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MANUAL DE EMERGÊNCIAS Capitulo 1 – Avaliação do nível de consciência Define-se consciência como um perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente. No entanto, independentemente da etiologia, a presença de alteração de consciência é sempre indicativa de gravidade, pois traduz uma falência dos mecanismos de manutenção da consciência. ETIOPATOGENIA Dois componentes da consciência devem ser analisados: • O nível (relacionado ao grau de alerta do indivíduo): depende de projeções para todo o córtex oriundas da formação reticular ativadora ascendente (FRAA), situada na porção posterior da transição pontomesencefálica. • O conteúdo: relaciona-se basicamente à função do córtex cerebral, das chamadas funções nervosas superiores, sendo afetado por lesões restritas a essas estruturas. Utilizando-se a tenda do cerebelo como um divisor anatômico, podem-se encontrar alterações de consciência em: • Encefalopatias focais infratentoriais, que acometem diretamente a FRAA. • Encefalopatias focais supratentoriais. • Encefalopatias difusas e/ou multifocais. Uma observação importante: as encefalopatias difusas geralmente são causadas por doenças clínicas, como transtornos metabólicos e intoxicações exógenas. Já nas encefalopatias focais (quer supra quer infratentoriais), uma doença intracraniana é encontrada na maior parte das vezes. Exceções existem dos dois lados. Meningites, múltiplas metástases cerebrais, hemorragia subaracnoide e hipertensão intracraniana podem levar a quadro de encefalopatias difusas, ao passo que hi- poglicemia, encefalopatias hepática e urêmica podem apresentar-se com sinais localizatórios, simulando uma encefalopatia focal. ACHADOS CLÍNICOS EXAME INICIAL Sinais de trauma: A inspeção do crânio pode mostrar sinais de fratura da base de crânio, que podem incluir: • Equimose periorbital. •Edema e descoloramento da mastoide, atrás da orelha. • Hemotímpano. • Perda de liquor cefalorraquidiano pelo nariz (rinorreia) ou ouvido (otorreia). A rinorreia causada por perda de liquor pode ser confirmada pela presença de transferrina (ausente nas outras causas de rinorreia, por exemplo, rinite alérgica). A palpação do crânio pode mostrar tecidos edemaciados ou mesmo depressão do crânio por fraturas. Pressão arterial: Pode estar normal, baixa ou alta (acidente vascular cerebral hemorrágico, por exemplo). Às vezes, pode haver dúvida se uma PA elevada é a causa (encefalopatia hipertensiva) ou consequência do coma (hipertensão intracraniana). Na encefalopatia hipertensiva, habitualmente, o paciente tem hipertensão de longa data e frequentemente se apresenta com valores pressóricos acima de 250 x 150 mmHg. Entretanto, nos casos de evolução mais aguda (por exemplo, na lesão renal aguda, eclâmpsia etc.), os valores pressóricos não costumam ser tão altos, dificultando a diferenciação. Níveis elevados de PA são sugestivos de causa neurológica do rebaixamento do nível de consciência. Temperatura: O paciente comatoso pode apresentar temperatura normal, baixa ou alta. • Coma com hipotermia: pode ocorrer nas intoxicações agudas (etanol, drogas sedativas, hipoglicemia, encefalopatia hepática e mixedema). •Coma com hipertermia: infecções, estado de mal epiléptico, hipertermia maligna, intermação (heat stroke), hemorragia pontina, lesões hipotalâmicas e intoxicações agudas (por exemplo, anticolinérgicos). EXAME NEUROLÓGICO Após a estabilização clínica do doente, deve-se fazer uma avaliação neurológica com a finalidade de checar em qual subgrupo clínico descrito ele se enquadra, pois esse é o primeiro passo para estabelecer um diagnóstico etiológico. Para fins práticos, esse exame neurológico pode ser dividido em: • Nível de consciência. • Pupilas e fundo de olho. • Motricidade ocular extrínseca. • Padrão respiratório. • Padrão motor. AVALIAÇÃO INICIAL • ABCD primário e secundário são prioritários; garantir a patência das vias aéreas é de grande importância. • MOV com glicemia capilar (dextro): monitorização (PA não invasiva, oxímetro, cardioscopio), oxigênio e acesso venoso com