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VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES 4

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AULA 4 
VIOLÊNCIAS NAS RELAÇÕES 
INTERPESSOAIS E SOCIAIS
Prof.ª Andressa Ignácio da Silva 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
Compreender a subordinação feminina é um aspecto central da teoria 
feminista. No contexto desse esforço, pesquisadoras desenvolveram o conceito 
de gênero. Nesta aula, serão abordadas as diferenças conceituais entre sexo e 
gênero, buscando demonstrar os sentidos do conceito de gênero e o contexto de 
sua construção. Serão abordados ainda os conceitos de patriarcado e violência 
de gênero com o objetivo de demonstrar como estes se relacionam com o 
processo de subordinação das mulheres. 
No Brasil, importantes avanços têm sido verificados no âmbito do 
enfrentamento da violência contra mulher. Nesse sentido, destacam-se alterações 
na legislação, entre as quais a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, que 
serão abordadas brevemente em seus aspectos gerais e aplicações. 
Por fim, em que pese, como dito anteriormente, os significativos avanços, 
são necessárias reflexões sobre as limitações dos mecanismos já existentes, bem 
como das estratégias sugeridas em estudos recentes sobre o tema da violência 
contra a mulher. 
TEMA 1 – GÊNERO: ASPECTOS CONCEITUAIS 
De acordo com Sherry B. Ortner (1979), um aspecto central da teoria 
feminista é compreender a subordinação feminina. Segundo a autora, cada cultura 
baseada em seus valores, práticas e critérios constroem mecanismo de 
inferiorização das mulheres. Embora existam mulheres que alcancem postos de 
destaque, em geral, se mantêm restrições, implicações e tabus que reforçam a 
subordinação feminina. 
Segundo Mateus Oka e Carolina Laurenti (2018), a distinção entre sexo e 
gênero ocorre na década de 1970. De acordo com os autores, o objetivo das 
teóricas feministas é questionar o uso de justificativas biológicas para as 
violências e opressões sofridas pelas mulheres. Nesse sentido, de acordo com 
Ortner (1979), embora haja diferenças biológicas entre os sexos, estas são 
valorizadas ou não conforme cada cultura. 
No campo das Ciências Sociais, sexo pode ser compreendido como uma 
categoria de base biológica, ou seja, usada para referir-se às características 
anatômicas e biológicas. 
 
 
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A distinção conceitual entre sexo e gênero busca evidenciar a forma como 
a natureza é significada pela cultura. Ou seja, como fenômenos e aspectos 
biológicos são culturalmente reforçados. O processo de desenvolvimento do 
conceito é analisado por Joan Wallach Scott (1995), segundo a qual 
O termo “gênero” torna-se, antes, uma maneira de indicar “construções 
culturais” – a criação inteiramente social de ideias sobre papéis 
adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se 
referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de 
homens e de mulheres. “Gênero” é, segundo essa definição, uma 
categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação 
dos estudos sobre sexo e sexualidade, “gênero” tornou-se uma palavra 
particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual 
dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (Scott, 1995, 
p. 75). 
De acordo com Nicole-Claude Mathieu (2009), as sociedades humanas 
reforçam e sobrevalorizam as diferenças. Com base nas diferenças biológicas, os 
indivíduos têm comportamentos, funções e padrões sociais estabelecidos. 
O conceito de gênero diz respeito, portanto, a aspectos sociais, culturais e 
históricos. Com base nas diferenças biológicas, ou seja, com base no sexo, 
indivíduos “aprendem” a se comportar de acordo com as diretrizes estabelecidas 
em sua cultura. 
Aspectos como a diferenciação de aparência (por exemplo, vestimentas, 
uso de acessórios e cabelos), regras e expectativas de comportamentos podem 
ser citadas como parte da construção dos gêneros feminino e masculino. De 
acordo com Mathieu (2009), a sexualidade, a reprodução e a divisão do trabalho 
também são aspectos do gênero. 
Como aponta a clássica afirmação de Simone de Beauvoir: “Ninguém 
nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico 
define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto 
da civilização que elabora esse produto [...]” (Beauvoir, 1967, p. 9). 
É importante destacar que existem diferentes usos, sentidos e concepções 
do conceito de gênero. No campo da teoria feminista, em suas diferentes fases, 
diferentes intelectuais formularam múltiplas definições do conceito de gênero, 
bem como da distinção entre sexo e gênero. 
Para fins desta disciplina, o conceito de gênero pode contribuir para a 
compreensão das dinâmicas de violência, em especial da violência intrafamiliar e 
contra a mulher. 
 
