo”, é preciso levar em conta três níveis: 
a) a teoria como um campo de estudos; 
b) a teoria como um modo de apreender o mundo; 
c) a teoria como um modelo ou sistema explicativo criado para a compreensão de
algum aspecto da realidade. 
Aqui, nos interessa mais o terceiro nível, ou seja, a teoria como um sistema
explicativo. Assim, quando falamos em teorias da história, estamos nos referindo, de
modo mais específico, aos sistemas que foram criados, no decorrer do tempo, para
explicar a História. As teorias são constituídas por meio de rigor metodológico e
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certa oposição ao comportamento emotivo/intuitivo. Esses modelos explicativos
estabelecem hipóteses, e demonstrações empíricas sobre o que pretendem explicar
e, por isso, é considerada como uma forma científica de obtenção de conhecimento
(BARROS, 2011a). 
O que é teoria, de Otaviano Pereira (1982), integra a coleção Primeiros Passos e é um daqueles livros de
bolsos introdutórios sobre o tema. Bastante famosos, esses guias servem como forma de se iniciar em um
debate e compreender como determinado conceito é trabalhado no ambiente acadêmico. Neste caso, o
livro mostra bem quais são as definições de teoria, e conta com uma bibliografia interessante para você
conhecer mais.
Existem várias teorias que buscam explicar a história e sua produção. As principais
correntes teóricas da História são: Positivismo, Historicismo, Materialismo Histórico
e a produção elaborada ao longo do século XX pelos historiadores vinculados à
revista francesa Annales. Em termos mais gerais, podemos dizer que essas são
algumas das explicações sistemáticas para a compreensão do conhecimento
histórico, mas não são as únicas, nem correspondem à totalidade da produção
teórica. O mais importante, neste momento, é que você consiga compreender as
transformações sofridas pela História no tempo que não existe uma perspectiva
única para as proposições da História.
3.1.2 As teorias da História
Para facilitar os seus estudos, faremos uma apresentação breve e resumida de cada
uma dessas teorias. Mais adiante, nos aprofundaremos um pouco mais em cada
uma delas: 
positivismo: defende a busca por leis gerais e universais para o estudo das
sociedades humanas; acredita que os métodos para a História devem ser os
mesmos das Ciências Naturais; o historiador deve ser manter neutro em
relação aos seus objetos de estudo; pautado pela Razão, o positivismo tem
uma perspectiva linear e progressista da História. 
VOCÊ QUER LER?
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historicismo: surge juntamente com o fortalecimento dos Estados-Nação;
acredita na História de um ponto de vista nacionalista e não universal; se
distancia das Ciências Naturais, na medida em que o conhecimento da
História serve para o autoconhecimento humano; na perspectiva historicista,
todas as experiências humanas podem ser explicadas historicamente, ou seja,
pela relação entre passado, presente e futuro; o tempo também é linear e
progressista, rumo à verdade absoluta. 
materialismo histórico: se refere ao aspecto histórico das teorias marxistas;
entende a luta de classes como o fio condutor da História; a base material, ou
seja, as condições concretas através das quais os homens produzem sua
própria existência, é a mola que impulsiona a vida humana e,
consequentemente, a História; o tempo é linear e progressista, dentro de um
modelo dialético, levando inevitavelmente ao fim das classes. 
perspectivas historiográficas do século XX: corresponde a uma cisão na
perspectiva progressista da História; defende as especificidades do
conhecimento histórico e sua importância para as sociedades
contemporâneas; abre mão da pretensão objetivista, incorporando a
subjetividade do historiador; a História não está se encaminhando para um
lugar específico, tudo depende das construções e ações no presente; o tempo
não é teleológico, mas diacrônico.
VOCÊ SABIA?
A teleologia é uma ideia importante para o conhecimento histórico. O termo télos vem do grego e
significa algo como fim, finalidade, meta ou objetivo. O pensamento teleológico se guia pela ideia de
um fim/finalidade ao qual todos os seres humanos estão destinados. Dessa forma, as teorias que
acreditam que a História se destina a um fim, seja ele a Razão, o fim das classes ou a eternidade, são
consideradas como teleológicas. 
Observando a descrição de cada uma dessas teorias, você conseguirá notar que elas
possuem relações diferentes com o conceito de tempo e de História, ainda que
guardem algumas proximidades umas com as outras. Para consolidar o que você
aprendeu, vamos apresentar uma teoria importante dentro dos estudos históricos.
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3.1.3 A tríplice mimese: um exemplo de teorização
Na tentativa de costurar as noções de tempo, a importância da teoria para a história
e o papel do historiador, discutiremos uma construção teórica que ainda mantém
sua relevância dentro do conhecimento histórico: a chamada tríplice mimese,
elaborada por Paul Ricoeur (1994). Na obra intitulada Tempo da Narrativa, o filósofo
defende a ideia de que o tempo vivido é o tempo narrado. Para compreendê-la, é
preciso trabalhar com sua base agostiniana/aristotélica.De início temos a hipótese
de Ricoeur (1994).
Existe entre a atividade de narrar uma história e o caráter temporal da
experiência humana uma correlação que não é puramente acidental, mas
apresenta uma forma de necessidade transcultural. Ou, em outras palavras:
que o tempo torna-se tempo humano na medida em que é articulado de um
modo narrativo, e que a narrativa se torna uma condição da existência
temporal (p. 85).
