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HERMES ANTONIO PEDROSO Setembro/2009 1 PrefácioPrefácioPrefácioPrefácio Este livro originou-se como notas de aula da disciplina História da Matemática, de 60 horas/aula, ministrada nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática do IBILCE – UNESP de São José de Rio Preto, desde 1991. Na época de sua publicação, em forma de apostila em 1992, só existiam dois textos em português, traduções de obras famosas, escritos originalmente em inglês. Essas obras, clássicas, ainda hoje são incluídas em qualquer bibliografia sobre o assunto, mas nunca se adequaram como guia didático para sala de aula. São muito detalhadas para uma disciplina semestral, e de difícil acesso para a maior parte dos estudantes. Isso me motivou a elaborar um texto que preservasse o essencial das referidas obras, mas pensando nos tópicos que mais contribuiriam para o futuro professor ou mesmo futuro pesquisador. Atualmente temos outros bons livros, traduções ou mesmo de autores brasileiros, mas que também não se adéquam às prioridades dos referidos cursos, devido à grande quantidade de informações a serem assimiladas em tão pouco tempo. A apostila foi indicada e bem aceita pelos alunos de graduação, inclusive de outras instituições de nível superior, e por professores da rede oficial de ensino, quando ministrei Tópicos de História da Matemática em projetos como Teia do Saber e até mesmo em curso de pós-graduação Lato Sensu, em que tive oportunidade de orientar algumas monografias com temas que utilizavam história da matemática. Após todos esses anos, somente agora foi possível fazer uma revisão e complementar com novas informações importantes, provenientes de pesquisas realizadas através de vários projetos desenvolvidos durante esse período na universidade. Quanto à estrutura do texto, não há muita uniformidade. Alguns assuntos são mais desenvolvidos que outros, tendo em vista a importância que considero na formação dos graduandos, que poderão utilizar a história da matemática como recurso didático no ensino fundamental e médio. 2 Apresento ao final de cada sessão, uma lista de exercícios que servirão como revisão, despertando oportunidade de debates e apresentação de trabalhos em forma de seminários. O autor 3 SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO Introdução ......................................................................... 07 Por que História da Matemática? ................................ 08 Origens Primitivas ........................................................... 13 Egito .................................................................................... 15 A matemática egípcia ........................................................... 18 Mesopotâmia .................................................................... 37 A matemática mesopotâmia .................................................. 39 Grécia .................................................................................. 47 Homero ................................................................................. 48 Hesíodo ................................................................................. 50 A matemática grega .............................................................. 51 O racionalismo jônico e os pitagóricos .................... 59 Tales ..................................................................................... 59 Anaximandro, Anaxímenes ................................................. 62 Pitágoras ............................................................................... 63 Parmênides, Zenon ............................................................... 70 Melisso, Heráclito ................................................................. 73 Demócrito ............................................................................. 75 Os ideais platônicos e a lógica aristotélica ............. 77 Anaxágoras ........................................................................... 78 Hipócrates ............................................................................. 79 Hípias .................................................................................... 81 Sócrates ................................................................................ 82 Platão .................................................................................... 83 Arquitas, Teaetecto, Menaecmo .......................................... 90 Dinóstrato ............................................................................. 91 Eudoxo .................................................................................. 92 Aristóteles ............................................................................. 94 Epicuro ................................................................................. 98 4 A ciência helenística ....................................................... 103 Euclides ............................................................................... 104 Aristarco .............................................................................. 118 Arquimedes .......................................................................... 119 Arquimedes e Euclides ........................................................ 134 Eratóstenes ........................................................................... 134 Apolônio .............................................................................. 136 Hiparco ................................................................................ 140 Período Greco,romano ................................................. 145 Roma .................................................................................... 145 Lucrécio, Ptolomeu .............................................................. 149 Heron ................................................................................... 154 Diofanto .............................................................................. 157 Papus ................................................................................... 159 Hipatia, Proclo, Boécio ........................................................ 163 Europa na Idade Média, China, Índia e Arábia ..... 167 Alcuim ................................................................................. 171 Gerbert ................................................................................. 172 China .................................................................................... 172 Índia ..................................................................................... 178 Aryabhata ............................................................................. 179 Brahmagupta ........................................................................ 180 Bhaskara ............................................................................. 183 Arábia .................................................................................. 185 Al-Khowarizmi .................................................................... 187 Abu’l-wefa, Omar Khayyam .............................................. 189 Al-Tusi, Al-Kashi ................................................................ 191 Aurora do Renascimento .............................................. 195 Fibonacci ............................................................................. 196 Nemorarius, Sacrobosco, Bacon .......................................... 198 Bacon ................................................................................... 199 Dante, Oresme ..................................................................... 200 Oresme ................................................................................. 201 5 O Renascimento ............................................................... 209 Nicolaude Cusa .................................................................... 211 Peurbach, Regiomontanus .................................................... 212 Copérnico ............................................................................. 214 Giordano Bruno .................................................................... 218 Tycho Brahe ......................................................................... 220 Kepler ................................................................................... 223 Galileu .................................................................................. 226 Pacioli ................................................................................... 230 Leonardo da Vinci ................................................................ 232 Rafael .................................................................................... 233 Stifel ..................................................................................... 234 Recorde ................................................................................. 235 Tartaglia, Cardano ................................................................ 236 Cardano................................................................................. 237 Bombelli ............................................................................... 240 Viète ..................................................................................... 241 Mercator ............................................................................... 