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Perspectivas alternativas de política comparada

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PERSPECTIVAS ALTERNATIVAS 
DE POLITICA COMPARADA* 
RONALD H. CHILCOTE U 
1. Introdução 
1. Introdução; 2. Para uma teoria de Estado e classe; 
3. Para uma teoria de desenvolvimento e subdesenvolvi-
mento; 4. Internacionalização do capital; 5. Modos e 
articulação dos meios de produção. 
A ausência de uma diretriz coerente ou um entendimento comum sobre o 
conteúdo apropriado e a teoria de pulítica comparada está provavelmente rela-
cionada com uma insatisfação geral que penetra a disciplina mesma de ciência 
política. Não é surpreendente, pois, que acadêmicos e alunos procurem perspec-
tivas alternativas quando tentam definir o que é estudo de política. Outras dis-
ciplinas, notavelmente antropologia, economia, história e sociologia voltaram-se 
para o pensamento radical na tentativa de definir e modificar seus esforços. 
Apesar de os resultados deste esforço serem desiguais em termos acadêmicos, 
não há dúvida que o pensamento radical tenha deixado sua marca. Em con-
traste, a ciência política está atrasada no desenvolvimento do pensamento radical, 
ainda que o "Caucus" para uma nova ciência política e a sua publicação -
nova ciência política - represente movimento nesta direção. Dentro da ciência 
política, em geral, e em política comparada, em particular, algumas contribuiçõ:s 
alternativas são identificáveis. 
Na busca de uma política comparada alternativa, várias hipóteses podem ser 
sugeridas. Primeiro, deve-se enfatizar que teoria e clara conceitualização são a 
essência da pesquisa quando analisamos situações diferentes; em contraste, a dis-
ciplina continua lutando com o legado de uma perspectiva comparada, essen-
cialmente descrittva e configurativa, isto é, voltada para estudos de nações indi-
viduais ou instituições. Política comparada inclui mais do que estudo sobre 
governo, especialmente o governo americano, que tem influenciado os valores 
e suposições sobre o que é e como nós devemos estudar política. Nosso pensa-
mento sobre a disciplina abrange em larga escala uma espécie de visão global 
ou paradigma que aceita a idéia de democracia, idealizada como uma polity 
pluralística e baseada no capitalismo como alicerce da vida material. Por últi-
• Tradução de Cláudia Pompan. 
** Professor de ciência política na Universidade da Califórnia, Riverside. Autor de inúme-
ros livros, inclusive Theories of comparative politics: the search for a paradigm. Westview. 
1981; e The Brazilian communist party: conflict and integration, 1922-1972. Oxford Uni· 
versity Press, 1974. Atualmente está completando um livro, Theories of development and 
underdevelopment. Editor da revista Latin American Perspectives. 
R. C. pel., Rio de Janeiro, 31 (2): 52-65, abr./jun. 1988 
mo, se teoria é essencial e um paradigma domina nosso pensamento, devemos 
examinar as origens e a _ evolução da disciplina. 1 
Como ponto de partida, é útil reconhecer que grande parte do nosso pensa-
mento sobre a natureza da pesquisa comparada provém do pensamento e debate 
do século XIX. As idéias de Max Weber e Karl Marx são particularmente sig-
nificantes. Por exemplo, Marx interpretou a estrutura do Estado como monolí-
tica e aliada aos interesses da classe dominante no poder, enquanto Weber viu 
essa mesma estrutura como sancionando uma pruralidade de interesses. Marx 
viu todas as formas de dominação no Estado capitalista como ilegítimas, e Weber 
examinou as formas legítimas de dominação. Marx defendia a abolição do 
Estado e suas classes, enquanto Weber encarava o crescimento do Estado via 
legitimação das suas atividades. Marx analisou mudanças no Estado e na classe 
dominante como reflexões do materialismo histórico e a interação conflitiva entre 
as relações sociais e as forças de produção que têm caracterizado várias épocas. 
Por contraste, Weber preocupou-se com a resolução do conflito via racionaliza-
ção da ordem btlrocrática, pois ele via o capitalismo europeu como promotor 
de uma forma de sociedade estável e muito racional. Enquanto os dois exami-
naram o uso de força bruta ou violência, Marx viu o Estado apenas como um 
sutil instrumento de coerção para dominar a camada inferior, e Weber ofereceu 
uma explicação mais restrita que unia força estatal e violência com legitimidade. 
A política comparada contemporânea é influenciada por estes e outros pensa-
dores. No entanto, desde 1953, a disciplina tem redefinido seu paradigma, 
através em grande parte da metodologia weberiana e positivista da ciência social. 
Sob a direção do Comitê de Política Comparada do Conselho de Pesquisa de 
Ciência Social, a disciplina foi organizada em quatro "áreas" tradicionais. No 
começo dos anos 50 David Easton introduziu o conceito de "sistema" para 
política, junto com um vocabulário de inputs e outputs, demandas e suportes, e 
feedback. Parcialmente influenciado por Easton, mas também pela teoria de 
grupo e o trabalho de antropologistas e sociólogos estruturalistas, Gabriel AI-
mond primeiro apresentou uma tipologia de sistemas políticos e depois salientou 
categorias de funções e estruturas que relacionavam com todos os sistemas políti-
cos. Dentro deste sistema, Almond também introduziu uma dimensão cultural 
para política comparada. Junto com Sydney Verba, ele aplicou o conceito de 
cultura cívica a um estudo de cinco nações e formulou uma tipologia de culturas 
políticas. Com o surgimento de novos estados no Terceiro Mundo, Almond e 
outros dirigiram a atenção para as áreas em desenvolvimento e para questões 
de desenvolvimento no mundo. Por último, durante os anos 60, a pesquisa vol-
tou-se para o estudo de elites. 2 
O paradigma dominante em política comparada contemporânea refere-se a 
essas quatro áreas de interesse, e a crítica dessas áreas ajuda-nos a compreender 
a necessidade de metodologia e perspectivas alternativas, incluindo as perspec-
tivas marxistas. 1: claro que os marxistas não aderem às idéias convencionais, 
mas relacionam-se com elas através da crítica construtiva. 
Dado o estado da disciplina, quais são as opções? Creio que devemos procurar 
uma perspectiva que interprete política num contexto histórico e veja fenômenos 
políticos "no seu todo" num quadro teórico. Em particular, é proveitoso, rela-
1 Eu examinei as origens da política comparada no cap. 3 do livro Theories of comparative 
politics, de minha autoria. 