Para provar essa hipótese o autor se utiliza do conceito de tempo em Santo
Agostinho e da tessitura da intriga em Aristóteles. Ao separar o tempo absoluto
(Cidade de Deus) de um tempo humano (Cidade dos Homens), Santo Agostinho
acaba por caracterizar um tempo do vivido humano, do qual Ricoeur se apropria. Já
de Aristóteles o que fica é a poética, ou seja, a estruturação dessa experiência
humana. É no meio termo entre essas duas ideias que Ricoeur fixa atenção, pois,
para ele, fica perceptível na intercessão entre elas que a narrativa e a vivência se
mostram inseparáveis. O vivido só ganha sentido quando narrado, viver é apenas
um instante, mas que, quando narrado, se torna apreensível e cognoscível. Como fio
condutor para essa estruturação narrativa do tempo, Ricoeur propõe o uso de três
momentos da mimese – entendida pelo autor como imitação criadora. 
Portanto, pensemos agora esses três momentos e suas problematizações.
Comecemos pela mimese I, chamada de prefiguração: ela é o momento da
experiência, da pré-compreensão do mundo, é o tempo do viver, dos eventos, da
ação. Mas esse momento não existe de maneira clara se desvinculado dos outros
momentos e, para que isso fique claro, passemos à mimese II, que seria a
configuração: o momento da estruturação, da construção de sentido, da ordenação
cronológica, da narrativa. Em mimese II o vivido deixa de ser disperso; o narrador é
como o maestro de uma orquestra que une várias notas, instrumentos e tons e os
transforma em uma bela música a orquestra não passaria de barulho se não fosse
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ordenada. Então, poderíamos dizer que mimese III é como essa música é escutada:
é a chamada refiguração. O leitor é, ao mesmo tempo, receptivo e ativo com relação
à narrativa, ele se reconhece nela e a modifica, sendo também modificado. É a
leitura que une a mimese II à mimese III, e que permite o retorno à mimese I. Em
suma, na perspectiva de Ricoeur (1994), a experiência humana precisa ser ordenada,
o que ocorre na narrativa, de maneira que torne essa experiência compreensível.
Quando compreendida, mais uma vez o momento é de vivência, de experiência, de
ação. Esse processo mimético é circular, mas, na voz do próprio Ricoeur, não é
“tautologia morta”, ou seja, ele não reincide no mesmo ponto, não é um círculo
vicioso. O que se tem é uma espiral viva, segundo o autor, trata-se de “uma espiral
sem fim que faz a meditação passar pelo mesmo ponto, mas numa altitude
diferente” (RICOEUR, 1994, p. 110-111).
É dessa maneira que se dá a união de tempo e narrativa em Ricoeur, mas ainda é
preciso pensar a importância dessa hipótese para a narrativa histórica, ou, em
outras palavras, de que maneira o fazer histórico é atingido por esta teorização.
Partindo das proposições sobre as três mimeses, o que temos na História é uma
reformulação do discurso sobre o discurso. O historiador não tem em suas mãos o
objeto que pretende compreender: o vivido humano, que não é mais. O que ele
possui, é apenas o que foi contado sobre esse tempo, os sinais de um passado que é
cada vez maior. E o que são os documentos senão narrativas de um tempo? Nenhum
vestígio faz sentido sem uma narração. Então, o papel do historiador é organizar
esse passado, em uma narrativa coesa, com uma trama bem amarrada, em que as
datas ordenem os acontecimentos, para que os homens se reconheçam em seu
passado. Em uma perspectiva freudiana, o inconsciente é aquilo que você esqueceu
e esqueceu que esqueceu. Nesse sentido, o historiador é como o analista que faz
lembrar, mas não de maneira abrupta, sua narrativa é acolhedora. Os seres humanos
gostam de se reconhecer em seu passado, mas essa relação não é somente
empática; ela é analítica, psicológica, transformadora. 
História da “Consciência Histórica” Ocidental Contemporânea - Hegel, Nietzsche, Ricoeur, de José Carlos Reis
(2013) é um livro que propõe uma discussão sobre três teorias principais sobre a história: a hegeliana, a
nietzschiana e ricoeuriana. O autor afirma a necessidade de um diálogo entre Filosofia e História, pois
VOCÊ QUER LER?
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separadas podem levar ou a uma História ingênua ou numa Filosofia sem consistência. Vale a pena
conferir!
Com relação as principais teorias da história, tal como elencamos antes, poderíamos
afirmar, para Ricoeur (1994), que cada um desses modelos se encontra em um ponto
diferente daquela espiral sem fim, uma vez que elas narram as experiências
humanas de uma época e as torna compreensíveis. Não há teorias definitivas para a
História: elas sempre mudam, se transformam. Nos próximos tópicos,
acompanharemos algumas dessas transformações.
3.2 O saber histórico nos séculos XIX e
XX
Vamos pensar um pouquinho sobre as diferentes concepções e teorias da História? O
que mudou nos últimos séculos? O que ainda permanece? O que podemos aprender
com essas teorias?
