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Sociedade, Estado e o direito

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SOCIEDADE, ESTADO E O DIREITO 
ANTONIO CARLOS WOLKMER * 
1. O indivíduo, a sodedade e o Estado; 2. A sociedade 
civil e a sociedade política; J. O poder, o Estado e o 
direito. 
1. O indivíduo, a sociedade e o Estado 
o homem, enquanto realidade histórico-existencial, tende a criar e a desen­
volver, no contexto de um mundo natural e de um mundo valorativo, formas 
de vida e de organização social. A espécie humana fixa, na esfera de um 
espaço e de um tempo, tipos e expressões culturais, sociais e políticas, demar­
cadas pelo jogo dinâmico de forças móveis, heterodoxas e antagônicas. Cada 
indivíduo, vivendo na dimensão de um mundo simbólico, lingüístico e herme­
nêutico, reflete padrões culturais múltiplos e específicos. Sendo a realidade 
social o reflexo mais claro da globalidade de forças e atividades humanas, 
a totalidade de estruturas de um dado grupo social precisará o grau e moda­
lidade de harmonização deste. 
A unidade de estruturas, numa sociedade e período determinado, pode ser 
visualizada dentro de categorias ou funções de diferentes níveis. Para o 
sociólogo argentino Marcos Kaplan, três aspectos são básicos em toda análise. 
O primeiro aspecto se dá no âmbito de relação do ser humano com a natureza; 
implica o grau de desenvolvimento das forças produtivas. Estas propiciaram 
os substratos do ser cultural humano na plenitude de sua consciência histó­
rica. O segundo aspecto é expressado pelo mecanismo das relações de pro­
dução. As modalidades sócio-econômicas e políticas nas sociedades humanas 
descortinam o nível de desenvolvimento e estruturação das relações de pro­
dução. Finalmente, outro dado a considerar é o que está no grau de desen­
volvimento das forças produtivas que, alicerçado no jogo das relações hu­
manas, tende a edificar uma superestrutura, composta por configurações cul­
turais e ideologias, espécies e graus de poder, bem como instituições jurídicas, 
sociais e políticas.l 
A tendência natural e espontânea do homem - associar-se a outros seres 
humanos - parece ser uma condição fundamental na consideração de toda 
relação entre indivíduo, sociedade e Estado. Isto nos leva a questionar não 
só a natureza do homem, como a própria natureza da sociedade e do Es­
tado, bem como os limites da liberdade do homem e da autoridade. O homem, 
• Professor de Teoria Geral do Estado e Filosofia do Direito, na Unisinos, RS. 
1 Kaplan, Marcos T. Formação do Estado nacional na América Latina. Rio de Janeiro, 
Eldorado, 1974. p. 9-41. 
R. C. pol., Rio de Janeiro, 26(3):36-45, set./ dez. 1983 
por natureza, será bom, social e racional, ou mau, egoísta e destruidor. E a 
sociedade? Expressa uma realidade racional, fruto da cooperação natural dos 
homens que buscam a realização de fins que satisfazem suas necessidades, ou 
uma realidade artificial e fictícia, resultado não de uma associação natural, 
mas do acordo de vontades. Quanto ao Estado, poder-se-á questionar sobre 
seu sentido, sua natureza e finalidade. O Estado pode ser definido ora como 
um jogo de papéis e funções que se interligam e se complementam na esfera 
de uma estrutura sistêmica, ora como um aparelho repressivo que tende a 
defender os interesses das classes dominantl?s no bloco hegemônico de forças. 
Indiscutivelmente, o problema que abrange a relação do indivíduo com o 
Estado mereceu sempre o mais vivo interesse de antigos pensadores, desde 
autores greco-romanos até escolásticos medievais. O pensamento escolástico 
apresentou duas tendências doutrinárias distintas, através do que pode ser 
denominado de nominalismo e realismo. Os nominalistas observavám que a 
verdadeira realidade estava no indivíduo e não no Estado; este não passava 
de mero agregado, sem realidade pr6pria, fora daquela de seus componentes. 
