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AULA 4 VIOLÊNCIAS NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS E SOCIAIS Prof.ª Andressa Ignácio da Silva 2 CONVERSA INICIAL Compreender a subordinação feminina é um aspecto central da teoria feminista. No contexto desse esforço, pesquisadoras desenvolveram o conceito de gênero. Nesta aula, serão abordadas as diferenças conceituais entre sexo e gênero, buscando demonstrar os sentidos do conceito de gênero e o contexto de sua construção. Serão abordados ainda os conceitos de patriarcado e violência de gênero com o objetivo de demonstrar como estes se relacionam com o processo de subordinação das mulheres. No Brasil, importantes avanços têm sido verificados no âmbito do enfrentamento da violência contra mulher. Nesse sentido, destacam-se alterações na legislação, entre as quais a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, que serão abordadas brevemente em seus aspectos gerais e aplicações. Por fim, em que pese, como dito anteriormente, os significativos avanços, são necessárias reflexões sobre as limitações dos mecanismos já existentes, bem como das estratégias sugeridas em estudos recentes sobre o tema da violência contra a mulher. TEMA 1 – GÊNERO: ASPECTOS CONCEITUAIS De acordo com Sherry B. Ortner (1979), um aspecto central da teoria feminista é compreender a subordinação feminina. Segundo a autora, cada cultura baseada em seus valores, práticas e critérios constroem mecanismo de inferiorização das mulheres. Embora existam mulheres que alcancem postos de destaque, em geral, se mantêm restrições, implicações e tabus que reforçam a subordinação feminina. Segundo Mateus Oka e Carolina Laurenti (2018), a distinção entre sexo e gênero ocorre na década de 1970. De acordo com os autores, o objetivo das teóricas feministas é questionar o uso de justificativas biológicas para as violências e opressões sofridas pelas mulheres. Nesse sentido, de acordo com Ortner (1979), embora haja diferenças biológicas entre os sexos, estas são valorizadas ou não conforme cada cultura. No campo das Ciências Sociais, sexo pode ser compreendido como uma categoria de base biológica, ou seja, usada para referir-se às características anatômicas e biológicas. 3 A distinção conceitual entre sexo e gênero busca evidenciar a forma como a natureza é significada pela cultura. Ou seja, como fenômenos e aspectos biológicos são culturalmente reforçados. O processo de desenvolvimento do conceito é analisado por Joan Wallach Scott (1995), segundo a qual O termo “gênero” torna-se, antes, uma maneira de indicar “construções culturais” – a criação inteiramente social de ideias sobre papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. “Gênero” é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, “gênero” tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (Scott, 1995, p. 75). De acordo com Nicole-Claude Mathieu (2009), as sociedades humanas reforçam e sobrevalorizam as diferenças. Com base nas diferenças biológicas, os indivíduos têm comportamentos, funções e padrões sociais estabelecidos. O conceito de gênero diz respeito, portanto, a aspectos sociais, culturais e históricos. Com base nas diferenças biológicas, ou seja, com base no sexo, indivíduos “aprendem” a se comportar de acordo com as diretrizes estabelecidas em sua cultura. Aspectos como a diferenciação de aparência (por exemplo, vestimentas, uso de acessórios e cabelos), regras e expectativas de comportamentos podem ser citadas como parte da construção dos gêneros feminino e masculino. De acordo com Mathieu (2009), a sexualidade, a reprodução e a divisão do trabalho também são aspectos do gênero. Como aponta a clássica afirmação de Simone de Beauvoir: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto [...]” (Beauvoir, 1967, p. 9). É importante destacar que existem diferentes usos, sentidos e concepções do conceito de gênero. No campo da teoria feminista, em suas diferentes fases, diferentes intelectuais formularam múltiplas definições do conceito de gênero, bem como da distinção entre sexo e gênero. Para fins desta disciplina, o conceito de gênero pode contribuir para a compreensão das dinâmicas de violência, em especial da violência intrafamiliar e contra a mulher. 