A partir de agora, veremos quais foram a mudanças no campo da História ao longo
dos séculos XIX e XX, lembrando que esse período foi muito importante para a
consolidação do conhecimento histórico como um campo válido do saber.
3.2.1 Positivismo
Não existe apenas uma História positivista. Quando observamos o século XIX e o
início do XX, podemos notar que o Positivismo, na condição de paradigma, foi
incorporado pelas mais diferentes áreas do saber como um modo válido de
apreender a realidade. As bases para esse pensamento são, sobretudo, as filosofias
Iluministas. Por isso, o paradigma positivista vai se pautar pelas ideias de
objetividade, progresso, proposição de leis universais e razão, levando para o campo
das Humanidades o rigor metodológico já aplicado às Ciências Naturais.
VOCÊ SABIA?
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O Iluminismo não é fácil de ser caracterizado, mas influenciou e ainda influencia a nossa sociedade.
Para Roger Chartier (2009), o termo é entendido como um “corpo de doutrinas” que giram em torno
de alguns princípios fundamentais, como: “crítica ao fanatismo religioso, exaltação da tolerância,
confiança na observação e na experimentação, exame crítico de todas as instituições e costumes,
definição de uma moralidade natural e reformulação dos vínculos políticos e sociais com base na
ideia de liberdade” (CHARTIER, 2009, p. 44).
Dos iluministas, o positivismo herdou alguns pressupostos, tais como: a noção de
uma História universal, que se aplica a toda a humanidade; a busca por um
conhecimento objetivo, mesmo no que diz respeito aos fenômenos humanos; a
imparcialidade de quem produz o conhecimento; a construção de leis gerais ou
padrões que podem explicar a realidade em diferentes épocas e lugares (BARROS,
2011b). Dessa forma, os preceitos positivistas foram amplamente utilizados da
produção científica e a História, nesse momento, passou a ser pensada também
como uma ciência. 
O grande fundador do positivismo é o francês August Comte (1798-1857). Ele propõe
a criação de um sistema positivo que serviria para a manutenção da ordem e
garantir o progresso. Como exemplo, a frase da bandeira do Brasil, ordem e
progresso, tem inspiração positivista. Comte recuperou muito do que foi dito pelos
pensadores iluministas, mas criticava a vinculação, hoje questionada,entre o
pensamento das Luzes e a Revolução Francesa. Em seu entendimento, a visão dos
iluministas foi obscurecida pelos ideais revolucionários. Assim, ele defendia o uso da
razão, da objetividade e do progresso, como meios para a manutenção do status
quo. Há, nesse sentido, um traço fortemente conservador no positivismo comtiano,
favorável aos objetivos da burguesia e dos industriais (BARROS, 2011b). 
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Entrando mais especificamente na relação entre o positivismo e o conhecimento
histórico, é possível dizer que a História se tornou mais objetiva em uma perspectiva
positivista. Essa corrente se amparará em alguns dos princípios iluministas, como o
evolucionismo, o progressismo e o espírito antirrevolucionário (REIS, 2011). Dessa
maneira, a História passa a ser entendida como “ciência pura”, se desvinculando da
arte. Por isso, o fazer histórico precisava ser neutro, objetivo, documentado e
demonstrado empiricamente.
 Figura 1 - O selo de
1958, homenageia os cem anos de morte de Auguste Comte, considerado como fundador do
pensamento positivista. Fonte: Le�eris Papaulakis, Shutterstock, 2018.
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3.2.2 Historicismo
O Historicismo é contemporâneo ao Positivismo, mas seguia pressupostos bem
diferentes. Essa corrente também foi marcada por um caráter mais conservador. A
origem das teorias historicistas é a Alemanha, durante o período da unificação. O
surgimento se deu com o intuito de garantir a formação do Estado-Nação alemão e
sua necessária modernização, sem, contudo, incentivar uma ação revolucionária.
Nesse sentido, o Historicismo também visava a conservação de certos privilégios da
nobreza alemã (BARROS, 2011b). 
Diferentemente dos positivistas, no entanto, os historicistas não eram universalistas,
mas sim nacionalistas. Além disso, a visão historicista da História a separava
drasticamente das Ciências Naturais. De acordo com Johan Droysen, um dos
defensores do Historicismo, separava assim, o método histórico do científico,
afirmando ser dever da História compreender a passagem dos seres humanos pelo
mundo. Essa compreensão seria realizada por meio dos vestígios deixados pelo
passado, com foco para as transformações no campo ético e moral ao longo do
tempo. Com isso, ele se opunha à concepção positivista das fontes como meio de
acesso objetivo ao passado (BARROS, 2011b). 
Um dos principais diferenciais da teoria historicista, portanto, é o caráter
interpretativo do conhecimento histórico, em detrimento de uma visão que busca
meramente a reprodução dos eventos do passado. Dessa forma, o historiado tem
um papel de investigação e interpretação em relação às suas fontes. A História, sob
esse viés, é objetivo de si mesma, uma vez que é ela que possibilita aos seres
humanos se autoconhecerem e acessarem, progressivamente, a verdade absoluta.
3.2.3 Materialismo Histórico
É também na Alemanha que surgem um dos grandes oponentes teóricos do
historicismo: o marxismo, com sua proposição do materialismo histórico. Antes de
falar mais sobre essa teoria, é preciso distinguir marxismo e materialismo histórico. 