 
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TEMA 2 – VIOLÊNCIA DE GÊNERO E SUAS MANIFESTAÇÕES 
Como apontado anteriormente, o conceito de gênero emerge no campo dos 
estudos feministas. Nesse âmbito, a construção de tal conceito busca romper com 
a perspectiva de naturalização da subordinação das mulheres, bem como insere-
se em perspectivas críticas sobre o uso das características biológicas como 
justificativa para a subordinação. 
De acordo como Heleieth I. B. Saffioti (2001), a construção social dos 
gêneros relaciona-se com a consolidação do poder e da dominação patriarcal. De 
acordo com a autora, o patriarcado 
refere-se a milênios da história mais próxima, nos quais se implantou 
uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina [...] 
uma estrutura de poder que situa as mulheres muito abaixo dos homens 
em todas as áreas da convivência humana. É esta estrutura de poder, e 
não apenas a ideologia, que o conceito de patriarcado diz respeito 
(Safiotti, 2004, p. 136). 
As relações de poder e dominação são reproduzidas no âmbito familiar. 
Diante de tal fato, a compreensão da violência nessa esfera, de acordo com 
Nadilene Pereira Gomes et al. (2007), perpassa a compreensão do conceito de 
gênero e de patriarcado, na medida em que a violência pode ser utilizada como 
mecanismo de poder e dominação das mulheres. Ainda de acordo com as autoras, 
a busca pelo controle e submissão das mulheres a padrões e comportamentos 
prescritos pelos papéis de gênero é um dos fatores que explicam violência. Nesse 
sentido, mulheres que eventualmente não correspondam aos papéis pré-
estabelecidos também podem ser vítimas de violência de gênero. 
De acordo com José Fernando Dresch Kronbauer e Stela Nazareth 
Meneguel (2005), a violência de gênero pode ser definida como “qualquer ato que 
resulta ou possa resultar em dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à 
mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade 
em público ou na vida privada, assim como castigos, maus tratos, pornografia, 
agressão sexual e incesto” (Kronbauer; Meneghel, 2005, p. 696). 
A violência de gênero é muitas vezes “justificada“ com base em costumes, 
tradições, valores religiosos, entre outros. Destaca-se ainda que a violência de 
gênero muitas vezes é compreendida como “natural”, fruto do ciúme ou até 
mesmo demonstração de amor e carinho. Tais compreensões relacionam-se ao 
fato apontado por Lourdes Maria Bandeira (2014), segundo o qual a violência de 
 
