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AULA 3 VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS E SOCIAIS Prof.a Andressa Ignácio da Silva 2 INTRODUÇÃO Nas sociedades modernas, a família emerge como importante instituição social. Sendo uma das responsáveis pelo processo de socialização, a família também pode ser lócus de muitos conflitos e violências. Nesta aula, serão abordadas as dinâmicas sociais de consolidação da família como instituição social bem como as dinâmicas do processo de socialização e suas diferentes etapas e instituições envolvidas. Diante da importância do processo de socialização para consolidação das sociedades, serão apresentadas algumas reflexões sobre os possíveis efeitos psicológicos da violência intrafamiliar. Entendo que, além dos efeitos psicológicos, esse tipo de violência pode gerar efeitos negativos na sociedade. Por fim, serão apontados alguns avanços legais obtidos recentemente no campo do enfretamento da violência intrafamiliar. TEMA 1 – FAMÍLIA E SOCIALIZAÇÃO O processo de formação dos indivíduos e sua preparação para convivência social são objeto de estudo de diferentes campos do conhecimento. Como aponta Vieira Gomes (1992), a sociologia, a antropologia e a psicologia debruçam-se sobre o processo de socialização. Esse processo possui diferentes definições, sendo definido por Berger e Luckman (1985) como a ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela. O sociólogo britânico Anthony Giddens, por sua vez, define o processo de socialização como: Processos sociais pelos quais novos membros da sociedade tomam ciência das normas e valores sociais, contribuindo para que adquiram um senso distinto de si próprio [self]. Os processos de socialização são contínuos pela vida toda. (Giddens, 2017, p. 208) A socialização, ainda de acordo com Giddens (2017), transforma a criança, capacitando-a para a vida em sociedade. Cabe destacar que, como aponta o autor, os modelos, valores, práticas e hábitos transmitidos no processo de socialização variam de acordo com a cultura. Nesse sentido: os processos de socialização podem ser compreendidos como um compêndio de interações entre seres humanos, das quais estes participam ativamente e assim tornam-se membros de determinada sociedade e cultura. Por meio de tais processos, os indivíduos 3 internalizam uma série de valores, formas de agir e maneiras de pensar (Grigorowitschs, 2008, p. 40) É importante destacar ainda que, em uma mesma sociedade, os valores e as práticas transmitidos no processo de socialização podem apresentar diferenças na medida em que fatores como religião, classe social, etnia, gênero, entre outros, influenciam nos processos de socialização. Cabe destacar que, para que cumpra sua função social (qual seja, preparar os indivíduos para o convívio social), é fundamental que os valores comuns básicos da sociedade sejam transmitidos aos indivíduos. Sendo assim, em que pesem as diferenças culturais acima citadas, cabe às instituições transmitir os valores comuns e essências ao convívio social em determinada sociedade, tais como a língua, as regras básicas de convivência. O processo de socialização pode ser dividido em duas fases principais: socialização primária e a socialização secundária. A socialização primária, de acordo com Berger e Luckman (1985), é realizada desde o nascimento até a primeira infância. Nessa etapa, a principal instituição responsável pela socialização é a família. Na socialização primária, as crianças assimilam modos de comportamento e linguagem dos membros de sua família. Essa etapa é marcada de acordo com os autores por relações de afeto e intimidade. Entretanto, como aponta Philippe Áriès (1981), até a Idade Média não havia uma concepção da infância como uma fase da vida distinta da idade adulta. Tampouco a compreensão das crianças como objeto de carinho, afeto, zelo e proteção era difundida na sociedade medieval. Destaca-se ainda que, nesse período, as crianças eram consideradas adultas bastante cedo e ingressavam em atividades produtivas próximo aos sete anos de idade. Nesse sentido, de acordo com Ariès (1981), os conceitos de infância, assim como o de família, são socialmente construídos na modernidade. A socialização secundária, por sua vez, tem como importante instituição de socialização a escola. A socialização secundária, de acordo com Giddens (2017), tem início na infância e desenvolve-se continuamente por toda a vida do indivíduo. Ou seja, reforça-se a concepção do processo de socialização como um processo permanente. Atuam ainda na socialização secundária instituições como o Estado e as religiões. A mídia, os grupos sociais e o ambiente de trabalho também são importantes na formação dos indivíduos e na adequação dos seus comportamentos para a convivência social. 