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Sociedades de economia mista

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1. Introdução 
SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA * 
AFRÂNIO DE SÁ * * 
1. Introdução; 2. Conformação da economia mista; 3. Das 
sociedades de economia mista; 4. As sociedades de econo­
mia mista e a Lei das Sociedades Anônimas. 
As formas de compor interesses públicos e privados para fins econômicos não 
parecem ser apanágio deste século ou deste tempo dito social. 
Em ensaio surgido em 1969 Pierre Deyon l afirma que o mercantilismo "é 
antes um conjunto de teorias e práticas de intervenção econômica que se desen­
volveram na Europa moderna desde a metade do século XVI". O autor buscou 
levantar a realidade daquele evento, constatando que o esforço dos seus adver­
sários - para conferir "um matiz pejorativo e odioso ao adjetivo mercantil 
identificando-o como o triunfo dos interesses egoístas dos mercadores" fez esque­
cer seu real sentido de "um sistema manufatureiro, agrícola e toda uma concepção 
do poder estatal", 
Em verdade, o intervencionismo como prática de ação econômica é bem anti­
go. Toda uma tradição que se traduzia pela atividade dos burgomestres e magis­
trados municipais - ao velarem pelo abastecimento de alimentos e matérias­
primas para as comunas, ao estabelecerem reservas de fabricação e negócios, ao 
impedirem a concorrência de outros burgos ou ainda determinando aos estran­
geiros recém-chegados que passassem pelos intermediários citadinos - foi legada 
pelo medievo ao Estado moderno.2 
Esse repositório experimental de regulações sedimentará a base que informará 
os Estados monárquicos dos séculos XV e XVI e, por via de conseqüência o 
mercantilismo que começa a aforar na França e Inglaterra, através de medidas 
como as da Rainha Elizabeth, distribuindo monopólios a todos que desenvol-
* ° presente trabalho, apresentado ao Curso de Direito Empresarial promovido pelo Cen­
tro de Atividades Didáticas do INDIPO, em 1982, mereceu a nota máxima e está sendo 
publicado por decisão do Conselho Editorial da Revista de Ciência Política. 
** Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. 
I Deyon, Pierre. O mercantilismo. São Paulo, Perspectiva, Coleção São Paulo, 1973. p. 10 
e seguintes. Coleção Khromos. 
2 ° Estado moderno para Weber é aquele que reúne as seguintes características: "\. uma 
ordem administrativa e jurídica, sujeita a mudanças segundo a lei; 2. um aparelho adminis­
trativo que manipule os assuntos oficiais conforme regulação legislativa; 3. autoridade legal 
sobre todos os cidadãos nascidos no território de sua jurisdição e sobre a maior parte dos 
atos que ocorram no mesmo; 4. legitimidade para o uso da força em sua área, se a coação 
e~tá autorizada ou prescrita por governo legalmente constituído - isto é, se está de acordo 
com o estatuto em vigor" (Bendix, Reinhard. Max Weber. Buenos Aires, Amorrortu, 1970. 
p. 391). 
R. Ci. pol., Rio de Janeiro, 26(1):22-54, jan./abr. 1983 
vessem novas atividades na ilha e de Francisco I, estabelecendo em Fontainebleau 
manufatura real de tapeçaria. 
Tais fatos, todavia, eram tênues ligamentos de política que surgiria mais téc­
nica e consistente, função da competição internacional entre França e Inglaterra, 
disputando a exploração do império espanhol, adernado por ineficiência de sua 
classe dirigente. 
Nessa época, as práticas mercantilistas surgem nítidas, adotadas pelos Estados 
com o propósito maior de enriquecimento e expansão, determinando sua maior 
presença nas atividades econômicas. "É a fase de isenção das mercadorias que 
servirão às manufaturas e de taxação daquelas que entram manufaturadas: o 
cuidado com a saída do numerário e exportação de ouro e prata, de atos de 
navegação opondo obstáculos à livre circulação e ao livre tráfico de navios de 
outros países. Predomínio da tese de que a maneira de aumentar a riqueza é o 
comércio exterior, mas observada a regra de que é preciso vender mais aos estran­
geiros do que comprar para o consumo próprio."3 
Nesse sentido, Trajano de Miranda Valverde4 observou com acuidade: "O 
Estado mercantilista, que adquiriria com o gênio de Colbert a sua máxima ex­
pressão, tinha para auxiliar os seus propósitos políticos o capital comercial e o 
capital de financiamento, já então abundantes, e cujos possuidores ou represen­
tantes, ávidos de multiplicar os haveres, apoiavam a nova ordem econômica do 
Estado nacional. Instituíra-se um sistema protecionista rígido, que se exteriori­
zava por medidas de assistência às atividades mercantis e de controle delas, com 
o objetivo de acelerar o desenvolvimento das indústrias incipientes e de defender 
o comércio nacional, tanto interno, como externo, e nas suas relações com as 
colônias, cuja produção e consumo ficavam sob o regime monopolístico da me­
trópole" (grifo nosso). 
Não surpreende portanto que "a companhia ou sociedade anônima de econo­
mia mista", surgisse em tal momento, como registra o mesmo autor, in verbis: 
"criou-a o Estado nacional de época mercantilista, no ocaso do século XVI e no 
começo do século seguinte". Posição que esbarra em entendimento diverso de 
Sérgio Andréa Ferreira,s de que "as companhias coloniais dos séculos XVI e 
XVII, nas quais se associavam a Coroa e particulares, segundo as concepções 
mercantilistas, não têm semelhança com a atual empresa do Estado, que é uma 
pessoa jurídico-administrativa, com as características de entidade paraestatal, 
inclusive com regime jurídico misto". 
Todavia, mais do que a discussão da forma jurídica, importa realçar a idéia 
do dirigismo do Estado, impondo meios de composição de seus objetivos nacio­
nais, com os interesses econômicos privados. E, essa realidade é flagrante no 
comportamento da Inglaterra e da Holanda, onde surgem as grandes companhias 
coloniais, às quais ainda com Miranda Valverde "o Estado absolutista dando-lhes 
3 Sá, Afranio de. O princípio da legalidade no Estado liberal e social. Tese apresentada ao 
Departamento de Ciências Jurídicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 
para obtenção do grau de mestre em ciências jurídicas, 1977. p. 13. 
4 Valverde, Trajano de Miranda. Sociedades anônimas ou companhias de economia mista. 
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 1(2):430, abro 
IQ45. 
5 Ferreira, Sérgio de Andréa. As empresas do Estado no direito brasileiro. Arquivos do 
Ministério da Justiça, Brasília, (150):70, abr./jun. 1979. 
Sociedades de economia mista 23 
vida, conferia favores, privilégios, monopólios e extensíssimas atribuições admi­
nistrativas, já então absorvidas na órbita política do Estado nacional". 
Nelas participará o Estado de forma direta ou indireta, correndo os riscos do 
empreendimento; tornando-se mais transparente a associação de capitais priva­
dos com recursos financeiros estatais com a ideação da sociedade por ações. Sobre 
cujo evento, cabe citada lição de Miranda Valverde com o seguinte teor: "suas 
linhas mestras atuais foram estruturadas nas organizações das companhias do 
século XVII, tais como: limitação dos riscos dos participantes; possibilidade de 
se constituir a sociedade com grande número de sócios, não raramente muitos 
deles sem se conhecerem; facilidade da substituição dos sócios pela simples trans­
ferência das partes ou ações em que se divide o capital social e, a elasticidade do 
regime administrativo da companhia ou sociedade anônima, punha ao serviço do 
Estado nacional daquela época uma instituição que se prestava admiravelmentl' 
aos fins de sua política expansionista". 
Exemplos significativos de tal apropriação surgem em 1599 com a Rainha 
Elisabeth da Inglaterra entregando ao Duque de Cumberland e a seus 125 sócios 
a primeira carta de incorporação da Companhia das índias Orientais e em 1602 
e 1621, os Estados-gerais dos Países Baixos Unidos fuudando companhia de 
nome igual à inglesa e a das índias Ocidentais, referenciadas por Valverde. 
De tal modo é verdadeira a assertiva de que a sociedade anônima era um pri­
vilégio concedido pelo Estado conforme seus interesses, que durante mais de 
dois séculos, osparticulares não puderam constituir companhia ou sociedade 
anônima sem prévia autorização do Estado, conforme registram os diversos auto­
res que tratam da matéria. 
O pacto que se estabelecera entre os primeiros capitalistas em busca de lega­
lidade formal (regras claras e inequívocas, garantias do caráter juridicamente 
obrigatório dos contratos e funcionamento da ordem jurídica de forma previsível) 
para seus negócios, e os monarcas em busca da centralização do poder em luta 
contra prerrogativas individuais e grupais, se assegurara aos interessados no acordo 
o que pretendiam, a contrapartida não estabeleceu ou fortaleceu direitos indi­
\iduais, pois em verdade deu-se violação de direitos muito arraigados, como tra­
dicionais privilégios de vassalos feudais ou os monopólios das quildas de arte­
sãos. A burguesia florescente ao se aliar ao monarca que se tornará absolutista 
no marco do governo feudal ou patrimonial, visando proteção, obtenção e manu­
tenção de empresas monopolísticas amparadas pelo governo, abdicava de uma 
precária posição "legal" ante o poder.6 
A identidade Estado absolutista e mercantilismo é erodida na medida em que, 
esgotando a proposta original de expansão, passa a gerar insatisfação quando 
incapaz de responder com suas limitações e restrições à necessidade de comerciar 
e de liberdade de iniciativa daquela burguesia que almejava por novas fronteiras, 
sem a presença asfixiante da ação real, símbolo do monopólio, característica 
fundamental daquele regime concentracionário. 
A nova ordem que se seguiria, foi precedida de amplas e profundas discussões 
de modo claro na Inglaterra e clandestinamente na França, como informa Deyon. 