Já os realistas afirmavam que o Estado era a única realidade, pois seus 
componentes eram apenas unidades ou partes sem realidade pr6pria· alguma.2 
Disto pode-se depreender que, em certos períodos da Hist6ria, o indivíduo, 
coryorificado na idéia de sociedade, esteve acima do Estado, ou seja, o Es­
tado estava em função do indivíduo. Esta tendência era defendida por um 
certo grupo de autores cristão-liberais, individualistas, naturalistas, bem como, 
num posicionamento mais radical, pelos anarquistas. Sob um outro. aspecto, 
como quer o hegelianismo e todo o formalismo coletivista, pode-se colocar o 
Estado acima da sociedade e dos indivíduos: o indivíduo em função do Es­
tado. Na primeira abordagem, acentuando o poder do indivíduo e. da socie­
dade, o Estado constitui-se num instrumento, no mais valioso meio para a 
realização dos fins do grupo social. Já a segunda proposição ressalta o fim 
último do Estado. Este nada mais é do que um fim em si mesmo. 
O individualismo estabelece, portanto, a supremacia do indivíduo, enquanto 
o coletivismo não reconhece os direitos individuais contra a sociedade política. 
1.1 Concepções doutrinárias sobre a supremacia do indivíduo 
Num primeiro plano, identificaremos a concepção individualista de socie­
dade e de Estado, que rompe definitivamente com as proposições tradicionais 
da Idade Média. Neste contexto, a sociedade se fundamentava num direito 
natural racional que pressupunha um status naturalis dos indivíduos; estes, 
- por vontade pr6pria, uniam-se mediante um contrato, que os qualificavam para 
um status civilis. A característica e a tipificação da natureza assume um papel 
fundamental para determinar o grau de tranqüilidade e bondade ou egoísmo 
e bestialidade do homem. O homem poderá ser bom (Locke, Rousseau) ou mau 
(Hobbes) numa condição de plena liberdade em que o vínculo que_ o une é 
essencialmente racional. 
2 Frost Jr., S. E. Ensinamentos básicos dos grandes filósofos. São Paulo, Cultrix, 1968. 
p. 193; Wolkmer, Antonio Carlos. Ensaio histórico sobre o jusnaturalismo. Revista Estudos 
Jurídicos, São Leopoldo, (23): 104, 1978. 
Estado e direito 37 
Hobbes alertava para o fato de que somente a autoridade e a razão re­
freariam o impulso agressivo, insaciável e egoísta do homem em seu estado 
natural, e, em assim sendo, imperiosa seria a organização política de uma 
sociedade em que o governo, visando à segurança e ao bem-estar do todo, 
não encontraria limites de poder. 
Uma reação clara e sistematizada ao absolutismo hobbesiano é encontrada 
em Locke, para quem o estado natural do homem é demarcado pela soli­
dariedade e perfeita igualdade. No liberalismo político de Locke, o Estado 
representa a instituição incumbida, por vontade expressa dos indivíduos, de 
manter a ordem e o equilíbrio no jogo de interesses e necessidades dos ele­
mentos constituídos. A concepção do homem livre a racionalmente político 
possibilita substrato para a ideologia do iluminismo político e do laissez-faire 
econômico, onde a interferência do Estado é mínima. O contratualismo teve, 
em Rousseau, a determinação incisiva, complexa e difusa, na medida em que, 
influenciando diretamente a Revolução Francesa, demarca, como ponto basilar, 
os chamados direitos e as garantias naturais da pessoa humana. A base da 
sociedade não está exatamente numa natureza boa ou egoísta, mas em uma 
volonté génerale, que expresse o livre acordo de direitos naturais e indivi­
duais por direitos civis. O poder que representa esta vontade geral se cons­
titui numa instituição (Estado) moral e política que dá execução às decisões 
do todo. O poder constituído, por se originar e pertencer ao interesse comum, 
não poderá ser divisível e alienável. O estado da natureza não é, para Rous­
seau, uma luta e choques de egoísmo. Para ele, o homem, em seu estado 
primitivo, é bom; a sociedade é que o desvirtua com seu artificialismo. Assim 
sendo, a sociedade deveria ser modelada de acordo com princípios e leis 
da própria natureza.3 
Em uma outra perspectiva, aproximamo-nos dos anarquistas, que não só 
formaram um dos mais importantes movimentos ideológicos do século XIX, 
como também representaram a forma mais extremada de ideologia individua­
lista. Não obstante seu caráter tendenciosoe o exacerbado individualismo, o 
anarquismo, muitas vezes, apresentou tendências nem sempre homogêneas en­
tre seus principais corifeus, tais como Godwin, Stirner, Proudhon, Bakunin ou 
até mesmo Kropotkine. 