2 Essas tendências e as referências relevantes são elaboradas em meu Theories of com-
parative politics (espec. capo 1, 5, 6, 7 e 8). 
PiJlfticacomparada 53 
cionar política comparada e internacional com política economlca, no sentido 
clássico proporcionado por Smith, Ricardo e Marx, como também nos recentes 
esforços de política econômica radical. De fato, a reformulação de política com-
parada como política econômica com atenção ao Estado e à classe a nível nacio-
nal e ao fenômeno de imperialismo e dependência a nível internacional pode-nos 
levar a uma nova direção. 
Metodologicamente, política econômica deve ser compreendida nas suas tra-
dições marxistas e não-marxistas. As direções de pensamento em política e 
ciência social são hoje entendidas em termos do pensamento passado. Por exem-
plo, John Locke relacionou trabalho com propriedade privada e riqueza e valo-
rizou o esforço individual para satisfazer as necessidades humanas. Adam Smith 
formulou uma teoria de valor do trabalho baseada nos temas de mercadoria, 
capital e valor e trabalho simples e complexo. Ele identificou leis do mercado 
que explicam a motivação do interesse pessoal em situações competitivas. David 
Ricardo proporcionou refinamentos de política econômica, defendendo a acumu-
lação de capital como base de expansão econômica. Acreditava ele que o 
Estado não deve interferir na economia e que, ao nível internacional, a divisão 
do trabalho e a política de livre comércio beneficiam todas as nações. Havia 
também utopistas como Saint-Simon que expressavam tendênciassocialistas. 
Marx transcendeu as idéias dos utopistas e liberais clássicos para propor a 
teoria da mais-valia (surplus value) e uma explicação da luta de classes. Desses 
pensadores podemos sugerir algumas diretrizes para o estudo de política eco-
nômica. Pedagogicamente, idéias convencionais (mainstream) podem ser distin-
guidas das idéias radicais. Assim, noções conservadoras ou liberais podem 
diferenciar do pensamento marxista. Teoricamente, o pensamento marxista pode 
ser holístico, compensador, unificado e interdisciplinário em contraste com 
"a-historico", compartimentalizado, e muitas vezes estreito parâmetro do pen-
samento convencional. Este uso do marxismo deve ser aberto e flexível, pois 
Marx mesmo considerava o marxismo não-acabado e sujeito a mudanças, de 
acordo com a experiência real e prática. Metodologicamente, a dialética pode 
servir como método em busca de entendimento. Marx uniu a dialética com 
uma perspectiva materialista da história, enquanto que Hegel delineou uma 
dialética mística e idealística como um sistema rígido. O uso do marxismo serve 
não como uma fórmula precisa, mas como um meio para observar a inter-relação 
dos problemas da sociedade em todo, como uma inter-relação dinâmica, não estáti-
ca. de examinar problemas, e como maneira de identificar forças opostas, suas 
relações e conflitos. Conceitualmente, política econômica deve focalizar a rela-
ção entre a base econômica e a superestrutura política. 
"A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da 
sociedade. o real alicerce, de onde provém uma superestrutura legal e política 
e à qual correspondem formas definidas de consciência social. O modo de 
produção da vida material condiciona o processo geral da vida social. política 
e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina sua existência, mas 
sua existência social é que determina sua consciência."3 
Atenção deve ser dada a conceitos como modo de produção (mistura de 
forças de produção e relações de produção entre pessoas na sociedade em dado 
momento); forças de produção (capacidade produtiva, incluindo fábrica e equi-
3 Marx, Karl. Prefácio aos livros de sua autoria: Contribution to the critique of política! 
economy. p. 425-6, e Early Writings. New York, Vintage Books, 1975. 
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pamento, tecnologia, e mão-de-obra); relações de produção (parte da mão-de-
obra que põe forças de trabalho em ação) e meios de produção (equipamentos, 
terra, estruturas, e máquinas utilizadas por trabalhadores na produção de coisas 
(materiais para si e outros). Deve ser dada atenção ao Estado (formas legais 
e instrumentos institucionais como polícia e forças armadas, que mantêm a 
ordem das classes (ordem vigente, ordem da classe dominante) classe (grupos 
de pessoas distinguíveis umas das outras por suas relações com os meios de 
produção, divisão de trabalho, distribuição de riqueza, e posição); e ideologia 
(falsa consciência relacionada com formas legais, políticas, religiosas e filosó-
ficas). Essas considerações ajudam na avaliação de estudos sobre o Estado e 
a classe. Desde Aristóteles e Platão o estudo de política tem-se focalizado na 
idéia do Estado. David Easton escreveu em uma ocasião que ciência política 
era uma disciplina em busca de identidade, e ele reconheceu o valor de Marx 
por diferenciar entre o Estado e a sociedade: "Em parte, ciência política emer-
giria como uma disciplina separada das outras ciências sociais por causa do 
ímpeto que Marx .deu à idéia da diferença entre Estado e sociedade, uma 
idéia virtualmente desconhecida antes do seu tempo. "4 Deveras, especialistas 
em política comparada davam ênfase ao Estado até que, em desespero, eles 
abandonaram o conceito e o substituíram pelo de "sistema". 
Coincidentemente, Easton popularizou a idéia de sistema em ciência política. 
Tentou interpretar para a ciência política o pensamento contemporâneo da sua 
época, mas foi incapaz de desenvolver qualquer teoria significante apesar de 
considerável esforço e muita publicação.5 Deixando de lado as instituições legais 
e formais e voltando a atenção para o sistema político em vez do Estado, Easton 
procurou uma teoria geral que pudesse transcender estudos de partidos políticos 
e associações. Foi influenciado por suposições orgânicas e fisiológicas, e acre-
ditava que o comportamento político e social era determinado por processos 
similares àqueles da natureza.6 Também há sugestões que sua noção sobre 
allocations parece "as teorias econômicas de distribuição de renda e distribuição 
de recursos. e particularmente a teoria neoclássica, porque aí também, ênfase 
é dada à economia como processo distributivo ou sistema".7 Ainda mais, pode 
haver semelhança com o modelo econômico clássico de Adam Smith: "o modelo 
eastoniano e a perspectiva econômica tradicional compartilham não só as noções 
de sistema e input-output, mas noções de escassez, distribuição, competição, 
máximo, equilíbrio homeostatic, interdependência funcional, regulação própria, 
pragmatismo, e feedback.8 Porém, alguns críticos acharam o pensamento de 
4 Easton, David. Political science. In: International Encyclopedia of the Social Sciences. 
New York, Macmillan/Free Press, 1968. v. 12, p. 295. 