As idéias em gestação tinham como cerne a existência de uma solidariedade 
básica entre todas as atividades econômicas e profissionais e, que os rendimentos 
5 Sá, Afranio de. op. cito p. 4. 
24 R.C.P. 1/83 
obtidos num setor oferecem mercado aos produtos de outros setores; que é a 
circulação dos produtos e rendimentos que constitui condição de prosperidade, 
atingindo a noção cara ao mercantilismo de que a riqueza do Estado é dada por 
maior grau de independência face aos demais e por maior quantidade de artigos 
para exportar. . 
A constatação prática de tais idéias se dará pela percepção de que a criação 
de riquezas repousa no livre mecanismo de preços, já que, na troca, as duas partes 
lucram, harmonizando os fins egoístas individuais com o bem comum. O entesou­
ramento tão afirmado cede passo pelo uso cada vez mais intenso da letra de 
câmbio, quer no comércio interior quer no exterior, provocando verdadeira revo­
lução nos negócios, pelo surgimento da moeda não-metálica. O entendimento a 
partir daí é para que se deixe funcionar as leis naturais "a questão não é agir, 
mas é necessário parar de agir com a grande violência que se faz à natureza".1 
Na Inglaterra, demonstra Deyon,8 a liberdade de discussão com um mínimo 
de restrições policiais permitirá o desabrochar da ciência econômica, pois se 
verá que um déficit comercial com determinado país importará pouco, pois pode­
rão surgir compensações bilaterais ou multilaterais, derivando a importância tão­
só da balança geral. É essa idéia de solidariedade dos mercados que está na base 
da liberdade de comerciar, pressuposto básico do liberalismo. Na esteira, surgem 
outras concepções como a da divisão internacional do trabalho, que estimula a 
invenção, das vantagens do livre comércio, que permite a busca de matérias­
primas pelo melhor preço, passando a ser o comércio internacional não mais uma 
aventura predatória, mas operação benéfica para todas as partes envolvidas. A 
conclusão inevitável a que chegam é a de que não é a intervenção do Estado 
que enriquece os povos, mas a paz, a indústria e a liberdade que trazem o comér­
cio e a riqueza, como registra Deyon. Entreabria-se o reposteiro de um novo 
modelo, de leis naturais que regulam a mecânica dos preços e ao mesmo tempo 
harmonizam os interesses particulares. Invertem-se os termos: agora as leis civis 
passam a se adaptar às leis naturais, nenhuma taxa de juros do dinheiro poderia 
ser estabelecida legislativamente e sim em função da oferta e demanda de capi­
tais. O golpe minaI vem com a demonstração de que uma balança superavitária 
não impede a elevação dos preços, pois a abundância de ouro e prata provoca 
o crescimento das importações e um decréscimo das exportações, caindo desse 
modo a teoria da balança comercial e inaugurando-se o liberalismo. 
Sob a nova ordem, como lembra Miranda Valverde9 "combatia-se coerente­
mente a intervenção do Estado na ordem econômica. O sistema da prévia auto­
rização para se formarem companhias ou sociedades anônimas foi abolido pri­
meiramente na França e, seguidamente na quase-totalidade dos países de origem 
latina. O liberalismo econômico não podia sequer conceder ao Estado esta última 
intromissão na organização das empresas sob forma anônima". 
Tal clima não propiciaria o surgimento das sociedades de economia mista ou 
das "técnicas de economia mista" como denomina Farjat: 10 "pois os cartéis, os 
trustes, os consórcios, as holding companies assumiram com vantagem e sem 
Deyon. Pierre. op. cit. p. 62. 
, Deyon, Pierre. op. cit. p. 63-4 e segs. 
,) Valverde. Trajano de Miranda. Sociedades anônimas ... cit. p. 431-32. 
10 Fariat, Gérard. Droit Economique. Paris, Presses Universitaires de France. 1971. p. 194. 
Sociedades de economia mista 25 
maiores preocupações para os Estados industriais e fortes, o papel que antiga­
mente desempenhara o Estado nacional absolutista" (Valverde). 
O liberalismo surgia sob outro influxo, antes o Estado tudo podia, tudo co­
mandava, em tudo intervinha, agora, era identificado com o arbítrio necessário 
de conjurar. Importava no novo momento a liberdade do indh,íduo, que tudo 
deveria fazer para alcançar sua satisfação. O Estado teria de ser esvaziado em 
sua potestade; imperativo se fazia antepô-lo ao direito, de tal modo que especia­
lizado (dividido) em suas funções, nunca mais interferisse na vida dos cidadãos 
operosos e sobretudo tentasse restringir sua liberdade. A necessidade econômica 
antípoda do mercantilismo aliada ao permanente repúdio à idéia absolutista do 
domínio real, cria condição propícia para o advento da ordem liberal, a ser 
teorizada por Locke. 
A legitimidade da nova ordem estaria na medida em que se apoiasse única e 
exclusivamente no consenso da maioria, pois "assim sendo o que dá início e 
constitui realmente qualquer sociedade política nada mais é senão o assentimento 
de qualquer número de homens livres capazes de maioria para se unirem e 
incorporarem a tal sociedade. E isto e somente isto deu ou poderia dar origem 
a qualquer governo legítimo no mundo" no diapasão de John Locke.n 
A conseqüência iniludível de tal entendimento é que o governo agora seria da 
lei e não de homens, submetidos todos, dominadores e dominados (Weber) ao 
seu império, conforme o princípio de que "todos os homens são iguais perante 
a lei". 
Ilação significativa desse entendimento é a de que o governo absolutista não 
poderia ser legítimo, maculado na origem, incompatibilizado com a sociedade 
política onde deveria vingar o bilateralismo jurídico de direitos e obrigações 
entre administração e administrados, contraposto ao unilateralismo, tônica do 
absolutismo onde vigoravam princípios como da indemandabilidade e irres­
ponsabilidade do soberano, cujos atos pairavam acima de qualquer ordenamento 
jurídico. 
Os postulados fundamentais da nova ordem seriam portanto o individualismo 
jurídico, a igualdade jurídica de contratar, a liberdade de comércio e iniciativa 
e a inércia do Estado na ordem econômica, assegurando o florescimento da bur­
guesia e a disseminação do regime capitalista, na lição de Caio Tácito.12 
Repelindo qualquer legitimidade que se palsmasse na tradição ou carisma, 
por falta de meios impessoais de limitação do poder, que era o grande inimigo 
do direito individual, a concepção estatal do liberalismo fundamentar-se-ána 
existência de um estatuto, pois qualquer norma jurídica poderá ser criada, modi­
ficada ou revogada, consoante as estipulações contidas naquele documento. Tal 
processo, conforme Bendix,n será "similarmente tautológico", pois as leis serão 
legítimas se forem legitimamente sancionadas e a sanção será legítima se ocorrer 
conforme o processo estabelecido legalmente. 
Essa concepção põe de realce o formalismo - característica modular da ordem 
liberal - impregnando as idéias de liberdade e igualdade, fazendo-as mais jurí­
dicas que éticas. O reflexo inevitável se daria na postura do Estado, diante da 
11 Locke, John. Segundo tratado sobre o Governo. São Paulo, Ibrasa, 1963. p. 5. 54-5. 
12 Tácito, Caio. Material de direito público. Curso de Mestrado em Direito. Rio de Janeiro. 
PUC, 1973. p. 2. 
13 Bendix, Reinhard. op. cil. p. 391-2. 
26 R.C.P. 1/83 
realidade, alheado do que se passava ou acontecia, procedendo como mero es­
pectador ou, quando muito, mantenedor da ordem para que o jogo social se 
processasse sem sobressaltos. Asseguraria aos indivíduos o gozo integral de seus 
direitos, sem interferir em suas atividades; a esse Estado se chamou abstencionista. 
O Estado liberal conhecerá altas taxas de desenvolvimento nos domínios técni­
co, científico e econômico; as leis naturais não-manietadas por artifícios, fun­
cionarão livremente e a instituição básica da sociedade política será o mercado 
que condicionará a vida de modo geral, fundado na prática da liberdade do indi­
víduo e na separação dos poderes estatais para proteger e garantir aquela mesma 
liberdade. 
A proposta da nova ordem era generosa, por que então a decadência do libe­
ralismo? 
A resposta está na incapacidade revelada de não poder resolver o problema 
fundamental de índole econômica do segmento operário da sociedade, voltado 
para a melhoria social e consciente de que a questão da liberdade está ligada 
à emancipação econômica ou relativo progresso das condições materiais de 
existência. 
Não respondendo "às contradições sociais das largas camadas marginalizadas 
do bem-estar econômico e social, permita que a liberdade política até então 
virtual monopólio de uma classe, se tomasse de todos pelo sufrágio universal, 
possibilitando que a derrocada da ordem liberal não fosse apenas doutrinária, 
mas efetiva com a interferência do Estado na economia".14 
Essa interferência sucederá na medida em que o Estado moderno ou legislati­
vo de características tão formais, fundadas "em motivos puramente políticos de 
uma classe" como diz Schmitt, transformava-se ao influxo de contradições e inte­
resses, que começavam a despertá-lo, impondo sua presença disciplinadora nas 
relações econômicas, fazendo eclodir um tempo social. A forma a ser assumida 
pela entidade estatal distinguindo-a daquela liberal de domínio virtualmente com­
pleto da burguesia, será a de estuário de todas as classes, pretendendo conciliá­
las e, nesse momento em que tentará superar a antinomia entre igualdade política 
e desigualdade social, ocorrerá a transformação a que Paulo Bonavides chama 
de "noção contemporânea do Estado social". 
Ao diagnosticar o novo tempo, traduz Ripert: ls "O que se produziu foi a inter­
venção nas relações econômicas da potência política que não se propõe mais 
como antigamente a favorecer o capitalismo, mas o considera já com descon­
fiança, esperando combatê-lo como inimigo." 
Santos Brizl6 reconhece que o sistema econômico liberal gerou inúmeras fon­
tes de riquezas e bem-estar, todavia ensejou ao longo de sua evolução inúmeras 
dificuldades que sintetiza em três grupos. O primeiro é de que as vantagens do 
sistema de livre concorrência não foram iguais para todos, favorecendo sobre­
modo os empresários mais fortes em detrimento dos proprietários de imóveis e 
dos trabalhadores, estes permanecendo indefesos, inobstante a liberdade de con­
tratar, posto que obrigados a aceitar as condições oferecidas pelos empresários. O 
1~ Sá, Afrânio de. op. dt. p. 120. 