Godwin reconhece uma bondade natural no homem, mas observa que nem 
sempre o homem é justo e correto, pois a propriedade privada, fundamen­
tando toda a concepção de autoridade política, tem como objetivo manter, 
sob qualquer sentido, a institucionalização coercitiva. O anarquismo de Max 
Stirner assume contornos bem mais ortodoxos; prova disto é o sobejo misti­
cismo individualista. Todo valor é calcado na idéia de indivíduo em sua 
relação teleológica. Neste ponto, assevera Dallari, o Estado, para Stirner, é 
"mau, porque limita, reprime e submete o indivíduo, obrigando-o a se sacri­
ficar pela comunidade. Assim, o terrorismo e a insurreição devem ser consi­
derados justos, porque visam eliminar as injustiças que o Estado comete".4 
3 Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo, Saraiva, 
1971. p. 7-15; Schaar, John H. O Mundo de Erich Fromm. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. 
p. 23; Frost Jr., S. E. op. cit. p. 193-202. 
4 Dallari, Dalmo de Abreu. op. cit. p. 33-5; Maluf, Sahid. Teoria do Estado. 9. ed. 
São Paulo, Sugestões Literárias, 1978. p. 330-1. 
38 R.C.P. 3/83 
Partindo do pressuposto de que o indivíduo é a forma mais expressiva da 
realidade existente, a sociedade constituiria uma irrealidade. Contudo, a fi­
gura mais ilustrativa do anarquismo militante e revolucionário é Mikhail Ba­
kunin. Bakunin prega a eliminação da religião, da propriedade privada e do 
Estado. Para que isto ocorra, é necessária a utilização de todos os modos 
revolucionários, mesmo que isto sacrifique a ordem pública. A solidariedade 
e a livre associação seriam as formas de reações mais comuns e necessárias, 
quando da destruição das organizações estatais burguesas. Dentro do anar­
quismo, outro teórico que não se pode olvidar é Kropotkine, que não só 
se opôs a Marx, como também ao próprio Bakunin. Kropotkine acreditava 
não só no método pacífico para chegar-se ao anarquismo, como também tinha 
profunda crença no ser humano, através da assistência e cooperação recíproca. 
1.2 Concepção doutrinária da supremacia estatal 
As doutrinas coletivas consideram a subordinação do indivíduo ao poder 
exclusivo e total do Estado. O indivíduo perde sua identidade real em função 
de universalidade em progressão. O coletivismo, em seu aspecto genérico, tende 
a compartilhar da concepção hegeliana de que o Estado está acima do in­
divíduo e da sociedade. A concepção hegeliana assume um caráter conser­
vador, na medida em que considera o Estado como razão absoluta, distante 
da apreciação feita pela tradição de identificar Estado com a totalidade do 
social. Neste sentido, Georges Gurvitch assevera que "toda a 'Filosofia do di­
reito' de Hegel não passa de uma construção artificial dirigida à glória do 
Estado, que encama não só a síntese estática da família e da sociedade civil, 
e mais ainda do direito e da moralidade, mas ainda a síntese da 'idéia' e 
da realidade social, da razão e da história, do destino místico coletivo e do 
movimento do tempo."5 
O Estado, para Hegel, ultrapassa a realidade social concreta para se alojar 
na categoria de "moralidade concreta absoluta". As variáveis estabelecidas 
dimensionalizam o jogo da tese e antítese que perfazem, de um lado, o elo 
de junção, configurado na família e, de outro lado, a dispersão das relações, 
representada pela sociedade civil. Ambas - família e sociedade civil - não 
passam de meros esquemas abstratos e quase inexistentes em face da umca 
realidade materializada, a verdadeira expressão do "espírito objetivo" - o 
Estado. 
A concepção hegeliana de Estado, assevera com propriedade Gurvitch, en­
cama "a realidade de idéia moral, a totalidade ética, a realização da liber­
dade, o verdadeiro organismo, o infinito real, o espírito na sua racionalidade 
absoluta e na sua realidade imediata".6 No bojo destas considerações, a liber­
dade real é a subordinação e a participação individual na esfera da liber­
dade estatal. A felicidade da pessoa está intimamente vinculada à totalidade 
moral do Estado; a essência reside na idéia do todo racional e místico, e não 
na individualidade, pois esta só se realiza mediante aquela. Isto, contudo, po­
deria conduzir à falsa proposição de que a oposição entre Estado e sociedade 
5 Gurvitch, Georges. Dialética e sociologia. Lisboa, Dom Quixote, 1971. p. 126-7. 
6 Id. ibid. p. 129; Hegel. Principes de philosophie du droit. Paris, Gallimard, 1940. p. 
217-70; Cassirer, Emest. O Mito do Estado. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. p. 281-94. 