5 Ver Easton, David. The political system; an inquiry into the state of political science. 
New York, Alfred A. Knopf, 1953; ver Easton. An approach to the analysis of political 
systems. In: World Politics, 9:383-400, Apr. 1957. Nesses ensaios ele elabora alguns con-
ceitos e um modelo geral para a análise do sistema político. Mais tarde, ele tentou refinar 
seu modelo em A framework for political analysis (Englewood Cliffs, New lersey, Pren-
tice Hall, 1965), e em A systems analysis of political life (New York, lohn Wiley & Sons, 
1965) . 
6 Campbell, Colin. Current models of the political system: an intellective-purposive view. 
In: Comparative Political Studies, 4:26, Apr. 1971. Ver Astin, lohn D. Easton 1 and 
Easton 2. In: Western Political Quarterly, 25:726-37, Dec. 1972. 
7 Mitchell, William C. Politics as the allocation of values: a critique. In: Ethics, 71 :79. 
lan. 1961. 
g Sorzano. l. S. David Easton and the invisible and. In: American Political Science 
Review, 69:91-106, Mar. 1975. 
Polkica comparada 5-5 
Easton fora dos limites do liberalismo clássico e de política econômica, espe-
cialmente sua ênfase em "apoio difusivo" e persistência do sistema.9 É claro 
também que seu trabalho não se preocupou muito com análise de estrutura, 
mesmo quando ocasionalmente se referiu a Radcliff-Brown, Malinowski, Merton, 
e Levy da escola de estrutura-funcional. Ele estava interessado na tradição in-
terdisciplinária de entendimento da "totalidade" do sistema em vez das suas 
partes. Porém, Gabriel Almond, influenciado por Easton, também pressionou 
para a aplicação de sistema à política -e o abandono do conceito de Estado. 
Em 1956 ele ofereceu uma simples topologia de sistemas políticos nacionais. 1O 
Junto com outros cientistas políticos, Almond mais tarde propôs um modelo 
estrutural-pragmático para o estudo comparativo de sistemas políticos. Sua 
formulação foi gerada por uma das influências que afetou Easton, porém a 
formulação abandonou a idéia de análise global para análise de meia-enver-
gadura, e orientou a política comparada décadas depois. De importância espe-
cial foi a substituição do termo sistema político por Estado e ênfase na inter-
relação .das unidades do sistema, mais na tradição de Weber e Talcott Parsons. 
A obscuridade dos conceitos como o de Estado foi uma preocupação para os 
estudiosos mais jovens e radicais dentro da disciplina; estes foram reconhecidos 
por Easton no seu discurso de posse da Associação Americana de Ciência Polí-
ticaY Na ocasião ele caracterizou e identificou a revolução pós-behavioral dos 
anos60 com premissas de valor, debates, e ação para a reformulação da socie-
dade para atender as necessidades dos cidadãos. Enquanto Easton não é radical, 
como teorista ele aprecia as tendências alternativas dentro da disciplina. 
Recentemente, Easton reviu alguns trabalhos marxistas sobre a teoria do Es-
tado, contrastando estes com sua própria contribuição para a teoria de sistemas.l~ 
Observou que o conceito de Estado na ciência social contemporânea foi res-
suscitado não só pelos trabalhos marxistas, em particular a teoria de Nicos 
Poulantzas, mas por "acadêmicos" interessados em estudar o poder autoritário, 
liberalismo econômico e análise política (policy ana/ysis). Porém Easton con-
tinua a expressar preocupação sobre a imprecisão conceitual de um termo como 
Estado. Reconhecendo que o interesse renovado sobre este vem representando 
"um desafio necessário à pressuposição ideológica da pesquisa social convencio-
nal", ele, porém, pediu aos marxistas para abandonarem o conceito de Estado: 
"A perspectiva central do marxismo nas suas várias formas depende menos 
da noção de Estado do que da noção de modos de produção, conflito de classes 
e 'contradições'." Ele acreditava que Nicos Poulantzas fizera um esforço notá-
vel para ressuscitar o conceito, mas em última análise sua teoria era obscura 
e teoricamente complexa; temos que questionar sua adequação teórica e sua 
potencialidade operacional para uma pesquisa empírica e teórica. Enquanto "0 
Estado punha o sistema político em estado-de-sítio", Easton tinha expectativas 
para uma "análise mais rigorosa". Ele não reconhecia que sua própria formu-
lação não resolvesse este problema para a ciência política. Ainda mais enquanto 
9 Por exemplo, Lewis, Thomas J. Parsons' and David Easton's analysis of the support 
system. In: Canadian lournal of Political Science, 7:672-86, Dec. 1974. 
10 Almond, Gabriel A. Comparative politicaI systems. In: lournal of Politics, 18:391-409, 
Aug. 1956. 
li Easton, David. The new revolution in politicaI science. In: American Political Science 
Review, 62, 1.051-61, Dec. 1969. 
12 Easton, David. The politicaI system besieged by the state. In: Political Theory, 9, 
303-25, Aug. 1981. 
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estava certo em enfatizar o modo de produção e o conflito de classes como 
principais conceitos de orientação da análise marxista, a atenção ao Estado e 
seus dispositivos não podem ser ignorados, como Marx sugeriu no relacionamento 
dialético entre o Estado e a base econômica da sociedade. Atualmente. os 
cientistas políticos que usam a metodologia marxista tem mostrado considerá-
vel interesse no estudo de Estado e classe. 