4 Embora seja um processo importante para compreensão das relações sociais, é fundamental considerar a autonomia dos indivíduos. Como aponta Giddens: a socialização jamais poderá ser um processo determinante ou totalmente direcionado, principalmente considerando-se que os seres humanos são criaturas com consciência de si mesmos, capazes de formar suas próprias interpretações das mensagens com as quais são confrontados (Giddens, 2017, p. 211-212) Diante da importância do processo de socialização na internalização das regras sociais, este ganha relevância na compreensão dos fenômenos dos conflitos e da violência, bem como na superação destes. Entretanto, como abordaremos a seguir, os conflitos e a violência podem ocorrer também no âmbito familiar. TEMA 2 – PRÁTICAS VIOLENTAS NAS RELAÇÕES FAMILIARES A compreensão da violência intrafamiliar demanda considerar a dinâmicas de construção e transformação histórica da instituição familiar. Como apontado por Áries (1981), o controle e a disciplina dos indivíduos estão entre as funções sociais desempenhadas pela família na modernidade. Ainda de acordo com o autor, as relações de afeto, cuidados e carinho no âmbito familiar também podem ser compreendidas social e historicamente. Ou seja, tais relações não são naturais, não se manifestam espontaneamente e não foram vivenciadas da mesma formas em diferentes períodos da História (Áries (1981), De acordo com Ariès (1981), a família moderna consolida práticas e valores da modernidade. Além disso, é comumente associada a um espaço de afeto, ternura, refúgio e proteção. Entretanto, como destaca Giddens (2017), no âmbito das relações familiares ocorrem conflitos, violências, opressões e relações de poder. A violência ocorrida nesse âmbito é denominada violência intrafamiliar, ou seja, ocorre entre parceiros íntimos e membros da mesma família. (OMS, 2002; Brasil, 2005). De acordo com Corsi (1994), os desequilíbrios de poder nas relações familiares se dão em especial em função do gênero e da idade. A violência contra adolescentes e meninas pode ser compreendida como uma manifestação das relações de poder em relação a gênero e idade no âmbito familiar. Em estudo realizado com base em casos suspeitos e confirmados na cidade de Florianópolis/SC entre 2008 e 2014, Platt et al. (2018) apontam o perfil 5 dos agressores e das vítimas de violência sexual contra crianças e adolescentes. De acordo com o estudo de Platt et al. (2018), cerca de 75% das vítimas eram do sexo feminino, e 91% dos agressores eram do sexo masculino. Ainda de acordo com as autoras, 66% dos agressores eram conhecidos da vítima. Quanto ao local do abuso 81% dos casos analisados ocorreram na residência da vítima ou do agressor (Platt et al., 2018). A análise de Platt et al. (2018) é reforçada por dados de âmbito nacional publicados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (2019), segundo o qual, 73,44% das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual são do sexo feminino.Destaca-se ainda, conforme gráfico a seguir, que membros da família são os principais agentes de abusos contra crianças e adolescentes. Figura 1 – Relação suspeito versus vítima – comparativo 2018 – 2019 Fonte: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 2019. De acordo com Macedo et al. (2019), a análise dos dados e pesquisas realizados sobre a violência intrafamiliar, em especial contra crianças e adolescentes, deve considerar alguns fatores limitantes. O primeiro aspecto é a dificuldade em relação à coleta de dados oficiais, tendo em vista a não aplicação, em muitos casos, dos protocolos e notificações. Outro aspecto destacado é a manutenção da naturalização e o silêncio sobre os casos de violência intrafamiliar. Como abordaremos a seguir, a violência intrafamiliar gera diversos efeitos nocivos aos indivíduos e à sociedade, demandando, portanto, compreensão desse fenômeno e formulação de estratégias de enfrentamento. 