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O Conselho de Estado

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o CONSELHO DE ESTADO 
1. Introdução 
I. Illtrodução; 2. A questão da I'italiciedade dos conselhei· 
ros; 3. As funções do COllselho de Estado; 4. O cOlltencioso 
administrativo: 5. A obra do COllselho de Estado; 6. A 
crise econômica de 1864; 7. A regência prol"isória e o 
poder do regente; 8. A crise Za("{/rias·Caxias; 9. A reforma 
eleitoral: 10. A abertura do Amazonas; 11. A questão 
religiosa (1873·1875); 12. COllclusão. 
THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI* 
A análise da história constitucional e política brasileira, tanto no Império 
como na República, permite destacar em todo o período, desde a Indepen­
dência, algumas instituições que serviram de suporte à evolução da nossa 
vida política. 
Elas constituíram as bases das nossas constituições e tiveram, na prática 
dos diversos regimes por que passamos, uma aplicação extremamente esti­
mulante por parte dos homens públicos e dos políticos que manipularam 
os nossos sistemas políticos. 
Pouco importa que tivessem os seus fundamentos encontrado inspiração 
em teorias e instituições formuladas ou criadas por gênios políticos ou 
governos estrangeiros. A verdade é que ao adaptar-se à nossa vida política 
e prática constitucional, essas instituições encontraram sentido próprio: 
constituíram, com a riqueza de imaginação dos que as aplicaram, expressão 
peculiar, e sofreram transformações que lhes deram características próprias. 
Muito teríamos que dizer, se pudéssemos ampliar o nosso campo de 
estudos. O nosso propósito, porém, é o de fixar determinado período his­
tórico, precisamente aquele em que deram sentido peculiar à nossa vida 
política - o Poder Moderador e o Conselho de Estado - que viveram e se 
desenvolveram no reinado de nosso Imperador D. Pedro 11. 
* Ministro do Supremo Tribunal Federal (aposentado); professor emérito da Uni· 
versidade Federal do Rio de Janeiro; diretor do Instituto de Direito Público e 
Ciência POlítica da Fundação Getulio Vargas. 
R. Cio pol., Rio de Janeiro, 19(4) :37-57. out./dez. 1976 
Poder Moderador e Conselho de Estado, instituições que se comple­
tam, porque duvidoso teria sido o sucesso da aplicação do Poder Mode­
rador, se o imperador não se apoiasse no Conselho de Estado. É que o 
Moderador, apesar de ser um poder eminentemente político, apoiava-se 
em decisões sábias e ponderadas no terreno político e em medidas admi­
nistrativas e de governo. 
É da própria Constituição de 1824 (art. 98) a definição do Poder Mo­
derador, como "chave de toda a organização política ... delegada priva~ 
tivamente ao imperador". 
O que o autor francês, Benjamin Constant, chamava de Poder Real, foi 
traduzido entre nós por Poder Moderador, "chave de toda a organização 
política", na expressão do texto constitucional brasileiro, reproduzindo o 
que Constant considerava como ele! de toute organizatiol1 politique. Na 
realidade, o Poder Moderador foi a chave usada pelo regime para atingir 
a conservação da estabilidade política, foi a chave do suceS50 do Império 
para manter a unidade nacional. E, nesse ponto, representava uma parti­
cipação maior no exercício do poder do que o previsto na concepção de 
Benjamin Constant. 
Este poder foi exercido dentro de suas finalidades constitucionais, tão 
bem definidas por Pimenta Bueno: "a suprema inspeção da Nação, o alto 
direito que ela tem e que não pode exercer por si mesma, de examinar 
como os diversos poderes políticos que ela criou e confiou a seus manda­
tários, são exercidos. Com ele, é mantido o equilíbrio e são evitados os 
abusos. Como força social é o mais influente órgão da Nação. "1 
Nas monarquias representativas, o monarca sempre exerce um poder 
superior que é o da Coroa mas que, constitucionalmente, se identifica 
estritamente com o Poder Executivo. 
O sistema da Constituição Imperial, entretanto, separou os dois. O Mo­
derador, exercido pelo imperador com o Conselho do Estado, e o Executi­
vo, chefiado pelo imperador, mas exercido pelo seu ministério. São com­
petências bem diferentes exercidas pelo imperador: Poder Moderador exer­
cido com o Conselho de Estado, Poder Executivo exercido com o seu mi­
nistério. Por isso mesmo, os ministros não subscrevem os atos do Poder 
Moderador, senão os do Executivo, pelos quais são também responsáveis. 
O Poder Moderador é que representa precipuamente a presença do Po­
der Real. Foi a existência desse poder - a presença de um rei - que, 
no dizer de Oliveira Vianna, salvou o Brasil do desmembramento." Assim, 
o imperador, não como poder que se exercia mais no campo administrativo 
e executivo, mas como monarca, exerceu um poder real que eliminou as 
forças da dissociação. 
Seria longo enumerar a competência constitucional da posição do impe­
rador no sistema, mas não seria demasiado dizer que ele encabeça o tí­
tulo - o imperador - que incluía os seguintes capítulos: 
1 Pimenta Bueno. Direito Público Brasileiro, n. 265. 
~ Oliveira Vianna, Francisco José de. Populações meridionais do Brasil. 2. ed. Rio 
de Janeiro, J. Olympio, p. 263. 
38 R.C.P. 4/76 
o Poder Moderador, 
O Poder Executivo, 
O Ministério, 
O Conselho de Estado. 
Ao imperador, no exercício do Poder Moderador, como chefe supremo 
da Nação e seu primeiro representante, cabe velar incessantemente pela 
independência, a harmonia dos poderes. E por isso: 
a) interfere na nomeação dos senadores; 
b) convoca assembléia geral no intervalo das sessões; 
c) sanciona os decretos e resoluções da assembléia geral, para que tenham 
força de lei; . 
d) aprova e suspende as resoluções das assembléias provinciais; 
e) dissolve a Câmara dos Deputados em caso de salvação do Estado, e 
convoca outras; 
f) suspende os magistrados; 
g) perdoa, suspende e comuta penas. 
É, assim, o poder supremo, o árbitro dos grandes problemas políticos 
nacionais. 
Não se tratava, portanto, de um poder neutro, mas uma emanação da 
Coroa, que constituía para alguns a garantia de um efetivo equilíbrio de 
poderes. 
Os liberais nunca se conformaram com a autoridade desse quarto poder. 
Foi uma luta que ocupou a história política do Império. 
Por maior que seja a nossa simpatia por certas posições tomadas pelos 
liberais, a análise da vida do nosso país durante todo o Império nos conduz 
à convicção de que os sacrifícios foram compensados por uma política por 
vezes reacionária, mas que assegurou a unidade nacional e consolidou 
essa unidade, evitando numerosas tentativas de dissociação. 
Mas, juntamente com o Poder Moderador, a existência do Conselho de 
Estado acha-se intimamente ligada à formação histórica da nossa estrutura 
política constitucional. Foi por intermédio dele que o primeiro imperador 
elaborou o projeto de Constituição e nele certamente se apoiou como uma 
instituição que completaria a estrutura de seu governo. 
O rei, em Conselho, quer privado ou no Parlamento, estaria na tradição 
histórica e na formação das monarquias tradicionais. Assim foi na Inglater­
ra, como também na monarquia francesa. 