244 Napier ................................................................................... 245 Briggs ................................................................................... 246 Stevin .................................................................................... 248 Inícios da matemática moderna ................................. 251 Descartes ............................................................................... 252 Cavalieri ............................................................................... 257 Fermat ................................................................................... 260 Pascal .................................................................................... 264 Wallis .................................................................................... 267 Barrow .................................................................................. 269 Newton ................................................................................. 270 Leibniz .................................................................................. 277 O século das luzes .......................................................... 283 Euler ..................................................................................... 286 D’Alembert ........................................................................... 289 Lagrange ............................................................................... 290 Laplace ................................................................................. 292 6 A matemática se estruturou ........................................ 297 Gauss ................................................................................... 299 Riemann ............................................................................... 304 Bolzano ................................................................................ 305 Cauchy ................................................................................. 307 Weierstrass ........................................................................... 310 Os problemas de Hilbert ...................................................... 311 A matemática propiciou maravilhas ......................... 317 Einstein ................................................................................ 320 Referências bilbliográficas........................................... 327 Sobre o autor ................................................................... 332 7 INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO Por que história?Por que história?Por que história?Por que história? O objetivo da história não é apenas o de narrar e constatar fatos do passado, mas buscar as suas origens e as suas conseqüências. Quando nos propomos estudar a história de um país ou de um povo, ou simplesmente um determinado episódio histórico, não nos deve mover somente um interesse anedótico ou mera curiosidade. Também não se pode resumi-la a uma exaltação de heróis para incentivo da juventude, ou mera recordação de nossas glórias passadas. O que queremos da história é muito mais do que isso. Ela não se pode limitar a uma simples enumeração cronológica dos fatos, mas deve buscar as relações entre eles, aprofundar, descer às suas raízes, até encontrar as causas desses fatos, numa espécie de anamnese social, assim como o médico que, ao examinar um doente, para maior firmeza do diagnóstico, desce a todos os seus antecedentes pessoais e familiares. Encarada a história como ciência, com suas características de método e relação com a realidade, um mundo novo surge aos nossos olhos, por trás de cada fato ou acontecimento. Desse modo ela nos permite não só explicar o presente, e compreender o passado, mas também prever o futuro, ou pelo menos, antever as perspectivas do desenvolvimento de cada fato estudado, na medida do nosso conhecimento das causas e das leis que as governam. A história não se desenvolve como força espiritual absoluta independente da existência dos homens, como queria Hegel. Ela nasce, ao contrário, da atividade do homem sobre a Terra e é condicionada e delimitada por leis objetivas, independentes da vontade humana. Karl Marx (1818 – 1883) enfatizava em A Ideologia Alemã que a história é a mais alta, a mais nobre e a mais importante das ciências. Assim sendo, se é verdade que os homens fazem a história condicionados por leis indestrutíveis, não é menos verdade que, 8 conhecendo as leis que a regem, eles podem traçar, dentro de dados limites, o seu próprio destino. E se o objetivo do homem sobre a Terra é buscar a felicidade, dentro de uma comunidade harmônica, só o estudo da história, e o conhecimento das leis que regem o desenvolvimento das sociedades, poderão ajudá-lo. É possível que o mesmo aconteça com a Matemática ou com a Ciência em geral. Torna-se difícil, senão impossível, compreender o seu estágio atual sem o estudo concomitante da história das idéias científicas. Talvez por isso é que Göethe (1749-1832) afirmava que a história da Ciência é a própria Ciência. Sem o conhecimento da evolução das idéias, do choque das hipóteses e das teorias, podemos criar bons técnicos, mas não cientistas verdadeiros. Muito maior interesse educativo apresenta o conhecimento da maneira pela qual o cientista trabalha, das suas fontes de inspiração, da árvore filogenética de seus pensamentos, do que a pura e simples massa de fatos por ele descobertos. O estudo da História da Ciência poderá ser o guia da luta do homem contra o mistério. Por que História da Matemática?Por que História da Matemática?Por que História da Matemática?Por que História da Matemática? Por vários motivos, mas o principal seria dar subsídios para o futuro professor no tratamento de um programa no ensino fundamental e médio ou na universidade. Pode-se destacar alguns exemplos de dificuldades encontradas pelo homem, no desenvolvimento da matemática, que serão motivos de reflexão para o futuro educador. • Os números negativos, introduzidos pelos hindus de espírito prático, por volta de 600 d.c. não tiveram aceitação durante um milênio. A razão: faltava-lhes apoio intuitivo. Alguns dos maiores matemáticos tais como Cardano, Viète, Descartes e Fermat, recusaram-se a operar com números negativos.Assim é razoável que para ensinar números negativos devemos ter cuidado. Para o aluno das séries iniciais o conceito e as operações podem não ser tão naturais. • O uso de uma letra para representar um número fixo, porém desconhecido, data dos tempos gregos. Contudo, o uso de uma letra 9 ou letras para representar toda uma classe de números só foi concebido em fins do século XVI. Nesse tempo François Viète introduziu expressões como ax + b em que a e b podem ser qualquer número (real positivo). Hoje está claro que ao resolver a equação quadrática ax² + bx + c = 0, pode-se solucionar todas as equações quadráticas porque a, b e c representam quaisquer números. Durante todos os séculos em que os babilônicos, egípcios, gregos, hindus e árabes operaram com álgebra não ocorrera a idéia de empregar as letras para uma classe de números. Aqueles povos faziam suas operações de álgebra empregando expressões concretas tais como 3x² + 5x + 6 = 0, ou seja, usavam sempre coeficientes numéricos e, na verdade, a maioria não usava sequer um símbolo tal como x para a incógnita. Usavam palavras. Por que demorou tanto tempo para o uso de letras para coeficientes gerais? Ao que parece, a resposta é que esse processo constitui um nível superior de abstração em matemática, um nível bastante afastado da intuição. • A teoria de limites com épsilons e deltas é do final do século XIX e com ela colocou-se um ponto final nas controvérsias sobre a questão do rigor no cálculo. No entanto o cálculo existe desde a Grécia antiga com Eudoxo e Arquimedes. O que acontece hoje? Apresentamos a teoria de limites aos alunos como algo muito “natural”. “Natural” mas incoerente com o desenvolvimento histórico do Cálculo. Parece claro que os conceitos que têm o sentido mais intuitivo, como os geométricos, os de números inteiros positivos e os de frações foram aceitos e utilizados primeiramente. Os menos intuitivos tais como os de números irracionais, números negativos, o uso de letras para coeficientes gerais e os do cálculo exigiram muitos séculos, quer para serem criados, quer para serem aceitos. Além disso, quando foram aceitos não foi apenas a lógica que induziu os matemáticos a adotá-los, porém os argumentos por analogia, o sentido físico de alguns conceitos e a obtenção dos resultados científicos exatos. Não há muita dúvida de que as dificuldades que os grandes matemáticos encontraram, são precisamente os tropeços que os 10 estudantes experimentam. Assim, através da história da matemática o ensino da matemática poderá alcançar objetivos que vão além do fortemente marcado “desenvolver o raciocínio lógico”; porque ela mostra a matemática como expressão de cultura, a matemática como uma forma de comunicação humana. Refletindo um pouco mais sobre a questão “Por que História da Matemática?” deve-se lembrar que o conhecimento é um todo e a matemática faz parte desse todo. Ela não se desenvolveu à parte de outras atividades e interesses. Talvez uma grande falha no ensino da matemática é tentar abordá-la como disciplina isolada. E esse processo, sem dúvida, é uma distorção do verdadeiro conhecimento. Provavelmente por isso, muitos jovens se sintam humilhados por não compreenderem muitos símbolos