 
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gênero ocorre em contextos de fragilização psicológica, social ou econômica da 
vítima. 
Em estudo realizado por Patrícia Alves de Souza e Marco Aurélio Da Ros 
(2006), os autores apontam as relações ambíguas de afeto e dor entre vítimas e 
seus agressores, sendo a visão idealizada de relacionamento ou a crença de que 
os agressores mudarão de comportamento fatores importantes para compreensão 
da permanência das vítimas nos relacionamentos. A dependência financeira é 
outro aspecto fundamental. A baixa escolaridade, a falta de qualificação 
profissional e o medo de não conseguir prover o sustento dos filhos são apontados 
pelas vítimas entrevistadas pelos autores como fatores que influenciaram a 
demora das vítimas em denunciar a violência e/ou romperos relacionamentos. 
A vítima de violência de gênero pode ainda se culpar pela agressão ou ser 
culpabilizada por familiares, companheiros e autoridades. De acordo com Saffioti 
(2004), tal fato pode ser explicado pela lógica do silêncio e da naturalização que 
encontra respaldo nas próprias dinâmicas patriarcais. De acordo com a autora, tal 
estrutura legitima a dominação dos homens sobre as mulheres. 
As últimas décadas têm sido marcadas pelas denúncias das violências de 
gênero em todo mundo, em especial pelos movimentos de mulheres e feministas. 
Diante disso, alterações na legislação e implementação de políticas públicas de 
enfretamento às violências de gênero têm ocorrido em diversos países. 
De acordo com Adriana Maria Bigliardi, Maria Cristina Antunes e Ana 
Claudia N. S. Wanderbroocke (2016), desde a redemocratização até 2002, a 
principal estratégia de enfrentamento da violência contra a mulher eram as 
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e de Casas-Abrigo. A criação 
em 2003 da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres contribuiu para a 
ampliação das políticas de enfrentamento da violência contra a mulher e a criação 
de novos serviços. As autoras destacam ainda a elaboração, em 2004, do Plano 
Nacional de Políticas para Mulheres. 
Pode-se destacar também a aprovação de novas legislações, como a Lei 
Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, que serão abordadas a seguir. 
TEMA 3 – POTENCIALIDADES, LIMITAÇÕES E A APLICAÇÃO DA LEI MARIA 
DA PENHA 
De acordo com Carmen Hein Campos e Kelly Gianezini (2019), a Lei 
11.340/2006, conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha”, é fruto de um 
 
 
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processo iniciado na década de 1970. Nesse período, o movimento feminista 
ganhava força no Brasil e o combate à violência contra a mulher foi tomado como 
uma das principais bandeiras de luta. 
O enfrentamento da violência contra a mulher perpassa a ruptura com a 
naturalização do fenômeno e o enfretamento das estruturas de poder e 
dominação. Nesse sentido, a trajetória de Maria da Penha Maia Fernandes é 
significativa dos mecanismos de vitimização das mulheres. 
A farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, nascida em 
1945, sobreviveu a inúmeras agressões do seu então companheiro Marco Antônio 
Heredia Viveros, professor universitário colombiano. Este, por duas vezes, tentou 
matar Maria da Penha, sendo que, na primeira tentativa de homicídio, deixou-a 
paraplégica com um tiro de espingarda. Após um longo processo de recuperação, 
ao voltar para casa, Maria da Penha foi vítima de uma nova tentativa de homicídio, 
na qual o mesmo agressor tentou eletrocutá-la durante o banho. 
Em 1984, Maria da Penha iniciou o processo visando à punição de seu 
agressor. Até 1991, embora com condenações, o agressor permaneceu em 
liberdade. Durante esse período, Maria da Penha recorreu a organizações de 
promoção de Direitos Humanos que a ajudaram a levar seu caso para a Comissão 
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – 
OEA. O Brasil foi condenado pela Comissão por negligência, omissão e tolerância 
em relação à violência doméstica contra as mulheres. A repercussão do caso de 
Maria da Penha, bem como a mobilização do movimento feminista foram 
fundamentais para que a Lei n. 11.340/2006, conhecida por Lei Maria da Penha 
fosse aprovada e sancionada. 
De acordo com Alessandra Acosta Carneiro e Cristina Kologeski Fraga 
(2012), a Lei Maria da Penha tem importante papel ao fixar no âmbito jurídico o 
conceito de violência doméstica, bem como reconhecer os laços de intimidade 
como determinantes desse tipo de violência. Além disso, a referida lei fixa o dever 
do Estado de agir na prevenção e punição à violência doméstica. 
Nesse sentido, a Lei Maria da Penha (Brasil, 2006), em seu art. 3.º, 
parágrafo 2.º, reconhece a corresponsabilidade entre família, sociedade e poder 
público na efetivação dos direitos das mulheres e enfrentamento das violações 
dos direitos humanos desse público, bem como, em seu art. 7.º, tipifica as formas 
de violência doméstica e familiar, sendo elas: violência física, violência 
psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral (Brasil, 2006). 
 