coleta de exames laboratoriais. • Glicose IV (100 mL de G50%) + tiamina IV (100 mg) se não for possível descartar imediatamente hipoglicemia. •Colher gasometria arterial; pode sugerir a causa do coma. • Tratar crises epilépticas, se indicado (fenitoína IV; 20 mg/kg). • Não esquecer: se não houver uma causa imediatamente reversível para o coma (por exemplo, hipoglicemia), proceder à intubação orotraqueal precocemente. NÍVEL DE CONSCIÊNCIA Lesões isoladas focais supratentoriais possam comprometer o nível de consciência, elas são insuficientes para levar ao coma, a menos que levem à compressão de estruturas no hemisfério contralateral ou no compartimento infratentorial, como ocorre, respectivamente, nas hérnias subfalcinas e transtentoriais. Também é importante ressaltar que coma pressupõe olhos fechados, pois, quando se recupera a abertura ocular e a vigília sem recuperar a perceptividade, caracteriza-se o chamado estado vegetativo persistente. ESCALA DE COMA DE GLASGOW Classicamente avalia-se a consciência através da aplicação da escala de coma de Glasgow. Essa escala avalia três parâmetros de resposta: • Abertura ocular. • Melhor resposta verbal. • Melhor resposta motora. Algumas observações são importantes: • A escala de Glasgow mede uma resposta (uma eferência) a um estímulo e é uma evidência indireta da consciência. Situações que comprometam a resposta motora podem gerar escores falsamente baixos na escala. Isso pode ocorrer em doentes que receberam bloqueadores neuromusculares ou que tenham doenças neuromusculares e em uma situação conhecida como síndrome do cativeiro, estado deseferentado ou locked-in syndrome. Doentes com lesão da porção ventral da ponte, geralmente aguda, podem ficar em dramática situação na qual não se movimentam, por lesão de fibras motoras provenientes do córtex (também não movimentando os lábios, língua, pelo acometimento das fibras que se dirigem aos núcleos de nervos cranianos), porém permanecem conscientes, já que a porção dorsal da ponte, onde se situa a FRAA, permanece íntegra. Eles apresentam também déficit dos movimentos horizontais do olhar, apenas conseguindo elevar e abaixar os olhos. A comunicação com esses doentes é possível, estabelecendo-se um código de letras pelo movimento dos olhos. • A escala foi elaborada inicialmente para a avaliação aguda de doentes com trauma de crânio, tendo validação científica para gravidade e prognóstico para esse fim. Em virtude da facilidade de sua utilização é comum ser utilizada em diversas outras situações, como acidente vascular cerebral. Deve- se entender, porém, que se privilegia nessa escala a resposta verbal como parâmetro de consciência. Isso pode ser problemático em indivíduos com lesões agudas que acometam a linguagem, que podem estar com escore falsamente baixo, sem estar com rebaixamento do nível de consciência propriamente dito. • Por definição, o coma pressupõe doente com olhos fechados. Existe uma situação, contudo, em que o doente está absolutamente inconsciente e tem olhos abertos. Isso pode ocorrer por lesões pontinas extensas que levam a disfunção da FRAA (portanto, rebaixamento de consciência) e também lesão dos núcleos do nervo facial, levando a olhos abertos, ausência de mímica de face e de piscamento. Os olhos, portanto, ficam abertos por uma incapacidade anatômica de fechá-los. A pontuação na escala de coma de Glasgow nessa situação estará falsamente alta (em razão de pontos obtidos com a abertura ocular). • A congruência interexaminador na escala de coma de Glasgow é de cerca de 70% a 80%. Isso se deve basicamente a problemas na pontuação da melhor resposta motora. Faz-se grande confusão entre a resposta de retirada inespecífica (quatro pontos na escala) e as de hipertonia patológica em decorticação (três pontos) e descerebração (dois pontos). PUPILAS E FUNDO DE OLHO O fundo de olho pode mostrar evidências de doenças clínicas, como diabetes e hipertensão; podemos ter inferências da pressãointracraniana; além de doenças oftalmológicas que possam sugerir a etiologia da alteração de consciência, como achados compatíveis com