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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE MORFOLOGIA PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA ESTRUTURAL E FUNCIONAL LÍLIAN ANDRADE CARLOS DE MENDONÇA AÇÃO NEUROPROTETORA DA AYAHUASCA NO CÓRTEX PRÉ-FRONTAL DE SAGUIS (Callithrix jacchus) INDUZIDOS A UM ESTADO DEPRESSIVO Dissertação de mestrado apresentada à Pós- Graduação em Biologia Estrutural e Funcional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como pré-requisito para obtenção do título de Mestre. NATAL 2023 LÍLIAN ANDRADE CARLOS DE MENDONÇA AÇÃO NEUROPROTETORA DA AYAHUASCA NO CÓRTEX PRÉ-FRONTAL DE SAGUIS (Callithrix jacchus) INDUZIDOS A UM ESTADO DEPRESSIVO Dissertação de mestrado apresentada à Pós- Graduação em Biologia Estrutural e Funcional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como pré-requisito para obtenção do título de Mestre. ORIENTADOR: PROF. DR. FERNANDO VAGNER LOBO LADD CO-ORIENTADORA: PROFª. DRª. NICOLE LEITE GALVÃO-COELHO NATAL 2023 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson - Centro de Biociências - CB Mendonça, Lílian Andrade Carlos de. Ação neuroprotetora da ayahuasca no córtex pré-frontal de saguis (Callithrix jacchus) induzidos a um estado depressivo / Lílian Andrade Carlos de Mendonça. - 2023. 61 f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Biociências, Programa de Pós-graduação em Biologia Estrutural e Funcional. Natal, RN, 2023. Orientação: Prof. Dr. Fernando Vagner Lobo Ladd. Coorientação: Profa. Dra. Nicole Leite Galvão-Coelho. 1. Transtorno depressivo maior - Dissertação. 2. Sagui - Dissertação. 3. Córtex pré-frontal - Dissertação. 4. Ayahuasca - Dissertação. 5. Estereologia - Dissertação. I. Ladd, Fernando Vagner Lobo. II. Galvão-Coelho, Nicole Leite. III. Título. RN/UF/BSCB CDU 616.895.4 Elaborado por KATIA REJANE DA SILVA - CRB-15/351 Dedico este trabalho ao meu avô e “pai”, in memoriam, o Sr. Paulino Luiz da Silva, que é o meu maior exemplo de integridade e de humanidade. AGRADECIMENTOS Nesse momento uma frase fica muito forte em minha mente: “E ao olhar pra trás, tudo que passou, venho agradecer quem comigo estava, ergo minhas mãos pra reconhecer, e hoje sou quem sou.”. Ergo as mãos em agradecimento ao meu Senhor, Jeová Rafah, que me fortaleceu em cada momento do desenvolvimento dessa pesquisa. Agradeço ao meu grande amor, meu esposo Reginaldo, um homem forte e batalhador, que com todas as suas limitações, quando falávamos de estudo, ele sempre esteve junto, apoiando e nunca deixando o nome “desistência” vir à minha cabeça; aos meus filhos amados, Ane Gabriele, Isabel e Guilherme, que foram meus grandes apoiadores, meus grandes incentivadores, suportando a ausência e a ansiedade que me acompanharam em alguns momentos. Agradeço à minha mamãe, Dona Josete, a mulher mais guerreira que já conheci na vida, que me ensinou o valor do estudo e o quanto através dele podemos alcançar todos os nossos sonhos, e por quem entrei nessa linha de pesquisa. Assim como, pessoas importantes para mim, familiares que testemunharam e vibraram a cada conquista, minha tia Judite, minhas irmãs, Luciana e Viviane, meus cunhados, Adriano e Gustavo, vocês fizerem toda a diferença nessa caminhada. Agradeço também à minha família cristã, Pr. Jackson, Pra. Kelly, Lidiany, Betinho, Elenice e Júlio, não temos o sangue para nos aproximar, mas temos o amor em Cristo Jesus, e esse amor foi a energia que precisava nessa caminhada. Agradeço ao meu querido Prof. Fernando, que me aceitou como aluna, que me deu todo amparo que precisava, foram dias bem difíceis, uma pandemia no meio do caminho, recursos reduzidos, mas ele nunca “deixou a peteca cair”, sempre elevando minha capacidade e sempre me deixando tranquila de que tudo iria dar certo; à minha Profª. Nicole, que também me aceitou como aluna, mesmo estando em outro programa, a todo tempo me encheu de conhecimento, incentivou-me a seguir em frente, com uma mente futurista incrível, infelizmente a redução dos recursos nos limitou, mas nos mantivemos firmes. No caminho, diversas pessoas incríveis o cruzaram, fizeram toda a diferença, seja estando juntos na pesquisa, ou apenas fortalecendo com suas amizades. A biomédica Ana Cláudia, hoje distribuindo seus conhecimentos em outro país, foi uma pessoa essencial durante toda a pesquisa, meu braço direito, esquerdo... enfim, agradeço demais quem começou como apoio e terminou como uma grande amiga. Todos do laboratório ELISA, Raíssa, Cecília, Ana Cecília, Mariana, Lara, Geovan e Érick, só posso agradecer, foram incentivadores, apoiadores, além disso, presentearam-me com sua amizade, todos sem exceção, seja torcendo, ajudando em conhecimento, compartilhando informações, ajudando na estatística, ou seja, uma verdadeira equipe. A todos do LABNEURO, Prof. Expedito, Prof. Ruthnaldo, Prof. Judney, Profª. Miriam, Regina (hoje aposentada), todos muito solícitos em me passar conhecimento, tirando dúvidas sobre as técnicas empregadas, dando sugestões para melhorar o trabalho, fui inundada de apoio neste laboratório. Agradeço imensamente a Profª. Christina, atual coordenadora do PPGBioEF, por ter me amparado durante esses últimos anos, logo no período da pandemia, onde tudo parecia que ia dar errado, ela veio com sua mão forte, fazendo-me acreditar que tudo daria certo. Aos colaboradores do Núcleo de Primatologia da UFRN, Hugo, Laura e o veterinário Prof. Danilo, que fizeram muito mais do que cumprir seu papel, foram essenciais nos momentos iniciais da pesquisa; principalmente a Laura que já era minha colega de faculdade e se tornou uma grande amiga, mesmo antes de fazer a prova para entrar no programa, foi minha incentivadora e ainda me encheu de material para estudar, uma pessoa extremamente altruísta. Agradeço aos colaboradores do Instituto Internacional Santos Dumont, Prof. Dr. Felipe Fiuza, Diego, até o recepcionista, sempre fui muito bem recebida e orientada muito bem no uso dos equipamentos. A colaboradora do ICE (Instituto do Cérebro), Juliana, que além de ser uma pessoa incrível, foi extremamente colaborativa no uso do equipamento para estereologia, sua doçura e humildade foram acalentadores durante uma fase bem difícil desse trajeto. A pessoa que se tornou mais que colega de trabalho e de profissão, Prof. Dr. Bruno, que me ensinou muito, foi um verdadeiro orientador em estatística, além de um grande amigo. Por fim, não menos importante, agradeço aos meus colegas de programa, Anne, Erick, Heloísa, Ivana, Rafael e Sóstenes, juntos nos apoiamos nos dias mais difíceis de nossas vidas, contudo nos mantivemos firmes e chegamos ao êxito. SUMÁRIO RESUMO.......................................................................................................................... 8 ABSTRACT.................................................................................................................... 10 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12 2. REVISÃO TEÓRICA ................................................................................................. 12 2.1 – Neurobiologia da Depressão ............................................................................. 12 2.2 – Neuroanatomia do córtex pré-frontal (CPF)...................................................... 15 2.3 – Modelo animal experimental..............................................................................16 2.4 – Ação biológica da Ayahuasca............................................................................ 17 2.5 – Importância do delineamento estereológico....................................................... 19 3. OBJETIVOS............................................................................................................... 22 3.1. Gerais................................................................................................................... 22 3.2. Específicos........................................................................................................... 22 4. MATERIAIS E MÉTODOS........................................................................................ 23 4.1. Animais............................................................................................................... 23 4.2. Desenho Experimental......................................................................................... 23 4.3. Tratamento – Ayahuasca...................................................................................... 25 4.4. Registro Comportamental.................................................................................... 25 4.5 - Parâmetro fisiológico do estado depressivo........................................................ 27 4.6. Delineamento estereológico................................................................................ 27 4.6.1. Amostragem e Técnica Histológica............................................................. 27 4.6.2. Volume Referência das subáreas do Córtex Pré-frontal Total (VCPF)......... 30 4.6.3. Número Total de Neurônios nas diferentes subáreas do Córtex Pré-frontal (NCPF).............................................................................................................................. 30 4.6.4. Volume Médio Neuronal (NVCPF)............................................................... 32 4.7. Análise Estatística................................................................................................ 33 5. RESULTADOS........................................................................................................... 34 5.1. Dados da caracterização do estado depressivo..................................................... 