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MARÍLIA ÁLVARES RUGANI ASSOCIAÇÃO DA HOMOCISTEINENIA COM CRISE VASO‐OCLUSIVA NA ANEMIA FALCIFORME Disertação apresentada ao Curso de Pós- graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Ciências Médicas. . Orientador: PROF. DR. GILBERTO PEREZ CARDOSO Co‐orientador: PROF. LUIZ DE MELLO AMORIM FILHO Niterói 2008 FICHA CATALOGRÁFICA Rugani, Marilia Álvares Homocisteinemia na anemia falciforme / Marilia Álvares Rugani. - Niterói: [s.n.], 2008. 38 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas - Ciências Médicas) - Universidade Federal Fluminense, 2008. 1. Anemia Falciforme. 2. Homocisteína. 3. Ácido Fólico 4. Vitamina B12. 5. Crise vaso-oclusiva. Dedico este trabalho Aos meus pais – Dalva e José Aronne –, ao Lucas, meu filho querido, e aos pacientes falcêmicos do HEMORIO, razão desta tese. AGRADECIMENTOS Ao HEMORIO. À Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense. À bióloga Sonia Maria Alvarez Salim e à farmacêutica Olívia Dias de Oliveira, em nome de todos os colegas da Coordenação dos Laboratórios do HEMORIO. Ao Dr. Luiz Gastão Mange Rosenfeld e Dra Rosita Fontes, em nome de todos os profissionais do Laboratório Diagnósticos da América – Brosntein, Rio de Janeiro. À Enfermeira Elvira Martins, em nome de todos os profissionais da Emergência do HEMORIO. À Aretha Setta Cunha, em nome de todos os profissionais do Núcleo de Informática do HEMORIO. À Érika Pires pela revisão de português e de inglês. RESUMO Introdução: A doença falciforme é uma anemia hemolítica hereditária caracterizada pela produção de hemoglobina anormal, a hemoglobina S. A fisiopatologia da doença relaciona-se à polimerização da molécula anormal da hemoglobina, a qual se torna afoiçada com conseqüente oclusão microvascular. A liberação de hemoglobina livre, a hipóxia e as vaso- oclusões sucessivas levam a um estado inflamatório crônico, ativando diversos mediadores químicos que culminam em lesão do endotélio vascular. A homocisteína é um aminoácido normalmente presente no soro; a hiperhomocisteinemia provoca lesão e disfunção endotelial seguidas da ativação plaquetária e formação de trombos. A depuração sérica da homocisteína necessita de acido fólico e de vitamina B12, ambas as vitaminas essenciais para a eritropoese, que na doença falciforme, encontra-se muito elevada, por ser uma anemia hemolítica. Portanto, a hiperhomocisteinemia pode ser um fator de risco adicional para pacientes com doença falciforme. Objetivos: O principal objetivo deste estudo é verificar a associação entre os níveis de homocisteína e crises vaso-oclusivas agudas em pacientes com doença falciforme. Secundariamente, visa a avaliar a associação entre homocisteína e ácido fólico e entre a homocisteína e vitamina B12 nestes pacientes. Método: Estudo caso-controle realizado no HEMORIO, hospital público especializado em doenças hematológicas, entre abril e maio de 2005. A amostra foi calculada tendo como base 1600 pacientes com doença falciforme, matriculados no HEMORIO. Cinqüenta e três pacientes consecutivos com doença falciforme foram recrutados na unidade de emergência do HEMORIO, com crise vaso-oclusiva aguda (casos) e 105 pacientes consecutivos com doença falciforme foram recrutados no ambulatório (controles), sem história de crise vaso-oclusiva durante o último mês que antecedeu a data da entrevista. Foram coletadas amostras sangüíneas para medição da homocisteína, do ácido fólico, da vitamina B12 e da hemoglobina. Foi aplicado um questionário para registrar dados demográficos, uso suplementar de ácido fólico e vitamina B12, uso de hidroxiuréia e transfusão de sangue nos últimos três meses. Para os pacientes da emergência, também foi registrada a localização anatômica da crise vaso- oclusiva. Foram incluídos no estudo pacientes com mais de dois anos de idade e com hemoglobinopatia SS. Resultados: As médias de homocisteína e ácido fólico foram normais em ambos os grupos e a média da vitamina B12 foi inferior ao valor referência nos pacientes ambulatoriais; não houve significância estatística na comparação entre estas médias, em relação aos dois grupos. Houve uma correlação negativa entre homocisteína e folato (p = 0) e entre homocisteína e vitamina B12 (p = 0) em todos os grupos. Conforme recomendado pelo consenso sobre homocisteína, quando foi feito um corte do nível da homocisteína em 10 μmol/ 25% dos casos e 10% dos controles tinham homocisteína >10μmol /L, com OR 2,78(1,78 <OR <7,35 ) IC 95% p = 0038. Conclusão: O estudo não evidenciou a associação da homocisteína, em sua taxa sérica média, com crise vaso-oclusiva aguda na doença falciforme. Porém, demonstrou associação entre a ocorrência de crise vaso-oclusiva e homocisteinemia superior a 10 μmol /L (p=0,038). A homocisteimemia teve uma correlação inversamente proporcional com os níveis séricos de ácido fólico e de vitamina B12. Palavras-chave: Anemia Falciforme. Homocisteína. Ácido Fólico. Vitamina B12. Crise vaso- oclusiva. ABSTRACT Introduction: Sickle cell disease (SCD) is a hereditary hemolytic anemia associated with hypoxia-induced polymerization of abnormal hemoglobin molecule, followed by red blood cell sickling with resultant micro vascular occlusion. Free hemoglobin, hypoxia and successive vaso-occlusions lead to a chronic inflammatory state, enabling various chemical mediators that culminate in the vascular endothelial injury. Homocysteine is an amino acid normally present in the serum; hyperhomocysteinemia causes endothelial injury and dysfunction, followed by platelet activation and thrombi formation. For clearance serum homocysteine it`s required folate and vitamin B12, both vitamins essential to erythropoiesis, which is very high in sickle cell disease. Therefore, hyperhomocysteinemia may be an additional risk factor for patients with SCD. Objectives: The main aim of this study is to verifier the association of homocysteine levels and acute vaso-occlusive crises in sickle cell disease patients. Secondary, it is to evaluate