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O termo marxismo se refere, de modo mais abrangente, a um programa de ação
política que almeja a criação de uma sociedade comunista. O materialismo histórico,
integra a teoria marxista, mas não fica restrito a ela. Ele consiste em um paradigma,
uma abordagem teórica para a compreensão dos processos históricos, que pode ou
não estar vinculada com a necessidade de implementação de uma sociedade
marxista.
Friedrich Engels fora uma figura chave para a concepção de História tal como nós a conhecemos.
Fundador do socialismo cientifico, ele foi o teórico por trás do Materialismo Histórico Dialético, em
conjunto com Karl Marx. Geralmente ofuscado pelo protagonismo deste último, Engels muitas vezes é
relegado ao esquecimento. No entanto, vários dos fundamentos históricos e teóricos do marxismo são de
contribuição dele.
Figura 2 - Em Berlim, as estátuas de Marx e Engels, em Berlim, os dois teóricos que deram início à
teorização do materialismo histórico. Fonte: Claudio Divizia, Shutterstock, 2018.
VOCÊ O CONHECE?
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Feita essa diferenciação, podemos abordar o materialismo histórico como uma
perspectiva teórica para a História. Ao falar da teoria marxista, José d’Assunção
Barros (2011c) afirma que, para Karl Marx:
A história e as mudanças na vida humana são sempre impulsionadas a partir
de sua base material, isto é, das condições objetivas e concretas por meio das
quais os homens em sociedade reproduzem sua própria existência
(materialismo). As transformações dão-se a partir do desenvolvimento de
“contradições”, isto é, de inúmeras forças sociais e produtivas que terminam
por se confrontar reciprocamente, gerando um movimento dialético
(BARROS, 2011c, p. 32).
Assim, ao tratar do materialismo histórico como fundamento para a realidade
humana, Marx foca as estruturas econômico-sociais que são base para a luta de
classes (REIS, 2011). Por isso, José Carlos Reis (2011) mostra como o marxismo, em
defesa de uma ciência histórica, se baseia em três noções principais: 
a) enfatiza as contradições, observando com mais atenção os conflitos sociais; 
b) trata de teoria estruturalista, ou seja, da regularidade histórica;
c) coloca os seres humanos como agentes da História, independentemente de suas
vontades. 
Essas concepções são bastante presentes em algumas vertentes da escrita histórica,
sobretudo no que diz respeito ao enfoque nas contradições e ação humana nas
transformações da realidade.
2.2.4 Escola de Annales
Chegamos à última corrente histórica do capítulo: a chamada Escola de Annales.
Aqui é importante fazer mais uma distinção: essa escola não abriga apenas uma
teoria, mas diferentes pensamentos sobre o que é a história e qual é o papel do
historiador. 
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O historiador Peter Burke (1997) chama os Annales de Revolução Francesa da
Historiografia, ressaltando, assim, a importância das proposições feitas pelos
autores pertencentes ao grupo. Para Burke, o movimento dos Annales pode ser
dividido em três fases (1929-1989): 
primeira fase: encabeçada por Lucien Febvre e Marc Bloch, corresponde à
oposição radical à chamada História Tradicional, conhecida por enfocar a
política e os grandes eventos. Em resposta aos tradicionais, esses
historiadores propunham a relação com outros campos do conhecimento e a
maior abrangência dos temas estudados pela História. 
segunda fase: com a entrada de Fernand Braudel, os Annales ganham mais
consistência teórica, com a inclusão de conceitos, como estrutura e
conjuntura, e métodos específicos para a investigação histórica, como a longa
duração;
terceira fase: denominada de Nova História ou de História Cultural, tem
grande influência na escrita da História e revela certa fragmentação entre os
Annales. Os principais nomes desta fase são Le Goff e Pierre Nora, que
propunham uma análise das mentalidades e estreitaram os laços com a
Antropologia e a Etnografia. 
Para fins didáticos, falaremos mais sobre a Nova História Cultural no próximo tópico,
pois suas transformações se ligam à crítica pós-moderna. Nos interessa aqui,
principalmente as duas primeiras fases, que revelam as teorizações dos Annalessobre o tempo e os métodos históricos. 
Com relação ao programa dos Annales, José d’Assunção de Barros (2011d) traz uma
imagem que resume bem as principais proposições:
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A interdisciplinaridade é um dos pontos chaves da Escola dos Annales desde sua
fundação. Outro viés importante é a expansão nos tipos de fontes históricas, antes
centrados nos documentos oficiais e escritos; além disso, os Annales passaram a
tratar a História como uma ciência em construção, em oposição ao cientificismo
tradicional dos positivistas e dos historicistas. A questão da espacialidade passou a
ser tratada com maior importância, bem como o aspecto estrutural. 
Essas mudanças foram bem significativas para a produção histórica. Desde então, o
modo de se pensar e escrever a História vem passando por mudanças e críticas, mas
muitas delas relacionadas com as proposições dos Annales. No próximo tópico,
falaremos mais sobre essas transformações, com destaque para as novas
possibilidades da História no século, na passagem do século XX para o XXI.
Figura 3 - Principais características da Escola de Annales. Fonte: BARROS, 2011d.