34 5.1.1. Dados comportamentais............................................................................ 34 5.1.2. Dados fisiológicos..................................................................................... 35 5.2. Dados morfoquantitativos.................................................................................... 35 5.2.1. Dados do Volume total (VCPF)...................................................................... 35 5.2.2. Número Total de Neurônios (NCPF).............................................................. 36 5.2.3. Volume Médio Neuronal (NVCPF)................................................................ 39 5.3. Análise Multivariada Discriminante.................................................................... 41 6. DISCUSSÃO............................................................................................................... 43 7. CONCLUSÕES........................................................................................................... 49 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 50 9. Anexo I........................................................................................................................ 60 10. Anexo II..................................................................................................................... 61 9 RESUMO O Transtorno depressivo maior pode se apresentar em episódio único ou recorrente, podendo durar dias, sendo os sintomas diversos que influenciam nas relações do cotidiano. Uma das principais causas para esse transtorno é o estresse crônico, e a resposta biológica a esses estressores que pode ocasionar uma desregulação na fisiologia humana. Nosso grupo objetiva identificar a competência neuroprotetora da Ayahuasca nos aspectos comportamentais e morfoquantitativos no córtex pré-frontal de saguis (Callithrix jacchus) submetidos a um protocolo de estresse crônico induzido. Foram utilizados 4 machos e 4 fêmeas, alocados em 3 grupos, sendo 02 no grupo família (GF), 02 no grupo isolado (GI) e 04 no grupo tratado (GT), todos selecionados de forma aleatória. Selecionamos espécimes com idade entre 7 e 9 meses de vida. O registro comportamental foi colhido pelo método de amostragem focal contínua, coletando frequência e/ou duração de comportamentos. Uma fração (1/6) das seções obtidas, a partir da microtomia do encéfalo, foram submetidas a coloração histológica com técnicas de Nissl. Para a estimativa dos parâmetros morfoquantitativos foi utilizada a estereologia, técnica de quantificação histológica tridimensional. Dentre os comportamentos, não constatamos diferenças significativas entre os grupos na fase experimental, exceto na ingestão de alimento (H(2) = 6,00, p = 0,050). Quanto ao volume total do córtex pré- frontal (CPF), não foi encontrada diferença significante entre grupos (H(2) = 3,00, p = 0,223). No que diz respeito a densidade neuronal, visualmente apresentava ser mais intensa no GF e GT em comparação ao GI nas três áreas do córtex pré-frontal selecionadas. Com relação ao volume médio neuronal do córtex pré-frontal medial (VN- mCPF), encontramos diferença significativa entre grupos (H(2) = 5,37, p = 0,057); no volume médio neuronal do córtex pré-frontal dorsolateral (VN-dlCPF), não encontramos diferença significante entre grupos (H(2) = 3,81, p = 0,098); no volume médio neuronal do córtex pré-frontal ventral (VN-vCPF), foi encontrada diferença significativa entre grupos (H(2) = 7,75, p = 0,029). Nesse estudo observamos uma redução sutil no volume do córtex pré-frontal do sagui quando comparamos o GF com o GI, o que pode ser corroborado por alguns comportamentos, dependentes do comando social, que também apresentaram redução. No mCPF e no dlCPF observamos uma redução de em média 25% na densidade neuronal quando comparamos o GF com o GI. Quando comparado o GF com o GT observamos similaridade nas quantidades. A atrofia de neurônios do córtex pré-frontal é associado a transtornos depressivos e ansiedade, esta característica foi identificada em saguis do GI das três regiões do CPF (medial, dorsolateral e ventral), 10 sugerindo ser um marcador do estado depressivo. Avaliamos que no GT o volume neuronal é similar ao GF, dados encontrados nas três regiões do CPF. Estes resultados apontam que a Ayahuasca apresenta ação neuroprotetora na manutenção do número de neurônios e no volume neuronal impedindo a atrofia característica no contexto da depressão. Por fim, o tratamento profilático da Ayahuasca pode ajudar na proteção do córtex pré-frontal e isso é um ganho para a população mundial que sofre cada vez mais com essa doença. Palavras-chave: Transtorno depressivo maior, Sagui, Córtex pré-frontal, Ayahuasca, Estereologia 11 ABSTRACT Major depressive disorder can present as a single or recurrent episode, lasting days, with different symptoms influencing everyday relationships. One of the main causes of this disorder is chronic stress, and the biological response to these stressors can cause dysregulation in human physiology. Our group aims to identify the neuroprotective competence of Ayahuasca in behavioral and morphoquantitative aspects in the prefrontal cortex of marmosets (Callithrix jacchus) subjected to an induced chronic stress protocol. 4 males and 4 females were used, allocated into 3 groups, 02 in the family group (GF), 02 in the isolated group (GI) and 04 in the treated group (GT), all selected randomly. We selectedspecimens aged between 7 and 9 months of age. The behavioral record was collected using the continuous focal sampling method, collecting frequency and/or duration of behaviors. A fraction (1/6) of the sections obtained from the brain microtomy were subjected to histological staining using Nissl techniques. To estimate the morphoquantitative parameters, stereology, a three-dimensional histological quantification technique, was used. Among the behaviors, we did not find significant differences between the groups in the experimental phase, except in food intake (H(2) = 6.00, p = 0.050). Regarding the total volume of the prefrontal cortex (PFC), no significant difference was found between groups (H(2) = 3.00, p = 0.223). With regard to neuronal density, it visually appeared to be more intense in GF and GT compared to GI in the three selected areas of the prefrontal cortex. Regarding the mean neuronal volume of the medial prefrontal cortex (VN-mCPF), we found a significant difference between groups (H(2) = 5.37, p = 0.057); in the mean neuronal volume of the dorsolateral prefrontal cortex (VN- dlCPF), we found no significant difference between groups (H(2) = 3.81, p = 0.098); in the mean neuronal volume of the ventral prefrontal cortex (VN-vCPF), a significant difference was found between groups (H(2) = 7.75, p = 0.029). In this study, we observed a subtle reduction in the volume of the marmoset's prefrontal cortex when comparing the GF with the GI, which can be corroborated by some behaviors, dependent on social command, which also showed a reduction. In the mCPF and dlCPF we observed an average reduction of 25% in neuronal density when comparing the GF with the GI. When comparing GF with GT we observed similarity in quantities. The atrophy of neurons in the prefrontal cortex is associated with depressive and anxiety disorders. This characteristic was identified in marmosets from the GI region of the three regions of the PFC (medial, dorsolateral and ventral), suggesting that it is a marker of the depressive state. We assessed that in GT the neuronal volume is similar to GF, data found in the three 12 regions of the PFC. These results indicate that Ayahuasca has a neuroprotective action in maintaining the number of neurons and neuronal volume, preventing the atrophy characteristic in the context of depression. Finally, prophylactic Ayahuasca treatment can help protect the prefrontal cortex and this is a benefit for the world population that is increasingly suffering from this disease. Key words: Major depressive disorder, Marmoset common, Prefrontal cortex, Ayahuasca, Stereology. 13 1. INTRODUÇÃO O transtorno depressivo maior (TDM) é uma doença mental comum, e qualquer pessoa pode ser acometida por essa enfermidade (WHO, 2023). Calcula-se que cerca de 3,8% da população mundial sofra de depressão, sendo jovens e mulheres os mais atingidos (WHO, 2023). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) no primeiro ano da pandemia houve um aumento de 25% de prevalência global de ansiedade e depressão (2022). Esta é uma das consequências do COVID-19, onde vários países instalaram, como medidas de prevenção, o distanciamento social, levando diversas pessoas a viverem por meses sem relacionamentos interpessoais, e crianças, adolescentes e jovens tiveram que se afastar do convívio escolar (OMS, 2022). Estes fatores sociais, combinados a alterações psicológicas e biológicas levaram ao aumento do número de pessoas que apresentaram esse transtorno, entre outros (WHO, 2023). O Brasil ocupa o segundo lugar em número de pessoas diagnosticadas com transtorno depressivo nas Américas, com 5,8% da população acometida com a doença (OPAS, 2020). O TDM pode se apresentar em episódio único ou recorrente, podendo durar dias, sendo os sintomas diversos que influenciam nas relações do cotidiano (JESULOLA et al., 2018; WHO, 2023). Pessoas que sofrem traumas causados por adversidades na vida têm maior probabilidade de desenvolver a depressão, sendo mais comum em mulheres, cerca de 50% a mais que em homens (WHO, 2023). Os jovens apresentam maior incidência de comportamentos suicidas e de automutilação, sendo o quarto principal motivo de morte de 15 a 29 anos, por suicídio (MORGAN et al., 2013; WHO, 2023). Esses números alarmantes impulsionam a comunidade científica a intensificar os estudos para compreender como esse transtorno se desenvolve, quais alterações biológicas emanam para seu surgimento ou a partir dele, e a busca por tratamentos alternativos, além dos farmacológicos. 