the association between homocysteine and folate/vitamin B12 in those patients. Method: Case-control study conducted in HEMORIO, a public hospital of hematologic diseases, between April and May 2005. The sample was calculated based on 1600 patients with sickle cell disease, enrolled in HEMORIO. Fifty-three consecutive patients with SCD were recruited in the emergency department of HEMORIO with vaso-occlusive crisis acute (cases) and 105 consecutive patients with SCD were recruited in outpatients department (controls), with no history of vaso-occlusive crisis during the last month preceding the date of the interview. Blood sample was collect for measurement homocysteine, folate, B12 and hemoglobin. It was applied a questionnaire to register demographic dates, supplemental folate and B12 use, hydroxiurea use and blood transfusion in the previous three months. For patients of emergency, it was also registered the anatomic localization of vaso-occlusive complications. There were included in study, patients with more than two years old and with hemoglobinopathy SS. Results: Homocysteine and folate means were normal in both groups and B12 mean was below reference level in outpatients; there was no statistical significance between these means in relation the two groups. There was a negative correlation between homocysteine and folate (p=0) and between homocysteine and B12 (p=0) in all groups. According homocysteine consensus, when it was made an homocysteine cutoff in10 μmol/l, 25% of cases and 10% of controls had homocysteine > 10 μmol/l, with OR 2,78 (1,78<OR< 7,35) IC 95%, p =0,038. Conclusion: There was no association between homocysteine means levelsand vaso- occlusive crises in SCD. But, there was association between homocysteinemia above 10 μmol/l and acute vaso-occlusive crisis in SCD patients. There was an inverse correlation between homocysteine levels and folate and vitamin B12 in SCD. Keywords: Sickle cell anemia. Homocysteine. Folate. Vitamin B12. Vaso-occlusive crisis. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO, p. 1 1.1 METABOLISMO DA HOMOCISTEÍNA, p. 4 1.2 MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DA HIPERHOMOCISTEINEMIA, p. 4 1.3 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO, p. 5 1.4 OBJETIVOS, p. 8 1.4.1 OBJETIVO GERAL, p. 8 1.4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS, p. 8 2 PACIENTES E MÉTODOS, p. 9 2.1 TESTES ESTATÍSTICOS, p. 11 3 RESULTADOS, p. 12 4 DISCUSSÃO, p. 20 5 CONCLUSÕES, p. 23 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, p. 24 1 1- INTRODUÇÃO A doença falciforme é uma hemoglobinopatia, que representa um grupo de anemias hemolíticas hereditárias, cujo erro genético ocorre na posição seis da cadeia da beta- globina, onde há a substituição da base nitrogenada adenina por timina, acarretando a codificação do aminoácido valina ao invés do ácido glutâmico, produzindo-se assim, a hemoglobina S1. Conforme a herança genética, a doença pode se apresentar sob diferentes formas. Quando o gen que codifica a hemoglobina S é herdado em homozigoze – SS – chama-se de anemia falciforme. Com a hemoglobina S (Hb S) associada à outra hemoglobina variante - hemoglobinopatia SC (SC) e hemoglobinopatia SD (SD) - e, ainda, com a hemoglobina S associada à talassemia, Sβ-talassemia (Sβtal). A heterozigose da hemoglobina S com a hemoglobina A constitui o traço falcêmico, que tem fenótipo semelhante ao normal, não estando, portanto, enquadrado dentro do grupo das doenças falciformes1. A distribuição do gene S no Brasil é bastante heterogênea, dependendo da composição negróide ou caucasóide da população. A distribuição de freqüência do gene S é apresentada na figura 12. 2 Clinicamente a doença falciforme se traduz por palidez e icterícia, devido à hemólise crônica, e pelas complicações vaso-oclusivas, decorrentes do processo de afoiçamento das hemácias na microcirculação1. A dor é o sintoma predominante da vaso- oclusão3. A tabela 1 apresenta os principais órgãos afetados pela doença falciforme. Tabela 1 – Lista dos principais órgãos afetados pela doença falciforme Órgão afetado Repercussão clínica decorrente da anemia Repercussão clínica decorrente da vaso-oclusão Cérebro Acidente vascular cerebral Olhos Retinopatia Coração Insuficiência cardíaca Insuficiência coronariana Pulmão Síndrome torácica aguda Hipertensão pulmonar Vesícula biliar Cálculos biliares Baço Seqüestro esplênico Geniturinário Priapismo Rins Necrose papilar, síndrome nefrótica e infarto renal Ossos Deformidades decorrentes da hiperplasia da medula óssea Membros Úlcera de perna Sindrome mão-pé A falcização das hemácias ocorre quando a hemoglobina S, submetida à baixa concentração de oxigênio, inicia um processo de polimerização; com a repetição do fenômeno, as células se tornam irreversivelmente deformadas.1 Quando uma quantidade 3 determinada de Hb S polimeriza ocorre o afoiçamento irreversível das hemácias, com o dano tissular e o conseqüente aparecimento dos sinais e sintomas da doença1. A fisiopatologia da vaso-oclusão é muito diversificada e envolve vários processos que culminam na polimerização da hemoglobina. O aumento de diversos marcadores biológicos no sangue de pacientes com doença falciforme, mesmo fora da crise vaso- oclusiva, demonstra o estado inflamatório e a disfunção do endotélio vascular3. A lista destes marcadores é extensa e inclui: proteína C reativa, fibrinogênio, Inteleucina (IL)-1, IL-2, receptor de IL-2, interferon gama, trombina, molécula solúvel de adesão da célula vascular -1 (sVCAM-1), molécula solúvel de adesão intracelular -1 (sICAM-1) e selectina- P4. A interação entre as células afoiçadas e o endotélio vascular assume importância primária no processo de vaso-oclusão, no qual um ou mais mecanismos podem predominar sob diferentes circunstâncias clínicas5. O processo inflamatório crônico aumenta a interação de leucócitos com o endotélio, ativa os macrófagos, as plaquetas, os fatores da coagulação e as células endoteliais, dificultando o fluxo na microcirculação , provocando o afoiçamento das hemácias6. A desidratação clínica ou a ativação de células endoteliais e plaquetas eleva o nível de fator de von Willebrand que mediam a adesão das hemácias ao endotélio7,8. A hipóxia pode induzir a expressão da selectina-P das células endoteliais que aumenta a adesão das células falciformes, bem como, destas com neutrófilos e plaquetas . 