Estado e direito 39 
civil assume demarcações rigidamente ortodoxas. Pode-se perceber, no entanto, 
a efêmera aparência de uma hipotética desvinculação entre ambas ou do erro 
de uma total subordinação da sociedade civil ao Estado. 
Mesmo que a autoridade do Estado reine de modo absoluto, tipificando 
uma relação de superioridade, a tramitação entre Estado e sociedade civil 
envolve uma certa dosagem recíproca de interesses. A este respeito, Sabine 
observa que "a superioridade moral, atribuída ao Estado, não implica desprezo 
pela sociedade civil e suas instituições, mas, em certo sentido, exatamente o 
oposto". Ora, Sauine reconhece na proposição hegeliana o fato de que, em­
bora Estado e sociedade civil sejam mutuamente dependentes, ambos estão 
localizados em níveis dialéticos opostos, pois o primeiro conduzir-se-ia "em 
obediência a fins conscientes, princípios e leis conhecidos, que não estão mera­
mente implícitos, mas expressos diante de sua consciência". Já a segunda 
refletiria a "esfera das inclinações cegas e da necessidade casual".7 A depen­
dência da sociedade pode ser explicada pelo fato de que, uma vez isolada, 
ela seria dirigida por regras e normas mecânicas, fruto da interação de in­
divíduos egoístas, incapazes e corruptos. Já o Estado dependeria da socie­
dade na medida em que seus interesses recairiam sobre os meios próprios 
desta mesma sociedade, o que possibilitaria a realização dos fins morais idea­
lizados. O Estado não chega a ser um meio, pois é essencialmente um fim. 
Neste sentido se explicaria o surgimento da sociedade civil como um meio 
de que se vale o Estado para a realização de seus fins específicos, enquanto 
ideal racional em progressão.8 
E oportuno lembrar que Marx, em sua Crítica da filosofia do direito de 
Hegel, de um lado, encara a integração da sociedade burguesa histórica com 
o Estado, visualizada em Hegel, como o eixo basilar de todo o movimento 
dialético concreto que se manifesta no mundo social; mas, por outrú lado, 
Marx aponta o fracasso de Hegel, pois, "em toda parte, Hegel cai do seu 
espiritualismo político no materialismo mais grosseiro".9 Ora, Marx não deixa 
de reconhecer, contudo, que o mérito de Hegel "está em ver que a separação 
enfre sociedade civil e política é uma contradição. Mas está errado em con­
tentar-se com a aparência de sua solução, e apresenta a aparência como 
coisa real".lO 
O Estado hegeliano não só idealiza um valor de hierarquia racionalizada, 
representativo da monarquia prussiana, como também incorpora um modelo 
que se aproxima, em muito, da organização estatal burguesa. Mais recente­
mente, a propósito desta questão, Bobbio Norberto desencadeia uma brilhante 
polêmica através da publicação de dois ensaios no Mondoperaio sobre a con­
cepção dialética do Estado e a democracia representativa. Bobbio ataca os 
marxistas mais ortodoxos que se alinham ao lado das tradicionais críticas de 
Marx à teoria hegeliana, considerando Hegel o maior representante da teoria 
burguesa do Estado. Ora, para Bobbio, Hegel não pode ser considerado um 
teórico do Estado burguês, pois era um idealista que rejeitava as principais 
teses das revoluções políticas "burguesas", fundamentadas no individualismo 
e no contratualismo. Os autores liberais sempre tiveram a preocupação de 
7 Sabine, George H.História das teorias políticas. Lisboa, Fundo e Cultura, p. 644·5. 1961. 
8 Id. ibid. 
9 Gurvitch, Georges. op. cit. p. 135. 
10 Runciman, W. G. Ciência social e teoria política. Rio de Janeiro, Zahar, 1966. p. 39. 
40 R.C.P. 3/83 
defender a sociedade civil da ameaça e da intervenção estatal; neste contexto, 
argumenta Bobbio, "a teoria liberal-burguesa do Estado, traçada em uma fa­
mosa passagem de _ Ada~ Smith sobre os limites do poder do Estado, é a exata 
antítese da conceituaçãó hegeliana do Estado ético".l1 
2. A sociedade civil e a sociedade política 
O presente estudo nos levou a duas proposições fundamentais nas relações 
entre Estado e indivíduo: os postulados liberais em que a sociedade civil 
estaria acima do Estado, e as variantes da supremacia estatal corporificada 
no hegelianismo. 