 
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A referida lei estabelece ainda, em seus arts. 18 ao 24, as medidas 
protetivas cabíveis de aplicação nos casos enquadrados. Tais medidas têm por 
objetivo garantir a segurança da mulher vítima de violência e de seus familiares, 
as quais podem ser de caráter preventivo ou punitivo e aplicadas ao agressor ou 
à vítima. De acordo com o art. 22, incisos II ao IV, dessa lei, entre as medidas 
aplicáveis ao agressor, podem-se destacar: suspensão ou restrição da posse de 
arma, afastamento do lar, proibição de aproximação ou contato, restrição ou 
suspensão de visitas aos dependentes menores, entre outras (Brasil, 2006). 
Quanto às medidas protetivas aplicáveis à vítima, conforme art. 22, incisos 
II ao IV, podem-se destacar: o encaminhamento aos programas de atendimento 
ou proteção, recondução ao domicílio após afastamento do agressor, separação 
de corpos, reconstituição de bens, entre outros. (Brasil, 2006). 
A Lei Maria da Penha foi alterada pela Lei 13.827/2019 no que diz respeito 
aos trâmites para aplicação de medidas protetivas em caráter de urgência. Nesses 
casos, a medida poderá ser concedida por autoridade judicial; quando não houver 
juiz disponível, por delegados ou por policiais. 
De acordo com Daniel Cerqueira et. al (2015), em estudo publicado próximo 
aos dez anos de vigência da lei, esta teve impacto nos comportamentos de vítimas 
e de agressores em função de três aspectos principais: 
i) aumento do custo da pena para o agressor; ii) aumento do 
empoderamento e das condições de segurança para que a vítima 
pudesse denunciar; e iii) aperfeiçoamento dos mecanismos 
jurisdicionais, possibilitando ao sistema de justiça criminal que 
atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência 
doméstica. A conjunção dos dois últimos elementos seguiu no sentido 
de aumentar a probabilidade de condenação. Os três elementos 
somados fizeram aumentar o custo esperado da punição, com potenciais 
efeitos para dissuadir a violência doméstica (Cerqueira et al., 2015, p. 
32). 
Ainda, de acordo com os Cerqueira et al. (2015), o processo de efetivação 
da Lei Maria da Penha deu-se de forma territorialmente desproporcional, embora, 
como reforçam Carneiro e Fraga (2012), a lei tenha previsto a criação de juizados 
especiais e programas de proteção e assistência social às vítimas. Essas políticas 
não foram implementadas de forma equânime em todo o território nacional. Outro 
aspecto destacado por Cerqueira et al. (2015) é que a produção de dados sobre 
a aplicação da lei ainda é sujeita a distorções. 
Em que pesem os fatos anteriormente citados, os autores reforçam a 
relevância da Lei Maria da Penha. Entretanto, como fenômeno complexo, 
 
 
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multifacetado e relacionado a aspectos culturais, a violência contra a mulher 
demanda múltiplas formas de enfrentamento. 
TEMA 4 – FEMINICÍDIO: CONCEITO E ASPECTOS LEGAIS 
Como apontam Stella Nazareth Meneguel e Ana Paula Portella (2017), o 
conceito de feminicídio foi utilizado pela primeira vez em 1975 
para caracterizar o assassinato de mulheres pelo fato de serem 
mulheres, definindo-o como uma forma de terrorismo sexual ou 
genocídio de mulheres. O conceito descreve o assassinato de mulheres 
por homens motivados pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de 
propriedade. [...] ancora-se na perspectiva da desigualdade de poder 
entre homens e mulheres, que confere aos primeiros [...] – a crença de 
que lhes é assegurado o direito de dominação nas relações com as 
mulheres tanto no âmbito da intimidade quanto na vida pública social – 
que, por sua vez, autoriza o uso da violência, inclusive a letal, para fazer 
valer sua vontade sobre elas. O feminicídio, assim, é parte dos 
mecanismos de perpetuaçãoda dominação masculina, estando 
profundamente enraizado na sociedade e na cultura (Meneghel; Portella, 
2017, p. 3.079). 
Ainda, de acordo com as autoras, tal termo engloba uma ampla gama de 
manifestações de violência contra as mulheres, seja na esfera pública ou privada. 
Nesse sentido, para Meneguel e Portella (2017), os feminicídios são mortes 
decorrentes do uso da violência contra mulheres com a intenção de manter a 
situação de subordinação. 
Promulgada em março de 2015, a Lei 13.104/2015, conhecida como a Lei 
do Feminicídio, alterou o art. 121 do Código Penal e incluiu o feminicídio como 
circunstância qualificadora do crime de homicídio. Ao ser incluído 
como circunstância qualificadora do crime de homicídio, o feminicídio passou a 
ser considerado crimes hediondo, com pena de reclusão prevista de 12 a 30 anos 
(Brasil, 2015). 
De acordo com a nova redação, no âmbito penal, o feminicídio diz respeito 
ao homicídio contra a mulher por razões de sexo. São incluídos nessa tipificação 
os crimes decorrentes da violência doméstica e intrafamiliar ou fruto do 
menosprezo e discriminação contra a mulher (Brasil, 2015). 
O feminicídio pode ser classificado em três tipos básicos: o feminicídio 
íntimo, o feminicídio não íntimo e o feminicídio por conexão. O feminicídio íntimo 
ocorre quando há uma relação de afeto ou de parentesco entre a vítima e o 
agressor. O feminicídio não íntimo é aquele no qual não há uma relação de afeto 
ou de parentesco entre a vítima e o agressor. Por fim, o feminicídio por conexão 
 