e regras, longe da intuição. Generaliza-se, então, uma certa aversão pela disciplina e a Matemática torna-se para muitos como algo inatingível. Cria-se o mito do gênio ou que a Matemática é somente para loucos e gênios. Essa aversão tende também a desvalorizar um ramo do conhecimento dos mais importantes. É sempre bom lembrar que além da aritmética das necessidades cotidianas, a matemática tem muito a oferecer. Ela é a chave para nossa compreensão do mundo físico, dá-nos o poder sobre a natureza; e deu ao homem a convicção de que ele pode continuar a sondar os seus segredos. A matemática tem possibilitado aos pintores a pintar realisticamente e fornecido não só a compreensão dos sons musicais como também uma análise desses sons, indispensável na planificação do telefone, do rádio e de outros instrumentos de registro e reprodução de sons. Ela está se tornando cada vez mais valiosa na pesquisa biológica e médica. A pergunta “Que é verdade?” não pode ser discutida sem envolver o papel que a matemática tem exercido ao convencer o homem de que ele pode ou não obter verdades. Muito de nossa literatura está permeado de temas que tratam de realizações matemáticas. Finalmente, a matemática é indispensável em nossa tecnologia. Portanto, o curso de História da Matemática pode ser a oportunidade para se discutir tudo isso, e, como disse Plutarco, “a mente não é uma vasilha para ser enchida, porém, um fogo para se atear” e, segundo Henri Poincaré (1854-1912), “Os zoólogos 11 afirmam que num breve período, o desenvolvimento do embrião de um animal recapitula a história de seus antepassados de todas as épocas geológicas. Parece que o mesmo se dá no desenvolvimento da mente. A tarefa do educador é fazer a mente da criança passar pelo que seus pais passaram, atravessar rapidamente certos estágios, mas sem omitir um. Para esse fim a história da Ciência deve ser nosso guia.” 12 13 ORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVAS Se quisermos pesquisar a origem histórica das primeiras noções matemáticas, seremos levados a fontes da chamada pré-história. É provável que a percepção de que certos grupos podem ser colocados em correspondência um a um, tenha surgido há uns 300.000 anos. O homem primitivo não sabia contar e nem precisava, pois conseguia com certa facilidade caça, pesca e frutas. Quando essas começaram a se tornar escassas, ele teve necessidade de se sedentarizar, por isso passou a criar animais e praticar a agricultura. Da necessidade, por exemplo, de preservação do rebanho, aprendeu a contar as ovelhas, mesmo sem conhecer os números. As primeiras contagens eram feitas com os dedos (que pode ter dado origem ao sistema decimal), quando estes eram inadequados, passaram a usar montes de pedras (calculus em latim) e como tais métodos não eram muito seguros para conservar informação, o homem primitivo registrava um número com marcas num bastão, pedaço de osso ou no barro. Descobertas arqueológicas fornecem provas de que a idéia de número é muito mais antiga do que progressos tecnológicos como o uso de metais ou de veículos com rodas. Supõe-se usualmente que a matemática surgiu em resposta a necessidades práticas, mas estudos antropológicos sugerem a possibilidade de uma outra origem. Foi sugerido que a arte de contar surgiu em conexão com rituais religiosos primitivos e que o aspecto ordinal precedeu o conceito quantitativo. Em ritos cerimoniais, representando mitos da criação, era necessário chamar os participantes à cena segundo uma ordem específica, e talvez a contagem tenha sido inventada para resolver tal problema. Esse ponto de vista, embora esteja longe de ser provado, estaria em harmonia com a divisão ritual dos inteiros em ímpares e pares, os primeiros considerados como masculinos e os últimos, como femininos. Sábios gregos não quiseram se arriscar a propor origens mais antigas da matemática do que a egípcia. Heródoto afirmava que 14 a geometria se originou no Egito, pois acreditava que tinha surgido da necessidade prática de fazer novas medidas de terras após cada inundação anual no vale do Nilo. Aristóteles achava que a existência no Egito de uma classe sacerdotal com lazeres é que tinha conduzido ao estudo da geometria. Que os primórdios da matemática são mais antigos que as mais antigas civilizações está claro. As teses apresentadas acima são até discutíveis mas não podemos desprezar os conhecimentos matemáticos envolvidos nas diversasatividades humanas. A seguir apresentamos exemplos de algumas atividades em que podemos identificar imediatamente elementos matemáticos no trabalho humano: ornamentação (vasos, armas); produção de rodas (sem ou com raios); plantações (irrigação, divisão de terras); edificações (monumentos); pastoreio (contagem); comércio (trocas, moedas); orientação no tempo e no espaço (calendários, mapas). Nesse sentido é interessante observar que muitas vezes o pensamento matemático desenvolveu-se de maneira semelhante em sociedades totalmente independentes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Egito e a Mesopotâmia por volta do ano 2000 a.C. 15 EGITOEGITOEGITOEGITO “O Egito é um presente do Nilo” (Heródoto) Entre 4000 e 3000 a.C., na idade Neolítica (ou da Pedra Polida) tivemos culturas bem estabelecidas na Mesopotâmia e no Egito. Ali se formaram as primeiras cidades e estados organizados, mas as duas regiões deram origem a civilizações um tanto diferentes. O Egito era uma região centrada no Nilo, com ambiente hostil no sul e nas fronteiras leste e oeste. Na verdade, era como uma ilha, limitado ao norte pelo mar Mediterrâneo e em suas outras fronteiras, pelo deserto. De várias maneiras, a civilização egípcia mostrou-se isolada, era conservadora e voltada para si mesma; e, de um modo geral, não estava interessada na expansão e na conquista de outras terras. Para um egípcio antigo, o Egito era um universo auto- suficiente: tinha seus deuses independentes e seu modo de vida especial. A língua egípcia e a escrita hieroglífica desenvolveram-se de mãos dadas; o próprio sistema de hieróglifos era insular, impróprio para expressar qualquer outra língua, e, na correspondência diplomática com outros países, usava-se um sistema de escrita diferente. Efetivamente, os antigos egípcios viviam em isolamento cultural. Mas, se o isolamento era a característica fundamental do antigo Egito, sua civilização foi, contudo, magnífica; era olhada com inveja pelos que circundavam suas fronteiras, e somente os desertos a sua volta, impediram que se tornassem vítima de vizinhos ciumentos. Na realidade, alguns nômades se estabeleceram na área esparsamente povoada do delta do Nilo, mas não perturbaram a natureza, basicamente pacífica, do país, que era essencialmente uma terra de agricultores e escribas. 16 A inundação anual do Nilo, que ocorria regulamente em julho, era o alicerce da vida egípcia. Havia um sistema bem organizado de irrigação e tomava-se um cuidado especial com as águas disponíveis por ocasião da cheia anual. Boas colheitas eram a regra geral – muitas vezes três por ano – e havia belos rebanhos de gado, a maioria em pastagens na área do delta. Nenhum egípcio se sacrificava trabalhando uma terra hostil e árida para a sua sobrevivência, embora os métodos agrícolas fossem primitivos e conservadores. A história do Egito começa com o primeiro faraó, chamado Menes, que uniu num só, o Alto e Baixo Egito por volta de 3360 a.C. e, exceto por dois períodos de instabilidade, manteve-se unido por mais de 2000 anos. Os principais períodos de domínio unificado são: o Antigo Império, ou Época das Pirâmides, de 3000 a 2475 a.C. Esse período assinala um progresso rápido no domínio das forças mecânicas (das pirâmides, apenas 80 de conservaram de modo completo). O segundo, o Império Médio ou Época Feudal, de 2160 a 1788 a.C., caracteriza-se pelo desenvolvimento intelectual e pelo comércio exterior. Formaram-se bibliotecas de rolos de papiro e os navios cruzavam os mares Egeu e Vermelho. O terceiro período, o do Novo Império, estende-se de 1580 a 1150 a.C., sendo a época das grandes construções. 