6 TEMA 3 – EFEITOS PSICOLÓGICOS DAS RELAÇÕES FAMILIARES VIOLENTAS Como já sabemos, os conflitos são inerentes às relações sociais, por isso estão presentes também no âmbito familiar, embora muitas práticas violentas no âmbito familiar não sejam reconhecidas como tal. Outro aspecto relevante é que, conforme já abordado, fatores sociais contribuem para a perpetuação da violência no âmbito privado. Aspectos como a construção social da família e as relações desiguais de poder no seio desta (machismo e o sexismo socialmente difundidos, entre outros fatores) contribuem para a perpetuação de práticas violentas no ambiente familiar. Mais do que isso, podem contribuir para a perpetuação do silêncio e para a impunidade dos agressores. Conforme apresentado anteriormente, existem diferenças conceituais entre conflito e violência, havendo ainda diferentes formas de manifestações da violência, as quais, no âmbito familiar, podem gerar sérios danos psicológicos aos indivíduos. Cabe reforçar, nesse sentido, a importância das interações sociais familiares na construção do indivíduo, de sua personalidade e de sua identidade. Os efeitos psicológicos da violência intrafamiliar afetam as vítimas, mas também os membros que presenciam os atos violentos. De acordo com Souza (2013), podem ocorrer em mulheres vítimas de violência sexual dificuldades de delimitação dos próprios limites e desejos. Os sentimentos de culpa, vergonha e nojo do próprio corpo também são apontados como efeitos da violência sexual sofrida. Esses sentimentos podem gerar negligência e ou abandono do cuidado com o próprio corpo, gerando, entre outros efeitos, o ganho de peso. Ainda de acordo com os dados apresentados por Souza (2013), a ocorrência de transtorno de estresse pós-traumático, síndrome do pânico, depressão, ansiedade, tentativas de suicídio, entre outros, são quadros recorrentes entre mulheres vítimas de violência sexual. Nos casos de violência sexual na infância, Amazarray e Koller (1998) apontam que, entre crianças entre 0 e 6 anos , os efeitos mais comuns são: medo, distúrbios neuróticos, agressividade e problemas de desempenho escolar, hiperatividade e comportamento regressivo. Destaca-se ainda o comportamento sexual inadequado como um sintoma significativo entre crianças vítimas de violência sexual. 7 Quanto à violência física, um aspecto destacado por Vivian Day et al. (2003) é a “falta de consenso” sobre a proibição de métodos violentos em diferentes países e legislações. Outro fato levantado pelos autores é que desde palmadas até homicídios podem ser enquadrados como violência física. Tal tipo de violência, no caso de crianças e adolescentes, está fortemente associada ao processo disciplinar, sendo a mãe, nesses casos, a agressora mais comum. Em que pesem essas dificuldades analíticas, é possível, de acordo com os autores, identificar os efeitos desse tipo de prática. Além dos efeitos já citados nas vítimas de violência sexual, entre os sintomas comumente apresentados por vítimas de violência física estão a baixa autoestima e a automutilação. Cabe ressaltar ainda que, de acordo com Day et al. (2003), os efeitos psicológicos da violência intrafamiliar podem se manifestar imediatamente após a ocorrência do fato ou a longo e médio prazo: Danos imediatos: pesadelos repetitivos; ansiedade, raiva, culpa, vergonha; •medo do agressor e de pessoa do mesmo sexo; quadros fóbico-ansiosos e depressivos agudos. queixas psicossomáticas; isolamento social e sentimentos de estigmatização. Danos tardios: aumento significativo na incidência de transtornos psiquiátricos; dissociação afetiva, pensamentos invasivos, ideação suicida e fobias mais agudas; níveis intensos de ansiedade, medo, depressão, isolamento, raiva, hostilidade e culpa; cognição distorcida, tais como sensação crônica de perigo e confusão, pensamento ilógico, imagens distorcidas do mundo e dificuldade de perceber realidade; redução na compreensão de papéis complexos e dificuldade para resolver problemas interpessoais (Day et al., 2003, p. 14). Quando não identificados e acompanhados por profissionais, os indivíduos vítimas de violência intrafamiliar podem desenvolver efeitos e sintomas de caráter permanente: Ter vivido um trauma físico e psicológico faz com que a vítima questione sua capacidade de defender-se... Ela aprende a odiar seu corpo porque ele a faz lembrar de más experiências. Ela tem respostas dissociadas, apresenta dificuldade de intimidade e é emocionalmente distante. Ela aprende que não pode controlar seu corpo e que outra pessoa pode tocá-la sem o seu consentimento... Ela não confia na sua memória, nos seus pensamentos e no seu senso de realidade. Essas consequências afetam não só a vítima, mas também a sociedade em geral porque uma criança traumatizada torna-se eventualmente um adulto que pode adotar comportamentos agressivos ou passivos para resolver as situações e o estresse (Blanchard, 1996, p. 7, citado por Amazarray; Koller, 1998). Os efeitos psicológicos da violência intrafamiliar estendem-se ainda aos membros da família que presenciam as situações de violência. Nesse caso, em especial as crianças que se desenvolvem em ambientes familiares violentos podem desenvolver padrões de comportamento violento. 