4 TEMA 2 – VIOLÊNCIA DE GÊNERO E SUAS MANIFESTAÇÕES Como apontado anteriormente, o conceito de gênero emerge no campo dos estudos feministas. Nesse âmbito, a construção de tal conceito busca romper com a perspectiva de naturalização da subordinação das mulheres, bem como insere- se em perspectivas críticas sobre o uso das características biológicas como justificativa para a subordinação. De acordo como Heleieth I. B. Saffioti (2001), a construção social dos gêneros relaciona-se com a consolidação do poder e da dominação patriarcal. De acordo com a autora, o patriarcado refere-se a milênios da história mais próxima, nos quais se implantou uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina [...] uma estrutura de poder que situa as mulheres muito abaixo dos homens em todas as áreas da convivência humana. É esta estrutura de poder, e não apenas a ideologia, que o conceito de patriarcado diz respeito (Safiotti, 2004, p. 136). As relações de poder e dominação são reproduzidas no âmbito familiar. Diante de tal fato, a compreensão da violência nessa esfera, de acordo com Nadilene Pereira Gomes et al. (2007), perpassa a compreensão do conceito de gênero e de patriarcado, na medida em que a violência pode ser utilizada como mecanismo de poder e dominação das mulheres. Ainda de acordo com as autoras, a busca pelo controle e submissão das mulheres a padrões e comportamentos prescritos pelos papéis de gênero é um dos fatores que explicam violência. Nesse sentido, mulheres que eventualmente não correspondam aos papéis pré- estabelecidos também podem ser vítimas de violência de gênero. De acordo com José Fernando Dresch Kronbauer e Stela Nazareth Meneguel (2005), a violência de gênero pode ser definida como “qualquer ato que resulta ou possa resultar em dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade em público ou na vida privada, assim como castigos, maus tratos, pornografia, agressão sexual e incesto” (Kronbauer; Meneghel, 2005, p. 696). A violência de gênero é muitas vezes “justificada“ com base em costumes, tradições, valores religiosos, entre outros. Destaca-se ainda que a violência de gênero muitas vezes é compreendida como “natural”, fruto do ciúme ou até mesmo demonstração de amor e carinho. Tais compreensões relacionam-se ao fato apontado por Lourdes Maria Bandeira (2014), segundo o qual a violência de 5 gênero ocorre em contextos de fragilização psicológica, social ou econômica da vítima. Em estudo realizado por Patrícia Alves de Souza e Marco Aurélio Da Ros (2006), os autores apontam as relações ambíguas de afeto e dor entre vítimas e seus agressores, sendo a visão idealizada de relacionamento ou a crença de que os agressores mudarão de comportamento fatores importantes para compreensão da permanência das vítimas nos relacionamentos. A dependência financeira é outro aspecto fundamental. A baixa escolaridade, a falta de qualificação profissional e o medo de não conseguir prover o sustento dos filhos são apontados pelas vítimas entrevistadas pelos autores como fatores que influenciaram a demora das vítimas em denunciar a violência e/ou romperos relacionamentos. A vítima de violência de gênero pode ainda se culpar pela agressão ou ser culpabilizada por familiares, companheiros e autoridades. De acordo com Saffioti (2004), tal fato pode ser explicado pela lógica do silêncio e da naturalização que encontra respaldo nas próprias dinâmicas patriarcais. De acordo com a autora, tal estrutura legitima a dominação dos homens sobre as mulheres. As últimas décadas têm sido marcadas pelas denúncias das violências de gênero em todo mundo, em especial pelos movimentos de mulheres e feministas. Diante disso, alterações na legislação e implementação de políticas públicas de enfretamento às violências de gênero têm ocorrido em diversos países. De acordo com Adriana Maria Bigliardi, Maria Cristina Antunes e Ana Claudia N. S. Wanderbroocke (2016), desde a redemocratização até 2002, a principal estratégia de enfrentamento da violência contra a mulher eram as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e de Casas-Abrigo. A criação em 2003 da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres contribuiu para a ampliação das políticas de enfrentamento da violência contra a mulher e a criação de novos serviços. As autoras destacam ainda a elaboração, em 2004, do Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Pode-se destacar também a aprovação de novas legislações, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, que serão abordadas a seguir. TEMA 3 – POTENCIALIDADES, LIMITAÇÕES E A APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA De acordo com Carmen Hein Campos e Kelly Gianezini (2019), a Lei 11.340/2006, conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha”, é fruto de um 6 processo iniciado na década de 1970. Nesse período, o movimento feminista ganhava força no Brasil e o combate à violência contra a mulher foi tomado como uma das principais bandeiras de luta. O enfrentamento da violência contra a mulher perpassa a ruptura com a naturalização do