Ao dissolver a Constituinte, Pedro I conscientizou a importância do 
seu ato e de suas repercussões. Dissolveu o Conselho de Procuradores, 
mas criou para ampará-lo um Conselho de Estado, ao qual atribuiu desde 
logo a tarefa de redigir uma nova Constituição (13 de novembro de 1823). 
Como foi redigido o projeto, quais os responsáveis pela sua elaboração? 
A perda de todos os documentos relacionados com esta fase da nossa vida 
constitucional torna impossível a reconstituição dos fatos mais importantes 
então ocorridos, bem como a determinação de onde partiram as principais 
iniciativas na elaboração do texto. 
Conselho de estado 39 
Extinguiu-se o primeiro Conselho com a promulgação da Constituição, 
mas foi restabelecido por força do art. 137 da própria Constituição. Sem 
regulamento e. portanto. sem uma disciplina de trabalho e uma competên­
cia mais específica, o Conselho de Estado funcionou mal nessa primeira 
fase, até a sua extinção em 1834. 
Foi o Conselho criado e extinto diversas vezes porque, em nosso país, 
foi sempre um ponto de discórdia entreconservadores e liherais: os pri­
meiros, para fortalecer o Poder Moderador. defendiam a sua criação. 
enquanto que os segundos consideravam-no obstáculo ao desenvolvimento 
político. núcleo de reação, instituição retrógrada, uma espécie de oligarquia 
que rodeava o imperador. Daí as suas flutuações e a precariedade do seu 
prestígio durante todo o I mpério. Para os conservadores, na frase de 
Uruguai, era o "automural do Poder Moderador". enquanto que para os 
liberais como Tito Franco e Cristiano Ottoni. era o baluarte do imperia­
lismo. pelo menos quando se achavam em oposição. Flutuou. assim, entre 
as duas tendências - desapareceu com os liberais e descentralizadores, 
voltou com os conservadores e com o fortalecimento do poder central. 
Os conservadores viam na sua existência o próprio espírito do Poder 
Moderador. base do regime constitucional do Império. 
"A supressão do Conselho de Estado", dizia um político liheral. Teófilo 
Ottoni. em um de seus ataques àquela instituição. "era também um grande 
triunfo da idéia liberal. pois que anulava em sua essência o poder modera­
dor, causa de tantas apreensões durante o primeiro reinado". 
Por outro lado. o Visconde de Uruguai. grande político conservador e 
autor de um dos nossos melhores e mais antigos ensaios de direito admi­
nistrativo, atribuía o fracasso do Conselho aos elementos que o integravam. 
O precursor do Conselho de Estado no Brasil foi. como já vimos. o Con­
selho dos Procuradores-Gerais das Províncias. Foi criado pelo Príncipe 
Regente Pedro L pelo Decreto de 16 de fevereiro de 1822. movido por 
uma necessidade justificável de se rodear de uma corporação de pessoas 
com experiência e discernimento, que o auxiliasse na difícil obra da 
administração. 
A reação liberal tinha como ponto capital do seu programa a extinção 
do Conselho de Estado. Estava isto logicamente dentro de suas finalidades. 
E assim o Ato Adicional, em seu art. 32, não podendo suprimir o Poder 
Moderador. em grande parte devido à resistência do Senado. suprimiu o 
Conselho de Estado: "Fica suprimido o Conselho de Estado. de que trata 
o título 5'.1, capítulo 7~) da Constituição". 
Não acabou. porém. aí. a luta em torno do Conselho. O debate doutri­
nário continuou até que em 184 I o imperador. em sua fala de 1 3 de maio. 
por ocasião da abertura das Câmaras, chamava sua atenção para a necessi­
dade da criação do Conselho de Estado. 
Neste mesmo ano. o projeto foi apresentado e te\e andamento. O debate 
foi longo e a discussão versou principalmente sobre a sua composição. a 
constitucionalidade do restabelecimento do Conselho diante do Ato Adi­
cionaI, a perpetuidade do exercício de seus membros. e a sua amovibilidade. 
40 R.C.P. 4/76 
Alves Branco. Bernardo de Vasconcellos e Paula Souza distinguiram-se 
particularmente nos memoráveis debates. Veio por fim a Lei de 23 de 
novembro de 1841 regulamentada em 5 de fevereiro de 1842. 
Por essa lei. o Conselho de Estado tinha 12 membros ordinários. além 
dos ministros de Estado. As suas sessões seriam conjuntas ou em seções, 
as primeiras presididas pelo imperador, e as últimas pelos ministros a quem 
pertencessem os objetos das consultas. 
O regulamento de 1842 dividiu o Conselho em quatro seções: 
1. i\'egócios do Império. 
') Negócios da Justiça e dos Estrangeiros. 
3. Negócios da Fazenda. 
4. Negócios da Guerra e da Marinha. 
Esta divisão foi útil por atender ao critério da competência especializada 
dos membros do Conselho. A reunião plenária, entretanto. era a que tinha 
maior relevância política. 
2. A questão da vitaliciedade dos conselheiros 
Objeto de largos debates foi a questão da vitaliciedade dos conselheiros. 
Argumentos a favor e contra, motivos de interesse público e a defesa do 
princípio da independência foram trazidos a debate por quantos trataram 
do assunto, notadamente por Bernardo Pereira de Vasconcellos. este favorá­
vel à vitaliciedade." 
Quanto à vitaliciedade, prevaleceu um critério intermediário. A Lei de 
1841 admitia, em princípio, a perpeituidade, podendo entretanto o impera­
dor dispensar o conselheiro de Estado, por tempo indeterminado, do exer­
cício de suas funções. 
A vitaliciedade foi sempre matéria controvertida, principalmente porque 
aos liberais repugnava a perpetuidade do poder. Os conservadores e os 
moderados, ao contrário, achavam conveniente uma continuidade, impe­
dindo uma substituição em cada administração. O Visconde de Uruguai 
iu~tificava essa posição com as seguintes palavras: '"A vitaliciedade oferece 
garantias de independência, de luzes de experiência, de justiça. de impar­
cialidade e de segredo". 
Analisado por outro prisma que não o do interesse de quem exerce o 
cargo, colocava-se o problema da conveniência em assegurar-se a fideli­
dade do conselheiro às idéias que sustentava ao tempo da nomeação, e 
a preocupação de saber se o conselheiro poderia mudá-Ias, ou seja, evoluir 
com as e~igências da conjuntura, ou se dever-se-ia dele exigir uma total 
inalterabilidade das idéias. Por isso é que Bernardo Pereira de Vasconcellos 
:1 Veja Assuf, Maurice. Tese .\Obre o conselho de estado. Aqui são discriminados 
lodo~ os argumentos pró e contra a vitaliciedade. 
Conselho de e5lad(l 41 
defendia a vitaliciedade - e o fazia por motivos ponderados. Dizia ele: 
"O problema não é só do Conselho de Estado, será também o da magis­
tratura vitalícia, ou o exercício de qualquer atividade estável". 
O problema é complexo, terá os seus aspectos éticos e políticos. Nenhum 
homem de pensamento pode se considerar imutável em suas idéias - a 
mudança não será fatalmente infidelidade. O cargo de conselheiro é de 
confiança mas apenas quanto ao apreço do imperador pela sua escolha. 
A fidelidade deverá ser com o regime, com as instituições e ao próprio 
imperador. 
A realidade é que nunca houve oportunidade sequer para controvérsia 
entre o imperador e o Conselho. Este opta, mas quem decide é o imperador. 