4 A hipóxia também induz a produção de entotelina (ET-1), potente vasoconstrictor; pacientes com doença falciforme têm aumento de ET-19. O óxido nítrico (NO), potente vasodilatador, tem sua biodisponibilidade reduzida em pacientes com doença falciforme9. Esta redução do NO relaciona-se, principalmente, a dois fatores: depleção de L-arginina, que é um precursor do NO, devido ao aumento dos níveis de enzima arginase, e pelo seqüestro de óxido nítrico no plasma devido à hemoglobina livre produzida pela hemólise10, ,11 12. Nos últimos anos, acumularam-se evidências de que a elevação da homocisteína sérica constitui-se em um fator de risco para doenças vaso-oclusivas, independentemente de outros fatores já bem estabelecidos, como hipertensão, diabetes, obesidade, colesterol e tabagismo13,14. Mesmo uma discreta elevação da homocisteína sérica aumenta o risco de trombose venosa, de acidente vascular cerebral e de infarto do miocárdio15. A homocisteína é um aminoácido sulfurado que se origina da desmetilação do aminoácido metionina15. A homocisteína no soro pode ser encontrada em três formas: livre 4 (~1% da total), conjugada por meio do radical sulfidril a proteínas plasmáticas (~70-80% do total) e combinada a outro aminoácido sulfurado (~20-30% da homocisteína total), formando homocistina (dímero da homocisteína) ou dissulfitos mistos (por exemplo: homocisteína-cisteína)16. A homocisteína sérica total é formada pelo conjunto de todas as formas de homocisteína. 1.1 - METABOLISMO DA HOMOCISTEÍNA: A homocisteína é formada a partir da metionina, em reação na qual há transferência de um grupo metil da metionina. A doação de um grupo metil permite a síntese de substâncias como a acetilcolina, a adrenalina e a noradrenalina, e seu subproduto é a produção de homocisteína17. A homocisteína é catabolizada de duas formas, a primeira ocorre por remetilação, formando novamente metionina, em reação mediada pela betaína- homocisteína metiltransferase, presente no fígado, ou pela metionina sintetase, existente na maior parte dos outros tecidos; esta última reação é dependente do metilenotetrahidrofolato (MTHF), que é derivado do ácido fólico e da vitamina B12 (cobalamina)17. A segunda forma de catabolismo da homocisteína é por transulfuração, na qual a ela é convertida em cistationina e em cisteína, em reação dependente da vitamina B6 (piridoxina)18. 1.2 MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DA HIPERHOMOCISTEINEMIA A hiperhomocisteinemia provoca lesão e disfunção endotelial seguidas da ativação plaquetária e formação de trombos, através dos diversos mecanismos19. A homocisteína depositada nos vasos sanguíneos facilita a formação de coágulos, por induzir a lesão oxidativa das artérias, com exposição da matriz sub-endotelial e ativação plaquetária18. Quando liberada no plasma, a homocisteína é rapidamente auto-oxidada, produzindo superóxido e o peróxido de hidrogênio, que contêm radicais hidroxila, os quais estão implicados na toxicidade vascular da hiperhomocisteinemia, devido à exposição da matriz subendotelial e das células do músculo liso vascular, as quais se proliferam e ativam plaquetas e leucócitos20.A homocisteína altera o fenótipo normal antitrombótico do endotélio vascular estimulando os fatores XII e V e diminuindo a ativação da proteína C21. Inibe também a expressão da trombomodulina, induzindo a expressão do fator tecidual e suprimindo a expressão do heparan sulfato pelo endotélio vascular, facilitando a formação de trombos e criando um ambiente pró-trombótico22. A produção de óxido nítrico pelo endotélio vascular é também adversamente afetada pela homocisteína, pois o endotélio 5 normal detoxifica a homocisteína por liberar o óxido nítrico, o qual se combina com a homocisteína na presença do oxigênio para formar a S-nitroso-homocisteína23. A S-nitroso- homocisteína é um potente vasodilatador e inibidor plaquetário. Esse efeito protetor do óxido nítrico é comprometido pela exposição à hiperhomocisteinemia lesando o endotélio vascular e limitando a produção do óxido nítrico, diminuindo a sua biodisponibilidade24. 1.3 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO A concentração total de homocisteína plasmática normal varia de 5 a 15 μmol/L em jejum. Kang e cols25 classificaram a hiperhomocisteinemia como: moderada: entre 16 a 30 μmol/L; intermediária: > 30 a 100 μmol/L e grave: >100 μmol/L. No entanto, não está estabelecido um nível crítico de homocisteína a partir do qual ocorre aumento do risco de trombose. O consenso europeu26, realizado em 2003, sobre o uso clínico racional de homocisteína, ácido fólico e vitamina B12, considerou que começando com uma concentração de homocisteína plasmática de aproximadamente 10μmol/L, o risco de aumento de tromboses segue uma relação linear do tipo dose-resposta, com nenhum nível limite específico. As deficiências nutricionais em cofatores vitamínicos (ácido fólico, vitamina B12 e vitamina B6) podem levar a hiperhomocisteinemia. Correlações negativas entre vitamina BB12, ácido fólico e vitamina B6 e dosagem plasmática de homocisteína podem ser observadas em pessoas normais . Concentrações plasmáticas inadequadas de uma ou mais vitaminas do complexo B são fatores contribuintes em aproximadamente dois terços de todos os casos de hiperhomocisteinemia . 