 
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ocorre quando uma mulher é morta ao intervir em situações de violência contra 
outra mulher (Brasil, 2015). 
A Lei 13.104/2015 previu ainda o aumento de pena caso o crime de 
feminicídio seja praticado: durante a gestação ou nos três meses posteriores ao 
parto; contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos ou com deficiência, ou 
ainda, na presença de descendente ou ascendente da vítima. 
Em um estudo no qual dados dos anos de 2009 a 2011 foram analisados, 
Leila Rosenato Garcia et al. (2015) aponta que foram registrados 17.167 casos de 
feminicídio no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) da Secretaria de 
Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Com base nesses dados, os autores 
estimam a ocorrência de um caso de feminicídio a cada 1h30min no Brasil no 
período analisado. 
Ainda, de acordo com Garcia et al. (2015), os casos de feminicídio 
concentraram-se na faixa etária de 20 a 29 anos. Quanto ao meio empregado, 
destaca-se o uso de armas de fogo e instrumentos perfurantes. O domicilio foi o 
principal local de ocorrência dos óbitos. 
Conforme os dados do Atlas da Violência – 2019 (Ipea; Fórum Brasileiro de 
Segurança Pública, 2019) no período de 2007-2017 houve um aumento de 30% 
nos casos de homicídios contra mulheres no Brasil, sendo os estados do Rio 
Grande do Norte, Ceará e Sergipe os que apresentaram maior aumento no 
número de casos. Por sua vez, Distrito Federal, Espirito Santo e São Paulo 
apresentaram diminuição mais significativa nos números totais. Ainda de acordo 
com Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019), os dados produzidos 
não fazem distinção entre homicídios contra mulheres e feminicídio tendo em vista 
que 
Se os registros de feminicídio das Polícias podem embutir alguma 
subnotificação, em função da não imputação do agravante de feminicídio 
ao crime de homicídio, por outro lado, a análise dos dados agregados da 
saúde não permite uma elucidação da questão, uma vez que a 
classificação internacional de doenças (CID), utilizada pelo Ministério da 
Saúde, não lida com questões de tipificação legal e muito menos com a 
motivação que gerou a agressão (Ipea; Fórum Brasileiro de Segurança 
Pública, 2019, p. 39-40). 
Os estudos de Garcia et al. (2015) e Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança 
Pública (2019) convergem no que diz respeito às dificuldades na produção de 
dados sobre o feminicídio. Tal ponto é recorrentemente relatado em estudos sobre 
violência intrafamiliar, violência de gênero, bem como em estudos que versam 
sobre a aplicação da Lei Maria da Penha e do Feminicídio. 
 