Sobre o tema, dizia Bernardo de Vasconcellos: 
"Outra hipótese dos nobres adversários é que o Conselho de Estado 
fique condenado a professar sempre as idéias que tinha no tempo em que 
foi nomeado; que o conselheiro de Estado, homem político, não acompa­
nhe as circunstâncias de seu país; que não saiba obedecer ao seu império; 
que não é perfectível, não é capaz de desenvolver a sua razão, de se es­
clarecer. Ora, este argumento tem contra si a opinião de todos os que têm 
escrito sobre a filosofia do direito; todos os publicistas têm reconhecido 
que nenhum homem pode ser imutável, ainda os que mais se inculcam por 
tais; que tudo muda no homem e em torno; por conseguinte sua inteligência 
está sujeita a essa lei de mudança. Eu com isto não justifico a versatilidade 
do homem. Uma coisa é abandonar a opinião sem motivo, por uma incon­
sistência inqualificável. O homem político que facilmente abdica das suas 
idéias, ou revela a sua incapacidade, ou más intenções. E outra coisa é 
modificar as suas idéias, segundo o estado social, fazê-Ias servir ao bem 
do País; é por isto que nós compomos a sociedade à imagem do homem. 
Toda sociedade bem organizada deve ser composta à sua semelhança e uma 
das principais obrigações é a de desenvolver a qualidade do homem que é 
ser perfectível. Ora, o conselheiro de Estado, posto no meio da administra­
ção pública, observando todos os dias o estado da opinião do País, tanto 
no meio da discussão oficial, quanto no meio da espontânea, há de emperrar 
sempre na idéia que tinha no tempo em que foi nomeado conselheiro? Eu 
considero que nenhum homem pode conservar-se estacionário quando tem 
de votar, de deferir negócios de alta importância que estão a seu cargo; pode 
por algum tempo, por muito, por toda a vida, conservar-se estacionário 
o homem que abandona a vida política, que dela nada mais quer, mas 
nunca aquele que tem obrigação de votar todos os dias, de ouvir recla­
mações, de atender às representações e que sobre todos os objetos impor­
tantes é obrigado todos os dias a dar o seu parecer. 
Pode-se entenderque a inteligência não se move, que não compara as 
necessidades do País, para se acomodar à marcha e movimento social; 
poderá ser, mas a minha convicção é mui diversa, e felizmente em abono, 
dela tenho autoridades respeitáveis;" 
42 R.C.P.4/76 
3. As funções do Conselho de Estado 
Desdobrando as atribuições conferidas pela lei e pelo regulamento de 1842 
ao Conselho de Estado, Uruguai divide assim as suas funções: 
a) do Poder Moderador; 
b) do Poder Executivo, político ou governamental; 
c) do Poder Administrativo gracioso; e 
d) do Poder Administrativo contencioso. 
1. A função do Conselho de Estado junto ao Poder Moderador era talvez 
a mais delicada função do Conselho: o exercício do Poder Moderador 
ficava em grande parte apoiado sobre a responsabilidade do Conselho, em 
assunto da mais alta relevância política para a Coroa. . 
A convocação das assembléias gerais, a aprovação ou a suspensão das 
resoluções das assembléias provinciais, a pensão dos magistrados, a con­
cessão da anistia, a escolha dos senadores eram assuntos sobre os quais 
sempre poderia ser ouvido o Conselho de Estado, cuja opinião era ou não 
acatada, mas que nem por isso influía menos na política geral do País. 
A sua vinculação ao Poder Moderador decorria também da sua compe­
tência para aconselhar o imperador prontamente quando ele devia exercer 
o Poder Moderador. 
O responsável por esses conselhos era o Conselho de Estado (art. 143 
da Constituição), como o eram os ministros pelos atos do Poder Executivo. 
Intangível era apenas a pessoa do imperador. 
2. O Poder Executivo, político ou governamental compreendia impor­
tantes matérias como a declaração de guerra, os ajustes de paz, as rela­
ções e negociações com as nações estrangeiras ou com o poder espiritual. 
3. Com relação à jurisdição administrativa graciosa, Pimenta Bueno 
chama-a de quase contenciosa. Este talvez seja o ponto mais interessante 
sob o aspecto que se relaciona com o direito administrativo. Neste terreno 
verifica-se a intervenção do Conselho de Estado como função consultiva, 
mas' sobre matéria acentuadamente administrativa. Diz Pimenta Bueno: 
"Há alguns assuntos administrativos que participam do caráter contencioso 
sem que, todavia, possa este predominar sempre, já porque se dá propria­
mente litígio, já porque alguma vez é necessário conservar à administração 
uma certa liberdade ou latitude de ação a respeito, como indispensável 
aos interesses públicos. Neste caso estão as questões de guerra, os conflitos 
de atribuições, as questões de competência entre autoridades administrativas 
e os recursos por abusos das autoridades eclesiásticas". 
A intervenção do Conselho de Estado era em todos os casos, porém, 
facultativa, cabendo sempre ao imperador a iniciativa da consulta. 
4. Finalmente, relativamente aos negócios contenciosos, ainda prevê a 
lei a intervenção do Conselho de Estado com o caráter meramente consul­
tivo e facultativo. Verifica-se, entretanto, a sua audiência: 
a) nos conflitos entre a jurisdição administrativa e a judiciária; 
Conselho de estado 43 
") nos recursos interpostos das resoluções dos presidentes das províncias 
em matéria contenciosa ou das decisões dos ministros de Estado; 
c) nos embargos opostos às resoluções imperiais. 
Os art. 24 e seguintes do Regulamento de 5 de fevereiro de 1842 esta­
belecem a forma de processo e os casos em que se verificam o recurso 
e a intervenção do Conselho de Estado. 
Sob o ponto de vista administrativo, duvidosa foi a eficiência do Conse­
lho de Estado na monarquia. O contencioso administrativo, ou melhor, a 
jurisdição administrativa praticamente não tinha existência, faltando-lhe os 
elementos indispensáveis ao funcionamento normal e obrigatório dos órgãos 
jurisdicionais inerentes àquele sistema. 
Mas a Lei de 1842 extinguiu-se com o regime, depois de tentativas de 
reforma. entre as quais deve ser citada a do Marquês de São Vicente. 
em 1867. 
4. O contencioso administrativo 
Uma das funções atribuídas ao Conselho de Estado. e das mais importan­
tes. é aquela que exerceu no processo do contencioso administrativo. 
Entre os diversos sistemas jurisdicionais teremos primeiro a função 
jurisdicional exercida por um único poder que é o judiciário. ao qual estão 
submetidas todas as controvérsias. 
No segundo,.o princípio da separação de poderes tem aplicação com 
a separação ttas"' funções, ficando a administração sujeit'á· aos seus próprios 
juízes e tribunais. Temos dúvida quanto ao amparo de Montesquieu a esse 
princípio quando ele diz que não haverá liberdade se o juiz não estiver 
separado do poder legislativo ou executivo. Mas o fato é que a criação de 
órgãos jurisdicionais administrativos serviu de base a numerosos sistemas 
constitucionais, cujo modelo maior é o francês. 
A evolução, entretanto, na maioria dos países terá sido no sentido de 
uma jurisdição administrativa própria, não pelo princípio da separação 
de poderes. mas obedecendo a um processo de especialização, como ocor­
reu na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde, em época recente, verifi­
cou-se o reconhecimento de um direito administrativo fundado no princí­
pio da "legalidade", especializado, com instâncias e tribunais administrativos 
para julgar as controvérsias entre o Estado e os particulares, com base no 
direito administrativo. 