15 Ripert, Georges. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. Rio de Janeiro, Freitas 
Bastos. 1947. p. 45 e segs. 
16 Santos, Briz J. Derecho económico y derecho civil. Madrid, Ed. Revista de Derecho 
Privado, 1963. p. 4 e segs. 
Sociedades de economia mista 27 
r 
segundo face a "transtornos em períodos cíclicos", experimentados pela economia 
liberal, que rompiam com o equilíbrio do mercado, pois a épocas de prosperida­
de seguiam-se crises com profundas depressões e recessões que se estendiam ao 
comércio internacional. O terceiro radica em fenômenos externos à vida econô­
mica, implicando em sua paralisação, sendo o principal deles a guerra e suas 
conseqüências. 
Tais dificuldades, gerando sentimento de insegurança ante o futuro, determi­
naram o abandono do liberalismo visto em três etapas, ainda com Santos Briz. 
A primeira, pode ser identificada com os fins do século XIX, permanecendo ainda 
o Estado a latere da vida econômica, organizando-se e ordenando os meios dis­
poníveis para enfrentar as grandes associações econômicas, como os cartéis. Nesse 
período surgem os primeiros contratos de tarifas e tribunais arbitrais. A segunda 
coincide com a guerra mundial de 1914-18, quando a presença estatal se afirma 
fixando preços máximos, estabelecendo normas cogentes de produção e distri­
buição de mercadorias e outras relacionadas com o trabalho. A terceira é con­
temporânea da 11 Guerra Mundial e da conseqüente bipolarização dos sistemas 
econômicos do Leste e Oeste, como reações diferenciadas contra as falhas do 
liberalismo. 
A mudança começa ocorrer quando o Estado reconhece que determinadas ati­
vidades econômicas, por sua natureza, estão impregnadas de interesse coletivo. 
cuja exploração afeta o grupo social como um todo. São os serviços de utilidade 
pública, que embora explorados pelo particular, passam a ser fiscalizados pelo 
poder público. Em outro passo, a proteção do economicamente fraco e a repre­
sentação sindical são respostas a abusos lesivos de interesses indefesos e sem 
garantias. Controle de tarifas e preços, defesa da economia popular e medidas 
contra a concentração de capital são a contrapartida a preços espoliativos, mani­
pulação do comércio e produção e desfiguração do mercado por práticas mono­
polistas e oligopolísticas. 
Contudo, mais do que isso, sobressai o reflexo da transformação nos estatutos 
fundamentais, pois a partir da I Guerra Mundial as constituições que se seguem. 
adicionam aos direitos políticos e civis nelas contemplados, a disciplina estatal 
sobre a economia, buscando a justiça social e uma mais equânime distribuição 
dos frutos do trabalho, como direitos sociais do indivíduo, fazendo do desenml­
vimento um objetivo permanente, como bem comum do povo. 
Paralelamente a essa transformação de fundo jurídico-político e social, ocorria 
outra de índole tecnológica, infIetindo de modo extraordinário sobre as institui­
ções, quando os novos meios de produção, comércio, transportes e comunicações 
transformam a sociedade e o Estado, condicionando a ação e finalidade do poder 
político diante de novos fenômenos, como a transnacionalização da economia, 
relativizando conceitos estabelecidos, como o de soberania. 
Todos esses vetores fluirão para uma resultante que é a intervenção do Esta­
do no domínio econômico, inserida desde o plano constitucional de modo dire­
tivo, seguindo na via legislativa de forma cogente e permissiva, culminando na 
ação empresarial do poder estatal configurando aquilo que Carl Schmitt chamou 
de "Estado administrativo". 
Mas, não lhe bastará controlar preços, produção, comércio, crédito, moeda. 
bancos, extinguir a exclusividade da propriedade privada dos meios de produção. 
adotando, para alcançar seus objetivos, o instrumental da grande empresa. Irá, 
em verdade, mais longe em seu propósito intervencionista, porque de modo siste-
28 R.C.P. 1/83 
mático assumirá papel diretor do processo SOClO-economlCO, pelo planejamento, 
que longe de se referir apenas ao setor público, assimilarátambém o privado 
na noção mais ampla de desenvolvimento, estimulando ou limitando a iniciativa 
privada: é o dirigismo econômico no entender de Caio Tácito, também antevisto 
por Santos Briz, na fórmula da economia social de mercado, como combinatória 
do direito à liberdade com uma condução estatal disponível, porém não exclusiva, 
porque admitindo formas de composição de interesses, não necessariamente com­
petitivos, mas complementares. 
Ê o advento da economia dirigida tal qual vista por Fábio Konder Comparato1i 
quando identifica na crise de 1929 "o dobre de finados do clássico laissez-faire". 
E, embasando sua afirmativa, registra que as economias nacionais mal-refeitas 
da grande guerra, sem excluir as economias coloniais periféricas, foram surpre­
endidas por aquele fato excepcional que ocasionou, "diminuição do valor do 
comércio internacional da ordem de 60%, baixa dos preços internos de 30o/c, 
baixa na cotação das ações em Bolsa de 75%, desemprego em massa (25 ~t 
da mão-de-obra ativa nos EUA) multiplicação de insolvências, com a paralisia 
quase total dos fatores de produção, determinando que a tradicional ausência da 
iniciativa econômica pública não tardasse a desaparecer". 
Caberia portanto a alguém "reimpulsionar a máquina econômica paralisada. 
e este alguém só poderia ser o Estado", na constatação do mesmo autor. Tal 
movimento seria acompanhado por novas técnicas, originando um verdadeiro 
"regime de economia mista" (Comparato) vinculando ação estatal e agentes 
privados. 
2. Conformação da economia mista 
Entende Fábio Konder Compara to, que a I Guerra Mundial representa o termo 
final do século XIX, quando se dá o "superamento de uma certa concepção 
clássica da guerra e da economia". A partir daquele marco os conflitos arma­
dos terão um sentido social global, submetendo "tarefas, ocupações e classes 
sociais sem exceção". 
A economia, antes atividade essencialmente civil, transformava-se ao influxo 
desse fenômeno onipresente, o Estado terá ciência que não é só a frente de bata­
lha que importa, pois a interna é que dará sustentação àquela, sobretudo no que 
se referir aos setores primário, secundário e terciário da economia, redirecio­
nados para o esforço de guerra. Tais fatos de natureza imperativa, determinarão 
intensa e contínua regulação de processos até então ignorados pelo poder públi­
co. Essa normatização modificará acentuadamente o que até aquele momento 
histórico era objeto do exercício de agentes privados, pela introdução de um 
elemento novo, o interesse público que se envolverá direta ou indiretamente na 
atividade econômica. A crise de 1929, demonstrará que tal envolvimento não 
fora despropositado nem intempestivo, pois a fragilidade do mercado submetido, 
tão só a sua auto-regulação, tornar-se-á evidente por si mesma, remetendo para 
o museu da história o liberalismo econômico, ou nas palavras de A. J acquemin 
e G. Schrans "a mão invisível que A. Smith glorificou e que, num mundo de 
J7 Compara to. Fábio Konder. Ensaios e pareceres de direito empresarial - o indispells!íl'el 
direito econômico. Rio de Janeiro, Forense, 1978. p. 456-7. 
Sociedades de economia mista 29 
pequenas unidades em que reinava a concorrência perfeita, assegura a convergên­
cia dos interesses privados e do interesse geral, dá lugar a uma mão visível, a do 
Estado";!8 a emergência da potência estatal será inevitável e sua presença indis­
pensável. 
Essa interferência do Estado que encontrou em Keines a acolhida teórica é 
assim registrada por Toshio Mukaj19 "a partir da observação do fenômeno do 
desemprego permanente que experimentou a Inglaterra, durante as grandes guer­
ras, introduz na ciência econômica a idéia revolucionária (então) da necessidade 
de uma intervenção mais ou menos permanente dos poderes públicos na eco­
nomia. E isto, em primeiro lugar, porque sua concepção econômica, ao con­
trário dos clássicos ou marginalistas, não se cinge à empresa, para o estudo da 
combinação dos fatores produtivos, ou a distribuição dos lucros, mas abrange 
a preocupação com a sociedade como um todo (rendas globais, emprego global, 
procura global), o que o leva a uma teoria do funcionamento da economia como 
sistema global: eis o germe da macroeconomia". 
Desse termo inicial outras idéias surgem tais como a de que a "concorrência 
não é perfeita" (Sraffa), do "equilíbrio dinâmico da economia" (VickselI, Myr­
dalI), "da utilidade dos bens não só em função do interesse pessoal, mas do con­
junto de outros bens" (Schumpeter, Perroux), levando a ciência econômica a 
aceitar a presença estatal na atividade econômica, questionando apenas as lindes 
da intervenção. 
Essa presença será contemporânea de eventos os mais significativos que se 
sucedem em escala planetária nas últimas décadas, pois se por volta de 1929 
havia "superprodução e deflação", a 11 Guerra Mundial fará o mundo conhecer 
os fenômenos da "inflação crônica e pobreza ascendente". Com esse fundo de 
quadro, o Estado infla o ordenamento jurídico privado, articulado para uma 
realidade onde a autonomia da vontade e o rigor contratual eram peças 
necessárias, alterando princípios já cristalizados, com disposições de ordem públi­
ca relacionadas com a moeda, preços, crédito, trabalho, produção, comércio 
interno ou externo e outras tantas atividades essenciais, trazendo a reboque as 
conseqüentes sanções penais e ainda originando técnicas jurídicas de economia 
mista, "que descobrirão para o direito nova função, como instrumento de organi­
zação de relações sociais mais equitativas e de equilíbrio entre as forças eco­
nômicas operantes no contexto social", como observa Orlando Gomes.20 
O relacionamento entre economia e direito, não se reduz a mero fenômeno de 
causa e efeito, pois como observa o mesmo Orlando Gomes, tal seria negar 
"contra a evidência que as leis influem na economia, modificando-a". O essen­
cial está, no fato de que a interação que daí resulta confere ao direito revesti­
mento econômico enquanto que a economia ao se deixar regulamentar se juris­
diciza. O eixo da questão será deslocado para outra discussão mais atual que 
tem a ver com a "eficácia econômica e social das normas jurídicas", entravando 
ou acelerando o desenvolvimento. 