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3.3 A crítica pós-moderna e as novas
possibilidades da História
Depois de ler sobre tantas teorias diferentes, você deve estar curioso sobre as
práticas atuais relacionadas à História. Até este ponto, conhecemos algumas das
principais correntes históricas e suas teorias. Elas nos deram um panorama geral
sobre os modos como a disciplina foi pensada desde o século XIX até boa parte do
século XX. Agora, tentaremos discutir o status mais atual do conhecimento histórico,
ou seja, como a História vem sendo produzida nas últimas décadas.
3.3.1 Críticas ao conhecimento histórico
Desde que a História existe, seu conteúdo vem sendo contestado, criticado ou
questionado em relação à sua validade. No entanto, apesar de todas as críticas, ele
nunca desapareceu.
A partir da metade do século XX, algumas críticas, nem sempre diretamente voltadas
para o conhecimento histórico, levaram a uma inclinação na produção desse
conhecimento. Os Annales, como vimos antes, ficam como intermediários dessa
transformação mais recente: em sua terceira fase, a Escola se fragmentou, do
mesmo modo como aconteceu com a produção histórica e incorporou algumas das
críticas destinadas à Modernidade. 
A chamada Pós-Modernidade resume, ainda que de forma um pouco controversa,
essas críticas. Nem todos concordam com a existência de um pensamento pós-
moderno, ou mesmo com a unicidade do que se intitula vulgarmente Pós-
Modernidade. Ainda assim, essa é uma abordagem importante para pensarmos a
produção da História na atualidade. 
Para entendermos, de modo breve, a complexa Pós-Modernidade, precisamos
retomar o livro de François Lyotard (2009), A Condição Pós-Moderna, publicado pela
primeira vez em 1979. Essa é considerada como uma das primeiras obras a
problematizar a ruptura com as concepções modernas de mundo. Segundo José
d’Assunção Barros (2011e), a condição humana pós-moderna se caracteriza,
sobretudo, por uma acentuada perda de credibilidade das explicações totalizadoras
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sobre a humanidade. Essa crítica se destina, mais diretamente, às teorias da História
com um caráter teleológico, como vimos com as perspectivas marxista e positivista,
por exemplo.
Além da quebra com as explicações universais, observa-se também, na perspectiva
pós-moderna de História, a uma perda de referencial para o conhecimento histórico,
ou, pelo menos, esse referencial deixa de ser externo. Essa mudança leva a uma
multiplicidade de posicionamentos por parte dos historiadores e na própria escrita
da História, levando a uma forte subjetivação: vários pensadores preferem falar em
“histórias” em vez de “História” (BARROS, 2011e). A partir desses posicionamentos
diversos, Ciro Flamarion Cardoso, de acordo com José d’Assunção Barros (2011e),
estabeleceu uma subdivisão historiográfica para tratar da Pós-Modernidade. De um
lado está o “paradigma iluminista”, que abarca as concepções do materialismo
histórico, o positivismo, as duas primeiras fases da Escola de Annales e outras
vertentes que se alinham com as noções de racionalidade e cientificismo. Do outro
lado está o “paradigma pós-moderno”, que não se restringe àqueles que se definem
como pós-modernos, incluindo também a Nova História, os foucaultianos, a micro
história. 
Em seguida, abordaremos algumas dessas correntes, mostrando como o
conhecimento histórico foi se alterando nas últimas décadas.
3.3.2 Nova História e História Cultural
Definir História Cultural é tão complexo quanto uma definição de cultura. No
entanto, para compreender melhor essa perspectiva, é preciso ter em mente que, na
segunda metade do século XX, os diálogos entre Sociologia, Antropologia e História
se fortaleceram, permitindo a troca de conceitos, abordagens e métodos entre essas
disciplinas. Dessa forma, a História Cultural surgiu a partir do cruzamento entre
diferentes visões sobre a realidade, levando em consideração não apenas os
eventos, mas também as construções, as narrativas, o imaginário, ou seja, aquelas
coisas não tão palpáveis, porém com grande relevância sobre a vida humana. 
De acordo com Roger Chartier, o objetivo da história cultural é “identificar o modo
como em diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída,
pensada, dada a ler” (CHARTIER, 2002, p. 16). Subjacente a essa definição,
permanece a ideia de que a realidade é uma construção social, permeada por ritos,
crenças e imagens. A compreensão dessa realidade, segundo Chartier, passa por
dois conceitos fundamentais: representações e práticas de apropriação. Em suas
palavras, é preciso pensar a História Cultural,
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como análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e das
exclusões que constituem, na sua diferença radical, as configurações
conceituais próprias de um tempo ou de um espaço. As estruturas do mundo
social não são um dado objetivo [...]: todas elas são historicamente
produzidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) que
constroem as suas figuras. São estas demarcações, e os esquemas que as
modelam, que constituem objeto de uma história cultural levada a repensar
completamente a relação tradicionalmente postulada entre o social,
identificado com um real bem real, existindo por si próprio, e as
representações, supostas como refletindo-o ou dele se desviando (CHARTIER,
2002, p. 27-28).