A evolução seguiu linha paralela ao reconhecimento de um direito admi­
nistrativo, o que era recusado por alguns dos mais conceituados autores 
anglo-saxônicos. 
Em 176 I vamos encontrar entre nós a criação da jurisdição administra­
tiva por iniciativa do Marquês de Pombal, com as leis de 22 de dezembro 
de 176 I, que organizaram o Tesouro Real e o Real Erário, mas que ema­
nariam do poder judiciário as controvérsias sobre a arrecadação de rendas 
44 R.c.P. 4/76 
e todos os direitos e bens da Coroa, de qualquer natureza que fossem.4 
Mais tarde, em 1859, criou-se o Tribunal do Tesouro. 
A existência desses tribunais tinha, entre nós, um fundamento regaliano 
e visava proteger os bens da Coroa e os do Tesouro. Exerciam os ministros 
da Fazenda também funções decisórias, julgando os recursos, nas contro­
vérsias da Fazenda Nacional. 
Mas não me quero perder na análise teórica do problema, pois estamos 
tratando especificamente do Conselho de Estado. Ora, este, como já vimos, 
exercerá precipuamente funções consultivas, em relação direta com o Po­
der Moderador, o que não excluía pelo regulamento de 1842 a função do 
Poder Administrativo gracioso e contencioso. Aqui se deve considerar a 
sua competência especialmente: 
a) nos conflitos entre as jurisdições administrativas e judiciárias; 
b) nos recursos integrados das resoluções dos presidentes das províncias 
em matéria contenciosa ou da decisões dos ministros de Estado; 
c) nos embargos opostos às resoluções imperiais. 
Árduo foi o trabalho do Conselho de Estado no exercício dessas funções. 
É o que nos apresenta Rego Barros, em seu livro Apontamentos sobre o 
contencioso administrativo, onde se acham compendiadas as resoluções 
sobre conflitos entre o judiciário e .o administrativo, exame das mais varia­
das controvérsias administrativas. Mas eu vos pouparei a análise mais 
profunda de numerosas resoluções que se acham nos atos do Conselho de 
Estado. Direi, apenas, que foi um contencioso administrativo imperfeito, 
por falta de uma estrutura apta a suportar as tarefas de um contencioso 
administrativo em suas diversas instâncias. 
Por outro lado, as atribuições do Conselho de Estado eram principal­
mente opinativas ou consultivas. Mereciam, entretanto, o apoio decisivo 
da Coroa. 
A República pôs termo ao contencioso administrativo, estabelecendo o 
princípio de unidade de jurisdição. Continua de pé, entretanto, a contro­
vérsia sobre a conveniência da abolição total de jurisdições especializadas 
ou de especializações de juízes nas causas administrativas, fiscais e pre­
videnciárias. 
O estudo sobre o contencioso do Império é extremamente útil, como 
experiência. Lamento faltar o tempopara uma análise mais profunda da 
matéria, que teria, além do mais, um sentido muito particular que interessa­
ria sobretudo aos especialistas. O Conselho de Estado exerceu funções 
contenciosas, mas imperfeitas, limitadas pela própria natureza da institui­
ção. Deixou, entretanto, vasto material para estudos e decidiu, na época, 
questões da mais alta relevância. 
4 Veja Cavalcanti. Themistocles Brandão. Tratado de direito adlllillistrati\'o. v. 4, 
p. 501. 
Conselho de estado 4S 
5. A obra do Conselho de Estado 
Não é possível deixar sem lembrança os inúmeros benefícios prestados ao 
País pelo Conselho de Estado. 
Além do portentoso trabalho legislativo em torno da legislação sobre 
concessões de estradas-de-ferro, ainda acrescenta Souza Bandeira o se­
guinte: "Examinem-se todas as grandes questões nacionais, em que andou 
envolvida a responsabilidade do governo imperial, ou se trate das nossas 
infindáveis complicações com as repúblicas platinas, ou das medidas finan­
ceiras em que se debatia a argúcia dos ministros da fazenda, ou das varia­
das reformas propostas ao Parlamento, e sempre nas discussões do Conse­
lho encontrar-se-á o apanhado fiel das várias correntes de opinião, expos­
tas com clareza, competência e lealdade. O governo podia errar e errou 
muitas vezes. Nunca, porém, poderia-se dizer que o fez por não estar devida­
mente aconselhado, tendo perfeitamente pesado o pró e o contra. "" 
Não poderei omitir aqui as numerosas tentativas feitas, notadamente 
pelo Visconde de Uruguai, de dividir o Conselho de Estado em duas atri­
buições: políticas e administrativas. A solução reforçaria o contencioso 
administrativo e enfraqueceria o próprio Conselho que perderia a sua força 
pela mutilação de sua forte estrutura política e administrativa. Atenderia 
certamente à política liberal, porque tiraria ao Poder Moderador um instru­
mento poderoso para a eficácia de sua política. 
Relembramos algumas decisões históricas proferidas pelo Conselho de 
Estado, depois de longos e brilhantes debates, em que se cumulavam argu­
mentos jurídicos e políticos, sempre com o propósito de cumprir a sua 
tarefa junto ao Poder Moderador. As resoluções que escolhemos como 
exemplo abrangem as mais variadas posições, sendo de observar as reper­
cussões que teriam ou que tiveram na política e na vida nacional. 
6. A crise econômica de 1864 
Em 1864 grave crise econômica rebentou. Iniciada com a quebra do ban­
queiro Visconde Souto, a crise ameaçou alastrar-se nos meios financeiros. 
Um clamor provocado pelo pânico exigia medidas concretas para preservar 
a fortuna pública e particular. 
O Conselheiro Furtado, presidente do Conselho, procurou atender, mas 
a sua formação profissional de magistrado só lhe apontava soluções legais, 
quando a crise era econômica. 
O imperador era, na realidade, quem poderia encontrar os meios para 
debelar a crise, pois o que se exigia eram medidas administrativas que 
repercutiriam no mercado financeiro e estas medidas seriam necessaria­
mente drásticas e imediatas. 
Solicitou entretanto o imperador a opinião do Conselho de Estado, que 
depois de longos estudos e debates, entendeu necessárias medidas rigorosas 
5 Souza Bandeira. Evocações e outros escritos. 
46 R.C.P. 4/76 
para pôr termo à crise. Sugeriu que, por decreto imperial, fosse determina­
da a liquidação dos bancos sem recursos para funcionar, e a suspensão de 
todos os pagamentos. Coube a Nabuco redigir os atos e decretos que deve­
riam atender à resolução do Conselho de Estad06 e o fez com a sua notória 
competência nos assuntos jurídicos e financeiros. 
Foi certamente um relevante serviço prestado pelo Conselho de Estado. 
Agiu com eficácia, mostrando ter condições para encontrar uma solução 
tecnicamente válida. 
7. A regência provisória e o poder do regente 
A viagem do imperador à Europa em 1872 suscitou um problema que 
até então não havia sido objeto de cogitação: a regência do trono, durante 
a sua ausência. 
Além da consulta que particularmente havia sido feita aos conselheiros, 
julgou o imperador necessário um pronunciamento do Conselho de Estado. 
Em 25 de abril de 1871, enviou o imperador ao Conselho de Estado uma 
consulta, assim formulada: 
1. Ausentando-se o imperador para fora do império como o permite o 
art. 104 da Constituição, compete a regência à princesa imperial? 