18 Jacquemin. A. G. Schrans. O direito econômico. Lisboa, Vega, s.d. p. 43. 
!Y Mukai, Toshio. Participação do Estado na atividade econômica (limites jurídicos). São 
Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 1979, p. 15. 
c,) Gomes, Orlando & Antunes Varela. Direito econômico (desenvolvimento econômico e 
cl'Olução jurídica). São Paulo, Saraiva, 1977. p. 31. 
3() R.C.P. 1/83 
------------------------------------------------
A opOSlçao desenvolvimento versus subdesenvolvimento, intensificará ainda 
mais essa interação, com reflexos a nível de lei fundamental, denotando preocu­
pação do legislador constituinte em não deixar para a ordenação legislativa ordi­
nária, matérias que por sua relevância, devem gozar de foro constitucional, eri­
gindo verdadeiros princípios, portanto inatingíveis por manipulações legiferantes 
menores. E é assim que se encontra, por exemplo, na Constituição brasileira de 
1967, modificada pela Emenda Constitucional n9 1 de 1969, título próprio para 
a Ordem econômica e social, afirmando que seu objetivo é a realização do desen­
volvimento nacional e a justiça social, com base em princípios, que, se assegu­
ram a liberdade de iniciativa, não menos valor conferem à função social da pro­
priedade e à repressão ao abuso do poder econômico e, ainda facultando a inter­
venção no domínio econômico e o monopólio como instrumentos de ação estatal 
(arts. 160, I, In, v e 163), inscrevendo-se ainda o planejamento econômico 
nacional e regional e a utilização do poder tributário em função de "relevante 
interesse social ou econômico nacional" (arts. 89, V, XIV e 19, § 29), como 
peças relevantes do conjunto intervencionista. 
Enquanto os países industrializados, superavam etapas de forma cada vez mais 
acelerada, na medida em que também concentravammaior poder econômico, na 
periferia desse sistema, hoje pós-industrializado, porque detendo controle de tec­
nologias cada vez mais sofisticadas, como na área da robótica e informática, 
ampliava-se a insatisfação nos países ditos subdesenvolvidos, ansiosos pela "pana­
céia do desenvolvimento", sobremodo quando "2/3 da população mundial, ou 
seja, a maioria esmagadora dos povos africanos, asiáticos e latino-americanos, 
via-se a braços com uma deterioração pronunciada de suas estruturas econômicas, 
aliada a um vertiginoso acréscimo demográfico", no registro de Comparato. 
Tais povos, não podendo se dar ao luxo de esperar pelo funcionamento auto­
mático e espontâneo do mercado, passaram a ver o Estado como o indispensável 
condutor do processo de desenvolvimento, vindo a constituir seu objetivo primor­
dial. Essa condução será o díscrimen mais evidente entre Estado liberal e Estado 
intervencionista ou social de direito. 
Lembra Fábio Konder Comparat021 que a noção de economia política que 
coincide com o Estado liberal "corresponde a uma concepção estática da vida 
econômica toda centrada em torno do equilíbrio natural na produção e circula­
ção da riqueza". A potência política cabe o papel de gendarme, mantendo as 
condições para a existência daquele equilíbrio e eventualmente, funcionando 
como "redutor de crises". 
Contrariamente, a concepção econômica que corresponde ao Estado de hoje 
é "essencialmente dinâmica", pois, desconhecendo o equilíbrio, atua na vaga das 
transformações ou "tendências finalistas". 
Sendo o desenvolvimento um "objetivo nacional permanente", é a expansão 
que se procura (art. 160, VI da Constituição federal), para "assegurar as con­
dições de um aumento elevado e constante da renda nacional per capita, acima 
das querelas ideológicas e políticas, como tarefa primeira e indeclinável do poder 
público", como sentencia o jurista paulista. 
Dissentindo da intervenção do liberalismo, conjuntural e episódica, a de agora 
"atinge as próprias estruturas do sistema econômico, no sentido de seu aperfei-
a Comparato. Fábio Konder. op. cito p. 463. 
Sociedades de economia mista 31 
çoamento, ou mesmo de sua transformação, como é o caso notadamente em 
países subdesenvolvidos" (Comparato). 
Será "global e sistemática" atingindo fundo o mundo jurídico e econômico, 
provocando o surgimento de novas técnicas de ação a serem jurisdicizadas, por­
que utilizadas pelo Estado na implementação de sua política econômica. 
O instrumento de sua tradução será o plano, amplo e geral painel "que exprime 
° conjunto da política econômica" (Comparato), e seu processamento assumirá 
duas formas principais: a primeira dirigista, destinada a guiar a atividade econô­
mica, e a segunda caracterizada pela atividade econômica direta do Estado, con­
forme A. Jacquemin e G. Schrans,22 para os quais o dirigismo manifesta-se tanto 
a nível dos indivíduos e das empresas (aspecto microeconômico) como da vida 
econômica no seu conjunto (aspecto macroeconômico). 
Ao se tornar realidade, substitui os "mecanismos espontâneos do mercado pela 
organização deliberada da vida econômica" (J acquemin e Schrans). Tal fato po­
rém, característica do intervencionismo do Estado contemporâneo, não quer 
significar o desaparecimento ex abrupto do mercado como instituição sócio-eco­
nômica relevante. Pois, como lembra Orlando Gomes23 "a função do Estado na 
utilização do direito como instrumento do desenvolvimento econômico vem se 
exercendo no intento de disciplinar o mercado, enquadrar as relações patrimoniais 
e lhes predeterminar, ou impor, o conteúdo. No modelo dirigista, a ordem pú­
blica econômica não chega ao extremo de exigir a destruição do mercado, mas se 
caracteriza por princípios novos inspirados na idéia de que os instrumentos jurí­
dicos devem ser usados, obrigatória ou facultativamente, no interesse do desen­
\olvimento nacional". E, rematando seu pensamento, conclui "em resumo, a eco­
nomia de mercado livre foi substituída por sistema no qual o movimento da 
produção e da reprodução sociais se realiza, não por meio de contratos particula­
res entre unidades econômicas autônomas, mas graças a uma organização centra­
lizada e planificada por grandes monopólios virtuais ou uma economia de mer­
cado que os alemães denominam de 'mão leve' (leichten hand) pela qual a inicia­
tiva particular é, em princípio livre, mas o Estado pode dirigir a economia, se 
bem que dentro de limites previamente fixados na constituição ou nas leis, e 
tendo a intervenção, fundamentalmente, função supletiva, orientadora e estir,1U-
1 ante da atividade dos particulares". 
Nessa acepção, o plano, diferentemente dos países de economia socialista, não 
é lei suprema, posto que sua natureza é mais indicativa que imperativa, condu· 
zindo a um compromisso ou combinatória, efluindo numa economia social de 
mercado. 
Com esse propósito o dirigismo se apresenta sob modalidades de um "regime 
de economia mista" (Comparato) ou de "técnicas de economia mista" (Farjat), 
onde avultará o que se convencionou chamar de "economia concertada" (l'éco­
nomie concertée) e "administração contratual" (l'administration contractuelle) , 
que no entendimento de Compara to, são praticamente desconhecidas entre nós. 
A primeira modalidade conheceu nomeada em França, graças à feição peculiar 
que o planejamento assumiu naquele país. Na definição de B!och-Lainé,2~ se 
-. J acquemin. A. & G. Schrans. op. cit. p. 42-3. 
'1 Gomes, Orlando e Antunes Varela. op. cit. p. 32-37. 
'4 Bloch-Lainé. À la recherche d'unc économie concertée. In: March~r. Phiiippe. A econo 
'l1ia mista. Porto, Portugal, Rés, 1977. 
,2 R, C . P. 1/83 
torna possível "se as empresas e as administrações procedem ao ajustamento de 
suas informações, das suas impressões, das suas intenções, e se obrigam a cumprir, 
as suas conclusões constituem muito naturalmente um plano, isto é, um conjunto 
de hipóteses e objetivos, de projetos e de programas, para um dado período de 
tempo". Com efeito, "a planificação francesa consiste em tratar a economia do 
país como um todo cujo desenvolvimento seria assegurado e regularizado, não 
por constrangimento, como na planificação autoritária, mas por livre adesão a 
uma concepção conhecida das modalidades previsíveis do desenvolvimento".25 
Tal procedimento biparte-se em duas fases. A primeira dita da coleta de infor­
mações, quando o poder público e entidades privadas reciprocamente ponderam 
os dados existentes conhecidos pelos dois lados no âmbito de comissões técnicas. 
A segunda de elaboração do plano, quando se estabelece uma verdadeira comu­
nidade entre o Estado e seus parceiros, comprometendo-se ambos a respeitarem 
as regras do jogo. Informa Prilippe Marchat26 que ao longo de 20 anos a 
aplicação dessa concepção da "planificação à francesa" permitiu que a economia 
gaulesa efetuasse o admirável ressurgimento que conheceu após a guerra, infor­
mando ainda que deve ser objeto de adaptações para os anos vindouros. 
Escrevendo sobre a "economia concertada", Gérard Farjat27 afirma que se 
trata "de participação de particulares na elaboração e realização de tarefas inter­
vencionistas". Seria uma forma de instar os particulares a se submeterem aos 
objetivos intervencionistas. "Il y a une exécution incitée des tâches intervencio­
nistes." Forma exemplar dessa participação seria a nível de órgãos colegiados de 
natureza simplesmente consultiva ou ainda deliberativa. 
A característica-chave dessa modalidade "é que a autoridade pública não pro­
cura impor os seus pontos de vista às empresas. O Estado tem necessidade das 
empresas para realizar os fins de interesse geral que quer atingir, e por outro 
lado a empresa depende muitas vezes do Estado para alcançar os seus objetivos 
específicos. Assim, interesses privados e interesse geral unem-se para criar uma 
forma nova de organização da economia".28 O que se desenha ou se projeta em 
conseqüência é que um "direito negociado" começa a substituir um "direito 
imposto", sobretudo a nível deplanejamento. 