2. REVISÃO TEÓRICA 2.1 – Neurobiologia da Depressão Proveniente da melancolia, já descrita na Idade Média, o TDM é identificado por um aumento no sentimento de tristeza e um “vazio”, caracterizado pela medicina como um transtorno de humor, de acordo com o ICD – International Classification of Diseases – em sua décima primeira edição (2018). Uma das principais causas para esse transtorno é o estresse crônico, e a resposta biológica a esses estressores pode ocasionar uma 14 desregulação na resposta humana (POPOLI et al., 2012; WILLNER et al., 2013; DEAN & KESHAVAN, 2017; DA SILVA et al., 2018; GODOY et al., 2018; BORTOLOZZI et al., 2021; GRILO et al., 2022). Alguns eventos adversos da vida infantil podem ocasionar o desenvolvimento do TDM no jovem ou adulto, assim como ocorrências impactantes na vida adulta podem gerar episódios depressivos, ou subsequente evolução da doença (POPOLI et al., 2012; BARCH, 2013; WILLNER et al., 2013). As alterações e distúrbios acarretam sintomas característicos, que podem ser psíquicos com acentuada diminuição do interesse ou prazer (anedonia), agitação ou retardo motor e capacidade diminuída para pensar ou se concentrar (DSM-V, 2014; PALHANO- FONTES et al., 2014; DEAN & KESHAVAN, 2017; DA SILVA et al., 2018; JESULOLA et al., 2018). Também podem ser fisiológicas como o ganho ou perda significativa de peso, insônia ou hipersonia, fadiga ou perda de energia, além de sintomas comportamentais como o humor deprimido, sentimentos de inutilidade ou culpa, e pensamentos recorrentes de morte (WILLNER et al., 2013; DSM-V, 2014; PALHANO- FONTES et al., 2014; JESULOLA et al., 2018). Como critério para o diagnóstico, é necessário que cinco dos sintomas descritos acima sejam recorrentes por duas semanas, sendo obrigatório a presença de pelo menos um, o humor deprimido ou perda de interesse ou prazer (DSM-V, 2014). Atualmente pessoas que possuem TDM tem 20 vezes mais chance de cometer suicídio do que aquelas que compõem a população em geral (OMS, 2022). Por décadas a fisiopatologia da depressão foi explicada pela diminuição dos níveis sinápticos de serotonina, dopamina e norepinefrina, que são monoaminas do grupo das aminas biogênicas, e que são consideradas como “substância do prazer”, essa ainda é a causa mais aceita (GEBHARD et al., 1995, ARNSTEN, 2000; SHELINE, 2003; BARBAS, 2009; PALHANO-FONTES et al., 2014; DEAN & KESHAVAN, 2017; DA SILVA et al., 2018; BAREBOIM, 2020; BORTOLOZZI et al., 2021). Esses neurotransmissores têm atuação na liberação de hormônios, na regulação do sono e do apetite e quando desregulados levam a alterações biológicas com sintomas correspondentes aos descritos por pacientes deprimidos (GEBHARD et al., 1995; ARNSTEN, 2000; WILLNER et al., 2013; DA SILVA et al., 2018). Além disso, estudos comprovaram que pacientes que descreviam tais sintomas também apresentaram redução dos níveis de serotonina nas fendas sinápticas (WILLNER et al., 2013; DEAN & KESHAVAN, 2017). Nestes casos, os pacientes são tratados com antidepressivos farmacológicos, como os Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS) e 15 Inibidores de Recaptação de Serotonina-Norepinefrina (IRSN), que atuam na expansão de receptores monoaminérgicos(ARNSTEN, 2000; JACOBS et al., 2000; WILLNER et al., 2013; PALHANO-FONTES et al., 2014; HARMER et al., 2017; DA SILVA et al., 2018; GALVÃO et al., 2018; BARENBOIM, 2020; KAWATAKE-KUNO et al., 2021). Contudo, estudos da última década mostraram que o estresse crônico pode levar a outras alterações cerebrais que resultam em episódios de depressão. Pesquisas mostram que anormalidades do eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal) estão associadas a sintomas depressivos (BARCH, 2013; GALVÃO et al., 2018; GODOY et al., 2018; JESULOLA et al., 2018; DE SOUSA et al., 2021; GALVÃO et al., 2021). Situações estressantes, induzidas em animais modelos, apresentaram alterações nos níveis de cortisol (hormônio responsável pelo enfrentamento do estresse e redução de inflamações), hipercotisolemia ou hipocortisolemia, este descrito em saguis, e aumento nas glândulas adrenais (SHELINE, 2003; WILLNER et al., 2013; CININI et al., 2014; DEAN & KESHAVAN, 2017; DA SILVA et al., 2018, GALVÃO et al., 2018; DE SOUSA et al., 2021; GALVÃO et al., 2021; GRILO et al., 2022). Outros estudos apontam para alterações que esses glicocorticoides causam no metabolismo do glutamato em situações de estresse agudo e crônico, onde alguns pacientes têm sido tratados com cetamina (SHELINE, 2003; POPOLI et al., 2012; DEAN & KESHAVAN, 2017; HARMER et al., 2017; GODOY et al., 2018; BAREBOIM, 2020; KAWATAKE-KUNO et al., 2021; GRILO et al., 2022; OLIVER et al., 2022) O estresse também pode causar diminuição da neurogênese, mais precisamente no desenvolvimento de neuroblastos presentes no giro denteado do hipocampo, e a redução de seu volume (JACOBS et al., 2000; SHELINE, 2003; VOLLMAYR et al., 2007; WILLNER et al., 2013; CININI et al., 2014; PALHANO-FONTES et al., 2014; LIMA- OJEDA et al., 2017; JESULOLA et al., 2018; BORTOLOZZI et al., 2021). Esta diminuição pode ser uma causa para a depressão, assim como tratamentos que levam ao aumento da neurogênese seguem para uma diminuição dos episódios depressivos, apontam algumas pesquisas (JACOBS et al., 2000; VOLLMAYR et al., 2007; CININI et al., 2014; HARMER et al., 2017; BAREBOIM, 2020; BORTOLOZZI et al., 2021; GALVÃO et al., 2021). Outra frente de estudo está relacionada ao BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro) que é um fator que atua diretamente na neuroplasticidade sendo responsável pelo crescimento e diferenciação de novos neurônios (DEAN & KESHAVAN, 2017; GODOY et al., 2018; BORTOLOZZI et al., 2021). Alguns sugerem que a redução na produção de BDNF em células hipocampais 16 pode reduzir a neuroplasticidade, e isso levar ao surgimento de sintomas do transtorno depressivo (SHELINE, 2003; WILLNER et al., 2013; DEAN & KESHAVAN, 2017; HARMER et al., 2017; ALMEIDA et al., 2019; GALVÃO et al., 2021). Outros estudos sobre estresse crônico apontam também para alterações neurodegenerativas em áreas do córtex pré-frontal (CPF) (WILLNER et al., 2013; DEAN & KESHAVAN, 2017; HARMER et al., 2017; LIMA-OJEDA et al., 2017; BAREBOIM, 2020). Estes, usando neuroimagem, demonstraram redução da densidade neuronal, retração dendrítica e redução do volume neuronal cortical (WILLNER et al., 2013; DEAN & KESHAVAN, 2017; BORTOLOZZI et al., 2021). Essa diversidade nas possíveis causas da depressão conduz a outros focos de estudos, e especificamente o nosso grupo busca maiores informações acerca da modulação neuronal que ocorre no córtex pré- frontal, diante de um episódio de transtorno depressivo, e a participação de uma outra forma alternativa de tratamento. 2.2 – Neuroanatomia do córtex pré-frontal (CPF) O córtex pré-frontal (CPF) é uma área cerebral que sofre alteração morfológica como resultado de distúrbios relacionados ao transtorno depressivo e ansiedade (SHELINE, 2003; MORGAN et al., 2013; WILLNER et al., 2013; RÍOS-FLOREZ et al., 2021). Estudos com neuroimagem indicam uma diminuição no volume neuronal de células do córtex pré-frontal dorsolateral (dlCPF) em todas as camadas, assim como, o aumento na liberação de glicocorticoides está relacionado com a diminuição de conexões dendríticas no córtex pré-frontal medial (mCPF) e diminuição da plasticidade no hipocampo (SHELINE, 2003; WILLNER et al., 2013; DEAN & KESHAVAN, 2017). Estudos no CPF tem se aprofundado devido as suas funções e conexões estarem ligadas a cognição (GEBHARD et al., 1995; ARNSTEN, 2000; FUSTER, 2001; FUSTER, 2002; POPOLI et al., 2012). Esta área está envolvida no enfrentamento do medo, na memória de trabalho, na memória comportamental, na tomada de decisão, no controle inibitório e possui uma plasticidade ativa, que quando alterada pode conduzir a patologias neuropsiquiátricas (ARNSTEN, 2000; FUSTER, 2001; FUSTER, 2002; POPOLI et al., 2012; MORGAN et al., 2013). Especificamente as áreas do córtex pré- frontal dorsolateral estão relacionadas a cognição, e as áreas do córtex pré-frontal medial e orbital estão relacionadas com as emoções (FUSTER, 2001). O CPF ocupa a parte anterior do lobo frontal – é encontrado nos mamíferos, mas sua organização e função difere nos primatas - é a área do cérebro mais evoluída do córtex e 17 constitui cerca de um terço de todo o córtex cerebral humano (GEBHARD et al., 1995; FUSTER, 2002; BARBAS, 2009). Esta área possui seis camadas distintas de células nervosas com variáveis tipos que permite diferentes tipos de conexões com muitas outras partes do encéfalo, como o córtex cingulado e a amígdala, pertencentes ao sistema límbico, com o hipocampo, tronco cerebral e o tálamo (FUSTER, 2001; BARBAS, 2009; PAXINOS, 2016; GODOY et al., 2018; RÍOS-FLOREZ et al., 2021). O CPF é dividido em córtex pré-frontal orbital, medial e lateral (dorsolateral), de acordo com o mapa citoarquitetônico de Brodman, 1909 (FUSTER, 2001; FUSTER, 2002). O córtex orbital está localizado acima da órbita ocular, é mais liso e com poucas dobras, e está relacionado com aspectos emocionais (sexual, alimentar, motor e sono), com a personalidade, com a inibição de impulsos e estudos apontam que está relacionado ao comportamento de anedonia (diminuição do interesse ou prazer), um