Transcendendo a esta clássica dicotomia, encontraremos algumas tentativas 
teóricas, contemporâneas, no âmbito das ciências sociais e políticas, de des­
fazer toda e qualquer separação extremada entre sociedade civil e Estado. 
Dentre as análises de maior significação no que se refere à originalidade e 
inovação, perfila-se o pensamento de Antonio Gramsci. 
Gramsci tende a situar as complexas esferas da sociedade civil e da socie­
dade política no âmbito de uma totalidade orgânica que ele chama de "superes­
trutura". As relações estruturais, ou seja, a infra-estrutura sócio-econômica e 
a superestrutura político-ideológica assumem, em Gramsci, uma nova demar­
cação histórica no chamado "bloco histórico". Grande parte dos autores· e 
intérpretes da obra gramsciana considera a noção de "bloco histórico" como 
o conceito-chave em todo o seu pensamento. Neste sentido, a idéia de "bloco 
histórico" reflete o conjunto de relações entre estrutura e superestrutura que 
se efetiva através de um vínculo orgânico. O "bloco histórico" não apresenta 
caráter perene, pois na medida em que a hegemonia da classe dominante se 
desagrega e um oytro sistema hegemônico se solidifica, um novo "bloco his­
tórico" também se estrutura. Gramsci, portanto, distingue no aparelho com­
plexo das superestruturas dois níveis de relações materiais: o primeiro, desig­
nado como "sociedade civil", que envolveria "o conjunto de organismos, 
habitualmente chamados 'internos e privados' ", abarcando a complexidade 
das atividades educativas e ideológicas. O segundo expressa a chamada "so­
ciedade política ou Estado", que corresponderia "à função de 'hegemonia' que 
o grupo dirigente exerce sobre o conjunto do corpo social e à da 'dominação 
direta' ou chamado, que se expressa por meio do Estado e do poder 'jurídico' "; 
abarcariam o presente nível os órgãos de força e de coerção.12 
Em seu Gramsci e o bloco histórico, Portelli observa que a concepção 
gramsciana da sociedade civil se aproxima muito mais da de Hegel que 
da '\te Marx e Engels. Convém lembrar que em A I deologia alemã~ Marx e 
Engels ressaltam que a sociedade civil é "o verdadeiro centro da História, 
o palco das relações econômicas", enquanto que "o Estado, a ordem polí­
tica, é o elemento subordinado",!ll Entrando na abordagem configurada por 
Bobbio, assevera Portel1i14 que a análise gramsciana apóia-se em alguns tre-
11 Bobbio, Norberto et alii. O Marxismo e o Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1919. p. 21-2. 
12 Macciocchi, Maria Antonietta. A favor de Gramsci. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. 
p. 150-1. 
U Portelli, Hugues. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. p. 20. 
14 Id. ibid. p. 2. . 
Estado e direito 41 
chos dos Princípios da filosofia do direito, e mesmo sendo um tanto "unila­
teral" diverge da rígida interpretação marxista. A visão gramsciana transcende 
ao mero conjunto estrutural sócio-econômico do marxismo ortodoxo, para se 
alojar na inovadora esfera superestrutural. 
A área de abrangência da sociedade civil é, para Gramsci, extremamente 
vasta; sua força motora delimita as categorias do bloco histórico, bem como 
manifesta a concepção de um mundo de teor eminentemente ideológico. Assim 
sendo, a sociedade civil, enquanto ideologia de uma classe dominante, tende 
a estender-se desde a arte, ciência, economia, direito e religião, pois o do­
mínio da sociedade civil é um domínio ideológico. A sociedade civil é per­
feitamente estruturada, de modo que a classe dirigente possa, através de orga­
nizações específicas, difundir sua ideologia. As principais formas de organi­
zações ideológicas estariam representadas pela Igreja, escola e pela imprensa. 