A segunda modalidade "abarca o conjunto de relações, muito variadas, sus­
cetíveis de se estabelecerem entre as empresas e um Estado com múltiplas fun­
ções, ora banqueiro, ora cliente e fornecedor, ora concessor, ora coletor de 
imposto, que dá também um certo número de contributos às empresas e aparece 
até por vezes, como acionista".29 
Nesta, "o contrato toma-se um modo privilegiado de execução do plano e, de 
modo mais geral, da política econômica e social do governo" (Jacquemin e 
Schrans). O singularismo desta forma está em não tratar e encarar o contrato 
como se houvesse perdurado imobilizado à época de seu apogeu no século XIX, 
quando o que sucede é justamente o contrário pelo desmantelamento de sua 
morfologia clássica, como agudamente observou Orlando Gomes. O jurista cons­
tata que o "novo estilo caracterizado pela adesão de uma das partes às condi-
25 :\Iarchat, Philippe. op. cito p. 8I. 
26 I d. ibid. p. 81·2. 
TI Farjat. Gérard. op. cito p. 199. 
2' Jacquemin, A. Schrans, G. op. cit. p. 39. 
29 ;"larchat, Philippe. op. cito p. 82. 
Sociedades de economia mista 33 
ções preestabelecidas pela outra parte ou por terceiros tem por conseqüência 
lógica conferir poder legislativo a particulares". 
A liberdade individual que assegurava aos indivíduos poder de auto-regulação 
pelo negócio jurídico, o que implicava em conceder-lhes autonomia insuscetível 
de cerceamento, sofre derrogações sucessivas por crescentes limitações à liberdade 
de contratar, como atesta o jurista baiano. Limitações que se evidenciam em 
aspectos fundamentais como o da liberdade de abster-se de contratar e o da 
fixação de seu conteúdo, revelando preponderância de disposições imperativas 
com redução de preceitos dispositivos ou supletivos, entremostrando tendência a 
subordiná-lo a "indefinidos interesses coletivos e a sua constante adaptação às 
circunstâncias econômicas cambiantes" (Orlando Gomes). 
A perplexidade do ilustre civilista, catedrático da Universidade da Bahia diante 
do desmoronar da ordem jurídica "inspirada no voluntarismo jurídico e sistema­
tizada pela escola das Pandectas", revela bem o choque causado pela descontra­
ção com que o Estado invade fronteiras estabelecidas e firmadas "deslocando 
antigos marcos do loteamento do direito", na realização do objetivo que se 
propôs inarredável de realizar o desenvolvimento, mesmo que provoque um re­
ordenamento da tessitura jurídica, conseqüente com observação feita por Mon­
tesquieu e referida por Boquera Oliver30 de que "o poder por sua natureza tende 
a expandir-se, a aumentar em extensão e intensidade". Essa tendência resulta da 
convicção do dominador (Weber) de que sua capacidade para alcançar as fina­
lidades que devem ser atingidas é maior que a de qualquer outra entidade ou 
sujeito. Isso enseja que chame a si a realização de atividades, fazendo-se a cada 
dia mais presente na vida dos dominados (Weber). O efeito inevitável é a redu­
ção do campo dos interesses privados com o aumento conseqüente dos interesses 
públicos, convertendo-se os primeiros nos segundos. A justificativa muda de lugar, 
cedendo o interesse individual campo para a transcedência social (topos). A 
esse processo de conversão ou reversibilidade se poderia chamar de publicização, 
que não poderia ocorrer em sociedade, sem um aumento global do poder exercido 
em seu interior. Esse fenômeno, aliado à tecnificação, vem impondo à administra­
ção pública a maior parte das funções assumidas pelo Estado. Rivero citado por 
Boquera Oliver, afirma que "a tecnificação do poder é um imperativo quando 
os dados técnicos condicionam em ampla medida as decisões políticas". Esta é 
uma imposição atual, corrolário da mística do desenvolvimento, que pretende 
proporcionar aos homens um "Estado de bem-estar",3I 
A "administração contratada" basicamente consiste por parte do poder pú­
blico na concessão de facilidades de natureza financeira e fiscal às empresas que 
aceitem dar uma colaboração efetiva para a implantação do plano. Uma pri­
meira manifestação se dá pelo "quase contrato", assegurando-se à empresa, que 
poderá desenvolver determinado projeto, porque o Estado lhe acorrerá face a 
problemas financeiros, com recursos previstos em lei, como por exemplo o de­
senvolvimento de atividades que configurem tecnologia de ponta (informática, 
química fina, etc.). Uma segunda, se dá pelo "contrato de adesão", através do 
qual o Estado fornece à empresa ajuda fixada antecipadamente (isenção de im-
!O Boquera Oliver, José Maria. Derecho administrativo y socia/ización. Madrid, Publica­
ciones deI Centro de Formación y Perfeccionamiento de Funcionarios - Estudios Adminis­
trativos, 1965. p. 12. 
31 Boquera Oliver, José Maria. op. cil. p. 17. 
34 R.C.P. 1/83 
postos, subvenções, etc.) como resposta à realização de objetivos determinados 
relativos à modernização industrial, criação de empregos ou descentralização 
espacial de atividades. Finalmente, uma terceira manifestação se dá pelo "contra­
to negociado" que se caracteriza por discussão livre, traduzida por assinatura 
de "cartas de acordo" conforme atesta Philippe Marchat,32 configurando ver­
dadeiras encomendas públicas que "permitem pré-financiar os mercados ou con­
tratos de empréstimos e de adiantamentos reembolsáveis e ainda outras que 
visam de comum acordo objetivos para ramo de determinada indústria". 
Em nossa realidade brasileira, em que pese à observação de Konder Compa­
rato de que tais modalidades são praticamente desconhecidas, é possível vislum­
brar indícios de tais práticas, via agências regionais de desenvolvimento ou órgãos 
incumbidos de desenvolver determinados setores econômicos, quando o Estado, 
por seu intermédio, concede incentivos fiscais e financeiros para empresas se 
estabelecerem em regiões como o Nordeste e a Amazônia colaborando na im­
plementação de planos regionais de desenvolvimento ou para desenvolverem 
atividades específicas ligadas à pesca, turismo, reflorestamento, etc. Ainda por 
meio de determinados conselhos, como o Interministerial de Preços, liberando 
os preços de determinados produtos, desde que não haja aumentos periódicos 
ou que sejam rigidamente controlados pelas empresas, estabelecendo-se uma 
espécie de "liberdade vigiada", aproximando-se dos "contratos de estabilidade" 
franceses. 
A segunda forma ou procedimento intervencionista se dá quando o Estado 
age "unilateralmente, exercendo as prerrogativas do imperium, ou entra em cola­
boração com os agentes privados da economia, numa posição de relativa igual­
dade" (Comparato). 
De modo imperativo e direto infletirá sobre a base econômica por meio de 
medidas reguladoras dos fatores de produção e mediante ação descentralizada, 
de modo empresarial, por meio de entidades dotadas de personalidade jurídica 
de direito privado, criadas legalmente, modernamente conhecidas por empresas 
públicas, albergando genericamente duas espécies, que são a sociedade de econo­
mia mista e a empresa pública pura. 
3. Das sociedades de economia mista 
A ampliação das atividades do Estado, impondo-lhe uma atuação descentra­
lizada, diversa da centralizada, refletirá de modo agudo o condicionamento da 
economia, assumindo o intervencionismo forma empresarial, gerando modelo 
produtivo paralelo ou, em outras palavras, desnaturando o próprio processo capi­
talista de produção pela inserção de elemento estatista em setor antes eminente­
mente privado.33 
A empresa pública em sentido lato (sociedade de economia mista e empresa 
pública pura) esteve sempre no centro de intensa controvérsia, quer na doutrina 
nacional quer na estrangeira. Hoje como ontem a discussão prossegue, pois se 
agora o timbre não é jurídico, é econômico, porque a presença estatal, por seu 
intermédio, deixou de ser pioneira ou suplementar nos setores inalcançados pela 
3.! Marchat, Philippe. op. cito p. 85. 
33 Sá. Afrânio de. op. cit. p. 128·9. 
Sociedades de economia mista 35 
iniciativa particular, para afirmar-se nos mais rentáveis, concorrendo ouafas­
tando aquela. 
De sua importância, dá notícia Nicola Balog34 apresentando relatório geral ao 
Congresso Internacional de Ciências Administrativas realizado em Paris em julho 
de 1965, concluindo "serem as empresas públicas um fenômeno característico de 
nossa época, como conseqüência da expansão progressiva do setor público da 
economia, bem como da ampliação de seu papel, no CUíSO dos últimos decênios, 
em particular nos países em desenvolvimento"; no mesmo relatório que realçava 
essa circunstância comum, ficou claro todavia, que a idéia de uma lei geral, defi­
nindo regras uniformes para todas, assegurando um estatuto definido, determi­
nando os limites da ação, precisando relações financeiras, assim como, os liames 
com o governo no que toca à gestão, deveria ser rejeitada, com base no argu­
mento de que o diploma legislativo que as cria, define os objetivos perseguidos 
de acordo com necessidades conjunturais de cada país, o que não se compadece 
com a generalidade de um instrumento legal internacional. 
Em nossa realidade, a expressão empresa pública contém in genere duas espé­
cies: a sociedade de economia mista e a empresa pública pura. 
A primeira tem história mais longa; informa Marchat35 que seu nascimento 
não se deu na França e sim na Bélgica, Suécia e sobretudo Alemanha com as 
Gemischte Wirtschaften, introduzindo-se na ambiência francesa a partir da AI­
s3cia-Lorena, onde sob a legislação alemã é utilizada a partir de 1900 em diver­
sos serviços públicos (distribuição de água, gás, eletricidade e até leite). Infor­
mação assemelhada é fornecida por Trajano Miranda Valverde,36 de que "após 
a guerra de 1914, surgiram acentuadamente na Alemanha, nem sempre por defi­
ciência de capital ou de iniciativa privada e sim, por motivos de proteção ao 
interesse coletivo e de defesa militar, comunas ou cidades da Renância que se 
associaram a particulares para a constituição de empresas de produção e de dis­
tribuição de energia elétrica. Na Alemanha pode dizer-se nasceram as nO\as 
sociedades de economia mista, baseadas todas, ou na necessidade de defender o 
interesse coletivo, ou na de preservar as fronteiras do Reich contra os possíveis 
ataques das nações vizinhas". 