 
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TEMA 5 – MECANISMO DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A 
MULHER 
De acordo com a pesquisa do Instituto de Pesquisa DataSenado (Brasil, 
2018), o percentual de mulheres que declararam em pesquisa eletrônica terem 
sido vítimas de algum tipo de violência aumentou de 18%, em 2015, para 29%, 
em 2017. O mesmo estudo apontou ainda que duas em cada três mulheres 
vítimas de violência não procuraram os órgãos responsáveis para denunciar o 
ocorrido. Tal fato pode ser relacionado às falhas na efetivação das políticas 
públicas. 
A legislação vigente aponta nas diferentes esferas as instituições 
responsáveis pelos protocolos de atendimento às mulheres vítimas de violência. 
Podemos destacar, entre estas: unidades básicas de saúde, hospitais, Centros de 
Referência em Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado em 
Assistência Social (Creas), delegacias da mulher, entre outros. 
Entretanto, de acordo com Wilza Vieira Villela et al. (2011), o processo de 
acolhimento das vítimas em unidades de saúde e hospitais impõe significativas 
barreiras ao acolhimento das vítimas. Aspectos como a dificuldade de acesso aos 
serviços (filas, demora no agendamento de consultas, longos períodos de espera 
para atendimento etc.), falta de privacidade nos atendimentos e falta de 
capacitação dos profissionais são as principais falhas observadas. 
Nas delegacias da mulher, ainda de acordo com Villela et al. (2011), 
destacou-se o número restrito de funcionários, o elevado tempo de espera para 
atendimento e as limitações quanto ao horário de funcionamento. De acordo com 
as autoras, em muitas localidades as delegacias da mulher funcionam em horário 
comercial, de segunda a sexta. Entretanto, conforme aponta o estudo de Ana 
Karine Alkmin de Sousa, Denismar Alves Nogueira e Alicia Valin Gradim (2013) 
as ocorrências de violência contra a mulher concentram-se nos finais de semana 
no entardecer e na madrugada. 
Destaca-se ainda que, segundo Villela et al. (2011), em alguns casos os 
profissionais responsáveis pelo atendimento reproduzem a naturalização da 
violência. 
As atitudes inadequadas dos profissionais reproduzem os preconceitos 
e as posturas sexistas que permeiam as relações sociais entre os sexos 
e perpetuam as desigualdades entre homens e mulheres. Isso reforça a 
experiência emocional de vulnerabilidade nas mulheres agredidas, 
criando um círculo vicioso entre violência interpessoal e violência 
 
 
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institucional, e impede que os serviços cumpram a sua vocação de 
interromper a cadeia de produção de violência (Villela et al. 2011, p. 122) 
O arcabouço legal constituído no Brasil aponta diferentes mecanismos e 
estratégias de enfrentamento da violência, sendo inclusive a legislação brasileira 
reconhecida como uma das mais avançadas do mundo. Entretanto, como 
apontam os estudos e dados apresentados ao longo desta aula, a efetivação dos 
direitos garantidos legalmente apontam graves falhas. 
Contudo, é importante destacar que a legislação nacional, bem como os 
tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, apontam para o uso de 
estratégias que extrapolem as esferas punitivas. Isto é, que atuem na prevenção 
desse tipo de violência e não apenas na punição dos agressores. Nesse sentido, 
tomando como base as discussões feitas ao longo desta disciplina, ganham 
importância os processos educativos e de socialização para consolidação de 
formas de sociabilidade não violenta. 
De acordo com o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as 
Mulheres (Brasil, 2011), um dos eixos estruturantes das políticas públicas é a 
educação, que prevê a difusão de conteúdo, campanhas educativas e 
popularização das informações sobre a legislação vigente. Destaca-se, ainda, o 
processo de formação de profissionais, sendosugerida a inclusão das temáticas 
de gênero, diversidade e violência nos currículos dos diferentes níveis de ensino 
(Brasil, 2011). 
Conclui-se que o enfrentamento da violência intrafamiliar, em especial a 
violência doméstica, pressupõe a atuação conjunta de diferentes setores da 
sociedade, com vistas à compreensão das dinâmicas do processo de construção 
das desigualdades e práticas das violências em suas raízes históricas. 
 
 
 
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