17 Os soberanos eram os faraós, cujo despotismo era temperado por ideais de responsabilidade em relação ao povo comum; considerando-se os tempos primitivos em que viveram, eles realmente procuraram fazer com que seus súditos tivessem vida feliz e razoavelmente confortável (apesar da escravidão); governava pela lei, que parece ter sido geralmente justa. Além do faraó e da família real, os sacerdotes, os nobres e os guerreiros pertenciam às classes privilegiadas. Na classe média encontravam-se os escribas, os comerciantes, os artesãos e os camponeses e, os servos ocupavam as classes inferiores. O Egito tinha uma grande e eficiente administração. A maior parte dela parece ter sido centrada nas grandes construções de templos, embora, periodicamente, os próprios faraós demonstrassem grande capacidade administrativa. A administração padronizou pesos e medidas, enquanto seus funcionários, os escribas, em grande parte clérigos, escreviam em hieróglifos ou na escrita hierática ou sacerdotal, mais correntemente usada. Os egípcios escreviam em papiros, produzidos no país desde épocas primitivas; parecem ter sido usados antes de 3500 a.C. Eram feitos com o cerne de uma alta ciperácea (Cyperus papyrus) que se encontrava em abundância nos pântanos ao redor do delta e sua manufatura em folhas era simples. Tratava-se do material ideal para ser usado nas secas condições do Oriente Médio e foi empregado em grande quantidade em Roma. No clima mais úmido da Europa, o papiro era menos estável, mas, no Egito, era superior a qualquer outro material para escrita. Permaneceu em uso até o nono século depois de Cristo. O papiro era também usado como alimento(os brotos), como combustível(as raízes), e ainda, para se fazer cestos, cordas, esteiras, sandálias e até pequenos barcos. A propósito, é interessante notar que os gregos, que consideravam os egípcios um povo de imensa sabedoria, chamavam uma folha de papiro de “biblion”, da qual deriva a palavra “bíblia”; a palavra “papel” é derivada de “papiro”, embora na verdade, o papel seja um material bem diferente e tenha sido inventado pelos chineses e não pelos egípcios. O fato de os gregos terem superestimado a sabedoria egípcia pode ter resultado, pelo menos em parte, da impressão causada naqueles que visitaram o Egito e ficaram maravilhados com as magníficas construções que lá encontraram e, na verdade, a 18 construção era uma das maiores formas de expressão desse povo. O vale do Nilo é uma vasta pedreira e, embora tivessem de importar toda a madeira de que precisava, da Líbia ou da Síria, logo aprenderam a manusear os materiais locais. Eram peritos cortadores de pedras, soberbos escultores, pintavam bem e eram mestres artífices em metais, especialmente o ouro. A habilidade dos egípcios na construção de grandes edifícios e estátuas, não é, por si mesma, uma ciência: havia o que hoje chamaríamos de princípios de mecânica, mas parece que inexistia um conjunto básico de conhecimentos científicos ou uma teoria em que os construtores pudessem se basear. Seu valor como construtores era alicerçado em sólida experiência pratica e num instinto para a engenharia estrutural. Realmente, os egípcios parecem ter sido essencialmente um povo muito prático, mais voltado para resultados efetivos do que para a filosofia dos princípios básicos concernentes. A curto prazo, essa atitude traz sucesso, mas, a longo prazo, não encoraja nem a especulação e nem idéias novas. Isso significa, por exemplo, que quando Akhenaton construiu seu grande templo em Carnac, no ano de 1370 a.C., as técnicas usadas não foram substancialmente diferentes das utilizadas por Quéops cerca de treze séculos antes. A falta de interesse dos egípcios pela reflexão filosófica e a tendência para o aspecto prático podem ser observadas mesmo na astronomia. Para eles, a astronomia era a base utilitária necessária para a marcação do tempo. Os astrônomos egípcios não estavam preocupados com teorias a respeito do Sol e da Lua., nem com quaisquer idéias a respeito do movimento dos planetas, embora soubessem que os planetas se moviam entre as estrela fixas. O calendário nos dá um exemplo de êxito brilhante obtidopela ciência egípcia. O ano egípcio, por volta de 2.500 a.C., contém 365 dias como o nosso. Os meses repartem-se em três estações de quatro meses cada uma: inundação, inverno e verão. A MATEMÁTICA EGÍPCIAA MATEMÁTICA EGÍPCIAA MATEMÁTICA EGÍPCIAA MATEMÁTICA EGÍPCIA A matemática no Egito, a exemplo da astronomia, não era em si mesma, considerada uma forma de conhecimento independente de sua aplicação, como aconteceria na Grécia. Assim, a pesquisa dos 19 princípios matemáticos era desprezível e não havia uma teoria básica de aritmética ou geometria e sim procedimentos práticos. As fontesAs fontesAs fontesAs fontes Um certo número de papiros egípcios de algum modo resistiu aos desgastes do tempo por mais de três e meio milênios. Os principais de natureza matemática são o Papiro Rhind, o Papiro de Moscou e o Papiro de Berlim, copiados em escrita hierática. ● O Papiro Rhind, o mais extenso, mede 0,30 m de largura por 5 m de comprimento, e também o mais importante, encontra-se no Museu Britânico. Foi adquirido em 1858 numa cidade à beira do Nilo, pelo antiquário escocês, Alexander Henry Rhind (1833-1866), daí a origem do seu nome, muito embora seja conhecido também, como Papiro Ahmes em honra ao escriba que o copiou por volta de 1650 a.C de outro mais antigo, provavelmente de 1800 a,C. Trata-se de um texto na forma de manual prático que contém 85 problemas, enunciados e resolvidos, e logo no início apresenta uma interessante proposta: “Guia para conhecimento de todas as coisas obscuras”. Quando chegou ao Museu Britânico esse Papiro não estava completo, formado de duas partes, e faltava-lhe a porção central. Cerca de quatro anos depois de Rhind ter adquirido seu papiro, o egiptólogo norte americano Edwin Smith comprou no Egito o que pensou que fosse um papiro médico. A aquisição de Smith foi doada à Sociedade Histórica de Nova York em 1932, quando os especialistasdescobriram por sob uma camada fraudulenta a parte que faltava do Papiro Ahmes. A sociedade, então, doou o rolo ao Museu Britânico, completando-se assim a obra original. 20 ● O Papiro de Moscou ou Golenischev é de 1850 a,C. e encontra- se no Museu de Belas Artes de Moscou. Foi adquirido no Egito em 1893 pelo colecionador russo Golenischev, mede 0,07m de largura por 5m de comprimento e contém 25 problemas. ● Quanto ao Papiro de Berlim não dispomos das informações seguras dos anteriores, apenas que está muito deteriorado. A seguir, o mais importante da matemática contida nesses três papiros. AritméticaAritméticaAritméticaAritmética Sistema de numeração O sistema de numeração dos egípcios era decimal aditivo (não posicional). Ressalta-se que não eram conhecidos os números negativos e nem o zero. Quadro de hieróglifos Símbolo egípcio descrição nosso número bastão 1 calcanhar 10 rolo de corda 100 flor de lótus 1000 dedo apontando 10000 peixe 100000 homem 1000000 21 Por exemplo, o número 12345, se escrevia como As quatro operações Adição: 24 + 97 e é igual a Subtração: 12 – 7 O raciocínio era: quanto se deve somar a 7 para formar 12? Multiplicação: Enquanto hoje aprende-se as tabuadas de somar e de multiplicar até 10, o que permite efetuar todas as operações simples, os egípcios usavam apenas a tabuada do 2. Para multiplicar um número dado, por um multiplicador maior que 2, realizavam uma série de “duplicações”, o que lhes permitia fazer todas as multiplicações, sem na realidade, recorrerem à memória. Por exemplo, para multiplicar 13 por 7. o escriba opera da seguinte maneira: - 1 7 2 14 - 4 28 - 8 56 Escreve, na coluna da direita o fator 7 e na da esquerda 1; dobra, em seguida, os números das duas colunas, até obter, por adição de números da coluna da esquerda, o valor do outro fator. No exemplo dado, 13 é obtido pela adição de 1, 4 e 8. Chegando a esse ponto da operação, marca-se com um traço os números que tomou e soma, em seguida, os números correspondentes da coluna da direita, ou seja, 7 + 28 + 56 = 91. Portanto a adição desses números lhe dá o resultado da multiplicação. Como se verificou, o escriba só operou com adições e é nisso que reside o caráter “aditivo” da aritmética egípcia. 22 Outros exemplos: resolução de 4 x 3 e 12 x 16 1 3 1 16 2 6 2 32 - 4 12 - 4 64 - 8 128 4 x 3 = 12 12 x 16 = (4 + 8) x 16 = 64 + 128 = 192 Divisão: Na divisão usava-se o mesmo processo da multiplicação, mas em sentido inverso. Assim, para dividir 168 por 8, o escriba dispunha os cálculos, como no caso de uma multiplicação: 1 8 – 2 16 4 32 – 8 64 16 128 – Feito isso, procura-se na coluna da direita (e não na da esquerda como na multiplicação) os números que, somados, darão o dividendo 168. No nosso exemplo, toma-se os números 8, 32 e 128 e marca-se com um traço os correspondentes da coluna da esquerda, a saber: 1, 4 e 16, que somados perfazem 21, que é o quociente da divisão. Facilmente depara-se com divisões não exatas, como por exemplo, 168 dividido por 9: 1 9 2 18 – 4 36 8 72 16 144 – Não se conseguindo a soma do dividendo na coluna da direita, assinala-se os números cuja soma mais se aproxima do dividendo, no caso 144 + 18 = 162. Portanto tem-se o quociente 16 + 2 = 18 e o resto 168 – 162 = 6. 23 Frações O estudo de frações surgiu por necessidade prática, quando as divisões não eram exatas, como vimos no exemplo anterior. Com exceção de 3 2 que era representado por os egípcios usavam apenas frações unitárias, ou seja, com numerador igual a 1. Na escrita a fração era expressa por meio do signo , que significa parte ou porção, sendo que o denominador é escrito abaixo ou ao seu lado. Exemplos: Notações especiais: Outras frações de denominador potência de 2, encontram-se representadas no olho do deus Horo, que combina o udjat (olho humano) com as manchas coloridas que envolvem o olho de um falcão. Operações com frações: Recusando-se a priori a conceber uma fração que não tivesse numerador 1, boa parte do seu trabalho era dedicado a escrever uma certa fração como soma de frações de numerador 1. Por exemplo, 5 2 escrevia-se como 15 1 3 1 + . É possível que para essas transformações fossem utilizadas fórmulas do tipo: 2 1 1 2 1 12 )n(nnn + + + = ou . )qp(q)qp(ppq 2 1 2 12 + + + = Por isso, os cálculos que utilizavam frações ocupam a maior parte do Papiro Rhind. 