2. Para uma teoria de Estado e classe 
A política econômica marxista contemporânea tem gerado questões sobre o 
Estado e sistema sob duas maneiras. Primeiro, houve a tendência de interpretar 
o sistema como capitalista e de reconhecer que Marx baseou seu funcionalismo 
nas contribuições que as principais instituições dão à sociedade capitalista para 
que a maximização do lucro se torne a atividade mais importante e o Estado 
sirva como máquina administrativa da burguesia. Szymanski, inspirando-se em 
Marx e Engels, ressaltou a dialética e o funcionalismo. Ele acreditava que o 
dialectical functionalism implicasse o movimento entre abstração e concreto, 
entre teoria e realidade. Ele argumentava que, apesar da interdependência de 
fatores, estes têm contradições internas também. Por exemplo, no capitalismo 
pode-se ter maior acumulação de bens na sociedade, mas isto pode resultar 
em um proletariado expandido e num conflito contra agentes que controlam os 
meios de produção. Esta interpretação envolve a possibilidade de mudança como 
conseqüência dessas forças em oposição dentro do sistemaY Usando esta pers-
pectiva, alguns marxistas podem analisar racismo, educação, família, forças ar-
madas. e Estado em termos práticos. Porém, a maioria dos marxistas vêem o 
sistema como o Estado e procuram no pensamento de Hegel, Marx, Engels, e 
Lenine vários conceitos de Estado e classe. Várias perspectivas aparecem na 
literatura. 
O conceito pluralista de Estado provém da teoria elitista e clássica da demc-
cracia e da suposição que em toda sociedade uma minoria toma as principais 
decisões. Enquanto esta idéia tem origem no pensamento de Platão, dois soció-
logos políticos italianos, Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, tiveram influência 
particular. Pareto não só distingue entre elites e não elites, mas sugeriu a 
idéia da circulação de elites. Por exemplo, uma elite pode substituir outra, 
quando aristocracias decaem ou se recompõem, ou há mobilidade de uma camada 
social não-elitista para uma camada social elitista ou para uma classe gover-
nante de pessoas, que administra direta ou indiretamente.14 Mosca se referiu a 
conceitos como classe política, classe regente e classe governante e também reco-
nheceu a possibilidade de que a composição da classe regente pode mudar CClm 
a ascensão de novos interesses e grupos. Se uma classe regente é destituída, 
uma minoria organizada dentro das massas assumiria as funções da classe re-
gente.15 Estas idéias, junto com o pensamento de James Madison em Federalist 
13 Syzmanski argumentou que functionalism foi e continua a ser usado em maneiras con-
servadoras, mas quando interpretado dialeticamente, "e uma parte fundamental da metodo-
logia marxista, e um instrumento muito poderoso no avanço da ciência social"; ver Syzmans-
ki. AI. Malinowski. Marx, and functionalism. In: Insurgent Sociologist, 2:35-43, Summer 
1972. 
14 Ver Pareto, Vilfredo. Sociological Writings. introd. de S. E. Finer. New York, Frederick 
A. Praeger, 1966. 
15 . Ver Mosca, Gaetano. The ruling class; elementi de scienza política. ed. e rev. com 
introd. de Arthur Livingston. New York, McGraw-HilI, 1939. 
Política comparada S1 
Papers, de que a ordem democrática americana é caracterizada por múltiplos 
e diversos interesses e ampla distribuição de poder, contribuíram para uma in-
terpretação pluralista de Estado e de classe. Robert Dahl e outros cientistas 
políticos foram particularmente eficazes em orientar-nos para estudos pluralistas 
sobre o poder nos EUA.16 Enquanto estas idéias dominam a orientação conven-
cional na ciência política, recentemente Dahl modificou sua orientação e propôs 
que o "pluralismo não é mais limitado ao pensamento ocidental burguês", e 
que as economias socialistas também podem ser bastante descentralizadas e 
pluralistas, como a Iugoslávia desde 1950, Tcheco-Eslováquia em princípios de 
1968, e Portugal imediatamente depois do golpe de 1974.17 Claro que os con-
ceitos de socialismo democrático ou democracia socialista não são novos e pre-
valecem particularmente na Europa contemporânea. Porém, vários fatores devem 
ser considerados. Por exemplo, dada a tendência da maioria dos cientistas 
sociais americanos de favorecer a idéia de pluralismo, com ênfase em resolução 
e consenso, podem eles integrar uma análise que incorpore contradições e con-
flitos de classes na sociedade? Podem eles seriamente observar o conflito de 
classes, e não é provável que eles idealizem a noção de uma sociedade sem 
classes que às vezes é implícita na perspectiva pluralista? Estas são questões 
importantes porque distinções de classes devem persistir por algum tempo sob 
o capitalismo e o socialismo. 
Outra perspectiva sobre o Estado e classe provém dos primeiros pensamentos 
de Marx que argumentava com Hegel, particularmente com a suposição de que 
a distinção entre o Estado e as instituições da sociedade civil ou privada poderia 
ser superada. Marx argumentou que o Estado é a organização que a burguesia 
adota para a proteção da sua propriedade e interesses. A avaliação "crítica" 
de Marx sobre Hegel tinha como objetivo expor a ideologia ou "falsa cons-
ciência" que acompanha a era capitalista. Nos seus primeirosestudos Marx 
investigou o significado da consciência e alienação do trabalhador. Estas idéias 
serviram como base para a tradição hegeliana-marxista, o pensamento de 
Georg Lukács, e os representantes, incluindo Theodor Adorno e Herbert Mar-
cuse, da Escola de Frankfurt, e também o filósofo contemporâneo Jurgen Haber-
mas. Este último demonstrou que o conflito de classe assume a forma de desi-
lusão ideológica, quer dizer, o conflito não é reconhecido pelos capitalistas e 
tampouco pelos trabalhadores. Habermas se preocupa principalmente com a 
consciência de classes e evita tratamentos superficiais da relação da base com 
a superestrutura.18 
Ainda numa outra conceituação sobre o Estado, inerente nos trabalhos de 
G. William Domhoff e no ponto de vista explicitamente marxista de Ralph 
Miliband, a classe capitalista dominante exerce o poder de usar o Estado como 
instrumento de dominação da sociedade. Este instrumentalismo deriva-se do 
Manifesto Comunista, no qual Marx e Engels afirmam que "o Estado moder-
no não é senão um comitê para administrar os negócios da burguesia em sua 
16 Ver Dahl, Robert A. Who governsldemocracy and power in an American City. New 
Haven Yale Univ. Press, 1961 e Polyarchy, participation, and opposition. New Haven Yale 
University Press, 1971. 
17 Dahl, Robert A. Pluralism revisited. In: Comparative Politics, 10:191-203, Jan. 1978. 
18 Flood, Tony. Jurgen Habermas's critique of marxismo Science and Society. Winter 
1977-1978. p. 448-64. 