dos sintomas do TDM (FUSTER, 2001; BARBAS, 2009; PAXINOS, 2016; RZEPA et al., 2017). O córtex medial se estende da parte medial do lobo frontal até o corpo caloso no cingulado anterior, também com aparência mais lisa e menos dobrada, e está envolvido na coordenação bimanual, na memória espacial, no aspecto motivacional, na tomada de decisão e da iniciativa do comportamento (onde encontra-se a área motor suplementar), também está envolvido no controle de impulsos e junto com a amígdala com as emoções primárias (FUSTER, 2001; BARBAS, 2009; MORGAN et al., 2013; WILLNER et al., 2013; PAXINOS, 2016; DEAN & KESHAVAN, 2017; RÍOS-FLOREZ et al., 2021). O córtex lateral (dorsolateral) propaga-se do sulco arqueado até o polo frontal, é caracterizado por sulcos e giros proeminentes, e está envolvido em funções cognitivas, como atenção, memória de trabalho, aprendizagem, organização da informação e capacidade de memorização (FUSTER, 2001; BARBAS, 2009; PAXINOS, 2016). Alguns estudos apontam para a especificidade dos hemisférios do córtex pré-frontal lateral (dorsolateral), onde o hemisfério direito está envolvido na percepção espacial e na emoção, enquanto o hemisfério esquerdo na regulação emocional e controle cognitivo, sendo este relacionado a fisiopatologia da TDM, apresentando redução na atividade (LAN et al., 2016). O CPF do sagui (Callithrix jacchus) possui uma alta densidade de sinapses e é extremamente plástico, ou seja, é capaz de se adaptar rapidamente à mudanças; é dividido em: córtex pré-frontal dorsolateral, que possui funções executivas, planejamento, tomada de decisão, memórias de trabalho e comportamento relacionado a objetivos; córtex pré- frontal ventral, que está relacionado a córtex pré-frontal orbital no humano, que possui um papel importante na regulaçãoemocional e tomada de decisão social; e córtex pré- 18 frontal medial, local onde se encontra as principais conexões neurais que ligam a atividade cognitiva às emoções (ROBERTS & WALLIS, 2000; PAXINOS et al., 2011; LIU et al., 2018; ATAPOUR et al., 2019; RÍOS-FLÓREZ et al., 2021; FREI-COBO et al., 2023). O CPF, devido a grandes proporções de neurônios de projeção que permite desenvolver funções complexas, realiza diversas conexões: com o córtex parietal, córtex temporal, tronco cerebral, assim como com o córtex cingulado e sistema límbico, que estão envolvidos na regulação emocional e tomada de decisão (LIU et al., 2018). Algumas áreas do córtex pré-frontal do sagui são semelhantes ao ser humano e estão envolvidas com o processamento de interação social, como A8b e A9, no córtex pré- frontal dorsolateral, A45 e A47, no córtex pré-frontal ventral, A25 e A32, no córtex pré- frontal medial, identificado por ressonância magnética funcional (HORI et al., 2021). Outros estudos apresentam diferença na densidade neuronal em relação a porção anterior (rostral) e posterior (caudal), onde nesta foi encontrada em menor quantidade (ATAPOUR et al., 2019). 2.3 – Modelo animal experimental O modelo animal experimental selecionado foi o Callithrix jacchus, o sagui-de-tufo- branco, uma das espécies da família Callitrichidae, que possui relação filogenética com os humanos (STEVENSON & POOLE, 1976; BURKART & FINKENWIRTH, 2015; MITCHELL & LEOPOLD, 2015). O sagui tem sido muito utilizado em estudos antropológicos, biomédicos, reprodutivos, psiquiátricos e neurocientíficos (STEVENSON & POOLE, 1976; LEÃO et al., 2009; CININI et al., 2014; BURKART & FINKENWIRTH, 2015; MITCHELL & LEOPOLD, 2015; GALVÃO et al., 2016; MILLER et al., 2016; GALVÃO-COELHO et al., 2017; DA SILVA et al., 2018; DE SOUSA et al., 2021; RÍONS-FLÓREZ et al., 2021; GRILO et al., 2022). Os saguis são primatas do Novo Mundo, de pequeno porte e que possuem padrões de comportamento social e processos cognitivos que se assemelham ao humano, como o convívio em grupo, alianças estratégicas e a criação cooperativa, que fornece um suporte no enfrentamento das adversidades (STEVENSON & POOLE, 1976; BURKART & FINKENWIRTH, 2015; MILLER et al., 2016; GALVÃO-COELHO et al., 2017; DE SOUSA et al., 2021). Seu cérebro possui áreas em comum com outros primatas não humanos e humanos, como o córtex pré-frontal bem definido, a citoarquitetura (apesar de ser lissencefálico) e funções cerebrais (MITCHELL & LEOPOLD, 2015; MILLER et al., 2016). 19 Quando induzido a uma situação de estresse crônico, como o isolamento na fase juvenil, ele apresenta reações de comportamentos estereotipados e de automutilação, semelhante aos identificados em pacientes humanos com TDM, anedonia (dificuldade ou incapacidade de sentir prazer) e alterações fisiológicas, já encontradas em outras espécies de primatas não humanos e humanos (CININI et al., 2014; GALVÃO et al., 2016; GALVÃO-COELHO et al., 2017, DE SOUSA et al., 2021). Uma das vantagens para o uso desse animal é o fato de ter um ciclo reprodutivo rápido, cerca de 5 meses de gestação, e alta reprodução com nascimento de gêmeos ou trigêmeos (LEÃO et al., 2009; CININI et al., 2014; BURKART & FINKENWIRTH, 2015; MILLER et al., 2016; GALVÃO-COELHO et al., 2017; DE SOUSA et al., 2021). Ressaltamos que os animais em questão são criados em cativeiro, o que aumenta a interação social devido a limitação dos locais em que vivem, o que pode intensificar a reação diante de algum tipo de estresse, em relação aos animais selvagens (STEVENSON & POOLE, 1976; GALVÃO et al., 2016). 2.4 – Ação biológica da Ayahuasca O tratamento mais aceito para o TDM ainda está consolidado nos antidepressivos a base de monoaminas ou de inibidores seletivos de recaptação de serotonina ou norepinefrina, e que levam em torno de duas semanas para começar a apresentar uma melhora dos sintomas (DA SILVA et al., 2018; GALVÃO et al., 2018; BORTOLOZZI et al., 2021; KAWATAKE-KUNO et al., 2021; GRILO et al., 2022). Esta melhora é identificada quando ocorre uma redução de 50% dos sintomas ou mais, avaliados pela Escala de Hamilton (HAM-D), porém devido ao pequeno percentual de sucessos nesse tipo de intervenção, identifica-se um aumento em pesquisas para tratamentos alternativos (DA SILVA et al., 2018; BORTOLOZZI et al., 2021). Sabe-se que o TDM altera a plasticidade neural e que os antidepressivos revertem essa situação quando o tratamento é crônico, porém a resposta ocorre a longo prazo, sem contar com os casos que não respondem a nenhum tipo de antidepressivo (HARMER et al., 2017; ALMEIDA et al., 2019). Assim, o tratamento para o TDM por antidepressivos tem se tornado ineficaz, pois apenas de 30 a 40% dos pacientes diagnosticados respondem ao tratamento, dentre estes, muitos voltam a apresentar os sintomas após desmame (DA SILVA et al., 2018; ALMEIDA et al., 2019; GRILO et al., 2022). Com isso, têm sido intensificadas pesquisas com novas terapias, como o uso da substância psicodélica ayahuasca, esta que nos últimos anos tornou-se objeto de estudos no tratamento 20 profilático do transtorno depressivo e ansiedade (PALHANO-FONTES et al., 2014; GRILO et al., 2022). A ayahuasca, da língua quéchua (“aya” – “pessoa morta”; “waska” – “corda, cipó”), e que significa “trepadeira-da-alma”, é uma bebida psicoativa composta pela decocção de duas plantas: a casca da Jagube (Banisteriopsis caapi) e as folhas da Chacrona (Psychotria viridis) (GARRIDO & SABINO, 2009; PIRES et al., 2010; PALHANO- FONTES et al., 2014; DA SILVA et al., 2018; GALVÃO et al., 2018; GRILO et al., 2022). Conhecidamente, é utilizada por grupos indígenas da Amazônia em rituais religiosos, ou por grupos associados ao xamanismo e por vegetalistas curandeiros (GARRIDO & SABINO, 2009; PIRES et al., 2010; PALHANO-FONTES et al., 2014; DA SILVA et al., 2018; GALVÃO et al., 2018). Essa associação sinérgica é composta de um agente psicodélico, o alucinógeno triptamina N, N-dimetiltriptamina (DMT) e por β-carbolinas, como a harmina, tetrahidroharmina (THH) e harmalina, potentes inibidores da monoamina oxidase (MAO) e podem aumentar os níveis de serotonina na fenda sináptica, modular o eixo HPA e reduzir sintomas de depressão (GARRIDO & SABINO, 2009; PIRES et al., 2010; PALHANO-FONTES et al., 2014; DA SILVA et al., 2018; ALMEIDA et al., 2019; GRILO et al., 2022). Os efeitos fisiológicos da ayahuasca atendem mudanças sensitivas (alucinações visuais), afetivas (sentimentos de conexão espiritual) e cognitivas (mudança de percepção do tempo e do espaço), iniciando com 30 minutos e pode durar cerca até 4 horas (GARRIDO & SABINO, 2009; PALHANO-FONTES et al., 2014; GALVÃO et al., 2018). É sabido que a ayahuasca é alucinógena, contudo, pesquisas apontam para ausência de sintoma de dependência e de potencial tóxico (GARRIDO & SABINO, 2009; PIRES et al., 2010; PALHANO-FONTES et al., 2014; GALVÃO et al., 2018; GRILO et al., 2022). Estudos comprovam que o tratamento agudo com a ayahuasca aumenta níveis de cortisol (hormônio modulador do enfrentamento do estresse crônico) e reverte comportamentos depressivos em saguis jovens, assim como em pacientes com depressão que não respondem ao tratamento com antidepressivos (GARRIDO & SABINO, 2009; PALHANO-FONTES et al., 2014; DA SILVA et al., 2018; GALVÃO et al., 2018; ALMEIDA et al., 2019; GRILO et al., 2022). Acredita-se que a união desses fatores, nesse estudo, contribuirá para confirmação de que pode ocorrer uma neuroproteção na morfologia neuronal, sobretudo dos neurônios do córtex pré-frontal, e assim contribuir com o enriquecimento das informações acerca 21 da neurobiologia do TDM e de como a ayahuasca pode influenciar nesse contexto. Considera-se também, que a partir disto, haja uma contribuição significativa nas pesquisas com o uso do psicodélico conduzindo a um avançono tratamento fitoterapêutico da depressão e aceitação da substância pela indústria farmacêutica. 