5 1 43 1 276 1 2 1 4 1 24 O princípio dessas operações é idêntico ao utilizado para os números inteiros: a “duplicação” sistemática. Quando o denominador da fração a duplicar era um número par, não havia qualquer dificuldade: bastava dividi-lo por 2. Por exemplo, para a operação simples 7 x 8 1 , o escriba egípcio colocaria como habitualmente. - 1 8 1 - 2 4 1 - 4 2 1 Sendo a soma dos números da primeira coluna igual ao multiplicador 7, transcreveria diretamente o resultado: 8 1 4 1 2 1 8 1 7 ++=x Mas, no caso de uma operação com denominadores ímpares, o sistema adotado torna-se inoperantes e é necessário encontrar um meio de superar a dificuldade. Qualquer fração da forma n 2 , em que n é um número ímpar, pode ser decomposta numa soma de duas ou mais frações, cujo numerador é 1. Assim, como vimos 5 2 pode escrever-se 15 1 3 1 + . Os egípcios conheciam bem esse fato e, como a decomposição de frações implica cálculos longos e delicados, estabeleceram uma tábua modelo de decomposição, começando em 5 2 e chegando em 101 2 . Essa tábua, que desempenhava um papelconsiderável no ensino, constitui a parte mais importante do Papiro Rhind. Eis um exemplo de como ela se apresenta: 25 Dividir 2 por 41: 24 1 3 2 1 + corresponde a 246 1* a 6 1 24 1 , * e 328 1* a 8 1 Modo de realizar a operação: 8 1 6 1 resto 24 1 3 2 1 24 17 1 24 1 12 1 3 1 3 12 1 6 1 3 2 6 6 1 3 2 13 3 1 3 1 27 3 2 41 1 + += + + Total 1 41 /2 82 /4 164 /6 246 6 1 /8 328 8 1 Segundo os nossos métodos habituais, exporíamos assim a resposta do problema: 328 1 246 1 24 1 41 2 ++= A técnica dos escribas para chegar ao resultado é difícil de ser acompanhada e os próprios matemáticos não estão totalmente de acordo quanto ao método utilizado. É possível, aliás, que não 26 houvesse de início, um método bem definido e que os escribas chegassem ao resultado por meio de tentativas sucessivas. Nem por isso deixa de ser assombrosa a facilidade e a segurança com que os egípcios manejavam suas frações; posteriormente os gregos e os romanos adotaram esse método. Partições proporcionais É possível que os egípcios tenham adquirido uma grande habilidade no manejo das frações devido ao sistema econômico e social da realeza faraônica. Conheceram tardiamente a moeda, somente por ocasião da conquista persa. Todo o comércio, até o mais indispensável à vida, realizava-se através da troca. Além disso, a propriedade privada era, ao que parece, das mais limitadas; a terra, na maioria dos casos, pertencia ao rei ou aos templos. Um sistema social dessa natureza, em que o indivíduo em tudo depende necessariamente de seu empregador, no caso do faraó ou dos sacerdotes, implica, dada a ausência de qualquer padrão monetário, em enorme contabilidade material. De um lado, para o controle da produção no fornecimento de sementes, instrumentos, matérias primas, etc.; e, de outro, para a divisão dos bens de consumo tais como alimento, roupa, etc., entre os diversos membros das comunidades artesanais ou agrícolas. Competia ao escriba repartir os recursos acumulados nos celeiros do estado ou dos templos e daí a importância dos problemas de partições proporcionais na aritmética. Esse fato também explica o motivo pelo qual os escribas permaneceram fiéis ao sistema das frações de numerador 1, que facilitava a divisão dos objetos e gêneros alimentícios. Dividir 7 pães entre 10 homens: deve-se multiplicar 30 1 3 2 + por 10. Resultado 7. 27 Modo de realizar a operação: 7 15 1 3 1 1 5 1 15 1 3 1 5 5 1 15 1 3 1 5 8 30 1 10 1 3 2 2 4 15 1 3 1 1 2 30 1 3 2 1 =++++ ++− ++ +− + Total: 7 pães; é exatamente isso. (Papiro Rhind, problema 4) Outros processos aritméticos Para poder resolver todos os problemas da vida cotidiana, os egípcios tiveram de realizar diversas operações aritméticas, tais como elevar um número ao quadrado e extrair raízes quadradas. À raiz quadrada concedem o nome de “canto”. Esse termo deriva claramente da representação de um quadrado cortado em diagonal e mostra até que ponto os egípcios mantiveram-se ao nível concreto, onde outros povos teriam recorrido à abstração. No Papiro de Berlim, há o cálculo correto das raízes quadradas de 4 1 6 e de , 16 1 2 1 1 + mas não sabemos se essas extrações foram obtidas segundo um processo determinado ou se o escriba chegou ao resultado por meras tentativas. As proporções desempenharam um papel essencial na aritmética egípcia. 28 Progressões Aritmética e Geométrica Ora, sabe-se que a hierarquia era fortemente acentuada na sociedade. A diferença de posição na escala social era marcada pelo direito a uma parte considerável em todas as partilhas, daí porque o escriba se defronta, frequentemente, com problemas do seguinte tipo: 100 pães para 5 homens, 7 1 (da parte) dos 3 primeiros para os 2 últimos homens. Qual será a diferença entre as partes? (Papiro Rhind, problema 40). Parece que de acordo com a maneira pela qual o escriba o resolve, o problema consiste em dividir 100 pães entre 5 homens de tal modo que as partes estejam em progressão aritmética e que a soma das duas menores seja 7 1 da soma das maiores. O método empregado não é claro, talvez porque os cálculos indicados sejam tentativas sucessivas; entretanto a solução é correta: as partes deverão ser de 6 5 10 20 6 1 29 3 1 38 ,,, e , 3 2 1 números que satisfazem as condições do problema. Os matemáticos egípcios tinham, portanto, uma idéia confusa, sem dúvida, da progressão aritmética. Outro problema mostra que conheciam também a progressão geométrica; o seu enunciado apresenta-se de maneira algo misteriosa. Inventário de um patrimônio: 7 casas Modo de realizar a operação: 49 gatos -1 2801 343 camundongos -2 5602 2401 espigas de trigo -4 11204 16807 alqueires Total: 19607 (Papiro Rhind, problema 79) 29 Parece razoável supor que havia um patrimônio composto de 7 casas, cada casa possuía 7 gatos, cada gato matava 7 camundongos, cada camundongo comia 7 espigas de trigo, cada espiga de trigo teria produzido 7 alqueires. Quanto se obteria no conjunto? O total contém a soma de tudo o que é mencionado e nada significa no nosso entender. Devemos notar que não se chega a esse total pela soma dos números da enumeração, mas pela multiplicação de 2801 por 7; o que nos conduz à soma dos termos da seqüência (7, 49, 343, 2401, 16807), que é uma progressão geométrica de razão 7. ÁlgebraÁlgebraÁlgebraÁlgebra Uma série de problemas cuja finalidade é tão utilitária como a daqueles que vimos até agora, indica um conhecimento razoável, por parte dos egípcios, de laboriosas técnicas de resolução de equações algébricas. Nesses problemas são pedidos o que equivale a soluções de equações lineares da forma x + ax = b ou x + ax + bx = c onde a, b e c são números racionais positivos conhecidos e x é desconhecido. A incógnita é chamada de “aha” (palavra egípcia que significa “pilha”, “monte”). Exemplo 1: O problema 24 do Papiro Rhind, pede o valor de aha sabendo-se que aha mais um sétimo de aha dá 19. Nas nossas notações seria resolver a equação 19 7 =+ x x . A solução é característica de um processo conhecido como “método de falsa posição” ou “regra do falso”. Um valor específico, provavelmente falso, é atribuído para aha, e as operações indicadas à esquerda do sinal de igualdade são efetuadas sobre esse número suposto. O resultado é então comparado com o resultado que se pretende, e, usando regra de três, chega-se à resposta correta. Nesse exemplo o valor tentado para a incógnita é 7, de modo que 87 7 1 7 =+ em vez de 19. 30 Como 19 8 1 4 1 28 =++ )( deve-se multiplicar 7 por 8 1 4 1 2 ++ para obter a resposta 8 1 2 1 16 ++ , isto é, 7 8 x 19 8 1 4 1 2 8 19 7 ++== x ⇒ )(x 8 1 4 1 27 ++= Pode-se conferir a resposta verificando que se a 8 1 2 1 16 ++=x somarmos 7 1 de x (que é 8 1 4 1 2 ++ ) de fato obteremos 19. Aqui notamos outro passo significativo do desenvolvimento da matemática, pois a verificação é um exemplo simples de prova. Exemplo 2: Instrução para dividir 700 pães entre 4 pessoas, 3 2 para uma, 2 1 para a segunda, 3 1 para a terceira e 4 1 para a quarta. Modo de realizar a operação: Some ,,,, 4 1 3 1 2 1 3 2 o que dá . 4 1 2 1 1 ++ Divida 1 por 4 1 21 1 ++ o que dá 14 1 2 1 + . Agora ache 14 1 2 1 + de 700, que é 400. Tudo se passa então, como se estivéssemos resolvendo a equação: 700 4 1 3 1 2 1 3 2 =+++ xxxx pela mesma técnica usada hoje, porém de forma retórica. (Papiro Rhind, problema 63) 31 O estudo dos “problemas aha” levantou a questão de saber se os egípcios conheceram a álgebra. Com efeito, esses problemas exprimem as nossas equações de primeiro grau, e alguns deles se prendem até mesmo a equações do segundo grau. Alguns autores não hesitaram em reconhecer o fato. No entanto, é preciso admitir que subsistem dúvidas a respeito. Há um exemplo, pelo menos, no Papiro de Berlim que não deixa dúvidas. Trata-se de um problema de partilha que não se refere a pão ou cerveja ou a qualquer outra coisa do cotidiano. Esse problema tem o seguinte enunciado: A soma das áreas de dois quadrados é 100 unidades, sendo que a medida de um lado é 4 3 da medida do outro. Quais são os lados? Em notação atual escreveríamos: 100 16 9 seja,ou 4 3 onde 100 2222 =+==+ xx,xy,yx Na solução que propõe, o escriba não emprega símbolos como x ou y. Parte de um número arbitrário 1, por exemplo e, em conseqüência, também de 4 3 . Eleva esses números ao quadrado e soma os resultados, ou seja, ); 16 9 1( 16 1 2 1 1 =+ extrai a raiz quadrada do total, isto é, . 