Dito de outro modo, essa modalidade do “fazer histórico” deve analisar as
representações que a sociedade constrói de si mesma em diferentes momentos e
contextos. Essas representações, no entanto, não correspondem a uma realidade
objetiva, mas variam conforme as práticas políticas, sociais ou discursivas que levam
à criação de imagens representativas. O terreno da História Cultural estaria situado
entre as práticas e as representações, ou seja, entre a realidade social e as criações
subjetivas que são construídas a partir dela. 
Figura 4 - Festas e rituais populares, a partir de uma relação com a antropologia, se tornam um novo
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Se amparando nos métodos da Antropologia, Sandra Pesavento (2003) fala da
escrita da História, em uma abordagemcultural, como uma ficção controlada, uma
vez que ela se presta à testagem e à comprovação. Segundo a autora, o leitor da
História pode acompanhar os passos do historiador, verificar os documentos que ele
utilizou e conferir como os argumentos foram construídos: essa seria uma distinção
em relação a outras ficções. Além disso, a escrita histórica segue uma estratégia
retórica e estética, na medida em que formula questões, escolhe os conceitos a
serem trabalhados, constrói argumentos e busca convencer sobre determinado
ponto de vista. Com essas colocações, fica claro que a História Cultural não se torna
uma mera narrativa ficcional, sem referentes ou desvinculada da importância do
conhecimento histórico. 
3.3.3 O caso da História Política
No que diz respeito à História Política, podemos falar das discussões mais recentes,
surgidas a partir da década de 70 do século XX, que incorporam os estudos da
Sociologia, da Antropologia, da Psicologia, da Linguística e outras áreas, com o
objetivo de romper com uma visão tradicional da política (RÉMOND, 2003). Os
estudos políticos no âmbito da História foram deixados de lado durante boa parte
do século passado, devido a uma visão negativa do campo, criada pelos próprios
historiadores. Para muitos, a história política foi vista como ingênua, ideológica,
partidária, elitista e factual (JULLIARD, 1976). Essa perspectiva, tida hoje como
tradicional, foi condenada por seus métodos e, por essa razão, o objeto “política”
também foi preterido em prol das análises sociais e econômicas, encabeçadas pelas
primeiras fases da Escola dos Annales. 
No entanto, em meados de 1970 a história política foi retomada, por meio de uma
abordagem renovada sobre o tema. Duas vertentes principais surgem nesse
contexto: a primeira é definida por um novo olhar para objetos já tradicionais dos
estudos políticos, como as instituições, os governos e os movimentos políticos; a
outra linha, além de aderir às novas abordagens, também busca novos objetos a
serem analisados. De acordo com Rodrigo Patto Sá Motta:
O enfoque tradicional da política – e não devemos considerar tradicional
como sinônimo de ruim ou ultrapassado – é voltado para o estudo dos
mecanismos de funcionamento do poder, as intenções e interesses dos
agentes políticos e as ações empreendidas para a conquista e a conservação
do poder. Os novos objetos de pesquisa em questão se concentram em torno
foco da produção histórica com a História Cultural. Fonte: ostill, Shutterstock. 2018.
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dos conceitos de imaginário, simbologia e cultura. A ênfase proposta é
trabalhar a política não no nível da consciência e da ação informada por
projetos e interesses claros e racionais, mas no nível do inconsciente, das
representações, do comportamento e dos valores (MOTTA, 1996, p. 84). 
Trata-se, portanto, de uma Nova História Política, que se aproxima da metodologia
das Ciências Sociais e dos objetos da História Cultural. Menos preocupada com os
eventos, a renovação da história política possibilitou o estudo das culturas políticas,
entendidas aqui como um “conjunto de normas, valores, atitudes, crenças,
linguagens e imaginários, partilhadas por determinado grupo, e tendo como objeto
fenômenos políticos” (MOTTA, 1996, p. 86). O conceito é amplo, assim como a
própria definição de cultura, mas aponta para aspectos mais subjetivos do “fazer
político”, tendo como foco a “representação que uma sociedade faz de si mesma, do
seu passado, do seu futuro” (BERSTEIN, 1998, p. 353). 
Figura 5 - Com as mudanças na História Política, novas formas de poder e articulação política passaram
a ser consideradas, como é o caso das marchas e manifestações de rua. Fonte: Alf Ribeiro, Shutterstock,
2018.
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3.3.4 O gênero como categoria analítica para a História
Como último exemplo da crítica pós-moderna, podemos refletir sobre as discussões
acerca das relações de gênero. Foi com o avanço dos estudos das primeiras fases da
Escola de Annales, que os questionamentos sobre pessoas não contempladas pela
historiografia teve início. Nesse ponto, vale a pena lembrar que a História é um
terreno em disputa: quem irá escrevê-la? Quais são os seus personagens? A quem a
História serve? Essas são algumas das perguntas que provocaram mudanças no
fazer histórico ao longo do século XX. Nessa perspectiva, outra questão de relevo era:
onde estão as mulheres? Elas não apareciam nas narrativas históricas, salvo em
alguns casos bem específicos, estereotipadas como heroínas (Joana D’Arc) ou vilãs
(Lucrécia Bórgia) (PEDRO, 2005). Isso acontecia porque a História Tradicional não
contemplava documentos que possibilitassem o reconhecimento das trajetórias das
mulheres, ainda que elas estivessem presentes em todos os períodos e regiões. 