27 28, 29 A concentração plasmática de homocisteína aumenta com a elevação da creatinina, tanto que na insuficiência renal, esses níveis podem chegar a quatro vezes o nível normal30. A hiperhomocisteinemia tem sido também relatada em pacientes com anemia perniciosa. Em um estudo com 434 pacientes com deficiência de cobalamina, aproximadamente 96% apresentavam concentrações plasmáticas de homocisteína três desvios padrões acima da média31. Alguns tipos de carcinomas, incluindo de mama, ovário e pâncreas apresentam níveis elevados de homocisteína plasmática, sugerindo uma inabilidade das células tumorais proliferativas em metabolizar a homocisteína endógena.32 Após quimioterapia esses níveis decrescem. 6 Certas drogas podem elevar as concentrações plasmáticas de homocisteína33. O metotrexate depleta os folatos, o co-substrato de metionina sintetase, causando um aumento transitório da concentração da homocisteína plasmática.34 A fenitoína, ciclosporina, corticóides e trimetropim também interferem com o metabolismo dos folatos e podem causar uma moderada elevação da homocisteinemia35. O tabagismo também interfere nessa síntese, os fumantes apresentam níveis mais baixos de vitamina B6 e são mais propensos à patologia cardiovascular36. Uma meta-análise realizada em 1995 estimou que 10% do risco de doença cardiovascular na população em geral é atribuído à homocisteína, relatando que o aumento de 5 μmol/l na homocisteína plasmática aumenta o risco de doença arterial coronariana tanto quanto o aumento de 20 mg na concentração do colesterol. Eles sugerem que o aumento na ingestão de 200 μg de ácido fólico por dia poderia reduzir a concentração de homocisteína em aproximadamente 4 μmol/l, contribuindo para redução em potencial do risco cardiovascular e sua mortalidade37. Den Heijer e cols.38 também demonstraram que uma hiperhomocisteinemia moderada é também um fator de risco para o tromboembolismo venoso, e se associado ao fator V Leiden, este risco aumenta de três a quatro vezes. Níveis circulantes elevados de homocisteína, especialmente em idade avançada, têm sido associados ao declínio cognitivo. Em estudos recentes, a doença de Alzheimer e a demência, após múltiplos acidentes hemorrágicos cerebrais, têm sido ligados a concentrações extremamente elevadas de homocisteína no sangue39. Um estudo com 49 pacientes com doença falciforme e 16 controles (hemoglobina AA) concluiu que o valor médio da concentração da homocisteína sérica é uma vez e meia maior na doença falciforme em relação aos controles (p=0,008); os níveis de ácido fólico e BB12 não foram diferentes nos 02 grupos, sugerindo que não há associação entre estes substratos e o nível de homocisteína; não houve também diferença entre a concentração da homocisteína e transfusão recente, porém o número de pacientes transfundidos foi muito baixo . 40 Outro estudo avaliou a relação entre acidente vascular encefálico (AVE) e o nível sérico de homocisteína em 100 pacientes com doença falciforme; os pacientes foram distribuídos em três grupos: 16 com AVE, 44 com repercussões clínicas leves e 40 com doença grave (exceto AVE); os níveis de homocisteína no grupo com AVE foram significantemente maiores que nos demais grupos (p<0,02) 41. 7 Estudo em 90 adultos com doença falciforme e 76 controles normais avaliou os valores plasmáticos da homocisteína, acido fólico, B12 e creatinina. O nível plasmático da homocisteína foi muito maior no grupo de pacientes com doença falciforme (p<0,03), bem como a freqüência da elevação da homocisteína foi muito maior nos pacientes com doença falciforme (20% vs 3% p<0,0005). Porém, não houve associação entre nível de homocisteína com o acido fólico e B12. Mais importante foi a associação do aumento sérico da creatinina com a hiperhomocisteinemia nos pacientes (P < 0.0001) e a análise de regressão logística mostrou que somente a creatinina é um preditor significativo da homocisteína na doença falciforme (P = 0.01)42. Pacientes com doença falciforme têm uma medula óssea hiperativa como mecanismo compensatório da hemólise crônica. Esta eritropoese muito elevada aumenta a demanda de ácido fólico e de vitamina B12, e pode acarretar carência destas vitaminas, especialmente do ácido fólico, cujas reservas se esgotam em poucos meses, caso não haja reposição1. Pacientes com doença falciforme são orientados a ingerir, em média, 5mg de ácido fólico diariamente, para manter uma eritropoese eficaz e reduzir as chances de desenvolver deficiência de ácido fólico, que pode agravar a anemia. Porém, as condutas médicas são variáveis e fatores como desabastecimento do medicamento, esquecimento do paciente/familiar, aumento da hemólise por complicações da doença e dose inadequada podem contribuir para a deficiência de ácido fólico. Quanto à vitamina B12, por ter reservas que se esgotam em anos, não é prescrita de rotina, assumindo-se que uma dieta balanceada repõe as necessidades diárias. Como os mecanismos biológicos reguladores desviam os substratos prioritariamente para funções mais nobres, a vitaminas B12 e o ácido fólico devem ser consumidos prioritariamente na eritropoese, portanto, poderá haver redução da biodisponibilidade destas vitaminas para o ciclo de depuração da homocisteína43, com conseqüente elevação da homocisteinemia em pacientes com doença falciforme44. Por muito tempo tenta-se correlacionar a gravidade da vaso-oclusão na doença falciforme com alterações genéticas nos haplótipos e no Sistema HLA45, porém, nenhum estudo foi definitivamente conclusivo. Como ainda há respostas a serem dadas, o acúmulo sérico da homocisteína, como fator de risco para a crise vaso-oclusiva, é uma hipótese a ser testada. 8 1.4 OBJETIVOS 1.4.1 ObjetivoGeral Avaliar a associação entre a homocisteinemia e a ocorrência de crise vaso-oclusiva em pacientes com anemia falciforme. 1.4.2 Objetivos Específicos Avaliar a relação entre a homocisteinemia e a concentração sérica de ácido fólico em pacientes com anemia falciforme. Avaliar a relação entre a homocisteinemia e a concentração sérica de vitamina B12 em pacientes com anemia falciforme. 