A segunda (empresa pública pura) e de aparição mais recente. Bilac Pinto" 
em conferência proferida em 1952 na Fundação Getulio Vargas afirma que essa 
entidade se tornou possível, graças a uma contradição insanável da sociedade de 
economia mista que levaria a seu declínio, ou seja "o conflito insolúvel entre o 
interesse particular e o interesse público", contido nessa pessoa jurídica. Con­
soante aquele publicista, surge na Alemanha, onde a tendência à socialização foi 
a razão determinante, enquanto nos EUA "os períodos de crise, as duas guerras 
mundiais e a depressão de 1929 foram responsáveis pela ampliação de seu núme­
ro". Na Inglaterra o "socialismo municipal", a socialização de determinados ser­
viços públicos e indústrias conforme a política laborista determinaram a ascensão 
das government corporation ou public corporation. Fique assente porém, que seu 
.'4 Balog, Nicola. A organização administrativa das empresas públicas. Revista de Direito 
Administrativo, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 87:45, jan./mar. 1967. 
35 Marchat, Philippe. op. cit. p. 14-5. 
3G Valverde, Trajano Miranda. Sociedades anônimas... cit. p. 433. 
37 Pinto, Bilac. O declínio das sociedades de economia mista e o advento das modernas 
.::mpresas públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Var­
gas, 32:8, abr./jun. 1953. 
36 R.C.P. 1/83 
aparecimento como ferramenta de ação estatal é posterior à larga utilização da 
sociedade de economia mista, patenteia aquele professor. 
Em que pese o tardio desenvolvimento doutrinário brasileiro derredor do gêne­
ro empresa pública, de tal sorte que o ano de 1956 é indicado como marco 
importante do estudo desse ente personalizado, com a monografia de Waldemar 
Ferreira sobre o aspecto contemporâneo da sociedade de economia mista, seu 
aparecimento fático é mais antigo. 
Com efeito, Caio Tácito,38 revela que por alvará de 12 de outubro de 1808, 
foi criado o primeiro Banco do Brasil, associando capitais públicos e privados. 
Contudo assinala que, com características modernas, seu ingresso na vida eco­
nômica do país se dá com o Instituto de Resseguros do Brasil em 1939, Com­
panhia Siderúrgica Nacional em 1941 e Vale do Rio Doce em 1942. Seguindo-se 
Companhia Nacional de Álcalis em 1943, Hidrelétrica do São Francisco em 
1945 e Fábrica Nacional de Motores em 1946. 
Lembra o ilustre professor que tais criações coincidiram com o período do 
Estado Novo, concentrando-se o poder legislativo em mãos do presidente da 
República e, que o advento do Estado de direito democrático determinou que 
as novas empresas públicas fossem ungidas pelo Parlamento através de leis su­
cessivas que originaram a Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobrás) em 1953, Rede 
Ferroviária Federal em 1957, agrupando todas as ferrovias de União e Centrais 
Elétricas Brasileiras (Eletrobrás) - em 1961, holding do sistema brasileiro de 
eletricidade. 
É de salientar que essas entidades não surgem em funçi!o de um estatuto legal 
geral, ou de normas doutrinárias, ou por efeito de linhas iterativas jurispruden­
ciais; o que não constitui fato significativo, pois a realidade econômica sempre 
procede sua regulação jurídica, bastando recordar a letra de câmbio como típica 
criação do comerciante, em face de necessidades emergentes e inadiáveis. Re­
levante, portanto, que o afloramento dessas figuras jurídicas é consectário indis­
pensável da política de intervenção estatal no domínio econômico. 
Após largo período de multiplicação da empresa pública por iniciativa fe­
deral, estadual e municipal, o art. 5Q do Decreto-lei nQ 200 de 1967 (reforma 
:icministrativa) a conceitua em suas duas vertentes, com posterior alteração pelo 
Decreto-lei nQ 900 de 1969, no seguintes termos: 39 
Art. 5Q. Para os fins deste decreto-lei considera-se: 
I - Aurarquia ( ... ) 
11 - Empresa pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito 
privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei 
para a exploração de atividade econômica que o governo seja levado a exercer 
por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo reves­
tir-se de qualquer das formas admitidas em direito. 
[11 - Sociedade de economia mista - a entidade dotada de personalidade ju­
rídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômi­
ca, sob forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam 
em sua maioria, à União ou a entidade da administração indireta. 
'8 Tácito. Caio. As empresas püblicas no Brasil. Revista de Direito Administrath'o, Rio 
de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 84:432-3, abr./jun. 1966. 
39 Reforma Administrativa, organização da administração federal, Decreto-lei n." 200/67. 
Texto atualizado e anotado. 3. ed. Brasília, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Téc­
nicas, 1981. p. 2-3. 
Sociedades de economia mista 37 
Como pontos comuns apresentam: criação por lei, personalidade de direito 
privado e atividades econômicas como objetivos. Porém se sua personalidade 
privada justifica-se pela flexibilidade das pessoas jurídicas de direito comum, 
por que serem criadas por lei? Não daria o Estado prova cabal de aquisição da 
qualidade de empresário, se elas surgissem na forma das leis específicas socie­
tárias? 
Além do aspecto histórico anteriormente realçado com o surgimento por de­
creto-lei e lei das primeiras empresas públicas brasileiras, as razões determinantes 
da prévia autorização legislativa, radicam na aplicação de recursos públicos e 
execução de incumbência do Estado. 
Entretanto, não se confundem com a autarquia, que por ser dotada de per­
sonalidade de direito público defluida de lei, goza dos mesmos privilégios fiscais 
e administrativos comuns às pessoas jurídicas de direito público interno. Apré­
via autorização legislativa no caso das empresas públicas não lhes confere per­
sonalidade, esta surgirá na forma da lei comercial e com o arquivamento dos atos 
constitutivos no registro de comércio. Por atividades econômicas devem ser 
entendias as industriais, serviços básicos e até as de comercialização e, de tal 
sorte isso é verdadeiro, que o parágrafo 29 do art. 170 da Constituição federal 
estabelece: "na exploração pelo Estado, da atividade econômica, as empresas 
públicas e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis 
às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das obriga­
ções", significando que se equiparadas às empresas privadas quanto aos deveres, 
delas não se distinguem por privilégios, podendo exercer conseqüentemente as 
mesmas atividades que aquelas exercem. 
As diferenças entre as duas espécies do gênero empresa pública, podem ser 
vistas num primeiro momento quanto à forma, que na empresa pública pura 
pode ser qualquer uma prevista em direito ou ainda podendo receber "estru­
turação específica" conforme Bilac Pinto e também Nabantino Ramos40 que 
analisando a expressão "podendo revestir-se de qualquer das formas previstas 
em direito" entende que consagra "uma faculdade não dever ou obrigação" sig­
nificando portanto que a empresa pública pode (grifei), não está obrigada, a 
se formalizar com os moldes jurídicos existentes, ficando o legislador com li­
berdade para a "criação de novas formas jurídicas, para vestir as empresas 
públicas, além das que já estão admitidas em direito". 
Distintamente ocorre na sociedade de economia mista, onde a ação administra­
tiva não é discricionária e sim vinculada ao comando posto na lei; a forma será 
sempre anônima, detendo o Estado a maioria das ações com direito a voto e sem 
restrições para explorar atividades econômicas. 
Quanto ao capital, a distinção até advir o Decreto n9 900 de 27 de setembro 
de 1969, se fazia em função da exclusividade do detentor, posto que, de acordo 
com o inciso 11 do art. 59 do Decreto-lei n9 200/67, o da empresa pública pura 
era "exclusivo da União", enquanto na sociedade de economia mista (inciso lU 
do mesmo artigo) só a maioria expressa por controle acionário deve pertencer 
à "União ou a entidade da administração indireta". 
Todavia, o art. 59 do mencionado Decreto-lei n9 900/69 modificou aquela 
distinção, estipulando, in verbiss "desde que a maioria do capital votante (grifei) 
4<1 Ramos, José Nabantino. Empresas públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de 
Janeiro. Fundação Getulio Vargas, 107:21, jan./mar. 1972. 
38 R.C.P. 1/83 
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permaneça de propriedade da União, será admitida, no capital da empresa pú­
blica (art. 5!?, inciso lI, do Decreto-lei n!? 200, de 25 de fevereiro de 1967), a 
participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como 
de entidades da administração indireta da União, dos estados, Distrito Federal 
e municípios". 
A partir da nova acepção legal, o controle majoritário da sociedade de econo­
mia mista continua sendo da União ou de entidade da administração indireta 
(grifei), enquanto que na empresa pública pura ou stricto sensu desaparece a 
exclusividade do capital como referencial; pois, ao lado de uma empresa pública 
pura de capital exclusivo da União, surge outro tipo no qual a referência se 
fixará na maioria do capital votante sempre da União, admitindo que outras pes­
soas jurídicas e entidades sejam partícipes. A exclusividade se relativiza, pois, 
enquanto na sociedade de economia mista o controle pode ser exercido por outra 
entidade da administração indireta quando não o for pela União, na empresa 
pública o controle continua a ser da União, sob forma majoritária ou total, já 
que a nova redação do dispositivo, quando admite outros participantes, não ve­
dou a possibilidade da União criar empresa pública com capital formado exclu­
sivamente com seus recursos. 