Escreve Portelli que a realidade político-militar em Gramsci, configurada como 
sõciedade política, é a seqüência e concretização natural do domínio econô­
mico e da ideologia de uma classe dominante. Assim, a sociedade política é 
caracterizada, no bojo da superestrutura, não só pelo seu papel de coerção, 
mas pelo papel de força de manutenção da ordem social e política. Pondera 
ainda Portelli que a idéia de sociedade política, bem como a de sociedade 
civil, não reflete, exclusivamente, uma organização estrutural, pois distingue­
se, fundamentalmente, pelo seu aspecto funcional. O exercício da função 
coercitiva é sedimentado pelo domínio militar e pelo grupo de administradores 
especificados: a burocracia. 
No contexto da totalidade dialética, a dicotomia funcional é distinguida 
pelo consenso e pela coerção. 
As relações entre sociedade civil e sociedade política apresentam constante 
e permanente interação, chegando, em determinado momento, a alcançar uma 
identificação própria e entrelaçada. Ora, se assim for estabelecida, a possível 
distinção entre uma e outra não é teoricamente de caráter orgânico, mas "meto­
dológico", na medida em que consideramos aspectos diversos da hegemonia 
da classe dominante. Uma vez que as relações entre sociedade civil e socie­
dade política, no seio da superestrutura, são cada vez mais profundas, o 
consenso e a coerção apresentam-se em ambas sob formas mais variadas. 
Inexiste, portanto, o domínio isolado e absoluto do "consenso" no âmbito da 
hegemonia da sociedade, assim como o domínio da coerção no âmbito da hege­
monia estatal. Apesar de o consenso ser identificado, normalmente, com a 
sociedade civil e a coerção com a sociedade política, existe uma certa ambi­
valência dos mesmos na esfera da superestrutura. Para Gramsci, a classe 
dominante utiliza ora determinados órgãos da sociedade civil (órgãos de opi­
nião pública) para sedimentar seu monopólio hegemônico na área do apa­
reTho coercitivo do Estado, ora órgãos da sociedade política (Parlamento) que 
traduzem a junção da coerção estatal com o consenso público. A força de 
perpetuação hegemônica da classe dominante repousa na vinculação orgânica 
e no desenvolvimento da sociedade civil e da sociedade política. 
A estreita ligação entre os múltiplos elementos da organização civil e da 
organização política revelam a complexidade de um novo conceito de Es­
tado, onde se alteram hegemonia de classe, formas de consciência e criações 
ideológicas. Além de expressar o poder de uma classe, esse conceito, observa 
Macciocchi, serve igualmente para explicar a relação dialética entre coerção 
e consenso. O Estado, portanto, em Gramsci, não é somente "sociedade 
42 R.C.P. 3/83 
política", mas também "sociedade civil", pois ele garantirá "ao proletariadu 
o papel hegemônico na conquista do consenso". A sociedade civil estará si· 
tuada entre a legislação do Estado e sua estrutura econômica. Logo, o Es­
tado, para Gramsci, "é a sociedade política mais sociedade civil, ou seja, 
uma hegemonia protegida pela coerção".ll1 
Não obstante esta junção para o esboço de um conceito genérico de Estado, 
convém deixar claro a importância de uma distinção entre ambas, pois, assim, 
evitar-se-á o grave erro, já reconhecido pelo próprio Gramsci, da chamada 
"estadolatria". Neste sentido, comenta Portelli,16 a estatização não só evidencia 
absorção gradativa da cultura e da educação, como também faz transparecer 
o visível enfraquecimento dos órgãos tradicionais da sociedade civil em bene­
fícioimediato do aparelho político estatal. Momentaneamente, a "estadolatria" 
poderia ser justificada; quando "alguns grupos sociais, antes da tomada do 
poder, não viveram um largo período de desenvolvimento cultural e moral 
independente (. .. ), um período de estadolatria é necessário, e mesmo opor­
tuno".11 
Contudo, este domínio provisório do aparelho estatal cederá lugar para a 
hegemonia da sociedade civil. Escreve Portelli que o domínio de sociedade 
civil possibilitaria a Gramsci visualizar todo o "grau de evolução de um 
bloco histórico em um sistema hegemônico progressivo". A primazia da so­
ciedade civil corresponderá não só à extinção do Estado, mas igualmente à 
implantação de um novo sistema hegemônico, tipificado pela reabsorção da 
sociedade política pela sociedade civil, numa superestrutura sem classes.18 
3. O poder, o Estado e o direito 
As relações entre Estado e direito têm-se constituído numa da:! mais im­
portantes questões teóricas no âmbito da ciência jurídica positiva. 