9 2- PACIENTES E MÉTODOS Estudo clínico caso controle, realizado no HEMORIO, hospital público do Rio de Janeiro, especializado no atendimento (ambulatório, emergência e internação) de pacientes com doenças hematológicas. O cálculo amostral foi baseado em 1600 pacientes com anemia falciforme matriculados no HEMORIO. Foram estudados dois grupos de pacientes com anemia falciforme: o grupo controle foi formado por 105 pacientes consecutivos, sem história de crise vaso-oclusiva no último mês, atendidos no ambulatório e o grupo caso foi composto por 53 pacientes consecutivos, em crise vaso- oclusiva, atendidos na emergência. O diagnóstico clínico da crise vaso-oclusiva aguda – crise álgica, síndrome torácica aguda, seqüestro esplênico, priapismo e/ou acidente vascular cerebral - foi feito pelo médico da emergência e confirmado pela pesquisadora deste estudo. A crise álgica foi caracterizada por dor aguda, contínua que não reduziu com uso domiciliar de analgésicos. As entrevistas realizaram-se entre os meses de abril e maio de 2005, quando foram colhidas as amostras de sangue para dosagem de homocisteína, ácido fólico, vitamina B12 e de hemoglobina. Um questionário (anexo 1) foi aplicado para registrar dados demográficos, uso de hidroxiuréia, a qual tem efeito direto no mecanismo fisiopatológico da doença falciforme, atuando não só no aumento da síntese de hemoglobina fetal, como também promovendo diminuição no número dos neutrófilos e das moléculas de adesão dos eritrócitos, contribuindo, assim, diretamente para a diminuição dos fenômenos inflamatórios e de vasoclusão1; transfusão de concentrado de hemácias nos três meses que antecederam a inclusão no estudo. Foi também avaliada a suplementação oral de ácido fólico e de vitamina B12. Aos pacientes da emergência ainda foram incluídas questões sobre a localização anatômica da dor. Foram critérios de inclusão, pacientes de ambos os sexos, com mais de dois anos de idade e com hemoglobinopatia SS. Foram excluídos pacientes com outras hemoglobinopatias associadas à hemoglobina S, pacientes com hipertensão arterial, em 10 uso de ciclosporina, corticóides, fenitoína, metotrexato e trimetroprim, pois estes medicamentos aumentam a homocisteína sérica e mulheres grávidas, devido às alterações hormonais, que interferem na homocisteinemia. No grupo da emergência foram excluídos pacientes com suspeita de infecção (úlcera de perna infectada, pneumonia etc), para evitar a inclusão de paciente sem vaso-oclusão. A dosagem de homocisteína foi realizada no soro, pela técnica de Imunoensaio de Fluorescência Polarizada (FPIA - AxSYM, Abbot Diagnostics, Illinois, EUA), no Serviço de Laboratórios do HEMORIO. O ácido fólico e a vitamina B12 foram dosados por quimioluminescência indireta (ADVIA Centaur - Bayer Healthcare LLC / Bayer Corporation, Seattle, EUA) no laboratório Bronstein/RJ. Foram considerados normais, para análise dos resultados, valores abaixo de 15 μmol/L para a homocisteinemia, acima de 5,38 ng/mL para o ácido fólico e acima de 382 pg/mL para a vitamina B12. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (anexo 2) para participarem do estudo e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HEMORIO. 11 2.1 TESTES ESTATÍSTICOS As análises descritivas das variáveis categóricas foram reportadas em percentual e as contínuas pela média e desvio padrão. Como medida de associação foi utilizada o Odds Ratio e a significância estatística pelo intervalo de confiaça de 95%. A correlação de Spearman foi utilizada para avaliar a relação entre variáveis contínuas. O teste qui- quadrado foi utilizado para comparar variáveis categóricas e o teste exato de Fisher para resultados < 2. Para comparar médias foi utilizado o teste T, quando as variáveis numéricas tinham distribuição normal ou teste não paramétrico de Wilcoxon rank-sun, quando não havia distribuição normal. O teste de Kruskal-Wallis rank sum foi utilizado para analisar a significância estatística entre variáveis categóricas e uma variável numérica, quando esta não tinha distribuição normal. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para análise de mais de duas variáveis, quando a variável contínua não tinha distribuição normal. Em todas as situações foi considerado p < 0,05 como estatisticamente significativo. Os programas SPSS e Excel foram utilizados para análises descritivas e de inferência. 12 3. RESULTADOS A tabela II apresenta a distribuição da amostra segundo o gênero; não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. TABELA II – Distribuição da amostra segundo o gênero. Casos (n=53) (com vaso-oclusão) Controles (n=105) (sem vaso-oclusão) p1 Sexo n % n % Feminino 24 45% 60 57% 0,21 Masculino 29 55% 45 43% 1-Teste chi-quadrado de Pearson com correção de Yates. A tabela III apresenta a média e o desvio padrão das variáveis numéricas: idade, homocisteina, ácido fólico, vitamina B12 e hemoglobina. TABELA III: Média e o desvio padrão das variáveis numéricas: idade, homocisteína, ácido fólico, vitamina B12 e hemoglobina. Casos (n=53) (com vaso- oclusão) Controles (n=105) (sem vaso- oclusão) p Idade (anos) 25 + 15 19 + 12 0,0041 Homocisteína (μmol/L) 7,2 + 2,9 6,9 + 2,7 0,621 Ácido fólico (ng/L) 10 + 6,4 10 + 6,8 0,831 Vitamina B12 (pg/mL) 386 + 171 362 + 136 0,491 Hemoglobina (g/dl) 7,2 + 1,7 8,2 + 1,3 02 1- Teste de Wilcoxon rank-sun 2- Teste T padrão 13 A tabela IV apresenta os valores mínimo, 10 quartil (Q1), mediana (Q2), 30 quartil (Q3) e o máximo das varáveis numéricas: idade, ácido fólico, vitamina B12 e hemoglobina. TABELA IV: Valores: mínimo, 10 quartil (Q1), mediana (Q2), 30 quartil (Q3) e o máximo das varáveis numéricas: idade, ácido fólico, vitamina B12 e hemoglobina nos dois grupos. Crise vaso-oclusiva (n=53) Sem crise vaso-oclusiva (n=105) Min Q1 Q2 Q3 Max Min Q1 Q2 Q3 Max Idade (anos) 2 17 22 36 58 2 12 17 25 59 Homocisteína μmol/L 2,12 4,8 6,55 9,78 13,08 2,6 5,14 6,46 8,21 15,7 Ácido fólico ng/L 2 5 8,1 16 20 1,6 5,4 8,6 13,4 20 BB12 pg/mL 171 271 335 464 930 164 276 319 436 999 Hemoglobina g/dl 3 6,2 7,2 8,1 11,8 5,2 7,4 8,1 9,1 12,1 Conforme recomendado pelo grupo do consenso europeu, quando se fez o corte em 10μmol/L, a freqüência de homocisteína >10μmol/L ocorreu em 25% (n=13) dos casos da emergência e em 10% (n=11) dos controles ambulatoriais (OR 2,78; IC 95% 1,78 to 7,35; p=0,037). A média e desvio padrão do ácido fólico e da vitamna B12 nos pacientes com homocisteína >10μmol/L estão apresentadas na tabela V. TABELA V – Média e desvio padrão dos pacientes com homocisteína >10μmol/L. Casos com homocisteinemia >10 μmol/L (n=13) (com crise vaso-oclusiva) Controles com homocisteinemia > 10μmol/L (n=11) (sem crise vaso-oclusiva) p Ácido fólico (média+ DP) 6,4+ 5,1 5,0+ 2,5 0,4 Viatmina B12 (média+ DP) 353+ 103 291+ 91 0,1 As correlações entre o nível sérico de hemocisteina e as variáveis idade, ácido fólico e vitamina B12 estão mostradas respectivamente nas figuras 2, 3 e 4 , tanto no total da amostra, como em cada grupo. 