2. Pode a assembléia geral limitar as atribuições da regência, quando esta 
cabe ao príncipe imperial ou ao parente do imperador, como fala o art. 122 
da Constituição? 
3. Admitida essa possibilidade, convém no caso presente sua limitação? 
4. Qual a forma pela qual deve o imperador requerer e dar o consenti­
mento para o imperador poder sair? 
Estava o Conselho de Estado diante de um problema constitucional, mas 
que envolvia também considerações de ordem política. 
As questões constitucionais foram abordadas com certa liberdade, su­
prindo-se as lacunas da Constituição por um entendimento lógico que expri­
mia uma orientação favorável aos desejos do imperador, sem, contudo, 
violar a letra da Constituição. O entendimento geral foi de que, embora 
a Constituição não se referisse às viagens do imperador, permitia entretan­
to a sua substituição, em caso de impedimento ou, nos termos do art. 126 
da Constituição, por causa física ou moral. Achou a maioria do Conselho 
que a apreciação das causas deveria estar sujeita aos critérios da assembléia 
geral, que abria afinal o juízo político da conveniência de atender ao pe­
dido do imperador. No dizer de Visconde de Abaeté, os casos a que se 
refere o art. 126 da Constituição não dependeriam nem da Constituição, 
nem de qualquer lei de caráter permanente, por isso que dependem de 
numerosas hipóteses, inclusive da possibilidade da substituição por um 
regente. 
li Nabuco, Joaquim. Um estadista do império. v. 1, p. 382. 
Conselho de estado 47 
Foi este o pensamento que prevaleceu no Conselho, embora variassem 
as abordagens do problema pelos conselheiros. No fundo. foi um voto que 
se baseou em razões de ordem política. como a conveniência de atender 
à vontade imperial. 
Quanto à possibilidade de limitação dos poderes do regente, a decisão 
não foi unânime. Vencidos foram o Barão de Muritiba, o Conselheiro 
Torres Homem e o Barão de Três Barras - este o mais radical porque 
achava que deveria limitar os ditos poderes. O Barão de Bom Retiro só 
admitia a limitação da regência eletiva. As razões foram expostas pelos 
"vencidos" fundados nos art. 15 a 20 da Constituição atribuindo à assem­
bléia geral competência para limitar as atribuições do regente. Portanto, 
quanto à conveniência de limitação para os poderes do regente, não foi 
encontrado motivo no caso presente dadas as condições em que o queria 
a princesa imperial. 
Finalmente, a questão da forma da licença. Entendiam alguns, como o 
Barão de Três Barras, que só por lei isso seria possível. A maioria, porém. 
entendia que o ato deveria consistir em uma Resolução da assembléia. 7 
A solução do Conselho foi eminentemente constitucional, com reflexos 
políticos evidentes. 
8. A crise Zacarias-Caxias 
Grave dissídio ocorreu em 1867 entre o presidente do Conselho, Zacarias 
de Goes e Vasconcellos. e o Duque de Caxias. comandante-em-chefe das 
forças empenhadas na guerra do Paraguai. Deste episódio resultou uma 
carta do presidente ao imperador, pedindo a demissão do ministério e 
envolvendo também a demissão de Caxias, cuja presença no teatro das 
operações militares julgava necessária. 
Quanto ao Conselho de Estado, esteve manifestamente contra as duas 
demissões. já que seria uma perda irremediável do princípio da autoridade. 
julgando em sua maioria necessário que o imperador reiterasse a sua con­
fiança no general. 
O imperador nào aceitou a sugestão e pediu ao Conselho uma opção -
Zacarias ou Caxias. A maioria do Conselho foi pela saída de Zacarias. 
levada pelo voto do liberal Nabuco, acompanhado por Rio Branco, Torres 
Homem, Muritiba e Bom Retiro. Julgava a maioria que a demissão do 
ministériopara satisfazer o general seria um precedente funesto para o 
sistema tanto mais que essa decisão acarretaria mudanças radicais na 
política, favorecendo o partido conservador. No entanto. esta decisão fez 
vir a público a fraqueza e a impopularidade do ministério. 
No final da luta. volta ao poder o partido conservador. 
A "dúvida" do imperador e os votos do Conselho. especialmente o de 
Nabuco, feriram de morte Zacarias, que teve de ceder o seu lugar a um 
ministério liberal. para atender à maioria eleitoral manifestada nas urnas. 
.. RC\'is!a de Ciência Puil1lca, v, 5. n. 2, abr./jun. 1971, 
48 RC.P. 4/76 
Bastou que o imperador manifestasse a dúvida na necessidade de manter 
Zacarias, para que ele se julgasse politicamente sem recursos para manter­
se no poder. 
Oliveira Vianna considera a crise e a queda do gabinete liberal de 
Zacarias vinculadas ao processo da queda do Império. S Raymundo Faoro, 
em Os donos do poder,? segue mais ou menos a mesma opinião, descre­
vendo as fraquezas do regime. 
Daí por diante, já em 1869, as crises se sucederam enfraquecendo o 
regIme. 
9. A reforma eleitoral 
A reforma eleitoral em 7 de novembro de 1878 foi outra questão que 
envolvia matéria de alta relevância política, colocada pelo imperador pe­
rante o Conselho de Estado. As questões formuladas foram as seguintes, 
admitida como aceita a reforma eleitoral, com a introdução do voto direto: 
1. Qual o censo que se deverá exigir para que o cidadão possa ser consi­
derado eleitor? 
2. Deverá ser condição para o eleitor saber ler e escrever'? 
3. Convirá a reforma do art. 95 da Constituição, e seus parágrafos 2lJ e 
3'·' - em que sentido? 
4. Para se conseguir a alteração do referido dispositivo, será necessária a 
reforma da Constituição? 
Tratava-se, como se vê, de questões jurídicas e políticas, já que eram 
questões do interesse dos eleitores, como o voto do analfabeto e o proble­
ma constitucional da competência das câmaras para aprovação da reforma. 
A decisão era da maior importância e grandes foram as suas repercussões. 
Basta dizer que a decisão do Conselho foi fatal para o voto dos analfabetos 
ao responder ao primeiro quesito de forma peremptória, com largos fun­
damentos que se referiam à necessidade de dar ao eleitor a sua idoneidade 
para votar. Votou pelo voto do analfabeto apenas o Visconde de Muritiba, 
porque o fato de não saber ler e escrever não salva o cidadão de possuir 
o bom senso e a discrição necessária para escolher quem o represente. 
Votaram na sessão: Visconde de Bom Retiro, Visconde de Abaeté, Vis­
conde de Muritiba, Visconde de Jaguari, José Pedro Dias de Carvalho, 
Joaquim Raimundo de Lamare e Paulino José Soares de Souza. 
A elevação do censo não prevaleceu e não foi julgada necessária a re­
forma constitucional. 
Convocada em 28 de outubro de 1879 para opinar sobre a necessidade 
da convocação de uma assembléia geral para discutir a reforma, opinou 
o Conselho de Estado contra, não só por motivos constitucionais, mas 
também de conveniência política. Discutido o projeto pela Câmara, esta o 
, Oliveira Vianna, Francisco José de. O ocaso do império. S. Paulo. Melhoramento~. 
!I Faoro, Raymundo. Os dOllos do poder. Porto Alegre, Globo: São Paulo, EDUSP, 
1975. 2 v. 