A ênfase do legislador no rigor societário com que caracterizou a sociedade 
de economia mista, dando preeminência ao aspecto jurídico em relação ao econô­
mico e, contrario sensu quanto a empresa pública pura, poderia ser tomada por 
intencional, reservando à segunda atividades pioneiras de imediato não-rentáveis 
ou por razões de segurança nacional, enquanto a sociedade de economia mista, 
sob exclusiva forma anonimária, seria subordinada ao ditame do art. 2!? da Lei 
n!? 6.404 de 15 de dezembro de 1976 (dispõe sobre sociedades por ações), que 
estabelece ser objeto da anônima "qualquer empresa de fim lucrativo" e ainda 
ao seu parágrafo primeiro que afirma, que "qualquer que seja o objeto, a com­
panhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio", o que a fará parti­
cipar no mercado como qualquer empresa privada. 
A nível constitucional também se põe a distinção, pois o art. 110 da Consti­
tuição federal dispõe, de modo expresso, "que os litígios decorrentes das relações 
de trabalho dos servidores com a União, inclusive as autarquias e as empresas 
públicas (grifei) qualquer que seja seu regime jurídico, processar-se-ão e jul­
gar-se-ão perante os juízes federais, devendo ser interposto recurso, se couber, 
para o Tribunal Federal de Recursos", entendimento ampliado pelo inciso I 
do art. 125 da mesma Constituição, para "as causas em que a União, entidade 
autárquica ou empresa pública federal (grifei) forem interessadas na condição 
de autoras, rés, assistentes ou apoentes, exceto as de falência e as sujeitas à 
Justiça Eleitoral e à Militar", o que em outras palavras significa que em matéria 
de foro a empresa pública está equiparada no privilégio à União e às autarquias, 
mesmo sendo de direito privado, quanto a juízo privativo, inocorrendo o mesmo 
com a sociedade de economia mista. 
Entretanto, por mais diferenças que repontem entre as duas espécies do gê­
nero empresa pública, ambas estão assentadas em origem comum, enraizada 
no capital e finalidade públicos, o que as identifica fundamentalmente como 
diagnostica Caio Tácito, não permitindo confundi-las com empresas privadas 
onde haja capital estatal, mas não exista fim público. 
A dualidade do regime jurídico, que tutela a existência dessas entidades, ou 
seja, pessoas jurídicas de direito privado innvestidas de munus público, nada mais 
SOCIedades de economia mista 39 
significa, como diz o mesmo publicista,41 "do que a recepção no direito admi­
nistrativo de instituições de direito comercial, ou civil (como no caso das fun­
dações) com os temperamentos impostos pela atividade-fim, que é a execução 
de um serviço público". 
Essa recepção, esse dualismo, enseja profunda discordância a nível doutriná­
rio, orientada preferencialmente para a análise da sociedade de econoillia mista. 
Reflexo notável dessa perplexidade se encontra na conferência já citada do 
Prof. Bilac Pinto, antevendo o declínio das sociedades de economia mista, na 
seguinte linha de raciocínio: "a associação entre o Estado e os particulares não 
pode senão excepcionalmente conduzir a bons resultados", e isso por um motivo 
inafastável que é o "conflito insolúvel entre o interesse particular e o interesse 
público". Conflito que se originaria de tropismo antípoda entre o fim visado 
pela potência política que seria o de "salvaguardar o interesse geral, seja o dos 
consumidores ou o dos utentes", enquanto a ação privada seria tangida tão-só 
por "lucros elevados, que lhe assegurem bons dividendos, fixando o preço de 
venda mais alto que a concorrência permita, se ela existir". Tal realidade não 
ensejaria a um clima de "confiança recíproca que deve animar os associados" 
(Roger Kaeppelin). 
Ora, se a nível da organização dos interesses envolvidos ocorria essa contro­
vérsia, ela se acirraria na busca de uma qualificação jurídica que se ajustasse 
à sociedade de economia mista. 
Essa tormentosa questão se encontra parcialmente refletida em parecer de 
Moacyr Lobo da Costa,42 listando opiniões de ilustres juristas,entre os quais 
se destacam, L. G. Paes de Barros Leãos,43 contrariando o entendimento domi­
nante da necessidade de lei para a criação da sociedade de economia mista; 
Pontes de Miranda44 vendo-a como um conceito de economia e finanças e não 
jurídico; Achilles J. Camerini4s entendendo que a lei especial que a cria, não é 
"suficiente para gerar dentro do direito uma nova instituição". 
Ora. tal sociedade, significa apenas que o Estado participa da formação de 
seu capital de forma majoritária, exercendo amplamente o poder de gestão e 
como originária de lei, pode haver ou não derrogação de normas de direito co­
mum (no plano federal), com o objetivo de só fixar o interesse público, como 
explicita o Decreto-lei n9 200/67 (art. 59, lII), ao difini-Ia legalmente. 
Em verdade, a discussão é de pouca relevância diante do fato evidente por 
si mesmo da atuação crônica e ampliativa do poder público no setor econômico, 
em que "as regras do direito privado a maior parte das vezes se revelam inade­
quadas para sua regulamentação" como destaca Alberto Venâncio Filho.46 :f: essa 
inadequação que incomoda o raciocínio do jurista acostumado a ordenar e re­
gulamentar o fenômeno social através de regras claras, certas e típicas, verda­
deiras matrizes que se afivelam à realidade. No caso porém, os modelos não 
41 Tácito, Caio. Controle das empresas do Estado (públicas e mistas). Revista de Direito 
Administratil'o, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 111 :2, jan./mar. 1973. 
17 Costa, Moacyr Lobo da. Sociedade de economia mista - criação legal (parecer). Revis­
ta de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 92:407-8. abr./jun. 
1968 . 
• > Costa. Moacyr Lobo da. In: Revista de Direito Administrativo, v. 79, p. 2. 
'4 Pontes de Miranda. In: Revista de Direito Administrativo, v. 29, p. 461. 
~, Camerin, Achilles J. As sociedades de economia mista. São Paulo. 1955. p. 40. 
46 Venâncio Filho, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. Rio de Ja­
nciro, Fundação Gctulio Vargas, 1968. p. 384. 
40 R.C.P. 1/83 
se ajustam originando autênticos malabarismos intelectuais, diferençando noções 
funcionais e conceituais, opondo interesse público e privado, gerando ficções 
jurídicas, sem encontrar o consenso de todos desejado. 
O Código Civil ensina que sociedade é junção de pessoas que mutuamente 
reúnem recursos ou esforços para obter fins comuns. Tratando-se da sociedade 
de economia mista onde a transparência dos interesses ditos opostos é mais real, 
antagonizados por lucros e objetivos gerais, o equacionamento se toma possível, 
desde que se estabeleça "garantia de justa remuneração ao capital empregado 
pelos particulares", na observação lúcida de Alfredo de Almeida Paiva.47 
Quanto à contenda jurídica nucleada no problema de que a presença majo­
ritária do poder público desnatura ou apenas confere matiz próprio à estrutura 
da empresa privada, revela-se periférica, porque envolve tão-somente a forma 
ou "armadura jurídica" da sociedade de economia mista, não lobrigando sua 
essência, que encerra outra realidade, que é a empresa. 
Neste ponto, cabe citada na íntegra porque atual e definitiva a lição de Al­
fredo Lamy Filho48 em intervenção memorável, participando de mesa-redonda 
sobre "Empresa pública e sociedade de economia mista", realizada em 19-12-63 
(2~ sessão) na Fundação Getulio Vargas, com as seguintes palavras: "Ora, a 
armadura jurídica' de que se reveste a empresa, tem sido objeto de análise por 
parte dos juristas modernos, que se mostram inclinados a abandonar o culto 
da forma para irem ao âmago, ou à realidade do fato jurídico subjacente. Neste 
sentido, deve-se citar a tese do Prof. Rolf Serick sobre 'aparência e realidade 
nas sociedades mercantis' em que analisa o grave problema do abuso de direito 
por meio das pessoas jurídicas, mostrando como a jurisprudência vai, pouco e 
pouco, abandonando a forma externa das pessoas jurídicas para, penetrando-a, 
alcançar, através dela, pessoas e bens que se 'acobertam embaixo de seu manto'. 
E, aqui, passando, pois, através dessa 'forma' que assumem as sociedades de 
economia mista, para buscarmos a sua essência, nos encontramos desde logo, 
face à empresa que elas abrigam. O problema que discutimos, adquire assim, 
novos contornos, pois nos leva à segunda ordem de considerações sobre o as­
sunto, ou seja, sobre a natureza e o conceito de empresa. Em verdade, sabemos 
todos que o direito comercial sofre, atualmente, profundas transformações, dei­
xando sua antiga característica de direito do comerciante, ou do ato de comércio, 
em que o lucro era de sua essência - e, pois, incompatível com a ação do 
Estado - para transformar-se no direito da empresa. Como diz Houin, não é 
mais o objetivo do lucro que define o direito comercial, mas sim, o objeto da 
atividade e o modo de organização da empresa. Numa frase, o direito comercial 
deixa de ser o direito de certas profissões, animadas por certo espírito, para ser 
o direito de certas atividades organizadas segundo certos quadros. Esses quadros 
configuram a empresa moderna, não mais como aquele microcosmo capitalista, 
a que se referia Sombart, mas, sim, como uma comunidade de capital de tra­
balho para o desempenho de uma atividade de produção, uma 'comunidade de 
destino' como queria Thibon, na qual o interesse social desempenha função pri-
47 Paiva, Alfredo de Almeida. As sociedades de economia mista e as empresas públicas 
como instrumentos jurídicos a serviço do Estado. Revista de Direito Administrativo, Rio 
de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 60: 13, abr.!jun. 1960. 
18 Lamy Filho, Alfredo. Empresa pública e sociedade de economia mista. Revista de Di· 
reito Público e Ciência Política. Rio de Janeiro, 7(2):53·4, maio/ago. 1964. Mesa·redonda 
realizada na Fundação Getulio Vargas em 19.12.63 (2110 sessão). 