14 0 10 20 30 40 50 60 A ge 0 5 10 15 H om oc is te in e Rho= 0.42; p= 0 2a 0 10 20 30 40 50 60 Age 1 5 9 13 H om oc is te in e Rho= 0.21; p= 0.13 2b 0 10 20 30 40 50 60 Age 0 5 10 15 H om oc is te in e Rho=0.53; p=0 2c FIGURA 2: Correlação entre o nível sérico de homocisteina e idade, no total da amostra (a), nos pacientes em crise vaso-oclusiva (b) e nos sem crise vaso-oclusiva (c). 15 3 8 13 18 FOLATO 0 5 10 15 H O M O C IS T0 1 rho=-0.41; p=0 3a 0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.5 15.0 17.5 20.0 Folate 1 5 9 13 H om oc is te in e rho= -0.39; p=0.0047 3b 3 8 13 18 Folate 0 5 10 15 H om oc is te in e rho= -0.42; p=0 3c FIGURA 3: Correlação entre o nível sérico de homocisteina e ácido fólico, no total da amostra (a), nos pacientes em crise vaso-oclusiva (b) e nos sem crise vaso-oclusiva (c). 16 0 200 400 600 800 1000 B12 0 5 10 15 H O M O C IS T0 1 rho=-0.36; p=0 4a 0 200 400 600 800 1000 B12.Vitamin 1 5 9 13 H om oc is te in e rho=-0.30; p= 0.0301 4b 0 200 400 600 800 1000 B12.Vitamin 0 5 10 15 H om oc is te in e rho= -0.39; p= 0.0001 4c FIGURA 4: Correlação entre o nível sérico de homocisteina e vitamina B12, no total da amostra (a), nos pacientes em crise vaso-oclusiva (b) e nos sem crise vaso-oclusiva (c). 17 As correlações entre a idade e o uso de B12 e de ácido fólico estão apresentadas na tabela VI. TABLELA VI: Correlação de Spearman entre a idade e os níveis séricos de vitamina B12 e de ácido fólico. Casos (n=53) (com vaso-oclusão) Controles (n=105) (sem vaso-oclusão) Total (n=158) Idade vs. ácido fólico r= -0,13 p= 0,32 r=-0,35 p= 0,0004 r=-0,29 p= 0,0002 Idade vs. Vitamina B12 r= -0,22 p= 0,1 r= -0,2 p= 0,03 r= -0,18 p= 0,02 A todos os pacientes foi indagado se faziam uso suplementar de ácido fólico e de vitamina B12; a tabela VII apresenta o quantitativo de pacientes que faziam uso suplementar de ácido fólico e de vitamina B12, em cada grupo. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos, tanto em relação ao uso de ácido fólico como de vitamina B12. TABELA VII: Freqüência de pacientes em uso suplementar de ácido fólico e vitamina BB12 em cada grupo. Uso de ácido fólico Uso de vitamina B12 Sim Não Sim Não N % N % N % N % Casos (n=53) (com vaso-oclusão) 45 85 8 15 2 4 43 96 Controles (n=105) (sem vaso-oclusão) 94 90 11 10 6 6 88 94 p 0,56 1 1 2 1- Teste qui-quadrado de Pearson com correção de Yates 2- Teste exato de Fisher Ao se analisar a associação entre o uso suplementar de ácido fólico e o seu nível sérico, verificou-se que a média foi muito menor no grupo que não tomava ácido fólico; na emergência 4,7 ng/dl vs 11,2 ng/dl (p=0,007) e no ambulatório 6,1 ng/ml vs 10,5 ng/ml 18 (p=0,016). Em relação à vitamina B12, o nível sérico também foi menor no grupo que não fazia uso regular, sendo de 384 pg/ml vs 449 pg/ml (p=0,06) na emergência e de 335 pg/ml vs 464 pg/ml (p=0,04) no ambulatório. Todos os 53 pacientes em crise vaso-oclusiva (casos) queixaram-se de crise álgica, cuja distribuição da localização está apresentada na tabela VIII. Foram também calculadas as médias (+ desvio padrão) e as medianas da homocisteina, do ácido fólico e da vitamina BB12 para cada localização da crise álgica. Pacientes com dor em membros superiores (MMSS) tiveram a média da homocisteína sérica significativamente maior (p=0,0075) e médias de ácido fólico e de B12 abaixo do valor de referência. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as médias de ácido fólico (p=0.56) e de vitamina B12 (p=0,39) em relação à localização da dor. TABELA VIII – Mediana, média e desvio padrão e da homocisteína, do ácido fólico e da vitamina B12 em relação à localização da dor, em pacientes com crise vaso-oclusiva. Homocisteína Ácido fólico BB12 Localização da dor N % Mediana Média + DP Mediana Média + DP Mediana Média +DP MMII 15 28 6,9 7+2,7 7,7 10,7+6,6 315 345+114 Abdomen 10 19 4,5 5+1,8 13 12+6,4 412 440+220 Generalizada 10 19 7,7 8,2+2,6 6 8,8+6,7 403 378+123 Lombar 7 13 6,4 6,2+3 8 11,5+7,4 462 482+215 Tórax 6 11 6,3 6,9+ 2 6 8,2+6,1 318 390+242 MMSS 3 6 12,9 12+2 3,8 4,9+3,2 271 255+77 Cabeça 2 4 11,4 11+0,7 13,4 13,4+7 330 330+137 A figura 5 mostra gráficos box-plot da relação entre o nível sérico da homocisteína e a localização da dor. 19 Localização da dor ToraxMMSSMMIILombarGeneralizadaCabeçaAbdomen H om oc is te ín a 14 12 10 8 6 4 2 0 FIGURA 5: Box-plot com a distribuição da concentração da homocisteína em relação à localização da dor em pacientes falciformes atendidos na emergência. Entre os pacientes da emergência, 12 (23%) referiram uso regular de hidroxiuréia e entre os pacientes do ambulatório, 22 (21%) usavam hidroxiuréia; não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (p=0,81). A relação entre o uso de hidroxiuréia e a média e desvio padrão (DP) da homocisteína está apresentada na tabela IX. TABELA IX: Uso de hidroxiuréia - média e desvio padrão da homocisteinemia em pacientes nos dois grupos. Uso de hidroxiuréia Sim Não p1 Casos (média+ DP) 6,4+2,2 7,5+3,1 0,3 Controles (média+ DP) 6,3+2,2 7,2+2,8 0,2 1- Teste de Wilcoxon rank-sum Entre os pacientes da emergência, 23 (43%) foram transfundidos com concentrado de hemácias nos últimos três meses que antecederam o estudo, e entre os pacientes do ambulatório, 38 (36%) receberam transfusão; em relação a ter sido transfundido nos últimos três meses, não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (p=0,28). Não houve também significado estatístico entre as médias e medianas de homocisteína entre casos e controles, em relação a transfusão (p=0,23). 