COllselho de estado 49 
aprovou quase por unanimidade. O Senado, entretanto o reJeItou, não 
porque fosse contra o voto direto, mas por motivos conexos, como as pro­
postas que envolviam a intervenção do Senado e do Poder Moderador na 
mudança da Constituição. 
Consultou em seguida o imperador sobre a conveniência da dissolução 
da Câmara dos Deputados. Na sessão de 28 de fevereiro de 1880 foi a 
questão debatida. Pretendia a consulta que as novas eleições convocadas 
dissessem se o eleitorado desejava ou não a reforma eleitoral, solução que 
sensibilizaria o Senado, que certamente atenderia à vontade das urnas. 
A maioria do Conselho votou contra a dissolução. 
Não houve a dissolução mas, logo em seguida, em 28 de março de 
1880, o gabinete Sinimbu era substituído pelo gabinete José Antônio 
Saraiva que, em sua explicação inicial sobre as suas propostas, punha em 
primeiro plano a reforma eleitoral. 1" 
As transigências do novo ministério com a atitude do Senado não atin­
giram a execução do projeto. Afinal, foi ele aprovado e promulgado pela 
Lei nQ 3.029 de 9 de março de 1881. 
Foi árduo o trabalho do Conselho nos episódios que determinaram a 
reforma eleitoral que consagrou princípios novos na tradição eleitoral do 
Império. Agiu o Conselho de Estado com muita acuidade política ao 
mesmo tempo que trazia rica contribuição à técnica do sistema eleitoral. 
10. A abertura do Amazonas 
A abertura do Amazonas foi uma das grandes questões levadas ao Conse­
lho de Estado em 1864. 
O debate que ali se travou constituiu tema relevante para os interesses 
econômicos do Brasil, dada a sua repercussão no comércio internacional, 
assim como tema político e jurídico que abriria as maiores controvérsias. 
Tavares Bastos era o seu mais tenaz debatedor.11 
No Conselho de Estado, coube principalmente a Uruguai e a Pimenta 
Bueno o seu exame, a começar com a preocupação da delimitação das 
fronteiras e a fixação dos direitos dos ribeirinhos, com largas perspectivas 
para a descoberta de rios desconhecidos. 
Para os políticos interessados em política exterior tomava a questão 
perspectivas mais amplas porque abrangia não só o problema do Amazo­
nas, mas também o do Prata, onde os interesses nacionais eram bem maio­
res, pela preocupação de atender à defesa e à proteção das margens dos 
nossos rios internacionais, mas também pela necessidade de obter uma 
grande liberdade de navegação até Mato Grosso. Como poderíamos res­
tringir a navegação do Amazonas, se advogávamos a liberdade de navega­
ção no Prata, nos nossos rios internacionais? 
10 Veja Organização e programas ministeriais. 2. ed. p. 185. 
11 Tavares Bastos. Cartas do solitário. 
50 R.C.P. 4/76 
As divergências que então surgiram e que protelaram a solução definitiva 
foram relativas aos afluentes. Nabuco, Uruguai e Pimenta Bueno faziam 
a restrição. Preferiu o imperador a ressalva do Conselho de Estado, excluin­
do os afluentes, mesmo na parte pertencente ao Brasil. 
E tinham razão de ser as nossas preocupações com a política do Prata, 
pois a Argentina seguia nesse particular uma política liberal. A Constitui­
ção argentina, obra de Alberdi, em 1853, assegurava a liberdade de nave­
gar para todas as bandeiras, para os seus rios interiores, ressalvados os 
regulamentos expedidos pelas autoridades competentes. Em 1856, um tra­
tado de Paz e Comércio assegurava a liberdade de navegação dos rios 
Paraná e Paraguai, para os navios mercantes e de guerra do Paraguai e 
Argentina. Ao mesmo tempo, em 7 de março de 1856, abria-se a navega­
ção do rio da Prata aos países ribeirinhos com o Tratado de Amizade, 
Comércio e Navegação celebrado pelo Visconde de Abaeté com a Con­
federação Argentina, o qual concedeu largas vantagt?ns à Argentina, ao 
Brasil, ao Paraguai e à Bolívia para o comércio do rio da Prata. 
A nossa política no Prata, em relação à navegação e direito dos ribei­
rinhos, caracterizou-se por uma série de acordos e entendimentos quase 
sempre bilaterais, mas que conduziram a uma convenção geral que resul­
tou em uma larga política de liberdade, sempre, entretanto, acompanhada 
de ressalvas das garantias e segurança dos ribeirinhos. 1
" 
A abertura do Amazonas constituía assim uma sábia política comercial, 
com a afirmação da coerência dos princípios que defendemos no rio 
da Prata. 
11. A questão religiosa (1873-1875) 
A questão religiosa foi das mais importantes submetidas ao Conselho de 
Estado pelo Poder Moderador. Não vou relatar a Questão dos Bispos -
não caberia aqui, nessa rápida análise do Conselho de Estado - apenas 
tecerei algumas considerações sobre sua atuação e a de seus membros. 
Esta análise obedece à mesma linha de algumas observações que já 
fizemos sobre a influência das idéias pessoais e das convicções individuaisdos conselheiros na apreciação principalmente dos casos políticos. E a 
questão religiosa era política em sua essência, não só porque incluía uma 
política geral, como influía no comportamento dos juízes, subordinada 
a condições subjetivas. E, em nenhum outro caso mais do que nos religio­
sos, o elemento íntimo de cada um haveria de influir na decisão. E assim 
o foi, porque desta ou daquela forma, o espírito religioso ou a vinculação 
à maçonaria foi objeto de apreciação e de declaração expressa de muitos 
conselheiros. 
A atitude do Conselho de Estado foi moderada mas não definitiva, 
pois a solução final foi determinada pela decisão judiciária e, principal-
12 Veja Tavares Bastos. Cartas do solitário; e Teixeira Soares. Diplomacia do 
império no rio da Prata. 
Conselho de estado 51 
" 
mente, pela ação enérgica do Poder Moderador - que no caso dever-se-ia 
chamar de Poder Real, porque o prestígio da Coroa e da autoridade tem­
poral haveria de impor uma solução contrária aos interesses da Igreja. 
Mais de uma vez foi o Conselho de Estado consultado sobre a crise. 
Na primeira vez, em ]2 de fevereiro de ]873, o imperador indagava em 
primeiro lugar sobre a eficácia das bulas pontifícias contra a maçonaria, 
se deviam ser aplicadas no Brasil, e a sua eficácia em face de nosso direito. 
Em segundo lugar, indagava até que ponto poderia prevalecer a ação dos 
prelados diocesanos contra as irmandades e associações religiosas. Em ter­
ceiro lugar, até onde poderia ir a ação do governo em relação aos atos 
dos bispos nas irmandades religiosas que tiveram maçons em seu seio? Os 
debates e as conclusões de São Vicente, Souza Franco, Inhomerim, Bom 
Retiro e Caxias permitiram ao imperador iniciar o processo no judiciário. 
contra o voto de Nabuco. 
Em 8 de novembro novamente foi ouvido o Conselho, desta vez sobre 
as funções dos bispos, a falta de cumprimento das resoluções do governo 
pelos párocos e a extensão das decisões do governo em relação às irman­
dades. O Conselho opinou sobre as teses controvertidas, esclarecendo o 
imperador na solução dos problemas específicos que foram ocorrendo. Pro­
cessados e julgados, os bispos do Pará e OI inda foram condenados e cum­
priram pena pelo crime de "obstar ou impedir o efeito das determinações 
do Poder Moderador e Executivo conforme a Constituição e a lei". 
