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159 Foi com este viés que procuramos circunscrever redes explicativas e compreensivas sobre o chamado TDAH, a partir do marco teórico da psicanálise, de reflexões epistemológicas sobre a constituição das ciências e dos saberes modernos, bem como de uma revisão da literatura médico- científica. Como indicamos na Introdução, consideramos a instigante polêmica em torno de uma possível causalidade neurofisiológica cerebral; porém, o que problematizamos não foi tal direção, mas a excessiva e cada vez mais precoce medicalização infantil, justificada por tais hipóteses e estudos clínicos. Ademais, como buscamos destacar, a diversidade de quadros clínicos presentes nas crianças encaminhadas ao Serviço de Psicologia/UFBA nos fez questionar a presença de um único diagnóstico: TDAH. Com essa nomeação médico-psiquiátrica, o Serviço acolheu e acolhe crianças pequenas com dificuldade em sustentar a atenção por períodos longos na escola; outras com excessiva atividade motora; alguns apáticos e outros manifestando agressividade; relatos da escola ou família sobre práticas sociais infantis tidas como inadequadas, por não serem aceitas naquele contexto, até crianças e adolescentes em que a presença de déficit de atenção e de agitação intensa estava associada a quadros psicóticos, a uma depressão ou à debilidade mental. Diante dessa abrangência de manifestações sintomáticas reunidas sob o rótulo de TDAH, passamos a considerar a hipótese de um uso indiscriminado e, por vezes, abusivo do diagnóstico. Fomos instigados, então, a receber tais demandas e a escutá-las na clínica psicanalítica, cujo cerne é levar em conta a singularidade do sujeito, oferecendo-lhes um lugar de palavra para além da queixa, seja ela proveniente do próprio sujeito, do meio social próximo ou estendido. A partir desses casos trazidos pelos estagiários, começamos a estudar a descrição do quadro “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade”, tal como se apresenta para as ciências médicas, isto é, tal como construído pelo discurso médico. Em seguida, e com base em premissas epistemológicas e conceituais da psicanálise, promovíamos a (re)discussão de cada queixa e de cada quadro sintomático, aparentemente estabilizados naquele diagnóstico-sigla. O objetivo desses encontros era conduzir-nos, estudantes, psicólogos e supervisora, à construção de um espaço diferenciado de reflexão acerca da complexidade de um tema que é, ao mesmo tempo, recente e antigo, sem eludir nem diluir a dimensão de sujeito, recoberta pela sigla diagnóstica, mas pronta a se manifestar no contexto da escuta clínica.
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