20 4- DISCUSSÃO Os pacientes em crise vaso-oclusiva tiveram a média de idade significantemente maior que os do ambulatório. Ao se analisar a tabela IV, verifica-se que 75% dos pacientes da emergência tinham idade abaixo de 36 anos, enquanto que 75% do pacientes do ambulatório tinham idade abaixo de 25 anos, esta deve ser a explicação para o achado da maior média de idade nos pacientes da emergência. A correlação significativamente positiva entre a idade e a concentração de homocisteína no total da amostra e nos pacientes ambulatoriais (figuras 2a e 2c) está de acordo com a literatura, onde se verifica que a homocisteinemia aumenta com a idade41, ,46 47. Este fato deve-se à associação de baixa ingestão e menor absorção da vitamina B12 e de ácido fólico nas pessoas mais velhas48,49. Ao se analisar a tabela VI verifica-se uma correlação negativa entre a idade e as concentrações de vitamina B12 e de ácido fólico no total da amostra e nos pacientes ambulatoriais, confirmando a associação entre a redução dos níveis séricos de ácido fólico e de vitamina B12 a medida em que a idade aumenta. Não houve correlação entre a idade e a homocisteinemia (figura 2b) entre os pacientes em crise vaso-oclusiva, nem houve correlação significativa entre a idade e os níveis séricos de ácido fólico e de vitamina BB12 (Tabela VI), portanto, a maior média de idade encontrada nestes pacientes não teve relação com estas variáveis – homocisteína, ácido fólico e vitamina B12. A hemoglobinemia média estava significativamente menor nos pacientes com crise vaso-oclusiva (tabela III), provavelmente, refletindo uma maior hemólise em pacientes mais graves50. A média da homocisteinemia estava mais alta nos pacientes em crise vaso- oclusiva, mas sem significado estatístico (tabela III). Trabalhos que compararam o nível sérico de homocisteína, em controles normais e em pacientes com doença falciforme, encontraram níveis médios mais elevados nos pacientes, Lowenthal39 encontrou homocisteinemia média de 12,6 μmol/L e Dahr41 de 9,7 μmol/L,. Porém, 21 todos estes valores estão dentro da faixa de normalidade, devido à suplementação de ácido fólico prescrita de rotina39, 41. Ao seanalisar os pacientes com homocisteína acima de 10 μmol/L, verificou-se que a chance de um paciente em crise vaso-oclusiva ter homocisteína sérica maior que 10 μmol/L é 2,78 vezes maior que aqueles sem crise vaso-oclusiva. Este resultado não foi influenciado pelos níveis séricos de ácido fólico e de vitamina B12, uma vez que não houve diferença estatisticamente significativa das médias destas vitaminas entre os dois grupos – casos e controles – com homocisteinemia acima de 10 μmol/L (Tabela V). Houston40, usando regressão logística, encontrou um OR de 3,5 para ocorrência de AVE em pacientes com doença falciforme, quando a homocisteinemia estava acima de 10,1 μmol/L. O American College of Cardiology propõe intervenção terapêutica em pacientes com alto risco para doença coronariana quando a homocisteinemia está acima de 10 μmol/L51,52. Por analogia, o paciente com doença falciforme pode ser considerado de alto risco para aterotrombose, uma vez que tem lesão endotelial crônica e persistente, portanto, homocisteinemia acima de 10 μmol/L pode ser um fator coadjuvante para a ocorrência de crises vaso-oclusivas. As médias de ácido fólico estavam normais e não houve diferença entre os dois grupos (Tabela III). Como descrito na literatura53,54, houve uma correlação negativa entre a concentração da homocisteína e o ácido fólico em todos os grupos (Figura 3). No entanto, dois trabalhos realizados em doença falciforme não evidenciaram esta correlação inversa39,40, pois, em ambos, todos os pacientes tinham o nível de ácido fólico bem acima do valor de referência, enquanto que em 25% dos pacientes do presente estudo, o ácido fólico abaixo estava < 5,4ng/L (Tabela IV). Não houve diferença estatisticamente significativa na concentração média da vitamina B12 entre os dois grupos, e nos pacientes do ambulatório, o nível médio da B12 estava abaixo do valor de referência (Tabela III). Houve uma correlação negativa e estatisticamente significativa entre as concentrações séricas de homocisteína e de vitamina B12 (figura 4), confirmando que a carência de B12 pode acarretar acúmulo de homocisteína27,28. Porém, o trabalho realizado por Dahr41 em doença falciforme não evidenciou esta correlação negativa, a qual foi atribuída ao fato de que, apenas 10% dos pacientes daquele estudo tinham B12 abaixo do valor de referência, enquanto que no presente estudo, pelo menos 50% dos pacientes apresentaram o nível sérico da vitamina B12 abaixo de 335 pg/mL (Tabela 22 IV). Este resultado é incomum em trabalhos internacionais55,56, e pode ser um reflexo do baixo perfil sócio-econômico dos pacientes falcêmicos brasileiros, que pode acarretar déficit no aporte nutricional de vitamina B12 57. Adicionalmente, a não suplementação de vitamina B12, 12 12 preconizada para pacientes com doença falciforme, e a recomendação de se evitar a ingestão de carne vermelha, fonte de ferro e B , devido ao risco de hemossiderose secundária às transfusões iterativas, podem ter contribuído para a baixa concentração sérica de B nos pacientes deste estudo. Todos os pacientes da emergência referiram crise álgica como manifestação clínica da vaso-oclusão. É interessante observar, que o valor médio e mediano da homocisteína estava significantemente mais alto nos três pacientes com dor nos membros superiores (figura 5), os quais também tinham a média de ácido fólico e de vitamina B12 abaixo do valor de referência (tabela VIII). Apesar de serem apenas três pacientes, eles poderiam estar apresentando dor referida de doença coronariana, uma vez que há correlação entre a elevação da homocisteína e coronariopatia50,51,58. Não há estudos publicados sobre a relação entre coronariopatia e homocisteinemia em doença falciforme. O uso de hidroxiuréia (tabela IX) não influenciou a concentração de homocisteína, porém, esta variável foi incluída no estudo, uma vez que a introdução do tratamento com hidroxiuréia proporcionou grande melhora em pacientes de mau prognóstico59,60. Os resultados obtidos no estudo direcionam para investigação mais detalhada, de forma a correlacionar, se mesmo um leve aumento da homocisteinemia é capaz provocar lesão do endotélio vascular, contribuindo assim, para a ocorrência de trombose, formação de placas de ateroma e conseqüente fator de risco no processo de vaso-oclusão na doença falciforme. 