2.5 – Importância do delineamento estereológico Estudos histológicos e citoarquitetônicos são realizados através de cortes microscópicos e bidimensionais de peças anatômicas que nos proporcionam inferir diversas informações acerca da estrutura quantitativa sobretudo referente ao córtex pré- frontal (AMENÁBAR et al., 2003; DAVE et al., 2022; LARSEN et al., 2022). Quando o objetivo é identificar o número total, a densidade celular de alguma área ou o seu volume, a visão bidimensional das lâminas é prejudicada, pois a área de estudo possui apenas duas dimensões, 2D (ANTUNES, 1995; AMENÁBAR et al., 2003), em outras palavras uma análise morfoquantitativa, sem levar em consideração a tridimensionalidade do órgão ou de suas células, levam a interpretações equivocadas (HOWARD & REED, 2010). Para sanar essa limitação aplicamos uma análise morfoquantitativa baseada em delineamento estereológico, que é um conjunto de métodos validados estatisticamente que nos permite estimar as relações geométricas utilizando parâmetros tridimensionais, garantindo uma amostra uniforme, sistemática e aleatórias (SURS) (ANTUNES, 1995; AMENÁBAR et al., 2003; HOWARD & REED, 2010; LADD et al., 2012). O grau de precisão e eficiência da estereologia se dá pelas características da amostragem SURS, permitindo que o valor encontrado seja o mais próximo possível do valor real, na medida em que é imparcial e analisa a tridimensionalidade do órgão em estudo, nesse caso o córtex pré-frontal (ANTUNES, 1995; LADD et al., 2012; DAVE et al., 2022; MBF SCIENCE, 2023). Essa técnica possibilita mensurar o número celular, o volume de um determinado órgão ou o volume de uma célula com alto grau de imparcialidade, usando como parâmetro princípios matemáticos e estatísticos (AMENÁBAR et al., 2003; LADD et al., 2010; LADD et al., 2012; DAVE et al., 2022; MBF SCIENCE, 2023). A partir do uso do Princípio de Cavalieri podemos estimar o volume total de uma determinada área ou de uma peça anatômica partindo da contagem de pontos distribuídos uniformemente em seções bidimensionais, determinado por uma sonda, multiplicado pela área em questão, pela espessura e intervalo dos cortes (MAYHEW, 1991; AMENÁBAR 22 et al., 2003; LADD et al., 2010; LADD et al., 2012; DAVE et al., 2022; MBF SCIENCE, 2023). O número total de neurônios pode ser estimado a partir de fatias do tecido, utilizando o Fracionator Óptico, que permite reduzir o espaço amostral de maneira controlada em frações da região de interesse (MAYHEW, 1991; GUNDERSEN et al., 2002; AMENÁBAR et al., 2003; MIKI et al., 2005; PARDINI & ASSIS, 2005; DAVE et al., 2022; MBF SCIENCE, 2023). Associado ao uso do Disector Óptico que realiza a contagem do número de células em um volume conhecido (MAYHEW, 1991; AMENÁBAR et al., 2003; MIKI et al., 2005; PARDINI & ASSIS, 2005; LADD et al., 2010; LADD et al., 2012; DAVE et al., 2022; MBF SCIENCE, 2023) (Figura 01). Assim sendo, ao utilizarmos estimativas estereológicas para analisar alterações estruturais do córtex pré-frontal, imbutimos uma grande eficácia e precisão na análise dos nossos resultados. Trazendo inovação na abordagem da descrição dos efeitos morfoquantitativos no contexto da TDM e da aplicação da ayahuasca. Figura 01: Imagem representativa do um dissector óptico onde observamos partículas focais distintos em corte grosso (GOLUB et al., 2015). 23 3. OBJETIVOS 3.1. Gerais: ➢ Avaliar ação neuroprotetora nos aspectos comportamentais e morfoquantitativos da Ayahuasca no córtex pré-frontal de saguis (Callithrix jacchus) submetidos a estresse crônico induzido. 3.2. Específicos: ➢ Caracterizar o estado de estresse crônico, comparando os três grupos estudados, por meio da avaliação comportamental; ➢ Estimar o volume do córtex pré-frontal em 3 subáreas (córtex pré-frontal medial, dorsolateral e ventral) dos saguis (Callithrix jacchus); ➢ Estimar o número total de neurônios do córtex pré-frontal em 3 subáreas (córtex pré-frontal medial, dorsolateral e ventral) dos saguis (Callithrix jacchus); ➢ Estimar o volume neuronal médio do córtex pré-frontal em 3 subáreas (córtex pré- frontal medial, dorsolateral e ventral) dos saguis (Callithrix jacchus). 24 4. MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 - Animais Nesta pesquisa foi utilizado como objeto o sagui (Callithrix jacchus), que foi validado como um modelo translacional animal de depressão juvenil, pois diante de estresse crônico desenvolve mudanças fisiológicas e comportamentais semelhantes aos humanos (GALVÃO-COELHO et al., 2017). Os animais, objetos desse estudo, foram oriundos do Núcleo de Primatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sendo mantidos em condições naturais de temperatura e luminosidade, alimentados com frutas tropicais e uma papa nutritiva (composta por aveia, ovos cozidos e batata doce), enriquecida com suplemento multivitamínico a cada 15 dias. Todo o processo foi acompanhado por um médico veterinário, inclusive a pesagem dos animais, que ocorreu a cada início de fase e seguiu padrões estabelecidos pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA). Esta pesquisa foi autorizada pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) pelo certificado n° 225.001/2020 (Anexo I). 4.2 - Desenho Experimental Para este estudo foram utilizados 4 machos e 4 fêmeas de saguis (Callithrix jacchus), alocados em 3 grupos, sendo 02 no grupo família (GF), 02 no grupo isolado (GI) e 04 no grupo tratado (GT), todos selecionados de forma aleatória, com idade entre 7 e 9 meses no início do experimento, quando são classificados como juvenil I e II (LEÃO et al., 2009). Os animais do GF, são o controle positivo; os do GI, são o grupo controle negativo; e os do GT, são o grupo experimental, sendo os dois últimos grupos os que foram submetidos ao protocolo de isolamento social. Este tem demonstrado ter um efeito estressor quando submetido a longo prazo (CININI et al., 2014; GALVÃO et al., 2016; GALVÃO-COELHO et al., 2017; DA SILVA et al., 2018). O protocolo de indução de estresse crônico e análises comportamentais foram obtidos em colaboração com o Laboratório de Medidas Hormonais (LMH), do Departamento de Fisiologia da UFRN, e estão devidamente aprovados pelo Comitê de Ética em Uso Animal da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEUA – UFRN) através do protocolo nº 032/2014 e pelo adendo 5 do nº 032/2014 (Anexo II). 25 A experimentação seguiu o protocolo validado por Galvão-Coelho (2017) e foi dividido em duas fases: • Fase Basal (FB): os animais do GF, GI e GT foram mantidos em convívio social com pais e outros filhotes, por 4 semanas (Figura 02). Durante esse período ocorreram observações comportamentais em dias alternados. O ambiente familiar é composto de gaiolas de alvenaria e grade, que medem aproximadamente 3,0 x 2,0 x 1,0 m, possuindo em uma das paredes uma divisória de vidro, com película escura específica para observação, provida de pequenas janelas para colocar alimento. As gaiolas também possuem galhos de árvore usados para locomoção, simulando um ambiente natural, e uma caixa de madeira normalmente usada para o período de sono. Os 2 animais do GF seguiram nesse espaço por mais 90 dias nas mesmas condições, e receberam uma dose de salina de 1,67ml/300g, via gavagem administrada 5 dias antes de cada início do ciclo de 30 dias (25° dia, 55° dia, 85° dia e 115° dia), totalizando 4 doses para simular a dosagem do chá Ayahuasca que os animais tratados receberam. Foram também coletados os dados comportamentais 2 dias antes e 2 dias depois da gavagem. • Fase Experimental (FE): Os 2 animais do GI após a fase basal passaram pelo protocolo de indução de estresse crônico, que consisteem isolamento social por 90 dias (Figura 02). Durante esse período o animal foi afastado de sua família, sem contato visual, auditivo ou olfativo, onde a coleta de dados do comportamento ocorreu diariamente nos primeiros 7 dias. Os animais do GI receberam uma dose de salina de 1,67ml/300g, via gavagem. A dose foi administrada 5 dias antes de cada início do ciclo de 30 dias (25° dia, 55° dia, 85° dia e 115° dia), totalizando 4 doses, para simular a dosagem do chá Ayahuasca que os animais tratados receberam. Foram também coletados os dados comportamentais 2 dias antes e 2 dias depois da gavagem. Os 4 animais do GT, após a fase basal, passaram pelo protocolo de indução de estresse crônico, que consiste em isolamento social por 90 dias (Figura 01) e durante este protocolo os animais foram tratados com o chá da ayahuasca, também administrado 5 dias antes de cada início do ciclo de 30 dias (25º dia, 55º dia, 85º dia e 115º dia), via gavagem, totalizando 4 doses, formulando um tratamento preventivo e crônico. Foram também coletados os dados comportamentais 2 dias antes e 2 dias depois da gavagem. Após a fase experimental os animais foram submetidos à perfusão transcardíaca para coleta do encéfalo. 26 Figura 02: Fase Basal – onde os animais ficaram em contato com a família; Fase experimental – onde os animais pertencentes ao GI e GT passaram pelo protocolo de indução de estresse crônico, sendo conduzidos ao isolamento social; Grupo Tratado – grupo que recebeu medida profilática do chá da Ayahuasca. 4.3 - Tratamento – Ayahuasca Os animais receberam o chá da ayahuasca, fornecida pelo Departamento de Fisiologia da UFRN, por gavagem, através de cânulas plásticas transparentes convencionais de 23G, lubrificada com óleo mineral. O procedimento ocorreu 30 minutos após a alimentação, que possuía baixo valor calórico, com poucas frutas. Neste protocolo foi usada a dose de 1,67ml/300g de peso corporal, baseado no trabalho de Da Silva et al. (2018). 