Sociedades de economia mista 4t 
mordial. Essa comunidade, ela sim, permite a conjugação de esforços e recursos 
do Estado e do particular, dá-lhes uma fisionomia própria e natural, fazendo 
perder importância e significação investigarmos se a sociedade de economia mista 
é pública ou privada. Mais ainda, e de grande importância, é a consideração de 
que, cada vez mais, a vida da empresa, seja propriedade do particular ou do 
Estado, é submetida a normas de direito público, que a todas atinge dentro das 
mesmas regulações. Nesse campo do direito da empresa, dizia Revero, em re­
cente conferência aqui no Rio, o setor público e o privado se 'imbricam inextri­
cavelmente'. Em conclusão, a natureza pública ou privada da sociedade de eco­
nomia mista perde relevo, a nosso ver, não apenas pela significação menor da 
'armadura jurídica' de que se reveste, como ainda por correlata preeminência do 
fator 'empresa' que está subjacente, e este, na perspectiva atual do direito, cada 
vez mais é penetrado de normas públicas, indiferente ao fato de pertencer ao 
particular ou ao Estado." 
Arrematando, Caio Tácito preleciona:-I9 "A norma administrativa - que aten­
de à organização do serviço público - prevalece sobre a norma comercial ou 
civil, que serve de pano de fundo, mas não imobiliza a vontade do legislador, ao 
conceber essas criaturas ht'bridas. A lei administrativa dita o limite em que vão 
operar as normas privadas, que são subsidiárias em relação àquelas." 
Fica claro, portanto, que a sociedade de economia mista não é apenas um 
problema jurídico; é na verdade mais, muito mais do que isso. Seu papel é im­
prescindível em uma época de aceleração contínua em face dos desafios da "se­
gunda revolução industrial" provocada pelo uso de tecnologia cada vez mais 
sofisticada, demandando a utilização de técnicas de planejamento indispensáveis 
à sua evolução e exigindo realização de pesquisas refinadas para que realize as 
tarefas que lhe são atribuídas pelo Estado. Seu sentido é o da "grande empresa" 
e, nesse passo, torna-se condição geral também da moderna sociedade industrial 
"independente das formas de organização social ou do credo políticoadotado 
em determinado país", como anteviu Peter Drucker. 
A acelerada transformação da realidade se encarregaria de refutar o vaticínio 
de Bilac Pinto, referente ao declínio das sociedades de economia mista. Um pri­
meiro exemplo poderia ser dado pelo pólo petroquímico do Nordeste,5O onde a 
necessidade de desenvolver setor retardatário da economia nacional, no caso 
da química fina, determinou que as empresas a serem criadas tivessem seu ca­
pital partilhado por empresa estatal, estrangeira e privada nacional. Aqui a ino­
vação reside no fato de que a composição tornou-se em princípio orientadora 
para a constituição das empresas participando subsidiária de sociedade de econo­
mia mista, no caso a Petroquisa, oriunda da Petrobrás, numa autêntica descen­
tralização de terceira linha. Outro fato a revelar sua proliferação é dado pela 
Secretaria de Controle de Empresas Estatais - SEST, da Secretaria de Plane­
jamento da Presidência da República, demonstrando que num universo de 560 
entidades estatais integrantes da administração indireta do governo, as socieda­
des de economia mista representam 40% do total, significando em números 
49 Tácito, Caio. Controle das empresas do Estado (pública e mista). Revista de Direito 
Administrativo, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas. 111:2, jan./mar. 1973. 
50 Araújo Júnior, José Tavares de & Dick, Vera Maria. Governo, empresas multinacionais 
e empresas nacionais: o caso de indústria petroquímica. Pesquisa e Planejamento Econô­
mico, Rio de Janeiro, Instituto de Planejamento Econômico e Social - IPEA, 4(3):629 ss. 
dez. 1974. 
42 R.C.P. 1/83 
absolutos, 229 entidades para apenas 23 empresas públicas puras.51 E, final­
mente, talvez o exemplo mais eloqüente da vitalidade da sociedade de economia 
mista tenha sido dado pelo direito positivo brasileiro recentemente ao destacá-la 
(Cap. XIX, arts. 235 e 242) na Lei n9 6.404 de 15 de dezembro de 1976, 
que dispõe sobre as sociedades por ações. 
4. As sociedades de economia mista e a Lei das Sociedades Anônimas 
A ênfase dada pelo legislador na nomenclatura da sociedade de economia mis­
ta, realçando sua condição anonimária (art. 59, IH, Decreto-Iei n9 200/67), fa­
zendo prevalecer em sua caracterização o aspecto jurídico sobre o econômico, 
foi determinante para que a Lei n9 6.404 de 15 de dezembro de 1976 (Lei 
das Sociedades Anônimas), por seu caráter geral "abrangendo toda a sociedade 
que sob tal forma se organiza", conforme José Washington Coelho,52 a contem­
plasse em sua textura, conferindo-lhe normatividade específica. 
Peça de resistência dessa opção está no § 29 do art. 170 da Constituição fe­
deral, dispondo que "as empresas públicas e sociedades de economia mista re­
ger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao 
direito do trabalho e ao das obrigações". Nesse passo, se obrigatoriamente a 
forma da sociedade de economia mista é anônima, sua regência se dará pelas 
normas de direito privado aplicáveis a esse tipo societário, como deixa claro a 
Exposição justificativa das principais inovações do projeto de lei relativo às so­
ciedades por ações, consignando que "a lei das sociedades anônimas, além de 
dispor sobre essa forma de sociedade quando utilizada pelo setor privado, é lei 
geral das sociedades de economia mista, que por ela se regem (grifei), com as 
derrogações constantes das leis especiais que autorizam a sua constituição".53 
Egberto Lacerda Teixeira e J. A. Tavares Guerreiro54 aplaudem a solução, 
considerando a presença da companhia de economia mista no mercado de ca­
pitais, "coletando com grande sucesso as poupanças do público investidor" e, 
tendo em vista "a conveniência de se protegerem adequadamente as minorias 
acionárias que participam dessa modalidade societária". Entendimento que se 
abriga em J. Washington Coelho, dizendo que a pedra angular da lei é a "pro­
teção dos direitos dos acionistas minoritários', sendo razão básica da existência 
do capítulo XIX, de tal sorte que os deveres e responsabilidades do acionista 
controlador (arts. 116 e 117) aplicam-se à pessoa jurídica (arts. 238) que de­
tém a maioria do capital com direito de voto. 
O art. 235 ao submeter a sociedade de economia mista ao regime das anôni­
mas, admite que o seja "sem prejuízo das disposições especiais de lei federal". 
Em que pese a ser a Lei n9 6.404/76, a "lei geral" da companhia de econo­
mia mista não a definiu, significando que está em pleno vigor o inciso IH do 
51 Empresas estatais no Brasil e controle da Sest, antecedentes e experiência de 1980. Bra­
~ília, Presidência da República, Secretaria de Planejamento, 1981. p. 34, 64 (anexo n.O 4). 
52 Washington Coelho, José. A nova lei das sociedades anônimas interpretada. São Paulo, 
Resenha Universitária, 1977. p. 105. 
~ Lei das sociedades por ações e do mercado de valores mobiliários. Porto Alegre, Sulina, 
1977. p. 71. 
';f Teixeira, Egberto Lacerda & Guerreiro, José Alexandre Tavares. Das sociedades anôni­
mas no direito brasileiro. São Paulo, José Bushatsky, 1979. p. 115. 
Sociedades de economia mista 43 
art. 59 do Decreto-lei n9 200/67, que o faz, e, no reconhecimento do regime 
dual que tutela essa entidade, ou seja, regime jurídico público e privado. Com 
efeito, tanto a exposição justificativa do projeto de lei admitindo que a regência 
privada se submete "às derrogações constantes das leis especiais que autorizam 
sua constituição" como o art. 235 in fine, acima referido, refletem uma reali­
dade inafastável que ninguém melhor que Caio Tácito traduziu como a "pre­
valência da norma administrativa sobre a comercial ou civil, que serve de pano 
de fundo, mas não imobiliza a vontade do legislador, ao conceber essas criatu­
ras híbridas. A lei administrativa dita o limite em qt;e vão operar as normas 
privadas, que são subsidiárias em relação àquelas". 
A exposição justificativa ao falar "em derrogações constantes das leis especiais" 
não guardou conformidade com o final do art. 235, expresso em "disposições 
especiais de lei federal". Ora, mantida na lei das anônimas aquela expressão, 
se entenderia que apenas um texto legal especial com as características assina­
ladas por Orlando Gomes55 "de regular com critérios particulares, certas rela­
ções do sistema de direito comum. Aquelas que disciplif!am determinado grupo 
de relações jurídicas, em atenção a sua natureza, a seus sujeitos, ou a seu objeto", 
portanto geral ou orgânico, poderia ser derrogatório do que dispõe a Lei n9 
6.404/76. Todavia, de modo explícito o dispositivo (art. 235) fala em "dis­
posições especiais de lei federal" e, considerando-se que a sociedade de economia 
mista é criada por lei federal da mesma procedência que a lei de sociedades por 
ações, específica para cada criação, então cada uma, conforme imposição con­
juntural, poderá ser derrogatória da lei geral das anônimas. Isso porque o pro­
çesso legislativo brasileiro previsto no art. 46 da Constituição federal, ao inserir 
as leis ordinárias abaixo das complementares, não as distinguiu em espécies dis­
tintas, dando-lhes uniformidade ritual. As disposições especiais por conseguinte, 
serão sempre as que a juízo do Estado digam respeito à entidade a ser criada, 
conforme o fim por ele objetivado e a ser por ela alcançado. 
O § 1 Q do art. 235 não é questionável, cabendo citar Amoldo Wald56 "apli­
cando-se a Lei das Sociedades Anônimas às sociedades de economia mista e 
dando a legislação competência regulamentar à Comissão de Valores Mobiliá­
rios, a norma somente seria oportuna se estabelecesse um regime distinto na 
matéria, pois onde a lei não distingue, não de"e distinguir o intérprete". 
O § 29 do mesmo artigo, enuncia regra quanto à participação da companhia 
de economia mista em outras sociedades, em caráter majoritário ou minoritário, 
não conferindo a estas as exceções previstas no capítulo XIX, submetendo-as 
em conseqüência às normas uniformes da lei. 
Quanto à participação minoritária a regra é inobjetável, pois in casu, essa 
participação coloca

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