4 1 1 Procede em seguida à extração da raiz quadrada de 100, ou seja, 10, número que representa .x8 4 1 1 Admite-se então que o número base, arbitrário, deve ser multiplicado por 8, para se obter a solução: 8 x 1 e 8 x 4 3 , ou 8 e 6, o que é exato. (Papiro de Berlim). GeometriaGeometriaGeometriaGeometria No campo da geometria, são propostos problemas dependentes do uso de fórmulas numéricas, não abstratas, que não são deduzidas 32 no texto. Tais problemas incluem o cálculo de área de campos limitados por linhas retas ou por arcos de circunferência, considerando-se no primeiro caso apenas triângulos, retângulos e trapézios. Também se estuda o volume do tronco de pirâmide quadrática. O clássico problema da “quadratura do círculo” é abordado, obtendo-se para o número π a aproximação de ...,16043 81 256 = que, comparada com a verdadeira, 3,1415..., representa um resultado excelente para a época. Os autores gregos fazem particular menção dos métodos de agrimensura usados pelos egípcios, devido às cheias do Nilo que destruíam as demarcações. Segundo conta Heródoto, Sesóstris tinha dividido as terras em retângulos iguais entre todos os egípcios, de modo que todos pagavam o mesmo tributo. Quem perdesse parte de sua terra em conseqüência da cheia devia comunicar ao rei, que mandava então um inspetor calcular a perda e fazer um desconto proporcional no imposto. Foi assim que nasceu a geometria (literalmente: medição de terras). Área do triângulo isósceles Calcular a superfície de um campo triangular de 10 côvados de altura e 4 côvados de base. Modo de realizar a operação: 1 400 2 1 200 1 1000 2 2000 Resposta: sua superfície é de 2000 côvados (Papiro Rhind, problema 51) B C C’ B’ A 33 Área do círculo (Considerado o maior êxito dos egípcios). Calcular uma porção de terra circular, cujo diâmetro é de 9 varas. Qual a sua superfície? Subtrair 1 da nona parte dela. Resta 8; então, multiplicar oito vezes oito, resultando 64. A superfície é de 6 kha e 4 setat. Modo de realizar a operação: 1 9 9 1 daquilo 1 Subtrai daquilo, resta 8 1 8 2 16 4 32 8 64 Resposta: a superfície da terra é de 6kha (escrito 60) e 4 setat (Papiro Rhind, problema 50) Na verdade, na engenhosa resolução anterior há indícios de que para calcular a área do círculo, era usada a fórmula: ,dA 2 9 8 = sendo d o diâmetro. Assim, 2 2 81 256 2 9 8 rrA = = . Logo, 16043,=π . Essa aproximação de π , obtido empiricamente era muito mais exata que o valor 3 utilizado pela maioria dos povos antigos do Oriente. Área de um quadrilátero No templo de Horo, em Edfu, foi encontrado inscrições de uma fórmula para o cálculo de áreas de quadriláteros, que em notação atual é: 34 + + = 22 dbca S , sendo a, b, c, d, os lados do quadrilátero. Essa fórmula é muito prática, porém conduz a erros sempre que o quadrilátero não tiver a regularidade do quadrado ou do retângulo. Para trapézios e losangos, por exemplo, os resultados encontrados são bem maiores que os verdadeiros. Portanto, os egípcios sabiam calcular a área do triângulo, de quadriláteros e do círculo, bem como o volume de alguns sólidos elementares, inclusive o tronco de pirâmide de altura h e bases quadradas, com os lados a e b, respectivamente. )baba( h V 22 3 ++= (Papiro de Moscou) Finalizando, pode-se dizer que a matemática dos egípcios apresenta as seguintes características por volta de 2000 a.C.: conhecimentos bastante desenvolvidos sobre as operações com números inteiros e frações, um método para resolver equações do primeiro grau com uma incógnita, diversas fórmulas, tanto exatas como aproximadas, para a área de figuras planas e sólidos elementares e, ainda, um método aproximado para calcular a área de um círculo de raio determinado. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios 1. Quais são as três mais importantes contribuições do Egito ao desenvolvimento da matemática? Explique porque as considera importantes. 2. Explique quais são as três mais importantes deficiências da matemática egípcia. 3. Escreva o número 7654 em forma hieroglífica egípcia. a 35 4. Resolva pelo método da falsa posição a equação 16 2 =+ x x (Problema 25 do Papiro Rhind). 5. Encontre 101 : 16, exprimindo o resultado em hieróglifos egípcios. 6. Até que ponto é correto dizer que os egípcios conheciam a área do círculo? 7. Exprima 103 2 como soma de duas frações unitárias diferentes e escreva-as em notação hieroglífica. 8. Por que você acha que os egípcios preferiam a decomposição 30 1 10 1 15 2 += à alternativa 20 1 12 1 15 2 += ? 9. Mostre que se n é um múltiplo de três, n 2 pode ser decomposto na soma de duas frações unitárias, uma sendo a metade de n 1 . 10. Mostre que se n é um múltiplo de 5, n 2 pode ser decomposto na soma de duas frações unitárias, uma sendo um terço de n 1 . 36 37 MESOPOTÂMIAMESOPOTÂMIAMESOPOTÂMIAMESOPOTÂMIA Admira, meu filho, a sabedoria divina que fez o rio passar bem perto da cidade! (autor desconhecido) A Mesopotâmia, a terra “Entre os Rios”, ocupa a área aluvial plana entre o Tigre e o Eufrates, onde hoje se situa o Iraque. Entre a atual Bagdá e o golfo Pérsico, a terra se inclina suavemente, originando uma diferença de altura total de apenas dez metros; assim os rios correm vagarosamente, depositando grandes quantidades de sedimentos, inundando suas margens e mudando ligeiramente de curso, de tempos em tempos. No extremo sul, há pântanos e brejos de juncos. O suprimento de água é irregular e a precipitação pluvial, pequena. Desse modo o cultivo deve ser feito próximo aos rios ou apoiado pela irrigação. Ao norte o solo das planícies é compacto e impróprio para as culturas durante oito meses do ano. Embora não tivesse uma área própria para a cultura, como o Egito, possuía um enorme suprimento de matérias primas, produtos 38 agrícolas, incluindo animais, peixes e tamareiras, e desde cedo surgiu a indústria de juncos, que fornecia produtos de fibra da planta, assim como os próprios juncos. Além disso, há fontes de betume e pedra calcária a oeste,mas não há madeira, exceto o tipo inferior obtido das tamareiras, apropriado apenas para confecção de vigas toscas, do mesmo modo não existem pedras duras, havendo ainda pouco metal. Durante toda a sua história, a Mesopotâmia vivia praticamente do comércio; particularmente, a parte sul se tornou um vasto mercado e um centro de troca e disseminação de idéias. A civilização mesopotâmia, bem antes dos árabes atuais, se formou literalmente de uma mistura de povos. Sumérios, acádios, amoritas, assírios, hititas, caldeus, medos e babilônios. A Mesopotâmia é tida como vale turbulento e isso pode ser confirmado quer pelos grandes degelos imprevisíveis (nas montanhas da Síria e Turquia) que provocam cheias nos rios, quer pelas lutas constantes pelo poder entre esses povos. Temos assim, a Mesopotâmia como uma região economicamente próspera e militarmente organizada, que possuía uma agricultura avançada, bem como um sistema de captação de impostos que financiava a expansão de uma cultura sofisticada para os padrões da época. Foi nessa região, que por volta de 3500 a.C. nasceu a escrita, invenção dos sumérios, caracterizada por marcas cuneiformes em placas de argila (mais ou menos 30 x 50 cm) cozidas ao sol. Milhares dessas placas, hoje conservadas em museus norte americanos e europeus, traduzidas, revelaram a existência de uma matemática original e de medidas sistemáticas do tempo. O conhecimento das estações do ano foi fundamental para o desenvolvimento da agricultura. O ano mesopotâmio, em 2000 a.C., tinha 360 dias, divididos em doze meses. Relógios solares assinalavam a passagem do tempo e o dia já era dividido em horas, minutos e segundos. Com a observação do movimento aparente do Sol e dos planetas entre as estrelas fixas foram nomeados os sete dias da semana com os nomes do Sol, da Lua e dos outros cinco planetas conhecidos (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno). Foi traçada, também, a trajetória percorrida pelo Sol, dividindo-a em doze partes associadas a animais míticos e denominadas de signos do zodíaco. 39 O Universo era representado como uma caixa fechada, cujo fundo era a Terra. Observações de muitos fenômenos astronômicos, como eclipses do Sol e da Lua e as posições de Vênus, estão registradas em placas de argila. Com essas observações os astrólogos mesopotâmios tiveram muito sucesso na interpretação de sonhos e na prática de realizar previsões. Devemos destacar que os povos que viveram na “terra entre dois rios” deixaram uma ciência prática, sem a preocupação de fundamentar metafísica ou teologicamente os fatos. A MATEMÁTICA MESOPOTÂMIA O que se sabe sobre a matemática mesopotâmia é relativamente recente. Data, na realidade, dos trabalhos de Otto Neugebauer (1899 – 1990) que por volta de 1930 liderou as pesquisas em Princeton, realizando um estudo exaustivo em cerca de dez mil placas de argila, buscando reconstruir os conceitos aritméticos e geométricos daquela civilização, por volta de 2000 a.C. De um modo geral, os textos matemáticos mesopotâmios (grande parte de matemática financeira) podem ser classificados em duas categorias: as tábuas numéricas e as de problemas. As primeiras quase não diferem das tábuas modernas e as outras são coletâneas didáticas de exercícios. Nos textos de caráter geométrico é freqüente a presença de figuras, muitas vezes acompanhadas de uma legenda numérica. São figuras simples que servem apenas para ilustrar o enunciado, nunca interferem na solução, e, geralmente, não eram respeitadas as proporções. Dessa forma podemos dizer que os mesopotâmios souberam calcular “corretamente” com figuras falsas. Aritmética Por volta do ano 2000 a. C. era usado pelos mesopotâmios uma combinação de dois sistemas de numeração, um de base dez e o outro posicional de base sessenta e, sem dúvidas, essas características originais não foram encontradas em qualquer outro 40 sistema de numeração da antiguidade. Como exemplo escrevemos o número: 3904 = 4 + 9.10² + 3.10³ na base 10 e 3904 = 1.60² + 5.60 + 4 na base 60. Os números inteiros positivos eram expressos, em geral, mediante o emprego de dois sinais básicos: = 1 e = 10. De 1 a 59, os números são expressos pela repetição dos sinais correspondentes a 1 e 10, sendo as unidades precedidas pelas dezenas. Exemplos: 2 11 20 60 = 520 = 8.60 + 40 = 2 + 2. 