4.4 - Registro Comportamental O registro comportamental foi colhido pelo método de amostragem focal contínua (Figura 03.A), coletando frequência e/ou duração de comportamentos já descritos como marcadores de estresse crônico em saguis por Galvão-Coelho et al. (2017). As observações ocorreram por 30 min, entre 07:00h e 08:00h, seguindo o ciclo circadiano da espécie. Os comportamentos descritos como “marcação de cheiro”, “piloereção individual” e “deslocamento”, tiveram as frequências registradas. Já a ingestão de alimento, a “autocatação” e “coçar” (Figura 03.B, 03.C e 03.D), tiveram a duração registrada 27 (GALVÃO-COELHO et al., 2017). O comportamento de anedonia, que simulamos através da ingestão de composto a base de leite condensado, teve a frequência e duração mensurados (GALVÃO-COELHO et al., 2017). Os comportamentos observados e de relevância para este trabalho estão descritos na Tabela 01. Figura 03: A - Fotografia representativa do Método de Amostragem Focal Contínua; B – Comportamento “ingestão de alimento”; C – Comportamento “Autocatação”; D – Comportamento “Coçar”. 28 Tabela 01: Descrição dos comportamentos e sua relação com o estresse crônico (GALVÃO-COELHO et al., 2017). COMPORTAMENTO DESCRIÇÃO CONTEXTO DE ESTRESSE Marcação de cheiro Ato de esfregar a região anogenital e suprapúbica em um substrato Expressão de ansiedade Piloereção individual Ato de ereção da pelagem e caminhar com as costas arqueadas Expressão de ativação do sistema nervoso simpático Autocatação Ato de catar a si mesmo Atua como um redutor de estresse / tensão Ingestão de alimento Ato de levar um pedaço de alimento à boca e ingeri-lo A falta de apetite é indicativa de estresse crônico Deslocamento Ato de mover-se aleatoriamente entre quatro quadrantes diferentes do mesmo tamanho, delimitados em uma gaiola Expressão de ansiedade Coçar Ato de usar as mãos para esfregar alguma região do corpo É considerado um comportamento estereotipado Ingestão de solução aquosa de sacarose (4,16%) Ato de beber uma substância saborosa (solução de sacarose) A redução desse comportamento prazeroso pode expressar um possível estado de anedonia 4.5 - Parâmetro fisiológico do estado depressivo O estado depressivo também foi caracterizado pelo cortisol fecal, como parâmetro fisiológico do estado depressivo, seguindo o protocolo validado por Galvão-Coelho et al. (2017). As fezes foram coletadas antes do início de cada observação comportamental e a dosagem realizada pela técnica de ELISA competitivo, em duplicata (GRILO et al., 2022). Os resultados foram disponibilizados pelo Laboratório de Medidas Hormonais (LMH) do Departamento de Fisiologia da UFRN (GRILO et al., 2022). 4.6 – Delineamento estereológico 4.6.1 – Amostragem e Técnica Histológica Concluída a fase de experimentos comportamentais de 120 dias, os animais foram submetidos a eutanásia e perfusão transcardíaca, no qual foram sedados com doses de ketamina e xilazina 2% (ketamina: 15mg/kg + xilazina: 1,5mg/kg – via intramuscular) e conduzidos ao Laboratório de neuroanatomia (LABNEURO), onde passaram pelo procedimento. Para esse processo foram utilizadas salina 9%, a uma velocidade 6 ml/min da bomba de perfusão, total de 1.000ml; em seguida foi utilizado o paraformaldeído a 4%, a uma velocidade 2 ml/min da bomba de perfusão, total de 700ml. Logo após foi 29 realizada a decapitação para a extração do encéfalo por dissecação. Os encéfalos foram colocados em solução de sacarose a 15% por 3 dias, e logo após em sacarose a 30% até o dia da microtomia. Os encéfalos foram colocados em blocos com Tissue tech, congelados a -80°C por 20 minutos, e cortados usando criostato a -20°C, no plano coronal seriados e equidistantes em seções de 40 µm, sendo os cortes separados em 6 seções e coletados em solução anticongelante. A extensão do corte abrangeu o córtex pré-frontal até o hipocampo (Figura 04.A). Uma fração (1/6) das seções obtidas foram submetidas a coloração histológica com técnicas de Nissl, usando tionina como corante, e as demais seções ficaram dispostas em solução anticongelante e armazenada a temperatura de -80°C (Figura 04.B). A fração selecionada foi utilizada para a coloração com tionina, com o objetivo de aplicarmos os procedimentos estereológicos e estimarmos o volume do córtex pré-frontal, bem como o número total de neurônios e o volume neuronal médio. A fração amostrada dos cortes foram montados em lâminas gelatinizadas. A coloração foi executada em 2 baterias, sendo uma para desidratação e diafanização com álcool em diferentes percentuais progressivos (de 70% a 100%) e regressivos (de 100% a 50%), e xilol; e uma sendo de coloração e reidratação, com álcool em diferentes percentuais progressivos (de 50% a 100%). Logo após as lâminas receberam a lamínula. 30 Figura 04: Esquema representando a redução de espaço amostral para estimativa estereológica. A – Microtomia do encéfalo do sagui em seis secções seriadas e equidistantes com intervalo de 320 µm; B – Coloração por thionina em uma das secções selecionadas; C – em cada um dos cortes da secção selecionada, com o auxílio do atlas Paxinos et al (2011), delimitou-se as áreas de interesse: córtex pré-frontal medial (mCPF) – amarelo; córtex pré-frontal dorsolateral (dlCPF) – rosa; córtex pré-frontal ventral (vCPF) – verde; D – espaço amostral para estimativa do volume total baseado no Princípio de Cavalieri; E – Representação de um plano focal do dissector óptico, amostrado de forma sistemática, uniforme e aleatória, para estimativa do número total de neurônios. 31 Para a estimativa dos parâmetros morfoquantitativos foi utilizada a estereologia, técnica de quantificação histológica tridimensional, que fornece dados confiáveis acerca da organização morfoquantitativa de estruturais neurais (HOWARD& REED, 2010; LADD, 2010). Essa técnica permite estimar os volumes totais do córtex pré-frontal, a estimativa do número total de células, bem como o volume neuronal médio dessa região (ANTUNES, 1995; AMENÁBAR et al., 2003; LADD et al., 2012). 4.6.2 - Volume Referência das subáreas do Córtex Pré-frontal Total (VCPF) O volume total de cada região do CPF foi mensurado através do Princípio de Cavalieri nas mesmas seções utilizadas para a estimativa do número total de neurônios (MAYHEW, 1991; HOWARD & REED, 2010; LARSEN et. al, 2022). Este princípio consiste na aplicação de um sistema teste quadrático com área conhecida aplicado sobre os núcleos de interesse (Figura 04.C e D) e a seguinte fórmula será utilizada: V: = ∑P. (a/p) . t . k onde ∑p é o somatório de pontos do sistema teste que tocam a estrutura desejada, no caso do córtex pré-frontal medial, dorsolateral e ventral; (a/p) é a área associada a cada ponto do sistema teste (1600µm2), t é a espessura das secções (40µm) e k é o inverso da fração de amostragem das secções (Me: 5). 4.6.3 Número Total de Neurônios nas diferentes subáreas do Córtex Pré-frontal (NCPF) O fractionator óptico foi utilizado para estimar o número total de neurônios nas áreas de interesse (Figura 04.E). Uma objetiva de 63× (1.4 – 0.6 aperture) foi utilizada para a estimativa, utilizando a seguinte fórmula (WEST et al., 1991; CONTE et al., 2019; LARSEN et. al, 2022): N:= ƩQ- . ssf-1 . asf-1 . hsf-1 onde: ƩQ- é o número de partículas (nesse caso neurônios corticais), quantificados por meio do optical fractionator; ssf é a fração de amostragem das secções (Me: 5); asf é a fração de amostragem de área (625µm2) e hsf é a fração de amostragem de altura (Me: 32 1,90). Foram mensuradas as células que se encontravam dentro do frame previamente estabelecido, com 1.000x1.000 µm (Figura 05). Figura 05: Microfotografia apresentando a aplicação do dissector optico, onde pode-se observar 4 planos focais sucessivos (A: 0µm, B: 5 µm, C: 10 µm e D: 15 µm). Ainda observamos a aplicação de uma “counting frame” para amostragem das células neuronais seguindo os princípios de imparcialidade com as linhas de inclusão em verde e exclusão em vermelho. * células contadas. Escala de barra 20µm, coloração: nissil. 33 4.6.4 Volume Médio Neuronal (NVCPF) O volume médio neuronal foi estimado localmente pelo Método do Nucleator. Este método permite estimar o volume médio e a distribuição volumétrica das partículas independentemente da sua forma, distribuição ou orientação (VEDEL-JENSEN & GUNDERSEN, 1993). É um estimador local e direto do volume de partículas. O rotator é baseado no teorema de Pappus-Guldinus. O método requer um subespaço da partícula exclusivamente definido, por exemplo, o núcleo ou o nucléolo de uma célula, e o dissector óptico é usado como ferramenta para amostrar as partículas (Figura 06). A seguinte fórmula será utilizada para a estimativa do volume neuronal: onde, l é uma distância medida a partir de um ponto fixo da célula ou fora dela, até uma borda arbitrariamente escolhida na mesma. O procedimento será realizado com o auxílio do software estereológico Stereo investigator (versão 3.2.4.0). Figura 06: Fotomicrografia exemplificando a aplicação do método do Nucleator em neurônio previamente amostrado pelo dissector para a mensuração do volume Vn = 1528µm3. Escala de barra: 20µm. 34 4.7 - Análise Estatística Foi utilizado o teste de correlação de Kruskal-Wallis não paramétrico para correlações potenciais entre dados comportamentais e morfoquantitativos entre os três grupos, tendo em vista a quantidade de espécimes estudadas por grupo. Para comparar as médias dos 3 grupos, referente ao volume médio neuronal, utilizamos o ANOVA Oneway através da linguagem R. Para os resultados que apresentaram significância utilizamos o teste post- hoc Tukey para identificar quais grupos apresentavam diferenças significativas. As diferenças foram consideradas estatisticamente significantes quando p ≤ 0,05. Também utilizamos a análise multivariada discriminante baseada na análise de Fisher para encontrar combinações lineares entre as médias dos grupos e minimizar a variabilidade dentro de cada grupo (AYRES et. al, 2007). Para tal, determinamos uma variável estatística (variável combinada ou variável resultante) pela combinação linear de duas ou mais variáveis independentes dada pela função 1, utilizamos a análise discriminante de Fisher que se concentra em encontrar combinações lineares das variáveis originais que maximizam a diferença entre as médias dos grupos e minimizam a variabilidade dentro de cada grupo, dada pela função 2: Função 1: 𝒁𝒋𝒌 = 𝒂 +𝑾𝟏𝑿𝟏𝒌 +𝑾𝟐𝑿𝟐𝒌 +⋯𝑾𝒏𝑿𝒏𝒌 Onde: 𝑍𝑗𝑘=escore Z discriminante da função j para o objeto k (variável resultante) A=interceptor Wi= Coeficiente da variável 1 X=Variável independente Função 2: 𝑫(𝑿) = ′𝑳′𝑿 = [𝝁𝟏 − 𝝁𝟐]′𝜮−𝟏𝑿 Onde: L=vetor discriminante X=Vetor aleatório de característica da população µi=Vetor de médias p-variado Σ=Matriz comum de covariância Software utilizado BioEstat v5.3 35 5. RESULTADOS Os dados serão apresentados como a média por grupo seguido pelo coeficiente de variação média (CV). 