8 Sendo assim, tanto as vítimas diretas das distintas formas de violência intrafamiliar quanto aqueles que presenciam situações de violência, em especial crianças, sofrem graves efeitos psicológicos. Além disso, a violência familiar pode contribuir com a reprodução de padrões de comportamentos violentos e com a naturalização da violência em diferentes âmbitos sociais e institucionais. TEMA 4 – EFEITOS SOCIAIS DA SOCIALIZAÇÃO VIOLENTA A socialização, como dito anteriormente, é o processo por meio do qual os indivíduos são preparados para convivência social. Nesse sentido, esse processo pode contribuir para a compressão dos conflitos e violências como problemas sociais. No âmbito da socialização primária, a violência intrafamiliar em suas múltiplas manifestações, conforme abordado no tema anterior, pode gerar graves efeitos psicológicos aos indivíduos. Já na socialização secundária, manifestações de violência podem gerar graves efeitos sobre o processo de formação dos indivíduos e em suas trajetórias sociais. De acordo com Vilhena e Maia (2002), a sociedade restringe a expressão da agressividade e da violência. Para isso, os indivíduos devem internalizar as regras e as leis da sociedade em que vivem. Ou seja, é por meio do processo de socialização que a agressividade é contida e os indivíduos introjetam padrões de comportamento não violentos. Entretanto, indivíduos submetidos a processos de socialização violentos podem encontrar sérias dificuldades de convivência social. Além disso, esses indivíduos podem, em muitos casos, reproduzir comportamentos violentos em diferentesâmbitos da vida social, contribuindo, assim, de forma mais ampla, com a violência na sociedade. Nesse sentido, a socialização violenta fomenta um círculo vicioso de reprodução de padrões de comportamentos violentos, fenômeno descrito por Müller (1995) como cultura da violência, ou seja, o enraizamento de comportamentos violentos como forma de sociabilidade. Entre as manifestações da cultura da violência está a sociabilidade violenta. De acordo com Silva (2010), esta pode ser compreendida como o uso indiscriminado da violência nas relações cotidianas, em que a violência é naturalizada e cujo uso é justificado pelos indivíduos. 9 A socialização violenta, ou seja, pautada na cultura da violência e na sociabilidade violenta, pode ser um dos fatores explicativos para a violência no âmbito macrossocial. De acordo com Bersogli Paula e Assumpção Jr. (2013), ocorre um impacto da violência no âmbito familiar na trajetória de adolescentes em conflito com a lei. É de fundamental importância destacar, conforme já sabemos, que a violência é um fenômeno complexo e multicausal. Sendo assim, embora significativo para a compreensão da perpetuação da violência e da consolidação desta como problema social, a socialização não é o único fator a ser considerado. Cabe ainda destacar que, ao tratar do papel da socialização para a compreensão do fenômeno da violência, é importante compreender as diferentes etapas e agentes desse processo. Ou seja, a análise não deve centrar-se apenas na família. É de fundamental importância considerar a ação de outras instituições, como a escola e o Estado. De acordo com Marriel et al. (2006), a violência no ambiente escolar pode ter como efeitos a evasão, problemas de aprendizagem e baixo rendimento escolar, efeitos que impactam sobre o acesso ao trabalho e a renda dos jovens. Já o Estado atua no controle social e regulamentação da sociedade e, nesse sentido, como agente de socialização. Além disso, de acordo com Aranão (2008), cabe também ao Estado a consolidação de um sistema de garantia de direitos e o respeito à dignidade da pessoa humana, entretanto muitas vezes falha no cumprimento dos direitos fundamentais garantidos nos instrumentos legais, resultando em desigualdades, discriminação e marginalidade. Diante dos possíveis efeitos da socialização violenta no âmbito social, cabem ações de enfretamento a esse padrão de sociabilidade. Para isso são necessárias intervenções em diferentes âmbitos e instituições com vista à transformação da naturalização e da reprodução da cultura da violência. TEMA 5 – ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES FAMILIARES – DEBATES CONTEMPORÂNEOS De acordo com Minayo e Souza (1999), as concepções acerca da relação entre violência e a natureza humana são