As interações entre o ordenamento e a ordem estatal originaram, histori­
camente, algumas posições clássicas, tais como o dualismo tradicional, de um 
lado, e o monismo jurídico, de outro. 
A teoria dualista, além de apregoar que o Estado e o direito são reali­
daaes distintas, tende a fixar os limites de extensão real de cada uma das 
áreas. Considerações de natureza sócio-política comprovam a existência pri­
meira do fenômeno jurídico sobre o fenômeno estatal, pois a passagem da 
"sociedade natural" para uma forma complexa de "associação política" se 
efetiva com a conservação dos direitos naturais e com a autolimitação da 
ordem coercitiva estatal. Ainda dentro da doutrina tradicional, surge a variante 
da prioridade lógica do Estado sobre o direito; neste sentido, o Estado é o 
criador do direito, pois este está subordinado àquele, e assim, mesmo que 
as normas não sejam estabelecidas pelo Estado, teriam sua sanção a posteriori. 
T á para os adeptos da supremacia estatal, o Estado viria a ser a fonte mais 
importante do direito. Quando da infração ou do descumprimento da ordem 
ti Macciocchi, Maria AntonieUa. op. cito p. 151-2. 
16 Portelli, Hugues. op. cit. p. 34-8. 
17 Gramsci, Antonio. Apud Portelli, Hugues. op. cit. p. 38. 
18 Portelli, Hugues. op. cit. p. 32-43. 
Estado e direito 43 
jurídica, o Estado entraria em ação, dando aplicação e sentido ao elemento 
normativo, garantindo e assegurando a coesão da ordem sócio-política. 
O dualismo direito e Estado tem sido alvo dos mais vigorosos ataques por 
parte dos chamados monistas, que têm como insigne representante o próprio 
Kersen. Observa com p,ropriedade Campos Batalha que o dualismo direito e 
Estado, em Kelsen, assume um caráter eminentemente ideológico, pois: "B 
necessário representar o Estado como uma pessoa diferente do direito para que 
o direito possa justificar o Estado, que o produz e se lhe submete. E o direito 
só pode justificar o Estado se é contraposto como uma ordem essencialmente 
diierente do Estado - cuja natureza original é o poder - e é por ele suporte 
em algum sentido como ordem reta e justa. O Estado converte-se, pois, de 
mero factum de poder, em Estado de direito, que se justifica porque elabora 
o direito. "19 
A concepção monista, baseada fundamentalmente no extremismo lógico da 
teoria pura do direito, tende a eliminar o dualismo jurídico-estatal, na perspec­
tiva de que o Estado é identificado com a própria ordem jurídica, ou seja, o 
Estado encarna o próprio direito em determinado nível de centralização. 
Ora, para Kelsen, o Estado é o próprio Estado de direito, na medida em 
que personalidade jurídica do -Estado é apenas a expressão da unidade de uma 
ordem jurídica, um ponto de imputação "que o espírito do homem cognos­
cente, premido pela instituição, está demasiadamente inclinado a hipostasiar , 
a supor real, para representar-se, atrás da ordem jurídica, o Estado comó _pm 
ser diferente daquela".2Q 
O Estado configura-se como uma organização de caráter político que visa 
não só a manutenção e coesão, mas a regulamentação da força em uma forma­
ção social determinada. Esta força está alicerçada, por sua vez, em uma ordem 
coercitiva, tipificada pelo invólucro jurídico. O Estado legitima seu poder pela 
eficácia e pela validade oferecida pelo direito, que, por sua vez, adquire força 
no respaldo proporcionado pelo Estado. 