5.1 Dados da caracterização do estado depressivo 5.1.1 Dados comportamentais Dentre os comportamentos, não constatamos diferenças significativas entre os grupos na fase experimental: na marcação (H(2) = 4,12, p = 0,127), no piloereção (H(2) = 1,59, p = 0,450), na autocatação (H(2) = 2,89, p = 0,235), no deslocamento (H(2) = 4,50, p = 0,105), no coçar (H(2) = 1,00, p = 0,607) e na ingestão de sacarose (H(2) = 1,33, p = 0,513), exceto na ingestão de alimento (H(2) = 6,00, p = 0,050). A análise entre grupos para a ingestão de alimento detectou diferença significativamente menor do GF comparado com o GT (diferença média = 183,62, p = 0,002). Em relação ao GF comparado ao GI também foi encontrado diferença significativa (132,70, p = 0,012), contudo, comparando o GI com o GT não identificamos diferença significativa (50,92, p = 0,190) (Figura 07). Figura 07: Gráfico representativo do comportamento da alimentação. GF x GI (p = 0,012), GF x GT (p = 0,002) e GI x GT (p = 0,190). 36 5.1.2 Dados fisiológicos O cortisol fecal apresentou médias similares entre os GF (µ=4,82±0,61) e o GT (µ=6,79±1,93), e superiores ao GI (µ=2,30±1,93) (Figura 08), segundo Grilo et al. (2022). Figura 08: Gráfico representativo das médias do cortisol fecal. *p≤0,05. (GRILO et al., 2022) 5.2 Dados morfoquantitativos 5.2.1 Dados do Volume total (VCPF) Quanto ao volume total do córtex pré-frontal (CPF), não foi encontrada diferença significante entre grupos (H(2) = 3,00, p = 0,223), apesar de o GI numericamente apresentar média menor que os demais grupos (GI = média [coeficiente de variação média] 24,26 [0,058]; GF = 29,39 [0,098]; GT = 30,05 [0,231]) (Figura 09). 37 Figura 09: Gráfico representativo do volume referência (Vref) do CPF em mm3. GF: Me – 29.395mm3, IQR - 2,035; GI: Me – 24,260 mm3, IQR - 1,000; GT: Me – 27,365 mm3, IQR – 3,972. 5.2.2 Número Total de Neurônios (NCPF) No que diz respeito ao número total de neurônios, visualmente apresentou ser mais intensa no GF e GT em comparação ao GI (Figura 10) nas três áreas do córtex pré-frontal selecionadas. As imagens foram coletadas na maior área do córtex pré-frontal medial (mCPF), de acordo com Paxinos et al. (2011), a área A32. No córtex pré-frontal dorsolateral (dlCPF), as imagens foram coletadas na área A8aD e no córtex pré-frontal ventral (vCPF), as imagens foram coletas acima do sulco orbital (orbs), que compreende as áreas A13L e A47M. 38 Figura 10: Fotomicrografia representando a densidade neuronal em diferentes regiões e grupos; I – Córtex pré-frontalem visão geral (PAXINOS et al., 2011), com áreas delimitadas onde foram obtidas as imagens; II – Córtex pré-frontal corado com thionina e com áreas delimitadas onde foram obtidas as imagens; III – Densidade neuronal do córtex pré-frontal medial (mCPF) – GF (A); GI (B); GT (C); densidade neuronal do córtex pré-frontal dorsolateral (dlCPF) – GF (D); GI (E); GT (F); densidade neuronal do córtex pré-frontal ventral (vCPF) – GF (G); GI (H); GT (I). Escala de barra: 40µm; Aumento: 63x. 39 A respeito do número de neurônios do córtex pré-frontal medial (N-mCPF), não foi encontrada diferença significante entre grupos (H(2) = 2,67, p = 0,264), apesar de o GI numericamente apresentar média menor que os demais grupos (GI = 1,035x106 [0,014]; GF = 1,497x106 [0,049]; GT = 1,487x106 [0,396]) (Tabela 02). Tabela 02: Número total de neurônios do córtex pré-frontal medial (N-mCPF) Grupos n Med. DP IQR N-mCPF GF 2 1,497x106 7,3x104 5,2x104 GI 2 1,035x106 1,4x104 1,0x104 GT 4 1,487x106 5,8x105 5,2x105 A respeito do número de neurônios do córtex pré-frontal dorsolateral (N-dlCPF), não foi encontrada diferença significante entre grupos (H(2) = 1,00, p = 0,607), apesar de o GI numericamente apresentar média menor que os demais grupos (GI = 1,027x106 [0,422]; GF = 1,300x106 [0,295]; GT = 1,732x106 [0,644]) (Tabela 03). Tabela 03: Número total de neurônios do córtex pré-frontal dorsolateral (N-dlCPF) Grupos n Med. DP IQR N-dlCPF GF 2 1,300x106 3,8x105 2,7x105 GI 2 1,027x106 4,3x105 3,0x105 GT 4 1,732x106 1,1x109 7,1x105 A respeito do número de neurônios do córtex pré-frontal ventral (N-vCPF), não foi encontrada diferença significante entre grupos (H(2) = 5,33, p = 0,069), contudo, o GT numericamente apresentou média maior que os demais grupos (GT = 6,1x105 [0,075]; GF = 3,8x105 [0,193]; GI = 3,9x105 [0,502]) (Tabela 04). 40 Tabela 04: Número total de neurônios do córtex pré-frontal ventral (N-vCPF) Grupos n Med. DP IQR N-vCPF GF 2 3,8x105 7,3x104 5,1x104 GI 2 3,9x105 1,9x105 1,4x105 GT 4 6,1x105 4,5x104 5,2x104 5.2.3 Volume Médio Neuronal (NVCPF) Com relação ao volume médio neuronal do córtex pré-frontal medial (VN-mCPF), foi encontrada diferença significativa entre grupos (H(2) = 5,37, p = 0,057), onde o GI apresentou média menor que os demais (GI = 872,5 [0,122]; GF = 1.394,00 [0,158]; GT = 1.390,25 [0,149]) (Figura 11). Figura 11: Gráfico representativo do volume Médio Neuronal (NVCPF) do córtex pré-frontal medial (mCPF) em µm3. GF: Me – 1.394µm3, IQR – 156,000; GI: Me – 872,5µm3, IQR – 75,500; GT: Me – 1.390,25µm3, IQF – 322,250. 41 Com relação ao volume médio neuronal do córtex pré-frontal dorsolateral (VN- dlCPF), não foi encontrada diferença significativa entre grupos (H(2) = 3,81, p = 0,098), apesar de o GI numericamente apresentar média menor que os demais grupos (GI = 730,5 [0,284]; GF = 1.623,00 [0,259]; GT = 1.325,50 [0,251]) (Figura 12). Figura 12: Gráfico representativo do Volume Médio Neuronal (NVCPF) do córtex pré-frontal dorsolateral (dlCPF) em µm3. GF: Me – 1.623µm3, IQR – 297,000; GI: Me – 730,5µm3, IQR – 146,500; GT: Me – 1.325,50µm3, IQF – 503,500. Com relação ao volume médio do córtex pré-frontal ventral (VN-vCPF), foi encontrada diferença significativa entre grupos (H(2) = 7,75, p = 0,029), onde o GI apresentou média menor que os demais grupos (GI = 817,5 [0,049]; GF = 1.513,50 [0,076]; GT = 1.528,75 [0,180]) (Figura 13). 42 Figura 13: Gráfico representativo do Volume Médio Neuronal (NVCPF) do córtex pré-frontal ventral (vCPF) em µm3. GF: Me – 1.513µm3, IQR – 81,500; GI: Me – 817,5µm3, IQR – 28,500; GT: Me – 1.528,75µm3, IQF – 167,750. 5.3 Análise Multivariada Discriminante A análise discriminante agrupou os saguis que foram deixados em família e os tratados com o chá de ayahuasca em um único cluster, deixando o grupo de saguis isolados consideravelmente distante (Figura 14). 43 Figura 14: Análise discriminante. Grupo 1: grupo família (GF, n=2); Grupo 2: grupo isolado (GI, n=2); Grupo 3: grupo tratado (GT, n=4). 44 6. DISCUSSÃO Muitos estudos estão concentrados em mensurar o volume de estruturas neuronais em adultos, que são mais acometidos por transtornos depressivos e doenças neurodegenerativas, porém há poucas pesquisas voltadas para o início do desenvolvimento neural na fase juvenil, período mais intenso da neurogênese e neuroplasticidade (JACOBS et al., 2000; VOLLMAYR et al., 2007). É fato notório que a depressão causa eventos deletérios no córtex pré-frontal de humanos como a redução de número e volume de neurônios piramidais da camada III estimados por estereologia (RAJKOWSKA et al., 1999; LARSEN et al., 2022), bem como o de que DMT (dimetiltriptamina), princípio ativo da Ayahuasca, aumenta a formação de espinhas dendríticas em neurônios piramidais do córtex pré-frontal em ratos, apresentando efeitos neuroplásticos importantes (LY et al.,2018), e o uso prolongado em pessoas saudáveis aumentou a espessura do córtex cingulado anterior e posterior (BOUSO et al., 2015) Poucos estudos têm sido direcionados ao entendimento dos efeitos morfoquantitativos da ayahuasca no encéfalo, sendo este, salvo melhor juízo, o primeiro a descrever esses efeitos no córtex pré-frontal de primatas neotropicais. Os principais achados morfoquantitativos da nossa pesquisa demonstram que a ayahuasca desempenha importante papel neuroprotetor no contexto do estresse crônico relacionado a depressão, na medida em que impede a atrofia neuronal relacionada ao protocolo de depressão em 62,2% no córtex pré-frontal medial; 45,6% no córtex pré- frontal dorsolateral e 56% no córtex pré-frontal ventral. As mudanças comportamentais dos saguis e o cortisol fecal são parâmetros para a caracterização do estado depressivo. Nisso levamos em consideração os dados comportamentais coletados na fase experimental, onde dois dos animais permaneceram em família, e os demais