fenômeno e o enfretamento das estruturas de poder e dominação. Nesse sentido, a trajetória de Maria da Penha Maia Fernandes é significativa dos mecanismos de vitimização das mulheres. A farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, nascida em 1945, sobreviveu a inúmeras agressões do seu então companheiro Marco Antônio Heredia Viveros, professor universitário colombiano. Este, por duas vezes, tentou matar Maria da Penha, sendo que, na primeira tentativa de homicídio, deixou-a paraplégica com um tiro de espingarda. Após um longo processo de recuperação, ao voltar para casa, Maria da Penha foi vítima de uma nova tentativa de homicídio, na qual o mesmo agressor tentou eletrocutá-la durante o banho. Em 1984, Maria da Penha iniciou o processo visando à punição de seu agressor. Até 1991, embora com condenações, o agressor permaneceu em liberdade. Durante esse período, Maria da Penha recorreu a organizações de promoção de Direitos Humanos que a ajudaram a levar seu caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA. O Brasil foi condenado pela Comissão por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. A repercussão do caso de Maria da Penha, bem como a mobilização do movimento feminista foram fundamentais para que a Lei n. 11.340/2006, conhecida por Lei Maria da Penha fosse aprovada e sancionada. De acordo com Alessandra Acosta Carneiro e Cristina Kologeski Fraga (2012), a Lei Maria da Penha tem importante papel ao fixar no âmbito jurídico o conceito de violência doméstica, bem como reconhecer os laços de intimidade como determinantes desse tipo de violência. Além disso, a referida lei fixa o dever do Estado de agir na prevenção e punição à violência doméstica. Nesse sentido, a Lei Maria da Penha (Brasil, 2006), em seu art. 3.º, parágrafo 2.º, reconhece a corresponsabilidade entre família, sociedade e poder público na efetivação dos direitos das mulheres e enfrentamento das violações dos direitos humanos desse público, bem como, em seu art. 7.º, tipifica as formas de violência doméstica e familiar, sendo elas: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral (Brasil, 2006). 7 A referida lei estabelece ainda, em seus arts. 18 ao 24, as medidas protetivas cabíveis de aplicação nos casos enquadrados. Tais medidas têm por objetivo garantir a segurança da mulher vítima de violência e de seus familiares, as quais podem ser de caráter preventivo ou punitivo e aplicadas ao agressor ou à vítima. De acordo com o art. 22, incisos II ao IV, dessa lei, entre as medidas aplicáveis ao agressor, podem-se destacar: suspensão ou restrição da posse de arma, afastamento do lar, proibição de aproximação ou contato, restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, entre outras (Brasil, 2006). Quanto às medidas protetivas aplicáveis à vítima, conforme art. 22, incisos II ao IV, podem-se destacar: o encaminhamento aos programas de atendimento ou proteção, recondução ao domicílio após afastamento do agressor, separação de corpos, reconstituição de bens, entre outros. (Brasil, 2006). A Lei Maria da Penha foi alterada pela Lei 13.827/2019 no que diz respeito aos trâmites para aplicação de medidas protetivas em caráter de urgência. Nesses casos, a medida poderá ser concedida por autoridade judicial; quando não houver juiz disponível, por delegados ou por policiais. De acordo com Daniel Cerqueira et. al (2015), em estudo publicado próximo aos dez anos de vigência da lei, esta teve impacto nos comportamentos de vítimas e de agressores em função de três aspectos principais: i) aumento do custo da pena para o agressor; ii) aumento do empoderamento e das condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar; e iii) aperfeiçoamento dos mecanismos jurisdicionais, possibilitando ao sistema de justiça criminal que atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica. A conjunção dos dois últimos elementos seguiu no sentido de aumentar a probabilidade de condenação. Os três elementos somados fizeram aumentar o custo esperado da punição, com potenciais efeitos para dissuadir a violência doméstica (Cerqueira et al., 2015, p. 32). Ainda, de acordo com os Cerqueira et al. (2015), o processo de efetivação da Lei Maria da Penha deu-se de forma territorialmente desproporcional, embora, como reforçam Carneiro e Fraga (2012), a lei tenha previsto a criação de juizados especiais e programas de proteção e assistência social às vítimas. Essas políticas não foram implementadas de forma equânime em todo o território nacional. Outro aspecto destacado por Cerqueira et al. (2015) é que a produção de dados sobre a aplicação da lei ainda é sujeita a distorções. Em que pesem os fatos