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totalidade".19 Domhoff enfatizou esta idéia de manipulação do Estado pela 
classe dominante, unindo membroJl da classe alta em controle da economia cor-
porativista e afirmando a proposição que a vida nos EUA é dominada por uma 
elite corporativista, relativamente unida. Empiricamente ele tentou demonstrar 
a existência de uma estrutura nacional de poder entrelaçada através de uma 
análise de conthlgência, reputação, posição e trabalho reticular. A principal 
crítica desta teoria foi sua limitação em mostrar vínculos entre pessoas que 
ocupam posições importantes e sua tendência de interpretar classe em termos 
estáticos e unidimensional, em vez de como um relacionamento dialético envol-
vendo mais de uma única classe.20 
Em State in capitalist society, Ralph Miliband também adotou a proposição 
que a classe dominante na sociedade capitalista mantém o poder e usa o Estado 
como seu instrumento para dominação da sociedade. Miliband não se limita 
simplesmente em localizar pessoas influentes numa estrutura econômica de 
poder monolítica. Ele se focalizou na burguesia em seu todo, examinando suas 
partes diversas e sua autonomia, como também a idéia que o Estado pode agir 
no interesse dos capitalistas, mas nem sempre no comando destes.21 
A perspectiva estruturalista do Estado e classe difere da interpretação ins-
trumentalista, embora Miliband parece desejar incorporá-las (bridge the flap). 
Nicos Poulantzas, o estruturalista francês, argumentou que o envolvimento direto 
dos membros da classe dominante não necessariamente é responsável pelas ações 
do Estado: "o Estado capitalista só serve os interesses da classe capitalista quan-
do os membros desta classe não participam do aparelho estatal."22 Poulantzas 
acreditava que as estruturas da sociedade e não as pessoas influentes determinam 
as funções do Estado. Ele relacionou as funções do Estado capitalista com o 
impacto do Estado n8:s classes capitalistas e trabalhadoras, sugerindo que o 
Estado funciona em várias maneiras para reproduzir a sociedade capitalista em 
seu total. O Estado tende a ocultar a divisão de classes e tenta representar a 
"unidade" das massas como se um conflito de classes não pudesse existir. Para 
demonstrar seu ponto de vista de que o Estado não é simplesmente o instrumento 
da classe dominante, Poulantzas afirma que o Estado tolera a organização de 
partidos políticos para que a contradição interna e a fragmentação resultem 
em conflitos dentro da classe trabalhadora e em desunidade dentro da burgue-
sia; assim, nem a classe burguesa, nem a classe trabalhadora podem ascender 
como classe unida a uma posição de dominância, e o Estado fica acima dos 
interesses particulares de indivíduos capitalistas e de facções da classe capita-
lista.23 
As origens e influências do pensamento estruturalista são encontradas nos 
textos do antropólogo Claude Levy-Strauss, do marxista italiano Antonio Gramsci, 
19 Marx, Karl & Engels, Frederick. The manifesto of the communist party. p. 35-65. In: 
Selected works in two volumes. Moscow, Foreign Language Publishing House, 1958. v. 1: 
Ter. em p. 36. 
20 Ver, por exemplo, Domhoff, G. WiIliam. The higher circles; the governing class in 
America. New York, Vintage Books, 1970. 
21 Miliband, Ralph. Theories of the state and the capitalist state. In: New Lelt Review. 82: 
85, Nov./Dec. 1973. também ver Miliband. The state in capitalíst society; an Analysis Df 
the Western system of power. New York. Basic Books. 1969. 
22 Poulantzas. Nicos. The problem of the capitalist state. In: New Left Review, 58:74, 
Nov./Dec. 1969. 
23 Essa diretriz é elaborada em Poulantzas, Nicos. Polítical power and social classes. Lon-
don, New Left Books, 1973. 
Política comparada 59 
e do marxista francês Louis Althusser. Embora o trabalho de Levy-Strauss 
não seja marxista, ele foi incorporado ao marxismo porque, como observado por 
Friedman, "as duas metodologias tentam explicar realidade em termos de relações 
fundamentais".24 Maurice Godelier argumentava que Marx introduziu o estru-
turalismo, porque Marx apresentou um entendimento científico do sistema capi-
talista, descobrindo "as estruturas internas ocultas pelo seu funcionamento vi-
sível".25 As observações de Gramsci sobre o Estado dão ênfase à "hegemonia" 
ou dominância de um grupo social ou classe em poder. Ele observou que crises 
de hegemonia da classe dominante ocorrem quando I! classe dominante falha 
em uma incumbência política.26 Althusser foi influenciauo em parte por Gramsci, 
mas ele desenvolveu sua análise pelas idéias do Marx "maduro", quer dizer, 
dos últimos trabalhos desenvolvidos por Marx. Num ensaio sobre Estado e 
classe, Althusser descreveu o que ele interpretou como a representação de 
Marx sobre a estrutura de toda a sociedade, retratada como infra-estrutura ou 
base eCOL1ômica das forças produtivas e das relações de produção e superestru-
tura de caráter político-legal e ideológico. Althusser concebeu o Estado como 
um aparelho repressivo de burocracia, polícia, tribunais, prisões, e o exército, 
que permite a classe regente dominar sobre e explorar a classe trabalhadora. 
O Estado intervém em tempos de crise e protege a burguesia e seus aliados no 
conflito de classe contra o proletariado.2i 
3. Para uma teoria de desenvolvimento e subdesellvolvimento 
Embora haja tendência em direção ao estudo das teorias de Estado e de classe, 
há tamoém considerável interesse na prolífica literatura sobre desenvolvimento 
e subdesenvolvimento. A tendência convencional de política comparada tem-se 
preocupado com questões sobre desenvolvimento político, geralmente conceituado 
em termos de democracia política; desenvolvimento e nacionalismo; moderni-
zação.2S Além disso, a perspectiva convencional parece ter incorporado muito 
da literatura sobre subdesenvolvimento, dependência e imperialismo. Visto que 
esses temús são geralmente considerados "radicais", ofereço um breve resumo 
crítico desses temas e então discuto novas alternativas.29 
Tradicionalmente, a teoria de desenvolvimento era associada à possibilidade 
de desenvolvimento nos países menos desenvolvidos. A suposição era que a 
24 Friedman, Jonathan. Marxism, structuralism, and vulgar materialismo In: Man, 9:453, 
Sept. 1974. 
25 Godelier, Maurice. Structure and contradiction in capital. p. 336. In: Blackburn, Robin. 
ed. Ideology in social science. New York, VintageBooks, 1973. 