Figura 6 - As sufragistas representam a primeira onda do movimento feminista, em defesa do voto
igualitário para a mulheres. Movimentos como esse levaram a uma mudança no modo como a História é
escrita. Fonte: Everett Historical, Shutterstock, 2018.
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A chamada História das Mulheres buscou, a partir das discussões trazidas pelos
Annales e pelo movimento feminista, recuperar as trajetórias das mulheres no
tempo. De acordo com Joana Maria Pedro (2005): 
Entre as historiadoras e os historiadores que passaram a seguir a tradição da
historiografia dos Annales – que pretendia ampliar o leque de fontes e observar
a presença de pessoas comuns –, tornou-se mais fácil escrever uma história
que incluísse as mulheres. [...] Assim, com os pés plantados no seu tempo, a
historiadora ou o historiador que se engaja nesta tradição não poderia ficar
alheia (sic) aos movimentos sociais das mulheres em suas múltiplas
configurações, nos múltiplos feminismos que, desde meados do século XIX,
reivindicavam direitos e o fim das hierarquias baseadas no sexo (p. 85).
Além dessa concepção que traz à tona a história das mulheres, existe também a
discussão sobre a categoria “gênero”, defendida pela historiadora Joan Scott (1990).
Ela recupera a discussão feita por Foucault sobre as relações de poder para pensar o
gênero que, em seu entendimento, é a organização social da diferença sexual. O
modo como a autora compreende a categoria gênero, permite uma crítica profunda
do conhecimento histórico. Segundo ela: "a disciplina História não era apenas o
registro, e sim a forma como os sexos se organizavam e dividiam tarefas e funções
através do tempo". Assim, a própria História seria responsável pela "produção sobre
a diferença sexual" (p. 87).  Dessa forma, sua crítica não se resume aos conteúdos a
serem trabalhados dentro da História, mas sim a uma mudança teórica e
metodológica na produção desse conhecimento. 
Com esses exemplos, podemos entender melhor como a História se transformou em
suas teorias e também em suas práticas. Agora, vamos recuperar um pouco do que
foi aprendido até aqui para conceituar, de maneira mais clara, História e
Historiografia.
3.4 Diferença entre História e
Historiografia
O último tópico deste capítulo se destina a diferenciar História e Historiografia.
Depois de ler sobre as mais diversas teorias históricas, você já deve ter alguma
noção sobre essa diferenciação, mas é importante retomar as partes mais relevantes
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para que esse conhecimento fique bem consolidado. 
3.4.1 O que é historiografia?
Vamos primeiramente, nos aprofundar mais na concepção de historiografia.Primeiramente, precisamos ressaltar o quão significativo esse termo é para quem
estuda História. Afinal, a historiografia se refere à escrita da História, ao trabalho dos
historiadores e da trajetória da produção histórica.
Quando o assunto é História e Historiografia, um excelente filme para reflexão é Um filme falado, do
português Manoel de Oliveira (2003). A história gira em torno de uma professora de História que viaja com
a sua filha pelo Mediterrâneo. Durante a viagem, ela vai dando uma aula para a criança sobre a História
greco-romana, mas tudo muda quando a historiadora se vê confrontada com outra realidade histórica: a
oriental. Assim, a película traz bons pontos para quem quer pensar o conhecimento histórico.  
Como exemplo, vamos pensar o que você estudaria em uma disciplina chamada
Historiografia Brasileira. Muito provavelmente, o conteúdo se desenvolveria em
torno da produção escrita pelos principais historiadores brasileiros: suas principais
formulações teóricas, os temas estudados por eles e a relação entre essa produção e
a historiografia no resto do mundo (ou, pelo menos, do Ocidente). Dessa forma, fica
mais fácil compreender que os estudos historiográficos levam em conta a escrita da
História, de um modo geral. 
O Dicionário de Conceitos Históricos (SILVA; SILVA, 2010) nos traz alguns apontamentos
interessantes no verbete “historiografia”: 
a Historiografia, segundo os autores, é a reflexão sobre a produção e a escrita
da História;
o termo também pode se referir ao “exame dos discursos de diferentes
historiadores” e “como estes pensam o método histórico” (p. 189); 
além disso, “a historiografia também nos permite, por meio do estudo
daqueles que escreveram a História antes de nós” compreender “os elementos
comuns aos intelectuais de um mesmo período” (p. 189). 
VOCÊ QUER VER?
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Com essas afirmações, podemos perceber que essa reflexão sobre a produção
escrita da História tem uma história, como dissemos no início do capítulo. As teorias,
correntes e metodologias históricas mudam profundamente no passar do tempo,
porém conservam algumas características centrais, como a relação com o tempo e
as temporalidades, que dão certa unidade ao conhecimento histórico. 
Uma conceituação interessante foi apresentada por Frank Ankersmit: "Como um
dique coberto por uma camada gelo no final do inverno, o passado foi coberto por
uma fina crosta de interpretações narrativas; e o debate histórico é muito mais um
debate sobre os componentes da crosta do que propriamente sobre o passado
encoberto sob ela" (ANKERSMIT apud MALERBA, 2006, p. 19). Com a metáfora, fica
claro que o debate histórico, ou seja, a historiografia, não se refere exatamente ao
passado, mas sim aos componentes das interpretações narrativas sobre ele. 