A última consulta ao Conselho de Estado foi em 1875, feita pelo ga­
binete Caxias. Coube ao Conselho de Estado dar o voto final na questão, 
opinando pela anistia. 
O radicalismo do comportamento imperial havia, entretanto, aberto uma 
profunda divisão entre a Igreja e o Estado, contrariando o sentimento re­
ligioso dominante. Às crises que se sucediam, acresceu mais esta. Diria 
mais tarde o Bispo D. Macedo Costa: "caiu o Trono mas permaneceu 
o Altar". Repetia-se, assim, a tradição histórica na luta da Igreja com o 
Estado. 
A questão religiosa seguida da questão militar e o problema agrário de­
corrente da abolição da escravidão foram as causas mais diretas da queda 
do Império. Essas questões provocaram a crise nas bases da nossa já en­
velhecida estrutura social e a espera de uma renovação que veio com a 
República. 
A análise dessas manifestações do Conselho de Estado, em suas mais 
variadas formas, mostra a verdadeira atuação desse órgão. Política em sua 
essência, a atuação do Conselho de Estado caracterizou-se por uma linha 
de equilíbrio, na qual se procurava atender aos interesses nacionais, sem 
contrariar as preferências da Coroa, mas sempre acompanhada de ponde­
rações que conduziam a uma solução equilibrada. Em sua maioria políticas, 
não raro, entretanto, soluções técnicas e considerações jurídicas valoriza­
riam as manifestações do Conselho de Estado. 
52 R.c.P. 4/76 
12. Conclusão 
o nosso Conselho de Estado da Monarquia sofreu duas influências prepon­
derantes - a que vinha de nossa tradição político-jurídico, ligada a Por­
tugal, e a que procurou no modelo francês e na legislação desse país um 
elemento útil à construção do nosso sistema. Em ambas, de origens muito 
antigas, pois que a de Portugal remontava ao século XIV, a influência do 
Poder Real e o caráter consultivo do Conselho imprimiram a feição original 
do nosso Conselho de Estado. Somente no correr do século XIX definiu-se 
a sua ação jurisdicional, com que se multiplicou a competência daquele 
órgão. Também aqui entre os dois modelos - o francês e o português -
düicilmente seria possível descobrir qual a fonte mais preponderante na or­
ganização e no funcionamento do nosso Conselho de Estado. A leitura das 
suas decisões, entretanto, mostra bem a influência marcante do direito 
administrativo francês, pelo menos em algumas sugestões sobre as quais 
versavam pareceres e decisões daquele órgão. 
Em matéria processual, no regime dos contratos e concessões, nas ques­
tões puramente teóricas e doutrinárias, os autores franceses são freqüente­
mente citados, enquanto que em questões territoriais e de domínio, bem 
como nas finanças, e em certas peculiaridades de instituições que não en­
contram similar no direito estrangeiro, prevalece o velho direito portu­
guês - as nossas leis civis e administrativas, ainda em formação, consti­
tuem o apoio máximo das decisões e pareceres do Conselho. 
Não seria, entretanto, demasiado dizer que em relação à orientação 
doutrinária, preponderou a influência do modelo francês, por intermédio 
de autores familiares aos nossos juristas de então, especialmente Corme­
nin, Macarel, Renault (em sua História do Conselho de Estado), Oalloz, 
Vivien e outros. 
Na elaboração da Lei de 1842, houve sempre a preocupação de evitar 
o modelo francês, ou peld menos, afirmou-se muito reiteradamente este 
propósito. O autor do projeto, Ministro do Império e Senador Bernardo 
Pereira de Vasconcellos, por exemplo, insistia na originalidade do nosso 
Conselho de Estado, como órgão consultivo, função que na França exer­
ceu, excepcionalmente, em períodos muito transitórios, como na Restau­
ração. No Brasil, foi entretanto esta a sua competência maior, desde a 
sua organização, lembrando mais talvez o Conselho Privado da Coroa 
Inglesa. 
A reação contra uma cópia muito liberal de qualquer modelo estran­
geiro, era também natural, embora seu sucesso fosse muito duvidoso. Além 
do mais, a idéia do Conselho de Estado estava, no Brasil, ligada à do Po­
der Moderador, inspirada na concepção de Benjamin Constant. Foi, por 
isso mesmo, em torno do imperador que a idéia cresceu - e que se cons­
truiu o Conselho de Estado, pelo menos em sua forma mais primitiva. 
Foi com a atenção voltada para o Conselho de Estado na França que 
enveredamos por um caminho perigoso e de difícil execução, isto é, o da 
ampliação da competência do Conselho de Estado à matéria contenciosa 
COllselho de estado 53 
administrativa, convertendo-se timidamente por falta de preparo prevlO em 
uma espécie de tribunal administrativo. Desvirtuava-se com isto o objetivo 
político de sua criação, lançando-se numa aventura cujo sucesso só seria 
possível por uma atuação ousada e decidida. Neste setor jurisdicional, a 
tentativa resultou em fracasso. 
O mesmo, entretanto, não ocorreu nos demais setores, especialmente no 
exercício da função normativa e regulamentar, bem como no estudo dos 
nossos grandes problemas administrativos. Aí foi o seu trabalho da maior 
importância, e nele se encontra a base do nosso direito administrativo. Sem 
o Conselho de Estado, pouco nos teria legado o Império. 
Tal como na França, discutiu-se muito a legitimidade do Conselho de 
Estado, como poder criado pela lei, sem a origem constitucional. Na prá­
tica, ele se interpunha entre os poderes, não só no exercício da função 
jurisdicional, reduzindo de alguma forma a competência própria e especí­
fica do poder judiciário, mas também na ação política dos ministros e do 
Parlamento. Como admitir-se o sistema, quando a organização dos pode­
res e o seu funcionamento dependiam da estrutura constitucional? 
Dizia-se também que o Conselho de Estado limitavaaté o direito reco­
nhecido ao imperador de consultar quem entendesse, ficando, pelo órgão 
criado, limitado o número dos seus conselheiros. Objetam outros que tendo 
a Constituição abolido o Conselho de Estado não seria lícito restabelecê-lo 
por lei - quando muito seria tolerável criar outro. As objeções não tinham 
razão de ser. O único obstáculo apreciável à sua criação era o de natureza 
constitucional, mas apenas no que dizia respeito ao funcionamento dos 
poderes constitucionais, inatingível por outros órgãos criados pela lei 
ordinária. 
Outro motivo de oposição era a vitaliciedade do Conselho, que criava 
uma oligarquia sempre consultada, sempre a recomendar ao monarca as 
mesmas figuras, somente substituíveis pela morte de um, escolhidos por 
vontade única do imperador. Mas, no caso, a vitaliciedade era uma prote­
ção contra o arbítrio do imperador, uma garantia da liberdade do voto 
e da opinião dos conselheiros. Um conselho à mercê da vontade do impe­
rador não teria o prestígio e a independência necessários para manifestar 
em qualquer assunto, mesmo de natureza política, a sua opinião. 
Sempre houve, entretanto, duas preocupações no Brasil, como em Por­
tugal, na organização e no funcionamento do Conselho de Estado: 
a) manter o Conselho de Estado na dependência do Poder Executivo, con­
siderando-o órgão auxiliar da administração ativa; 
b) respeitar o princípio da separação dos poderes, pela independência 
da administração em face ao judiciário, e deste perante o Poder Executivo. 