anteriormente citados, os autores reforçam a relevância da Lei Maria da Penha. Entretanto, como fenômeno complexo, 8 multifacetado e relacionado a aspectos culturais, a violência contra a mulher demanda múltiplas formas de enfrentamento. TEMA 4 – FEMINICÍDIO: CONCEITO E ASPECTOS LEGAIS Como apontam Stella Nazareth Meneguel e Ana Paula Portella (2017), o conceito de feminicídio foi utilizado pela primeira vez em 1975 para caracterizar o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres, definindo-o como uma forma de terrorismo sexual ou genocídio de mulheres. O conceito descreve o assassinato de mulheres por homens motivados pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de propriedade. [...] ancora-se na perspectiva da desigualdade de poder entre homens e mulheres, que confere aos primeiros [...] – a crença de que lhes é assegurado o direito de dominação nas relações com as mulheres tanto no âmbito da intimidade quanto na vida pública social – que, por sua vez, autoriza o uso da violência, inclusive a letal, para fazer valer sua vontade sobre elas. O feminicídio, assim, é parte dos mecanismos de perpetuaçãoda dominação masculina, estando profundamente enraizado na sociedade e na cultura (Meneghel; Portella, 2017, p. 3.079). Ainda, de acordo com as autoras, tal termo engloba uma ampla gama de manifestações de violência contra as mulheres, seja na esfera pública ou privada. Nesse sentido, para Meneguel e Portella (2017), os feminicídios são mortes decorrentes do uso da violência contra mulheres com a intenção de manter a situação de subordinação. Promulgada em março de 2015, a Lei 13.104/2015, conhecida como a Lei do Feminicídio, alterou o art. 121 do Código Penal e incluiu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Ao ser incluído como circunstância qualificadora do crime de homicídio, o feminicídio passou a ser considerado crimes hediondo, com pena de reclusão prevista de 12 a 30 anos (Brasil, 2015). De acordo com a nova redação, no âmbito penal, o feminicídio diz respeito ao homicídio contra a mulher por razões de sexo. São incluídos nessa tipificação os crimes decorrentes da violência doméstica e intrafamiliar ou fruto do menosprezo e discriminação contra a mulher (Brasil, 2015). O feminicídio pode ser classificado em três tipos básicos: o feminicídio íntimo, o feminicídio não íntimo e o feminicídio por conexão. O feminicídio íntimo ocorre quando há uma relação de afeto ou de parentesco entre a vítima e o agressor. O feminicídio não íntimo é aquele no qual não há uma relação de afeto ou de parentesco entre a vítima e o agressor. Por fim, o feminicídio por conexão 9 ocorre quando uma mulher é morta ao intervir em situações de violência contra outra mulher (Brasil, 2015). A Lei 13.104/2015 previu ainda o aumento de pena caso o crime de feminicídio seja praticado: durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos ou com deficiência, ou ainda, na presença de descendente ou ascendente da vítima. Em um estudo no qual dados dos anos de 2009 a 2011 foram analisados, Leila Rosenato Garcia et al. (2015) aponta que foram registrados 17.167 casos de feminicídio no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Com base nesses dados, os autores estimam a ocorrência de um caso de feminicídio a cada 1h30min no Brasil no período analisado. Ainda, de acordo com Garcia et al. (2015), os casos de feminicídio concentraram-se na faixa etária de 20 a 29 anos. Quanto ao meio empregado, destaca-se o uso de armas de fogo e instrumentos perfurantes. O domicilio foi o principal local de ocorrência dos óbitos. Conforme os dados do Atlas da Violência – 2019 (Ipea; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019) no período de 2007-2017 houve um aumento de 30% nos casos de homicídios contra mulheres no Brasil, sendo os estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Sergipe os que apresentaram maior aumento no número de casos. Por sua vez, Distrito Federal, Espirito Santo e São Paulo apresentaram diminuição mais significativa nos números totais. Ainda de acordo com Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019), os dados produzidos não fazem distinção entre homicídios contra mulheres e feminicídio tendo em vista que Se os registros de feminicídio das Polícias podem embutir alguma subnotificação, em função da não imputação do agravante de feminicídio ao crime de homicídio, por outro lado, a análise dos dados agregados da saúde não permite uma elucidação da questão, uma vez que a classificação internacional de doenças (CID), utilizada pelo Ministério da Saúde, não lida com questões de tipificação legal e muito menos com a motivação que gerou a agressão (Ipea; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019, p. 39-40). Os estudos de Garcia et al. (2015) e Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019) convergem no que diz respeito às dificuldades na produção de dados sobre o feminicídio. Tal ponto é recorrentemente relatado em estudos sobre violência intrafamiliar, violência de gênero, bem como em estudos que versam sobre a aplicação da Lei Maria da Penha e do Feminicídio. 