60 + 2.60² ou 1 + 1.60 + 1.60² + +1.60³ + 2.604 ou 2.60-1 + 2 + 2.60. Muitas vezes o contexto eliminava a ambigüidade e, a falta de um símbolo para o zero, deve ter sido muito inconveniente. Tanto que no período selêucida, ao tempo de Alexandre, melhoraram a notação adotando duas cunhas inclinadas para sua representação. Atualmente para escrevermos números na base 60 com os nossos numerais, utilizamos a seguinte notação: 2,31,8 = 8 + 31.60 + 2.60² 0;4,6 = 0 + 4.60-1 + 6.60-2 2,14;5,7 = 14 + 2.60 + 5.60-1 + 7.60-2 Operações As operações eram realizadas da mesma maneira que fazemos hoje. 59 41 Na subtração usavam a idéia de “chegar”: 16 para chegar no 40 é 24. Na multiplicação e divisão utilizavam tabelas auxiliares. Por exemplo, para se calcular 15 8 , multiplicava-se por 8 o valor que constava na tabela para 15 1 . Havia tabelas também para recíprocos, quadrados, cubos, raízes quadradas e cúbicas. Exemplo de uma tabela de recíprocos: 2 30 3 20 4 15 5 12 6 10 8 7;30 9 6;40 10 6 12 5 Nessa tabela, notamos a ausência dos recíprocos de 7 e 11, porque são sexagesimais infinitos, que chamavam de irregulares. Juros compostos Tabelas de potências sucessivas de um dado número, semelhantes as nossas de logaritmos, eram utilizadas para resolver questões específicas, como por exemplo, temos o problema a seguir, resolvido por interpolação. Quanto tempo levaria uma quantia em dinheiro para dobrar, a 20% ao ano? A resposta dada é 3;47,13,20. Parece que o escriba aplicou interpolação linear entre os valores (1;12)³ e (1;12)4, usando a fórmula para juros compostos 42 n)r(CC += 10 em que r = 20% ou 12.60-1, e C0 é a quantia inicial colocada a juros, usando valores de uma tabela exponencial com potências de 1;12. Raiz quadrada Os matemáticos mesopotâmios foram hábeis no desenvolvimento de processos algorítmicos, entre os quais um para extrair raiz quadrada, que descreveremos a seguir. Algoritmo para a , sendo a um número inteiro positivo. Sejam a1 uma primeira aproximação dessa raiz e 1 1 a a b = (se a1 é por falta, b1 é por excesso e vice-versa). Logo a média aritmética a2 = 2 1 (a1 + b1) = ) a a a( 1 12 1 + é uma nova aproximação plausível. A seguir, avaliamos 2 2 a a b = e a média aritmética ) a a a()ba(a 2 2223 2 1 2 1 +=+= para obtermos um resultado melhor. O processo pode ser continuado indefinidamente. Exemplo: calcular 17 Modo de realizar a operação: a = 17, a1 = 4, 4² = 16 Logo b1 = 4 17 e a2 = .,)( 1254 4 17 4 2 1 =+ A seguir, b2 = 1254 17 , = 4,1212 e a3 = ) , ,( 1254 17 1254 2 1 + = 4,1231 Assim 17 ≅ a3 43 Com esse método, os mesopotâmios encontraram 2 como 1,414222 que é uma ótima aproximação. Aliás tinham facilidade em aproximações, talvez pela notação posicional para frações que foi a melhor até a Renascença. Álgebra De uma forma discursiva, com poucos símbolos para as incógnitas, os mesopotâmios sabiam resolver, sem o uso de fórmulas, a equação do primeiro grau, sistemas lineares com duas incógnitas, equação do segundo grau, sistemas do segundo grau com duas incógnitas e equações biquadradas. Sistemas lineares =+ =+10 7 4 1 yx yx y x →=− →= =− = 4 6 10 6 3:18 18 10 28 28 4.7 :Solução Equação do 2º grau Para o egípcios era muito difícil resolver equações do tipo x² - px = q, mas os mesopotâmios resolviam seguindo uma receita. Problema: Qual o lado de um quadrado tal que a área menos o lado perfaz 14,30? A solução desse problema equivale a resolver x² - x = 870 (base 10) ou x² - x = 14,30 (base 60). Solução: x² = 1.x + 14,30 Tome a metade de 1, que é 0;30 e multiplique 0;30 por 0;30, o que dá 0;15. Some isto a 14,30, o que dá 10,30;15 que é o quadrado de 29;30. Agora some 0;30 a 29;30 e o resultado é 30, o lado do quadrado. A solução equivale exatamente à fórmula 22 2 p q) p (x ++= para uma raiz da equação x² - px = q. No final de cada solução, escreviam “este é o procedimento”. 44 Transformações algébricas Muitas vezes usavam transformações algébricas, algo avançado para a época. Assim dada a equação 11x² + 7x = 6;15, procurava-se chegar no tipo padrão x² - px = q e para isso, multiplicando por 11 ambos os membros de 11x² + 7x = 6;15 temos: (11x)² + 11.7x = 11.6;15 = 1;18;45 Fazendo y = 11x, temos y² + 7y = 1;18;45 que pode ser resolvida pela fórmula 22 2 p q) p (y ++= e depois se calcula o valor de x. Sabiam também passar da equação ax4 + bx² = c para ay² + by = c. Resolviam uma equação do 2º grau com duas incógnitas, como por exemplo = =+ yx ,yx 7 1 152122 Equações cúbicas Não há registro no Egito de resolução de uma equação cúbica, mas entre os mesopotâmios há muitos exemplos. Cúbicas puras como x³ = 0;7,30 eram resolvidas por tabelas de cubos e raízes cúbicas, e a solução era 0;30. Para melhor aproximar resultados usavam frequentemente interpolação linear. Com a tabela de inteiros n³ + n² resolviam cúbicas como x³ + x² = a. Por exemplo verifica-se que x³ + x² = 4,12 tem solução 6. Resolviam também, cúbicas do tipo 144x³ + 12x² = 21. Multiplicavam por 12, os dois membros e, fazendo y = 12x a equação tornava-se y³ + y² = 4,12, da qual se encontrava y = 6, e finalmente x = 1/2 ou 0;30. É possível até que tenham resolvido cúbicas completas: ax³ + bx² + cx = d. 45 Teoria dos NúmerosTeoria dos NúmerosTeoria dos NúmerosTeoria dos Números O desenvolvimento da matemática mesopotâmia teve o seu apogeu por volta de 1800 a.C. Ao contrário de outros povos, deram- se ao luxo de formular problemas matemáticos de características eminentemente especulativas. Na placa de argila 322 da Coleção Plimpton da Universidade de Columbia, Nova York, estudada por Neugebauer em 1945, temos uma tabela com 15 linhas por 4 colunas, sendo que 3 delas, após um ajuste nos cálculos, estão relacionadas entre si como as conhecidas ternas pitagóricas. Na linha 4, por exemplo, encontramos a = 3,31,49; b = 3,45,0 e c = 5,9,1 que satisfazem a relação a² + b² = c², em que a, b, c são lados de um triângulo retângulo. Assim, aproximadamente, mil anos antes de Pitágoras nascer, já era conhecido entre os rios Tigre e Eufrates o famoso teorema atribuído ao sábio grego. Outro documento, provavelmente do tempo dos Caldeus, apresenta identidades interessantes: 1 + 2 + 2² +...+ 29 = 210 – 1 e 1² + 2² + ... + 10² = )...)(( 1021 3 20 3 1 ++++= . GeometriaGeometriaGeometriaGeometria A geometria mesopotâmia, como a dos egípcios, é extremamente pobre quando comparada a dos gregos. Não havia definições e teoremas; era essencialmente uma álgebra aplicada e figuras. Limitava-se ao cálculo da diagonal do quadrado, altura do triângulo eqüilátero, áreas de triângulos, retângulos e trapézios, bem como aproximação da área do círculo, que conheciam como sendo o quadrado do comprimento da circunferência dividido por 12. Conheciam, portanto, o valor de π como sendo 3. 46 Na placa Plimpton 355 destacam-se números que muito se aproximam da tangente e secante de alguns ângulos, embora, sabe- se hoje, não conhecessem a trigonometria. Analisando a Plimpton 470, destaca-se o cálculo aproximado do volume do tronco de cone, cilindro e pirâmide, quando esses resultados eram aplicados às suas construções, bem como ao comércio de ouro e prata. Curioso é que não sabiam calcular o volume da esfera, ou melhor, as aproximações que fizeram foram extremamente grosseiras. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios 1. Quais são as mais importantes contribuições da Mesopotâmia ao desenvolvimento da matemática? Explique porque as considera importantes. 2. Quais são as deficiências da matemática mesopotâmia? Explique. 3. Descreva as vantagens e desvantagens relativas as notações dos mesopotâmios para os números, 4. Escreva os números 10000 e 0,0862 em notação mesopotâmia. 5. Use o algoritmo mesopotâmio para raiz quadrada para encontrar a raiz quadrada de 2, com seis casas decimais e compare com o valor mesopotâmio 1;24,51,10. 6. Mostre que a representação sexagesimal de 1/7 tem periodicidade de três casas. Quantas casas há na periodicidade em representação decimal? 47 GRÉCIAGRÉCIAGRÉCIAGRÉCIA “Em matemática todos os caminhos levam à Grécia” (Thomas Heath) A chegada dos dórios, no século XII a.C., às circunvizinhanças do mar Egeu, constitui momento decisivo na formação do povo e da cultura grega. Na península e nas ilhas – cenário natural da Grécia em gestação – está então instalada a civilização micênica ou aqueana, que se desenvolvera em estreita ligação com a civilização cretense e em contato com povos orientais. A sociedade micênica apresenta-se composta por grande número de famílias principescas, que reinam sobre pequenas comunidades. Essa pluralidade, decorrente da originária divisão em clãs, é fortalecida pelas próprias características físicas da região: o relevo, compartimentando o território, torna alguns locais mais facilmente interligáveis através do mar. Assim, muito antes que as condições geográficas contribuam para que as cidades-estados venham a se desenvolver como unidades autônomas, já são motivo para que, desde suas raízes micênicas, a cultura grega se constitua voltada para o mar: via de comunicação e de comércio com outros povos, de intercâmbio e de confronto com outras civilizações. 