26 Ver esp. Gramsci, Antonio. Selections from the prison notebooks of Antonio Gramsci. 
London, Lawrence & Wishart, 1971. 
27 Althusser, Louis. Ideology and the ideological state apparatuses. Notes towards an in-
vestigation. p. 121-73 em seu livro Lenin and philosophy and other essays. London, New 
Left Books, 1971. 
28 Exemplos de trabalho sobre desenvolvimento político são Pye, Lucian. Aspects of politi-
cal development. Boston, Little, Brown, 1966; Deutsch, Karl. Nationalism and social commu-
nication. New York, Technology Press of MIT, 1953. Sobre modernização, ver Apter, David 
E. The politics of modernization. Chicago, University of Chicago Press, 1965; Huntington, 
Samuel. Political order in changing societies. New Haven, Yale University Press, 1968. 
29 Ver discussão de outras teorias de desenvolvimento e subdesenvolvimento no capítulo 7 
do meu livro, Theories of comparative politics; e em Theories of development and under-
de~'elopment. 
60' R.C.P. 2/88 
difusão de capital e tecnologia resolveria os problemas de pobreza e fome 
nos países subdesenvolvidos. Essa teoria foi contestada por muitos acadêmicos, 
talvez mais distintamente por Andre Gunder Frank no seu trabalho sobre a 
América Latina e por Walter Rodney, que focalizou seu estudo sobre a África.30 
As idéias de Frank são provavelmente mais conhecidas dentro da ciência 
social norte-americana. Ele enfatizou o monopólio comercial e não o feudalismo 
como explicação para que as metrópoles nacionais e regionais dominantes explo-
rem e se apropriem do superávit dos seus satélites dependentes. A idéia do 
superávit se originou nas idéias de Paul Baran,31 enquanto a dicotomia entre 
metrópoles e satélite foi baseada na suposição que o capitalismo, numa escala 
global, é responsável pelo subdesenvolvimento das nações periféricas. Essas 
idéias influenciaram Immanuel Wallerstein a elaborar a teoria do sistema global 
na sua história interpretativa das origens e evolução do capitalismo na Europa.32 
A literatura está repleta de terminologia envolta destes temas. O economista 
argentino, Raúl Prebisch, trabalhando na Comissão Econômica da América La-
tina (CELA), foi um dos primeiros a dividir o mundo em centro e periferia e 
a estudar o problema de subdesenvolvimento e oferecer soluções reformistas. 
Essa tradição foi continuada por outros que, na ocasião, se associaram com a 
CELA, como os economistas brasileiro Celso Furtado, o chileno Osvaldo Sunkel, 
e o sociólogo político Fernando Henrique Cardoso. Furtado examinou [!s de-
sigualdades no Brasil no decorrer da sua história.33 Sunkel concluiu que o subde-
senvolvimento fazia parte do processo do desenvolvimento capitalista interna-
cional e afirmou que desigualdades poderiam ser corrigidas através de trans-
formações estruturais.34 Cardoso propôs a tese de que o desenvolvimento capi-
talista dependente se tomou uma nova forma de expansão monopolítica no 
terceiro mundo; quer dizer, em situações capitalistas dependentes, desenvolvi-
mento só pode beneficiar aquelas classes associadas com o capital internacionaL 
como. por exemplo, a burguesia nacional agrária, comercial, financeira e indus-
triaI:5 O sociólogo político mexicano Pablo González Casanova sugeriu uma 
solução nacional para o problema do colonialismo interno; ele afirma que o 
colonialismo interno se encontra em nações onde uma metrópole domina as 
comunidades isoladas e periféricas, deformando a economia indígena e explo-
rando relações de produção.36 
Essa tradição reformista contrasta com uma perspectiva mais radical sobre 
desenvolvimento e subdesenvolvimento, originalmente articulada nos pensamen· 
30 Frank, Andre Gunder. Capitalism and underdevelopment in Latin America. New York, 
Monthly Review Press, 1967; ver Rodney, Walter. How Europe underdeveloped Africa. 
London, 1972. 
31 Baran, Paul. The polítical economy 01 growth. New York, Monthly Review Press, 1957. 
32 Wallerstein, Immanuel. The modern world-system: capitalist agriculture and the origins 
01 the European world-economy in the sisteenth century. New York, Academic Press, 1974. 
4 v., v. 1. 
33 Furtado, Celso. Economic growth 01 Brazil; a survey Irom colonial to modernitines. 
Berkeley, University of California Press, 1963. 
34 Sunkel, Osvaldo. Big business and 'dependencia'. In: Foreign Allairs, 50:517-31, Apr. 
1972. 
35 Cardoso, Fernando Henrique. Dependency and development in Latin America. New 
Lelt Review, 74:83-95, July/ Aug. 1972. Associated-dependent development: theoretical and 
practical implications. p. 142-76. In: Stepan, Alfred, ed. Authoritarian Brazil; origins, 
policies, and luture. New Haven, Yale University Press, 1973. 
36 Casanova, Pablo Gonzáles. Sociología de la explotación. 2. ed., México, Siglo Veintiuno, 
1970. 
Política comparada 6.1 
tos do historiador brasileiro Caio Prado Jr., do historiador argentino Sergio 
Bagu, e do cientista político argentino Silvio Frondizi. Para avaliar o impacto 
do capitalismo nas sociedades dependentes Bagu e Prado focalizaram suas 
análises no colonialismo e dependência, enquanto que Frondizi estudou dois 
imperialismos, o britânico e o dos EUA.37 Estes escritores argumentaram que 
capitalismo, não o feudalismo, havia prevalecido desde os tempos coloniais e 
que a burguesia nacional nos seus países era incapaz de cumprir sua função 
histórica de criar um sistema capitalista autônomo. Essa suposição levou-os a 
favorecer soluções revolucionárias para o problema do subdesenvolvimento. 