diversas e alteram-se ao longo dos períodos históricos. Diferentes autores de diversas áreas do conhecimento constroem concepções sobre o tema. 10 Ainda de acordo com Minayo e Souza (1999), para certos pensadores, a violência seria biologicamente determinada no comportamento humano. Nessa perspectiva, os seres humanos seriam institivamente agressivos e violentos, ou seja, a violência seria um fenômeno inevitável. Uma segunda vertente explicativa compreende a violência como fenômeno social, como fruto das relações sócio- históricas da sociedade na qual se manifesta. Segundo Minayo e Souza (1999), a segunda vertente é mais aceita no meio acadêmico e a abordagem sócio-histórica da violência admite a possibilidade de enfretamento a esta. Ou seja, como fenômeno social, a violência pode ser estudada, podem ser compreendidos os fatores que a geram e, com base nisso, formuladas possíveis ações de enfrentamento. Nesse sentido, embora ocorra no âmbito privado, a violência intrafamiliar pode ser pensada como um problema social e, como tal, relacionada às dinâmicas sócios-históricas das sociedades em que ocorrem. No caso do Brasil, é fundamental considerar a violência estrutural da sociedade e do seu processo de formação. Fenômenos como o machismo, o racismo e as desigualdades sociais contribuem para a perpetuação da violência. Em especial no âmbito da violência intrafamiliar o machismo e a cultura da violência são fatores sócio-históricos a serem enfrentados. Nesse sentido, movimentos sociais, defensores de direitos humanos e o próprio Estado, têm atuado no combate à naturalização da violência. A ruptura com o silêncio e o estímulo à denúncia e a produção de dados sobre a violência intrafamiliar têm papel importante nesse processo de enfrentamento na medida em que a compreensão dos fenômenos da violência e a compreensão dos fatores sociais e históricos que os geram são essenciais na formulação e de estratégias de enfretamento à violência. No Brasil, o Estado tem atuado em especial no controle social e na promoção de políticas pública. Embora existam fragilidades na ação do Estado, alguns importantes avanços têm sido verificados. Entre os avanços significativos ocorridos nas últimas décadas no Brasil, podem-se citar alterações na legislação que contemplam as principais vítimas da violência intrafamiliar: mulheres, idosos e crianças. No que diz respeito ao enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes, destaca-se a aprovação em 1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamentou direitos fundamentais bem como procedimentos 11 protetivos para este grupo. O Estatuto do Idoso, aprovado em 2003, regulamentou direitos dos idosos, prevendo punições em casos de violações dos seus direitos. Já a Lei Maria da Penha, aprovada em 2006, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Por fim, a Lei do feminicídio, em 2015 alterou o Código Penal e incluiu o homicídio contra a mulher por razões da condição de sexo feminino na modalidade de homicídio qualificado. Cabe ressaltar, entretanto, que o enfrentamento à violência não se refere apenas à punição, pois é fundamental enfrentar a cultura da violência e a naturalização desta. Nesse sentido, de acordo com Noleto (2010), a Unesco designou o período de 2001-2010 como a Década Internacional da Promoção da Cultura da Paz e Não Violência em Benefício das Crianças do Mundo. Sobre a cultura da paz, por sua vez, é possível dizer que está intrinsecamente relacionada à prevenção e à resolução não violenta dos conflitos. É uma cultura baseada em tolerância e solidariedade, uma cultura que respeita todos os direitos individuais, que assegura e sustenta a liberdade de opinião e que se empenha em prevenir conflitos, resolvendo-os em suas fontes, que englobam novas ameaças não militares para a paz e para a segurança, como a exclusão, a pobreza extrema e a degradação ambiental. A cultura de paz procura resolver os problemas por meio do diálogo, da negociação e da mediação, de forma a tornar a guerra e a violência inviáveis (Noleto, 2010, p. 11-12). De acordo com Corrêa (2003), o processo de socialização nessa perspectiva ganha importância. Além disso, a educação para a paz implica uma nova concepção da função da família bem como novos conceitos, métodos, estratégias e objetivos com vistas à construção de uma sociedade baseada em princípios éticos e de solidariedade. 12 REFERÊNCIAS AMAZARRAY, M. R.; KOLLER, S. H. Alguns aspectos observados no desenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual. 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