10 TEMA 5 – MECANISMO DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER De acordo com a pesquisa do Instituto de Pesquisa DataSenado (Brasil, 2018), o percentual de mulheres que declararam em pesquisa eletrônica terem sido vítimas de algum tipo de violência aumentou de 18%, em 2015, para 29%, em 2017. O mesmo estudo apontou ainda que duas em cada três mulheres vítimas de violência não procuraram os órgãos responsáveis para denunciar o ocorrido. Tal fato pode ser relacionado às falhas na efetivação das políticas públicas. A legislação vigente aponta nas diferentes esferas as instituições responsáveis pelos protocolos de atendimento às mulheres vítimas de violência. Podemos destacar, entre estas: unidades básicas de saúde, hospitais, Centros de Referência em Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), delegacias da mulher, entre outros. Entretanto, de acordo com Wilza Vieira Villela et al. (2011), o processo de acolhimento das vítimas em unidades de saúde e hospitais impõe significativas barreiras ao acolhimento das vítimas. Aspectos como a dificuldade de acesso aos serviços (filas, demora no agendamento de consultas, longos períodos de espera para atendimento etc.), falta de privacidade nos atendimentos e falta de capacitação dos profissionais são as principais falhas observadas. Nas delegacias da mulher, ainda de acordo com Villela et al. (2011), destacou-se o número restrito de funcionários, o elevado tempo de espera para atendimento e as limitações quanto ao horário de funcionamento. De acordo com as autoras, em muitas localidades as delegacias da mulher funcionam em horário comercial, de segunda a sexta. Entretanto, conforme aponta o estudo de Ana Karine Alkmin de Sousa, Denismar Alves Nogueira e Alicia Valin Gradim (2013) as ocorrências de violência contra a mulher concentram-se nos finais de semana no entardecer e na madrugada. Destaca-se ainda que, segundo Villela et al. (2011), em alguns casos os profissionais responsáveis pelo atendimento reproduzem a naturalização da violência. As atitudes inadequadas dos profissionais reproduzem os preconceitos e as posturas sexistas que permeiam as relações sociais entre os sexos e perpetuam as desigualdades entre homens e mulheres. Isso reforça a experiência emocional de vulnerabilidade nas mulheres agredidas, criando um círculo vicioso entre violência interpessoal e violência 11 institucional, e impede que os serviços cumpram a sua vocação de interromper a cadeia de produção de violência (Villela et al. 2011, p. 122) O arcabouço legal constituído no Brasil aponta diferentes mecanismos e estratégias de enfrentamento da violência, sendo inclusive a legislação brasileira reconhecida como uma das mais avançadas do mundo. Entretanto, como apontam os estudos e dados apresentados ao longo desta aula, a efetivação dos direitos garantidos legalmente apontam graves falhas. Contudo, é importante destacar que a legislação nacional, bem como os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, apontam para o uso de estratégias que extrapolem as esferas punitivas. Isto é, que atuem na prevenção desse tipo de violência e não apenas na punição dos agressores. Nesse sentido, tomando como base as discussões feitas ao longo desta disciplina, ganham importância os processos educativos e de socialização para consolidação de formas de sociabilidade não violenta. De acordo com o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (Brasil, 2011), um dos eixos estruturantes das políticas públicas é a educação, que prevê a difusão de conteúdo, campanhas educativas e popularização das informações sobre a legislação vigente. Destaca-se, ainda, o processo de formação de profissionais, sendosugerida a inclusão das temáticas de gênero, diversidade e violência nos currículos dos diferentes níveis de ensino (Brasil, 2011). Conclui-se que o enfrentamento da violência intrafamiliar, em especial a violência doméstica, pressupõe a atuação conjunta de diferentes setores da sociedade, com vistas à compreensão das dinâmicas do processo de construção das desigualdades e práticas das violências em suas raízes históricas. 12 REFERÊNCIAS BANDEIRA, L. M. 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