Versões mais refinadas deste pensamento foram elaboradas pelos cientistas 
sociais brasileiros Teotônio dos Santos e Rui Mauro Marini. Santos descreveu 
vários tipos de dependência: dependência colonial baseada no monopólio co-
mercial dos países europeus sobre suas colônias; dependência financeiro-indus-
triaL que se consolidou no final do século XIX, sob a dominação do capital 
nos centros de hegemonia; a nova dependência representada pelos investimen-
tos das corporações multinacionais depois da 11 Guerra Mundial. Essa teoria 
tentou demonstrar que o relacionamento dos países dependentes com os países 
dominantes não pode ser alterado sem uma mudança na estrutura interna e nas 
relações externas. Além disso, a estrutura de dependência tende a se apro-
fundar, resultando em subdesenvolvimento nos países dependentes. "O caráter 
desigual e associado do desenvolvimento capitalista a nível internacional e re-
produzido internamente numa forma intensa ( ... ) a estrutura industrial e tec-
nológica reagem mais aos interesses das firmas multinacionais do que as neces-
sidades internas ( ... )."38 Por sua vez Marini defendia a teoria do subimpe-
rialismo. Ele caracterizou o capitalismo brasileiro como superexplorador, com 
a rápida acumulação de capital beneficiando os donos dos meios de produção. 
Devido ao declínio do consumo interno e do superávit depois do golpe de 
1964, o regime militar implantou o seu modelo subimperialista através da ex-
ploração do consumo de massa e da penetração dos produtos brasileiros nos 
mercados externos. A expansão brasileira necessitou a união dos interesses do 
Estado ... da burguesia e das muItinacionais.39 
Inúmeros escritores adotaram algumas dessas perspectivas. Por exemplo, Ar-
ghiri Emmanuel concentrou seus estudos nas desigualdades do comércio inter-
nacional e dos mercados internacionais.40 Samir Amin enfatizou o desenvolvi-
mento desigual porque a periferia, dada sua integração no mercado mundial, 
não tem os meios econômicos para desafiar os monopólios externos. Assim, 
o subdesenvolvimento é acentuado, o crescimento é bloqueado na periferia, e 
o desenvolvimento autônomo é impossível. O modo de produção capitalista 
tende a se tornar exclusivo no centro dominante, mas não na periferia onde 
outros modos de produção podem ser evidentes.41 Os aspectos desiguais e asso-
ciados do desenvolvimento, descritos por Santos e outros observadores,são 
37 Bagu, Sérgio. Economía de la sociedad colonial; ensayo de historia comparada de Amé-
rica Latina. Buenos Aires, Libreria El Ateneo, 1949; ver Frondizi, Silvio. La integración 
mundial: ultima etapa deI capitalismo (respuesta a una crítica). Buenos Aires, 1947 e 1954. 
38 Santos, Theotonio dos. The structure of dependence. American Economic Review, 60: 
234-5, May 1970. 
39 Marini, Ruy Mauro. Subdesarrollo y revolución, México City, Sigl0 Veintiuno, 1969. 
40 Emmanuel, Arghiri. Unequal exchance; a study 01 the imperialism 01 trade. New York, 
Monthly Review Press, 1972. 
41 Amin, Samir. Unequal development. New York, Month1y Review Press, 1976. 
62 R.C.P. 2/88 
derivados dos trabalhos de Trotsky, mas salientados em análise por Ernest Man-
deI e Michael Lowy.42 
Críticas de todas essas teorias são abundantes. O problema principal é a 
tendência de categorizar dependência como teoria, quando de fato não há 
uma teoria uniforme. Estudantes beneficiaram-se ao aplicar a idéia de depen-
dência a situações, como sugere Cardoso, ou para descrever relações e condi-
ções entre países na política econômica internacional global. Há também ten-
dência a salientar sub consumo como conseqüência do imperialismo e da neces-
sidade dos países industrializados de obter novos mercados externos para com-
pensar a diminuição da produção interna. Uma denúncia freqüente é que os 
estudos sobre subdesenvolvimento se baseiam nas relações do mercado ao invés 
das relações de produção. Há preocupação de que muitas das idéias sobre 
subdesenvolvimento ignoram o conflito e a luta de classes. Muito poucas solu-
ções práticas para o problema do subdesenvolvimento são oferecidas. Final-
mente, há sérias questões sobre a compatibilidade das idéias de subdesenvol-
vimento e dependência para uma teoria do marxismo.43 
Dado o debate sobre as velhas e novas idéias de desenvolvimento e subden-
volvimento, qual o futuro? A evidência sugere que enquanto a política com-
parada convencional tenha aceitado muitas idéias, outras perspectivas alterna-
tivas estão surgindo. Os trabalhos de Frank e Wallerstein sobre o sistema mun-
dial, uma ampliação de esforços anteriores, são muito populares e têm estimulado 
estudiosos a reavaliar o desenvolvimento histórico do capitalismo, particu!ar-
mente na experiência européia. Porém, duas outras teorias estão recebendo 
atenção: a internacionalização do capital e modos e articulação dos meios de 
produção. 
4. Internacionalização do capital 
Um economista político francês, François Palloix, elaborou a teoria da inter-
nacionalização do capital. Ele tentou estender a metodologia e as categorias do 
capital de Marx para focalizar no movimento de capital e luta de classes ao 
nível internacional. Palloix está interessado em temas como valorização inter· 
nacional, modos de acumulação internacional de capital e internacionalização 
do sistema produtivo e financeiro.44 Ele não salienta a exploração na periferia, 
mas focaliza a exploração no processo de produção na escala global; essa aná-
lise diferencia sua perspectiva da maioria dos outros escritores que hão tentado 
explicar subdesenvolvimento no terceiro mundo.45 
Marcussen e Torp também argumentam que novas formas de internacionali-
zação do capital surgiram desde a crise européia, proveniente do aumento do 
preço do petróleo em 1973. Eles mostram que o capital tem sido orientado 
da Europa para a periferia em busca de novos investimentos e mercados, permi-
42 MandeI, Ernest. Late capitalismo London, NLB, 1975; Lowy, Michael. The politics 01 
combined and uneven development; the theory 01 permanent revolution. London, NLB, 1981. 
43 Estas críticas são anotadas em Chilcote, Ronald H., ed. Dependency and marxism; Toward 
a resolution 01 the debate. Boulder, Westview Press, 1982; originalmente publicado em V. 
30-31 da Latin American Perspectives, Summer-Fall, 1981. 
44 Ver Palloix, Christian. L'internalisation du capital. Paris, François Maspero, 1975. 
4S Pallois, Christian. The self-expression of capital on a world scale. Review 01 Radical 
Political Economics, 9:1-28, Summer 1977. 