Não obstante esta preocupação, o contencioso administrativo não tomou 
o desenvolvimento que seria de esperar. 
Em matéria consultiva também desapareceu o Conselho de Estado com 
a República. 
Compreende-se bem esta orientação, se considerarmos a tradição real 
dos Conselhos de Estado, a sua função protetora do soberano, o que levou 
54 R.C.P. 4/76 
um político brasileiro a chamar o Conselho de Estado de pára-raios do 
imperador. Era natural, por isso, que a República pelo menos em seus 
{'rimeiros anos o suprimisse. 
Tentativas, entretanto, foram feitas· com os projetos ArnoIfo Azevedo e 
Afrânio de Mello Franco para revivê-Io, ajustado à forma republicana de 
governo. Não lograram êxito as tentativas, mas os conselhos técnicos e 
consultivos apareceram sob formas novas, bem conhecidas no direito admi­
nistrativo moderno, principalmente no setor econômico. 
Com o advento da República, suprimiu-se entre nós o contencioso admi­
nistrativo. Adotamos um regime judicialista que exclui a dualidade do sis­
tema jurisdicional: uma justiça única, em que somente os tribunais judi­
ciários que integram a justiça ordinária decidem as controvérsias. 
Uma única exceção tivemos, mas já foi em parte abolida em relação às 
causas federais, não pelo critério,ratione materiae, da natureza jurídica da 
controvérsia, mas pela presença no processo do Poder Federal - ratione 
personae. Qualquer decisão administrativa, mesmo as proferidas pelas ins­
tâncias administrativas, estão sujeitas ao controle da legalidade. Se, por 
um lado, amplia-se a competência da jurisdição comum, incluindo sob o 
seu controle todos os atos administrativos, por outro, restringe-se a sua 
competência na profundidade dos atos e na sua conformidade com a lei. 
Elimina-se a jurisdição administrativa própria, mas também para alterar a 
natureza do controle adstrito à função própria aos órgãos judiciais. 
E este é um dos aspectos peculiares ao sistema - a instância judicial 
não se envolve no mérito do ato, mesmo quando de natureza administrati­
va, nas razões de conveniência, de oportunidade, de interesse, mas apenas 
da sua conformidade com a Constituição e a lei. 
Neste particular, a instância administrativa esgota-se nos próprios órgãos 
administrativos, sujeitos ao poder judiciário apenas no que diz com a lega­
lidade do ato ou decisão. 
O recurso por excesso de poder, o abuso do poder, são expressões de 
compreensão restrita porque na sua apreciação judicial, raramente envolvem 
as razões que determinaram o ato, mas unicamente a competência da auto­
ridade, a conformidade do seu ato com os preceitos legais aplicáveis à 
espécie. 
Há uma diferença de técnica no julgamento dos atos administrativos 
pelos tribunais especializados,· que os franceses conhecem, como todos 
aqueles que têm um regime contencioso administrativo. No Brasil, esta 
diferença de técnica só se encontra na justiça do trabalho, autônoma, ou 
em certa forma, na justiça eleitoral, também independente. Na órbita 
administrativa, porém, esta distinção não existe, porque mesmo os tribu­
nais administrativos, ou melhor, os órgãos coletivos a que estão afetas as 
questões administrativas, têm os seus atos sujeitos ao controle judicial, 
como qualquer autoridade administrativa. 
Este sistema tem provocado certas reações tendentes à criação de algu­
mas jurisdições administrativas especializadas. Nos Estados Unidos, prin­
cipalmente, desenvolveu-se esta tendência para criação de commissions 
COllselho de estado 55 
relacionadas nào só com a exploração dos serviços públicos (pllblic llIili­
fies), mas também com o comércio interestadual e internacional (Interstate 
Commerce Commission). Na Inglaterra também verificou-se a mesma ten­
dência. No Brasil, porém, todas as instâncias e "tribunais" administrativos 
estão sujeitos ao controle judicial e com uma intensidade talvez excessiva. 
Nos Estados Unidos, por exemplo, em matéria de tarifas do serviço pú­
blico, decidem soberanamente os commissiol1s sem recurso judicial. Mas, 
este será cabível todas as vezes em que tais tarifas forem consideradas 
confiscatórias, isto é, forem tão baixas que levem a empresa à falência, ou 
tão altas que sejam inacessíveis ao usuário. 
Não será o princípio da estrita legalidade que orientará o juiz, mas um 
elemento quase imponderável cujo nome é a cláusula due process, por 
meio da qual todos os direitos e liberdades não expressos. encontram a 
sua proteção. Somente a sensibilidade de um juiz anglo-saxônico, educado 
na aplicação da commoll lall' e do costume, poderia manejar instrumento 
tão sutil. 
Tenho sustentado sem grande sucesso perante os tribunais, que a parte 
técnica das decisões proferidas pelos tribunais administrativos especializa­
dos é inacessível ao exame judicial, por exemplo: as condições técnicas 
de um abalroamento de navios para efeito da responsabilidade. o resultado 
de uma perícia sobre produtos minerais realizada por uma instância de ta­
rifas aduaneiras, etc. 
Os tribunais brasileiros, entretanto, têm considerado tais decisões admi­
nistrativas como sujeitas à apreciação. como prova, como elementos de 
informação, sem reconhecer a natureza decisória desses atos. 
Todas essas dificuldades teriam sido sobrepujadas com a criação de tri­
bunais administrativos ou, pelo menos, com o reconhecimento do valor de 
certas decisões administrativas, como res judicata, pelo menos no que se 
refere ao merecimento dessas decisões na sua parte técnica e especializada. 
Em conclusão, o modelo político a que obedeceu o sistema imperial foi 
da maior eficácia para a política de todo o reinado de D. Pedro lI. O seu 
valor técnico e doutrinário fornecia ao modelo, além do mais. um sentido 
que muito contribuiu para a sua boa aplicação. As crises naturais em um 
país ainda em formação enfraqueceram o sistema e determinaram a procura 
de outros modelos, inteiramente diversos. A República criou um modelo 
novo, ainda hoje à procura de uma definição que a atualize com as neces­
sidades da época em que vivemos. A revivescência de um Conselho de 
Estado, novo, aperfeiçoado, adequado às necessidades do regime presiden­
cial, poderia, na opinião de muitos, servir de suporte às decisões graves 
de um presidencialismo forte. 
Não creio que se possa transpor o modelo imperial para uma República. 
No modelo presidencialista não há lugar para um órgão que tire ao pre­
sidente a flexibilidade de sua ação ou limite o seu poder de decisào. As 
suas relações com o Poder Legislativo é que precisamser esclarecidas, 
porque da perfeição desse convívio é que pode resultar uma política sáhia, 
uma administração eficaz e um regime de liberdade. 
56 R.C.P. 4/76 
Poder Moderador e Conselho de Estado faziam parte de um modelo 
político que foi salutar para o Segundo Reinado. Não posso dizer que o 
seja para uma República presidencialista. Esta tem um modelo conhecido, 
cuja eficácia depende de sua articulação com os outros poderes, cada qual 
com sua função específica. 
O Conselho de Estado foi, no Império, uma peça essencial para o fun­
cionamento do Poder Moderador, sabiamente exercido pelo nosso Impera­
dor Pedro 11. 
Foi uma grande instituição que teve a sua época. 
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Conselho de estado 57

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