48 Chegando em bandos sucessivos, vindos do norte, os dórios dominam a região. Embora da mesma raiz étnica dos aqueus, apresentam índice civilizatório mais baixo. Possuem, porém, uma incontestável superioridade: o uso de utensílios e armas de ferro, fator decisivo para a vitória sobre os micênicos que permaneciam na Idade do Bronze. As invasões dóricas acarretam migrações de grupos de aqueus, que se transferem para as ilhas e as costas da Ásia Menor (Turquia) e ali fundam colônias, tentando preservar suas tradições, suas instituições e sua organização social de cunho patriarcal e gentílico. As novas condições de vida das colônias e a nova mentalidade delas decorrentes encontram sua primeira expressão através das epopéias: em poesia o homem grego canta o declínio das arcaicas formas de viver ou pensar, enquanto prepara o futuro advento da era científica e filosófica que a Grécia conhecerá a partir do século VI a.C. Resultantes da fusão de lendas eólias e jônicas, as epopéias incorporaram relatos mais ou menos fabulosos sobre expedições marítimas e elementos provenientes do contato do mundo helênico, em sua fase de formação, com culturas orientais. A língua desses primeiros poemas da literatura ocidental é uma mistura dos dialetos eólio e jônico, com predominância do último. Entremeando lendas e ocorrências históricas – relatando particularmente os acontecimentos referentes à derrocada da sociedade micênica – surgem então cantos e sagas que os aedos (poetas e declamadores ambulantes) continuamente foramenriquecendo. Constituídos por seqüências de episódios relativos a um mesmo evento ou a um mesmo herói, surgem, assim, “ciclos” que cantam principalmente as duas guerras de Tebas e a Guerra de Tróia. Desses numerosos poemas, apenas dois se conservaram: a Ilíada e a Odisséia de Homero, escritos entre os séculos X e VIII a.C. HOMERO HOMERO HOMERO HOMERO (século X a.C.) Da vida de Homero praticamente nada se sabe com segurança, embora dados semilendários sobre ele fossem transmitidos desde a antiguidade. Sete cidades gregas reivindicam a honra de ter sido sua terra natal. Homero é frequentemente descrito como velho e cego, 49 perambulando de cidade em cidade, a declamar seus versos. Chegou-se mesmo a duvidar de sua existência e de que a Ilíada e a Odisséia fossem obra de uma só pessoa. Poderiam ser coletâneas de contos populares de antigos aedos e, ainda que tenha existido um poeta chamado Homero que realizou a compilação desse material e enriqueceu com contribuições próprias, o certo é que essas obras contêm passagens procedentes de épocas diversas. Além de informar sobre a organização da polis arcaica, as epopéias homéricas são a primeira expressão documentada da visão mitopoética dos gregos. A intervenção benéfica ou maléfica dos deuses está no âmago da psicologia dos heróis de Homero e comanda suas ações. Com efeito, a Ilíada e a Odisséia apresentam- se marcadas pela presença constante de poderes superiores que interferem na luta entre gregos e troianos (tema da Ilíada) e nas aventuras de Ulisses ou Odisseu (tema da Odisséia). Nas epopéias homéricas, mesmo quando representam forças da natureza, os deuses revestem-se de forma humana; esse antropomorfismo atribui-lhes aspecto familiar e até certo ponto inteligível, afastando os terrores relativos a forças obscuras e incontroláveis. Sobrepondo-se a arcaicas formas de religiosidade, Homero exclui do Olimpo, mundo dos deuses, as formas monstruosas da mesma maneira que exclui do culto as práticas mágicas. A racionalização do divino conduz a uma religiosidade “exterior”, que mais convém ao público a que se dirigem as epopéias: à polis aristocrática. Essa religiosidade “apolínea” permanecerá como uma das linhas fundamentais da religião grega: a do sentido político que servirá para justificar as tradições e instituições da cidade-estado. É por oposição aos homens que os deuses homéricos se definem: ao contrário dos humanos, seres terrenos, os deuses são princípios celestes; à diferença dos mortais, escapam à velhice e à morte. Escapam à morte, mas não são eternos nem estão fora do tempo: em princípio pode-se saber de quem cada divindade é filho ou filha. A imortalidade, esta sim, está indissoluvelmente ligada aos deuses que, por oposição aos humanos mortais, são frequentemente designados de “os imortais” e constituem, na sua organização e em seu comportamento, uma sociedade imortal de nobres celestes. 50 Em Homero, a noção de virtude (areté) significava o mais alto ideal cavalheiresco aliado a uma conduta cortesã e ao heroísmo guerreiro. Identificada a atributos da nobreza, a areté, em seu mais amplo sentido, designava não apenas a excelência humana, como também a superioridade de seres não-humanos, como a força dos deuses ou a rapidez dos cavalos nobres. Em geral, a virtude significava força e destreza dos guerreiros ou dos lutadores, valor heróico intimamente vinculado à força física. A virtude em Homero é, portanto, atributo dos nobres, os aristoi; uma minoria que se eleva acima da multidão de homens comuns. HESÍODOHESÍODOHESÍODOHESÍODO (século VIII a.C.) O complexo processo de formação do povo e da cultura grega determinou o aparecimento dentro do mundo helênico, de áreas bastante diferenciadas, não só quanto às atividades econômicas e às instituições políticas, mas também quanto à própria mentalidade e suas manifestações nos campos da arte, da religião, do pensamento. À Grécia Continental, mais presa às tradições da polis arcaica, contrapunham-se as colônias da Ásia Menor, situadas em regiões mais distantes pelo intercâmbio comercial e cultural com outros povos. Da Jônia surgem as epopéias homéricas e, a partir do século VI a.C., as primeiras formulações filosóficas e científicas dos pensadores de Mileto, de Samos, de Éfeso. Entre esses dois momentos de manifestação do processo de racionalização da cultura grega, situa-se a obra poética de Hesíodo – voz que se eleva da Grécia Continental – conjugando as conquistas da nova mentalidade surgida nas colônias da Ásia Menor com os temas extraídos de sua gente e de sua terra. Hesíodo foi um mestre da poesia instrutiva; viveu em Ascra, na Beócia, e é exaltado agora por seus dois poemas, A Teogonia e Os trabalhos e os dias. O primeiro pode ser chamado de genealogia dos deuses. Os trabalhos e os dias referem-se, basicamente, a regras de agricultura e navegação, embora também forneça um calendário de dias felizes e infelizes e ofereça uma homilia moral. Com Hesíodo dá-se a aparição do subjetivo na literatura. Na épica mais antiga, o poeta era o simples veículo anônimo das Musas; já Hesíodo “assina” sua obra para fazer história pessoal. 51 Tomando como ponto de partida velhos mitos, que coordena e enriquece, Hesíodo traça uma genealogia sistemática das divindades. O drama teogônico tem início, com a apresentação das entidades primordiais. Adotando implicitamente o postulado de que tudo tem origem, Hesíodo mostra que primeiro teve origem o Caos – abismo sem fundo – e, em seguida, a Terra e o Amor (Eros), “criador de toda a vida”. As duras condições de trabalho de sua gente sugerem assim a Hesíodo uma visão pessimista da humanidade, perseguida pela animosidade dos deuses. E a mulher deixa de ser exaltada, como na visão aristocrática de Homero, para ser caracterizada, por esse camponês, como mais uma boca a alimentar e a exigir sacrifícios; “Raça maldita de mulheres, terrível flagelo instalado no meio dos homens mortais”. Do mesmo modo que o mito de Prometeu ilustra a idéia de trabalho, o mito das Idades (de ouro, prata, bronze e ferro) ilustra a idéia de justiça; nenhum homem pode furtar-se à lei do trabalho, assim como evitar a justiça. Com Hesíodo surge a noção de que a virtude (areté) é filha do esforço e a de que o trabalho é o fundamento e a salvaguarda da justiça. A MATEMÁTICA GREGAA MATEMÁTICA GREGAA MATEMÁTICA GREGAA MATEMÁTICA GREGA Hoje nos referimos à matemática grega, de forma inadequada, como um corpo de doutrina homogêneo e bem definido. Na verdade com essa visão simplista adotamos que a geometria sofisticada do tipo Euclides – Arquimedes – Apolônio, era a única espécie que os gregos conheciam. Devemos lembrar que a matemática no mundo grego cobriu um intervalo de tempo indo pelo menos de 600 a.C. a 600 d,C. e que viajou da Jônia à ponta da Itália, de Atenas a Alexandria, e a outras partes do mundo civilizado. Bastam os intervalos de tempo e espaço para produzir modificações na profundidade e extensão da atividade matemática e, a ciência grega não tinha a uniformidade, século após século, encontrada nos egípcios e mesopotâmios. Além disso, mesmo num dado tempo e lugar (como hoje em nossa civilização) havia marcadas diferenças no nível de interesse e realização matemática. Veremos como até na 52 obra de um único indivíduo, como Ptolomeu, poderia haver dois tipos de estudos – O Almajesto para os racionalistas e o Tetrabiblos para os místicos. É provável que sempre houvesse pelo menos dois níveis de percepção matemática, mas que a escassez de obras preservadas, especialmente do nível inferior, tenda a obscurecer esse fato. Períodos da História da Matemática GregaPeríodos da História da Matemática GregaPeríodos da História da Matemática GregaPeríodos da História da Matemática Grega Não houve, é claro, uma quebra brusca marcando a transição da liderança intelectual dos vales
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