Política comparada 63 
tindo a acumulação do capital nacional em alguns países, enquanto que outros 
continuam a sofrer o bloqueio de desenvolvimento descrito pela escola depen-
dentista: "nós chegamos à conclusão que elementos dinâmicos existem nas várias 
condições históricas para acumulação do capital nos países ocidentais, parti-
cularmente a crise econômica desde 1973, e que esses elementos são responsáveis 
pela criação de novas estruturas reprodutivas em partes da periferia que pode 
muito bem romper com a situação de "desenvolvimento bloqueado".46 Marcussen 
e Torp acreditam que a acumulação nacional do capital é possível em algumas 
partes da periferia. Eles analisam o impacto do capital francês na Costa do 
Marfim e tentam demonstrar que este país pode transcender o desenvolvimento 
bloqueado. 
Outros exemplos de trabalhos que seguem essas diretriz incluem a análise 
de Stephen Hymer sobre a corporação multinacional em termos de movimen-
tação internacional do capita1.47 O trabalho do falecido Bil Warren é de grande 
interesse, pois foi ele um dos primeiros críticos do subdesenvolvimento. Seu 
trabalho mais recente focalizou os aspectos progressivos do capitalismo na peri-
feria. Ele argumentou que o imperialismo tem sido uma força progressiva capaz 
de promover industrialização e crescimento econômico mesmo em países atra-
sados.48 
5. Modos e articulação dos meios de produção 
A busca de uma teoria de desenvolvimento tem-se tomado para o estudo dos 
meios de produção. Marx estava interessado principalmente no modo capitalista 
de produção, mas ele se referiu com freqüência aos modos pré-capitalistas de 
produção. Suas idéIas estimularam discussões sobre a natureza da sociedade. 
Por exemplo, houve um debate entre Maurice Dobb e Paul Sweezy sobre feu-
dalismo e capitalismo.49 Sweezy e Charles Bettelheim debateram a natureza da 
transição para o socialismo.50 Porém, o trabalho dos estruturalistas franceses, 
especialmente em antropologia econômica, têm chamado nossa atenção. Os 
marxis'tas franceses usam a linguagem e a metodologia de Louis Althusser e 
Etienne Balibar; particularmente o conceito de articulação dos meios de pro-
dução; articulação envolve associação de meios de produção diferentes e tam-
bém o relacionamento dialético entre a base econômica e a superestrutura polí-
tica de uma sociedade. Outro pensador francês, Pierre-Philippe Rey, explicita-
mente usa essa terminologia em sua análise dos meios de produção. Ele afirma 
que ambos os meios de produção, velhos e novos são evidentes em qualquer tran-
sição. Ele crê que o ça}?italismo vai eventualmente destruir todas as relações 
de exploração que caracterizam meios pré-capitalistas de produção. Assim, 
ele refuta a idéia de que o capitalismo dependente na periferia funciona 
como o seu próprio meio de produção, com suas próprias leis de movimento.51 
46 Marcussen, Henrik Secher & Torp, Jens Etik. lnternationalization of capital; prospects 
for the third world, a reexamination of dependency theory. London, Zed Press, 1982. c. 10. 
47 Hymer, Stephen. The internationalization of capital. lournal of Economic lssues, 6:91-111, 
1972. 
48 Warren, Bill.lmperialism; pioneer of capitalismo London, NLB, 1980. 
49 Hilton, Rodney, ed. The transition from feudalism to capitalismo London, NLB, 1976. 
50 Sweezy, Paul M. & Bettelheim, Charles. On the transition to socialismo New York. 
Monthly Review Press, 1971. 
51 Rey, Pierre-Philippe. Les alliances de classes. Paris, François Maspero, 1973. 
64 R.C.P. 2/88 
Muitas das teorias de subdesenvolvimento e dependência procederam da Amé-
rica Latina. Do mesmo modo, a atenção pãra os meios de produção foi uma 
resposta para essas teorias, e alguns dos trabalhos empíricos de interesse en-
contram-se na AméricaLatina. Os mexicanos Domenico Sindico e Roger Bartra, 
o peruano Rodrigo Montoya, e os bolivianos Gustavo Rodrigues e Antonio Rojas 
são representantes de alguns dess.es trabalhos.52 Meu resumo das teorias alterna-
tivas examinou algumas das idéias e literatura relacionadas com o Estado e 
classe e também com desenvolvimento e subdesenvolvimento. Os trabalhos re-
centes e novas diretrizes compartilham uma preocupação comum de que a aná-
lise de classe seja usada em pesquisa e estudo e que nós continuemos na busca 
de uma teoria de luta de classe . .>.3 O esforço para formular a teoria de depen-
dência foi uma reação ao fracasso do imperialismo para explicar o impacto do 
capitalismo internacional sobre a estrutura de classe dos países subdesenvolvidos. 
No entanto, a literatura de dependência continuou a refletir desatenção à 
análise das classes. Ambas perspectivas da internacionalização do capital e 
meios de produção alegam reagir a essa deficiência. Curiosamente, alguns aca-
dêmicos interessados na teoria do Estado e de classes concluem que a análise 
deve salientar a luta de classes. Igualmente, críticos e defensores da dependên-
cia insistem na análise de classes.54 Este ensaio reviu uma variedade de idéias, 
discutindo suas contribuições e deficiências. Sugiro a necessidade de uma teoria 
de luta de classes, uma tentativa de delinear as várias correntes na literatura. 
~ claro que a tarefa adiante na busca de teorias alternativas tem que levar 
em consideração ambas as questões de política e economia, em particular o 
reconhecimento que o estudo de situações reais tem que incluir um entendimento 
mais profundo do capitalismo e do socialismo no mundo contemporâneo. 
52 Seus trabalhos estão publicados em inglês na revista Latin American Perspectives, ver 
n. 27. 7, FalI 1980. Por exemplo, Richard Harris revê a influência do estruturalismo francês 
em The influence of Marxist structuralism on the intelIectualleft in Latin America. Insurgent 
Sociologist, v. 9, p. 62-72, Summer 1979. 
53 Esping-Andersen, Gosta; Friedland, Rodger & Wright, Erik Olin. Modes of class struggle 
and the capitalist state. In: Kapitalistate, 4-5:186-220, Summer 1976. 
54 Ver Johnson, Dale. Economism and determinism in dependency theory. p. 108-17; e 
Petras, James. Dependency and world system theory: a critique and new directions. p. 148-55. 
In: Chilcote, Ronald H. ed. Dependency and Marxism: toward a resolution of lhe debate. 
Boulder, Westview Press, 1982. 
Política comparada 65

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