23 5- CONCLUSÕES 1. Não houve associação entre a média da homocisteinemia e a ocorrência de crise vaso-oclusiva aguda em pacientes com anemia falciforme. 2. Homocisteinemia acima de 10 μmol/L está associada a uma maior chance de vaso-oclusão em pacientes com anemia falciforme. 3. A homocisteinemia aumentou na medida em que os níveis séricos do ácido fólico e da vitamina B12 diminuíram. 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 Chiattone CS. Doenças Hematológicas. In: Lopes, AC. Tratado de Clínica Médica. São Paulo: Roca, 2006, 3 volumes, 5465 p.; vol II, seção 10, p.1919-40. 2 Cançado RD, Jesus JA. A doença falciforme no Brasil. 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http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?Db=pubmed&Cmd=Search&Term=%22Velvis%20HJ%22%5BAuthor%5D&itool=EntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubmed_DiscoveryPanel.Pubmed_RVAbstractPlus http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?Db=pubmed&Cmd=Search&Term=%22van%20den%20Berg%20GA%22%5BAuthor%5D&itool=EntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubmed_DiscoveryPanel.Pubmed_RVAbstractPlus 28 58 Stampfer MJ, Malinow MR, Willett WC, et al. 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( ) até 01 mês ( ) > 1 mês Quando esteve internado a última vez? ( ) até 01 mês ( ) > 1 mês Se mulher: Está grávida ( ) Sim ( ) Não Tem pressão alta ? ( ) Sim ( ) Não No ambulatório: Está sentindo dor? ( ) Sim ( ) Não Na emergência: Se tem infecção – úlcera infectada. Infc. urinária, pnemonia ( ) Sim ( ) Não HOMOCISTEINEMIA NA ANEMIA FALCIFORME - 2005 1. Número de ordem: 2. Data da entrevista: 3. Local da entrevista: ( ) Ambulatório 1 ( ) Emergência 2 4. Nome 5. Matricula 6. Sexo ( )M 1 ( )F 2 7. Idade 8 Faz uso de ácido fólico? ( ) Sim 1 ( ) Não 2 Caso SIM 9 Quando foi a última vez que tomou? ( ) hoje 1 ( ) ontem 2 ( ) há 2 dias 3 ( ) ignorado 9 10. Qual a freqüência de uso? ( )diária 1 ( ) dias alternados 2 ( )1x/semana 3 ( )esporádico 4 ( )outra _____5 11 Qual a dose diária? ( )1 comp 1 ( )2 comps 2 ( )3 comps 3 ( )outra ___4 ( ) Ignorada 9 12 Faz uso de vitamina B12? ( )Sim 1 ( )Não 2 ( ) ignora 9 13 Faz uso de hydrea (hidroxieuréia)? ( )Sim 1 ( )Não 2 ( ) ignora 9 14 Tomou transfusão de sangue nos últimos 03 meses? ( )Sim 1 ( )Não 2 ( ) ignora 9 15 Na emergência: Está com dor? Caso SIM ( ) membros SS 1 ( ) membro com úlcera 2 ( ) tórax 3 ( ) abdômen 4 ( ) lombar 5 ( ) cabeça 6 ( ) generalizada 7 ( ) membros II 8 ( ) outra 9 16 Somente para pacientes na emergência – marcar o(s) dado(s) positivo(s) ( ) crise álgica - 1 ( ) infecção - 2 ( ) STA -3 ( ) priapismo - 4 ( ) AVE - 5 ( ) seqüestro esplênico - 6 ( ) síndrome mão pé - 7 ( ) necrose da cabeça do fêmur - 8 ( ) ignorada - 9 ( ) outra __________- 10 Assinatura do entrevistador Registros dos testes laboratoriais Data Resultado Obs 17 ácido fólico 18 vitamina B12 19 Hematócrito 20 Hemoglobina 21 Homocisteína ANEXO 2 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) (3 vias – paciente, pesquisador e prontuário médico) O objetivo deste termo de consentimento é pedir a sua permissão para que possamos realizar uma entrevista e coletar amostra de 10 ml sangue para dosagem das seguintes substâncias: • ácido fólico • vitamina B12 • homocisteína Essas dosagens têm a finalidade de realizar um estudo sobre a relação entre a quantidade destas substâncias e a ocorrência de acidente vaso-oclusivo em pacientes com anemia falciforme. Este estudo está sendo realizado no HEMORIO. Este estudo não lhe ocasionará nenhum risco. Não haverá benefícios imediatos para você, mas a sua contribuição auxiliará numa melhor compreensão das complicações da anemia falciforme e possíveis intervenções futuras no tratamento. Os dados serão armazenados em um computador sem identificação, e o seu nome não irá aparecer em nenhuma publicação. Os resultados dos exames ficarão no seu prontuário. Caso não queira participar ou se manter no estudo, não haverá nenhum prejuízo no seu atendimento no HEMORIO. Este estudo foi analisado e aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa em 07 de abril de 2005, e está de acordo com a Declaração de Helsinki que regulamenta pesquisas médicas em seres humanos. Qualquer dúvida você poderá entrar em contato com o pesquisador Dra. Marília Rugani no telefone (21) 22426080 ramal 2142 ou com o Serviço de Desenvolvimento Técnico-científico e Educacional do HEMORIO – (21) 22426080 ramal 2141. Eu, abaixo assinado, permito a coleta de amostra do meu sangue para o referido estudo e entendo que estas informações serão confidenciais e que meu nome não será mencionado em nenhuma publicação. _________________________________________________________________ Nome do Paciente e Responsável (caso seja < 18 anos) - matrícula _________________________________________________________________ Assinatura do Paciente/Responsável ___________________________________________________________________ Nome e Assinatura do Responsável pela apresentação do TCLE Local e Data __________________________ dissertaçao capas.doc MARÍLIA ÁLVARES RUGANI dissertaçao texto final (Autosaved).doc ANEXOS.doc ANEXOS ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO HOMOCISTEINEMIA NA ANEMIA FALCIFORME - 2005 Registros dos testes laboratoriais Obs
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