retinite por citomegalovírus. Via simpática: o primeiro neurônio da via simpática se origina no hipotálamo (diencéfalo) e se dirige caudalmente passando por todo o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo) e avançando pela medula cervical, fazendo a primeira sinapse da via na coluna intermédia lateral da medula cervicotorácica. De lá parte o segundo neurônio, que forma o plexo simpático paravertebral e faz sinapse no gânglio cervical superior. O terceiro neurônio da via envolve a carótida, com quem retorna para dentro do crânio e parte em direção à órbita com o primeiro ramo do nervo trigêmeo. Anatomia do reflexo fotomotor: o estímulo visual é captado pelo II nervo (óptico) e conduzido ao córtex occipital. Algumas fibras, contudo, não fazem sinapse no corpo geniculado lateral (primeira sinapse da via visual) e seguem em direção ao mesencéfalo, onde fazem sinapse nos chamados núcleos pré-tectais, localizados na altura dos colículos superiores no tecto mesencefálico. Desses núcleos partem interneurônios que ipsi e contralateralmente vão fazer sinapse no núcleo parassimpático do nervo oculomotor, o chamado núcleo de Edinger-Westphal. O cruzamento da linha média realizado pelos axônios desses interneurônios para alcançar o núcleo de Edinger-Westphal contralateral forma a comissura posterior, que é o substrato anatômico para termos reação pupilar de miose contralateral ao olho estimulado pela luz (reflexo fotomotor consensual). Do núcleo de Edinger- Westphal partem fibras que compõem o III nervo craniano junto com as fibras envolvidas na motricidade ocular extrínseca. As fibras parassimpáticas atingem então os gânglios ciliares, de onde partem fibras em direção à pupila. Assim, o chamado reflexo fotomotor tem uma via aferente (II nervo craniano), uma integração (mesencefálica) e uma via eferente (III nervo craniano). A integridade desse reflexo denota integridade das estruturas anatômicas que o compõem. É importante lembrar que, numa análise do III nervo craniano, as fibras parassimpáticas são mais externas e, portanto,mais suscetíveis à compressão extrínseca que as fibras da motricidade ocular extrínseca, que nessa situação costumam ser afetadas posteriormente. Na semiologia das pupilas observa-se o diâmetro das pupilas (medindo-o em milímetros), verifica-se sua simetria ou assimetria (iso e anisocoria), assim como os reflexos fotomotor direto e consensual. Como as vias simpática e parassimpática têm um longo trajeto através do sistema nervoso central (SNC) e periférico (SNP), no coma, em que há disfunções em vários pontos, pode-se verificar o aparecimento de vários tipos de pupilas, que têm forte significado localizatório. Um dado importante é que o reflexo fotomotor é extremamente resistente aos insultos metabólicos e difusos ao SNC. A alteração das pupilas é forte indício de lesão estrutural. Fazem exceção algumas situações: • Intoxicação por atropina (pupilas dilatadas e sem reflexo fotomotor). • Intoxicação por opiáceos (pupilas intensamente mióticas com reflexo fotomotor presente). • Hipotermia (pode transcorrer com pupilas fixas). • Intoxicação barbitúrica severa (pupilas fixas). • Encefalopatia anóxica (pupilas midriáticas e fixas). Assim, dependendo do nível anatômico da lesão que está levando ao rebaixamento do nível de consciência, podemos encontrar diferentes tipos de pupilas. Nas encefalopatias difusas ou multifocais as pupilas em geral são normais, salvo as exceções discriminadas acima. Lesões acometendo o diencéfalo ou a ponte comprometem a via simpática preservando a parassimpática (que se integra no mesencéfalo) e, portanto, levam a miose com reflexo fotomotor preservado. Lesões mesencefálicas comprometem tanto o sistema nervoso simpático quanto o parassimpático, e geralmente levam a pupilas médias e fixas. OS PRINCIPAIS TIPOS DE PUPILAS SÃO I. Pupilas mióticas com reflexo fotomotor presente; esse tipo de pupilas ocorre em duas situações: • Encefalopatia metabólica. • Disfunção diencefálica bilateral, na qual hipofunção simpática leva a predomínio parassimpático. É impossível pelo exame das