A definição de Ankersmit esclarece sobre a diferenciação entre História e a
Historiografia. A História produz interpretações narrativas sobre o passado
enquanto, o trabalho historiográfico reflete sobre a escrita da História, ou seja, sobre
essas interpretações. Essa distinção é apenas um primeiro passo para você se
aprofundar, ao longo de sua formação, em ambos os conceitos. Vários autores
debaterão sobre a definição da Historiografia e suas abordagens, do mesmo modo
como acontece com a conceituação de História. Nesse momento, o mais importante
é que você perceba que existe uma distinção entre elas e que esse debate deve ser
observado com mais atenção com a leitura de historiadores e teóricos da História.
3.4.2 As lições do tempo
Na medida em que pensamos sobre a História e a Historiografia, podemos chegar a
algumas reflexões importantes. O tempo, como parte central do conhecimento
histórico, tem um grande potencial: sua passagem traz mudanças que, para o mal ou
para o bem são inevitáveis. Este é, paradoxalmente, o grande argumento para a
importância da História e, também, aquilo que torna um alvo de críticas. Não há
dúvidas, por tudo que vimos até agora, que a produção da História é algo complexo.
Contudo, é difícil existir socialmente sem recorrer à narrativa histórica. 
A Historiografia nos revela as diferentes nuances dessa narrativa. Por isso, de acordo
com o verbete “historiografia” do Dicionário de Conceitos Históricos (SILVA; SILVA,
2010): “a maior utilidade dessa disciplina [historiografia] é demonstrar, pela
observação dos historiadores passados, que todo historiador sofre pressões
ideológicas, políticas e institucionais, comete erros e tem preconceitos” (p. 189).
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Quando nos debruçamos sobre a produção histórica já realizada, podemos observar
seus erros e acertos, suas vinculações, tendências e métodos argumentativos. Por
outro lado, quando produzimos História, temos a certeza de que, no futuro, ela
também será passível de críticas e oposições. 
3.4.3 Historiografia e Ensino de História
Neste ponto, talvez valha a pena debater um caso prático sobre Ensino de História,
tendo em mente que, muitas vezes, a discussão sobre Historiografia e Teoria da
História fica restrita ao universo acadêmico.
CASO
O que ensinar na escola?
O que um professor de História deve ensinar aos seus alunos? Nem sempre é fácil responder a esta
questão. Uma professora, preocupada com o aprendizado e a crítica histórica, percebeu que os livros
didáticos quase sempre trazem o conteúdo como uma verdade dada, sem questionar os conceitos da
História, as diversas abordagens possíveis e toda a teorização que ela havia estudado na Faculdade.
Pensando nisso, ela decidiu que seria importante levar para a escola a discussão sobre Historiografia,
apresentando alguns dos modos como a História é escrita e produzida. Como oficina, ela convidou
os alunos a narrarem um mesmo evento com base em algumas fontes: fotos, relatos e recortes de
jornais. A partir dessas narrativas, foi possível pensar os diferentes pontos de vista, as perspectivas
individuais e o modo como o tempo e a memória interferem na construção da interpretação. Com
essa experiência, a turma percebeu que todo o conteúdo histórico contido nos livros também era
permeado por esses aspectos.
O que podemos refletir, a partir do relato? Quais são os caminhos possibilitados por
essa experiência? E de que modo o aprendizado teórico desta disciplina poderá
contribuir para a sua profissão? Muitas vezes, quando estudamos uma teoria é difícil
colocar ela em prática. Com relação ao estudo da História, essa discrepância entre
teoria e prática é muito perceptível nas escolas, tanto que várias vezes os estudantes
da graduação em História escutam dos professores: esqueçam tudo que vocês
aprenderam antes do vestibular. 
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Toda a reflexão sobre tempo, verdade, conceitos, teorias, correntes históricas que
você viu aqui não deve ficar restrita à sua vida universitária. Lembre-se que elas são
essenciais tanto para a prática docente quanto para as nossas vivências. Ao ver uma
notícia no jornal sobre a política atual, você poderá, por exemplo, pensar melhor
sobre a construção histórica desse problema, bem como se posicionar criticamente
em relação ao que está sendo noticiado. A crítica em relação à realidade é, dentre
tantas outras, uma das importantes ferramentas do conhecimento histórico. Cabe a
você, como professor ou historiador, no futuro, fazer um bom uso dessa ferramenta
e a apresentá-la para outras pessoas.
Figura 7 - A imagem mostra uma aula dada em um castelo francês e nos leva a pensar sobre como
podemos levar as teorias da História para o ensino. Fonte: Nadejda Ivanova, Shutterstock, 2018.
Síntese
Você concluiu o estudo dessecapítulo. Vimos que a História tem uma história, e que
o ramo que se destina a tratar da escrita da História chama-se Historiografia.
Pudemos perceber diversas teorizações que se relacionam com as noções de tempo,
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espaço e papel do historiador.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
aprender sobre as diferentes teorias que refletem sobre a História; 
tratar da conceituação de teoria e das teorias da História de um modo mais
abrangente; 
conhecer as principais correntes historiográficas dos séculos XIX e XX; 
ver como a crítica pós-moderna afetou o conhecimento histórico e suas
formulações teóricas; 
discutir o conceito de Historiografia e suas possibilidades. 
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