Partindo destas proposições, pode-se claramente asseverar que a percepção 
do poder está delimitada aos marcos de uma ordem normativa harmoniza dor a 
de conduta. A este propósito, assevera Campos Batalha que "o poder social 
é sempre um poder que se acha organizado". O poder estatal reflete a eficácia 
de uma ordem jurídica positiva, pois a ordem política é um poder jurídico 
organizado. Neste contexto, o poder político "é a eficácia de uma on~em coa­
tiva que se reconhece como direito",21 
A coerção compreendida como força e violência está estreitamente ligada 
com o poder. Para Schermerhorn, o poder legítimo é aquele tipo de poder 
"que se exercita enquanto função dos valores e normas aceitáveis para a so­
ciedade"; conseqüentemente, o poder será ilegítimo quando violar esses valores 
dominantes. Assim sendo, o poder, nas sociedades diversificadas ou complexas, 
pode abranger formas legítimas e ilegítimas.22 As diversas formas de poder, 
difusas na sociedade - como o poder ideológico, econômico, militar, político 
19 Campos Batalha, Wilson de Souza. Introdução ao direito. São Paulo, Revista dos Tri­
bunais, 1968. p. 783. 
20 Id. ibid. p. 779. 
21 Id. ibid. p. 782. 
22 Schermerhorn, Richard A. El Poder y la sociedad. Buenos Ayres, Pai dós, 1963. p. 55-6; 
62-4. 
44 R.C.P. 3/83 
- são todos estruturados na idéia de Estado. A ação estatal incorporada no 
p;:,der exercido pelo Estado estabelece um poder político específico. 
Uma concepção revolucionária do poder é visualizada por Michel Foucault, 
em La Volonté de savoir. Foucault insurge-se contra a idéia de um poder geral 
e unitário ligado exclusivamente ao Estado, em que toda a gama de poderes 
existentes na sociedade derivam do Estado. As diversas formas de poder ultra­
passam a ordem estatal, estendendo-se e difundindo-se aos graus mais elemen­
tares da estrutura social. O poder, para Foucault, não é uma propriedade ou 
coisa natural, mas envolve formas distintas, relações heterogêneas em contínua 
transformação. A este propósito, escreve Roberto Machado: "A idéia básica 
de Foucault é de mostrar que as relações de poder não se passam fundamen­
talmente nem ao nível do direito, nem ao nível da violência; nem são basica­
mente contratuais nem unicamente repressivas."23 
Foucault, criticando toda aquela concepção negativa de poder que tende a 
associar-se com o aparelho repressivo de Estado, expressão da violência e da 
opressão, estabelece uma idéia positiva de poder que visa dissociar historica­
mente os termos "dominação" e "repressão": "Par pouvoir, je de veux pas 
dire 'le pouvoir', comme ensemble d'institutions et d'appareils qui garantissent 
la sujétion des citoyens dans un ~tat donné. Par pouvoir, je n'entends pas non 
plus un mode d'assujettissement, qui par opposition à la violence, aurait la 
forme de la regle. Enfin, je n'entends pas un systeme général de domination 
exercée par un élément ou un group sur un autre, et dont les effets, par 
dérivations successives, traverseraient le corps social tout entier. 
Par pouvoir, il me semble qu'il faut comprendre 'abord la multiplicité des 
rapports de force qui sont immânerftes ai domaine ou ils s'exercent, et sont 
constitutifs de leur organization ( ... ) c'est le socle mouvant des rapports de 
force qui induisent sans cesse, par leur inégalité, des états de pouvoir, mas 
toujours locaux et instables. Omniprésence du pouvoir: non point parce qu'il 
aurait le privilége de tout regrouper sous son invencible unité, mais parce 
qu'il se produit à chaque instant, en tout point, ou plutôt dans toute relation 
d'un point à un autre. Le pouvoir est partout; ce n'estpas qu'il englobe tout, 
c'est qu'il vient de partout (. .. )."24 
É perceptível que a eficácia do poder público está diretamente vinculada a 
um sistema jurídico, que disciplina o exercício da propriedade, bem como 
assegura a reprodução das relações de produção. Por sua vez, se concebermos 
a perspectiva de Poulantzas, veremos que, enquanto o direito for compreendido 
como perpetuação do poder político de classes, poderá regular "o exercício do 
poder político pelos aparelhos de Estado e o acesso a estes aparelhos, por 
meio de um sistema de normas gerais, formais, abstratas, estritamente regula­
mentadas, fixadas explicitamente de modo a permitir a previsão", bem como 
estabelecer "os limites do exercício do poder de Estado, ou seja, da intervenção 
dos aparelhos de Estado".u 
23 Foucault, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979. p. XVII. 
24 _-o La Volonté de savoir. Paris, Gallimard, 1976. p. 121-5. 
2S Poulantzas, Nicos. Fascismo e ditadura. São Paulo, Martins Fontes, 1978. p. 343-4. 
Estado e direito 45

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