foram submetidos ao protocolo de estresse crônico induzido e quatro deles receberam uma dose aguda do chá da Ayahuasca no início de cada mês de experimento. Os animais do grupo família apresentaram comportamentos característicos de saguis que vivem em cativeiro, com todas as limitações que lhe são impostas (STEVENSON & POOLE, 1976). Embora as diferenças entre grupos não tenham sido significativas, possivelmente devido ao número de animais utilizados no estudo, a desconformidade no comportamento como o de ingestão de sacarose ficou bem expresso numericamente. Os animais quando em família tendem a ingerir mais da solução de sacarose, que proporciona uma sensação 45 prazerosa, os pais identificam a solução e as ingere sendo acompanhado por seus filhotes, enfatizando o monitoramento social, onde os mais jovens repetem as ações dos pais (BURKART & FINKENWIRTH, 2015). O mesmo comportamento não foi observado nos animais que foram isolados, afastados de seus pais ainda jovens, e que não receberam a dose do chá de Ayahuasca. Estes animais juvenis reduziram numericamente a ingestão de sacarose, indicando a presença da anedonia (da perda pelo prazer), um dos sintomas do estado depressivo em humano (DSM-V, 2014). Contudo, acreditávamos que o consumo da solução de sacarose nos animais que foram submetidos ao tratamento profilático com o chá da ayahuasca seria similar aos dos animais que estavam em família, como já observado em outros estudos (GRILO et al., 2022), o que não foi constatado. Outros comportamentos bem característicos do estado depressivo como a marcação, a pilo ereção e o deslocamento, que expressam ansiedade (GALVÃO-COELHO et al., 2017), já era esperado terem aumento quantitativo quando comparado o grupo família com o isolado, contudo, comparando o grupo família com o tratado, esperávamos umaequivalência, o que não foi visto. Para os comportamentos de coçar e autocatação, um que é indicativo de estresse e o outro de alívio do estresse (GALVÃO-COELHO et al., 2017), respectivamente, era previsto ter um aumento quantitativo no grupo isolado quando comparado ao grupo família, todavia, as diferenças numéricas não foram encontradas quando comparado estes grupos, inclusive, com o grupo tratado. Nesse estudo o comportamento que apresentou significância foi a ingestão de alimentos, onde observamos uma redução brusca na alimentação do grupo isolado em relação ao grupo família, isto é possível que seja um indicativo de estresse, porém alguns estudos evidenciam que tanto a perda quanto o aumento do apetite estão relacionadas ao estado depressivo (GALVÃO-COELHO et al., 2017). Esta mesma redução foi observada quando comparado o grupo isolado com o grupo tratado, conduzindo ao mesmo entendimento. Apesar dos resultados estatisticamente não significantes, podemos identificar numericamente a suposição de um estado depressivo apresentado pelos saguis do GI, levando em consideração as diferenças com o GF. Estas mesmas não foram observadas em comparação ao GT, resultados estes já vistos em outras pesquisas com tratamento agudo com ayahuasca em sagui (DA SILVA et al., 2018). Todavia, é importante salientar que a presença dos pais nessa fase juvenil é extremamente relevante para a expressão dos comportamentos. A ingestão de alimentos e a ingestão de 46 sacarose, por exemplo, normalmente são seguidas pelos jovens, logo após os pais fazerem a primeira degustação, como já mencionado, ou outro adulto tendo em vista a criação cooperativa observada na espécie (BURKART & FINKENWIRTH, 2015). Contribuindo com esses achados, Grilo et al. (2022) concluiu que os animais do GI apresentaram um estado de hipocortisolemia, sendo assim uma redução na atividade do eixo HPA, também identificado por Da Silva et al. (2018). Contudo, os níveis de cortisol no GF e no GA foram similares sugerindo uma ação profilática da ayahuasca. Focando em nosso estudo esses resultados corroboram para caracterizar que os animais se encontravam em estado depressivo. O objetivo desse estudo era identificar a competência neuroprotetora da Ayahuasca no encéfalo do sagui, especificamente em sub-regiões no córtex pré-frontal, estes resultados apontaram que a Ayahuasca proporcionou uma proteção no volume total do córtex, assim como na densidade e no volume neuronal dos saguis, em relação as modificações causadas pelo estado depressivo. O córtex pré-frontal do sagui integra a atividade cognitiva-comportamental com as emoções, e possui conexões com diversas áreas subcorticais do sistema nervoso central, como sistema límbico (RÍOS-FLÓREZ et al., 2021). Seu volume está associado a densidade neuronal e de células gliais, que são importantes para seu desenvolvimento e manutenção, e estudos comprovam que está associado a capacidade de tomar decisões sociais (SLIVE & FREIWALD, 2017). Sabemos que o relacionamento social é prejudicado quando o ser humano se encontra em estado depressivo, o isolamento e afastamento da sociedade é notável e citado por pacientes. Nessa pesquisa observamos uma redução sutil no volume do córtex pré-frontal do sagui quando comparamos o grupo família com o grupo isolado, o que pode ser corroborado por alguns comportamentos, dependentes do comando social, que também apresentaram redução. Quando comparamos o grupo família com o grupo tratado com o chá da ayahuasca percebemos que as médias podem revelar a ação profilática do psicodélico, tendo em vista que o volume encontrado nesses animais já foi descrito por outros trabalhos realizados com saguis adultos, equiparando estes resultados (ATAPOUR et al., 2019). Pesquisa avaliando a área de superfície cerebral, através de ressonância magnética, de adolescentes com TDM também apresentou redução no volume cortical (SCHMAAL et al., 2017). Levando em consideração que o desenvolvimento do córtex permanece durante a juventude, essa redução pode ser considerada como biomarcador do TDM. Uma pesquisa 47 realizada por Sanches et al. (2016) em pacientes com TDM, avaliados pela escala HAM- D, que não responderam ao menos um tipo de tratamento e receberam uma dose única do chá da ayahuasca, após sete dias foram reavaliados pela mesma escala e apresentaram redução na pontuação média da avaliação, os comportamentos mais expressivos foram a tristeza, a ideação suicida e a falta de concentração (SANCHES et al., 2016). Atentando a importância de mensurar a densidade neuronal, tendo em vista que a citoarquitetura está relacionada ao desenvolvimento e função cerebral (ATAPOUR et al., 2019), tivemos excelentes resultados quando comparamos os grupos estudados. O método utilizado para essa amostragem também nos passa segurança na precisão dos números achados. No mCPF e no dlCPF observamos uma redução de 25% em média na densidade neuronal quando comparamos o GF com o GI, já quando comparamos o GF com o GT observamos similaridade nos números achados. Os neurônios do mCPF do sagui realizam conexões com o córtex cingulado anterior, com o pré-límbico e o infra límbico, sendo responsáveis pela tomada de decisão, influenciando diretamente em seus comportamentos individuais de combate ao estresse, assim como no comportamento social (RÍOS-FLÓREZ et al., 2021). Diante do exposto, podemos infundir que a ayahuasca impediu que houvesse morte neuronal na área do mCPF, mantendo então as conexões neuronais importantes na expressão desses comportamentos. Os neurônios do dlCPF, responsáveis pela função cognitiva, memória de trabalho, tomada de decisão e cognição social nos saguis, são extremamente frágeis. Estudos comprovam que estes neurônios são muito afetados em casos de envelhecimento e alteram os comportamentos de saguis adultos quando ocorre morte neuronal (FREIRE-COBO et al., 2023). Nos saguis juvenis do estudo, constatamos que a ayahuasca pode ter impedido a neurodegeneração precoce ocorrida nesta área nos animais do GT, referente a grande perda que ocorreu no GI. A morte neuronal não foi identificada no vCPF quando comparamos os três grupos. Confrontando o GF com o GI não extraímos alterações numéricas na densidade neuronal, contudo, fazendo o mesmo com o GF e o GT extraímos um aumento numérico bem expressivo da densidade neuronal. Tendo em vista esses resultados não conclusivos sugerimos uma progressão na pesquisa para que possamos obter uma resposta mais eloquente. A atrofia de neurônios do córtex pré-frontal é associado a transtornos depressivos e ansiedade (SAEGER & OLSON, 2021; LARSEN et al., 2022), esta característica foi 48 identificada em saguis do GI das três regiões do CPF (medial, dorsolateral e ventral), sugerindo ser um marcador do estado depressivo. O aumento do volume neuronal, ou seja, um aumento no corpo celular, pode sugerir um aumento no número de dendritos, de conexões nervosas, de receptores de neurotransmissores responsáveis pela tomada de decisão e combate ao estresse. A ayahuasca contém o DMT que é um excelente agonista da serotonina, ela atua no aumento de receptores de 5-HT principalmente atuando na neuroplasticidade do CPF, levando ao crescimento dos ramos dendríticos e sinapses (DOS SANTOS & HALLAK, 2021). Portanto, avaliamos que no GT o volume neuronal é similar ao GF, dados encontrados nas três regiões do CPF, nos levando a conclusão que a atuação da ayahuasca, em dose profilática, está relacionada com a neuro proteção contra a atrofia dos neurônios. Estudos de neuroimagem mostraram que uma dose única de chá da ayahuasca aumentou a atividade de neurônios em humanos saudáveis, em áreas normalmente atingidas pelo TDM como córtex cingulado anterior (ACC), mCPF, amígdala e hipocampo (RIBA et al., 2006). Pesquisa que utilizou uma dose única do análogo do DMT, o 5-metoxi-N,