pupilas diferenciar as duas situações, necessitando-se de análises complementares para tanto. Nas encefalopatias metabólicas, até estágios profundos do coma são mantidas as reações pupilares, o que não ocorre nos danos estruturais ao SNC. Esse tipo de pupila pode ocorrer também no idoso e no sono normal. II. Pupila da síndrome de Claude Bernard-Horner: existe anisocoria à custa de miose ipsilateral à lesão da via simpática (em qualquer ponto, desde hipotálamo até medula cervical baixa e mesmo perifericamente). O reflexo fotomotor é preservado. Deve ser observado que algumas pessoas podem ter constitucionalmente anisocoria. III. Pupilas médias e fixas: são pupilas de 4-5 mm de diâmetro, com reflexo fotomotor comprometido. Ocorrem em lesões da porção ventral do mesencéfalo, comprometendo tanto o simpático como o parassimpático. Costuma ser o padrão pupilar observado em doentes com morte encefálica. IV. Pupila tectal: são pupilas levemente dilatadas (5-6 mm de diâmetro), com reflexo fotomotor negativo, porém apresentando flutuações em seu diâmetro (hippus) e dilatando-se na pesquisa do reflexo ciliospinal (dilatação das pupilas aos estímulos dolorosos). Esse padrão pupilar ocorre em lesões da região do tecto mesencefálico. V. Pupilas pontinas: são pupilas extremamente mióticas, que retêm o reflexo fotomotor (embora possa haver necessidade de lente de aumento para sua observação). Esse tipo ocorre por lesões na ponte (geralmente hemorragia pontina). VI. Pupila uncal ou do III nervo craniano (oculomotor): pupila extremamente midriática com reflexo fotomotor negativo. Ocorre na herniação transtentorial lateral, quando o uncus do lobo temporal, insinuando-se entre a tenda do cerebelo e o mesencéfalo, encontra como primeira estrutura o nervo oculomotor. Pupilas dilatadas bilateralmente indicam herniação bilateral ou encefalopatia anóxica. • Outra situação importante é o aneurisma da artéria comunicante posterior. Doentes com quadro clínico compatível com hemorragia subaracnoide e paralisia do III nervo craniano com comprometimento de sua porção parassimpática geralmente albergam aneurismas dessa artéria. Isso ocorre em razão da proximidade anatômica entre as duas estruturas. • O achado de anisocoria, com reflexo fotomotor negativo, na ausência de alteração motora contralateral ou transtorno de consciência, deve ter como diagnóstico diferencial a possibilidade do uso de midriático ou doença ocular como uveíte ou trauma oftalmológico. MOTRICIDADE OCULAR EXTRÍNSECA (MOE) Os nervos cranianos envolvidos na motricidade ocular são o III, o IV e o VI. Os núcleos do III e VI nervos cranianos estão localizados respectivamente no mesencéfalo e na ponte e são integrados por fibras do chamado fascículo longitudinal medial. A análise adequada da motricidade ocular extrínseca horizontal é fundamental em casos de alteração do estado de consciência, pois, como sua integração se dá no mesmo sítio anatômico em que se localiza a FRAA, inferências da integridade dessa estrutura podem ser feitas. Pode-se mesmo propor um diagnóstico diferencial da alteração de consciência com base nos achados de motricidade ocular. A “maquinaria anatômica” necessária para a realização do movimento conjugado horizontal dos olhos está toda presente no tronco encefálico, integrando ponte e mesencéfalo. Assim, para ser realizado um movimento conjugado dos olhos para a esquerda ou para a direita basta que essa via anatômica seja ativada. Do núcleo do VI nervo craniano (na ponte) partem fibras que vão compor o nervo abducente, responsável pela abdução do olho ipsilateral. Além disso, partem desse mesmo núcleo fibras que cruzam a linha média e fletem-se cranialmente em direção ao subnúcleo para o reto medial (do III nervo). Nota-se, portanto, que basta o núcleodo VI nervo ser estimulado para que toda a via do olhar conjugado seja ativada. Diversas estruturas têm aferência sobre essa via, o que em outras palavras implica que o movimento horizontal dos olhos pode ser obtido de diversas maneiras, gerando diferentes tipos de movimento que podem ser testados. Existem duas formas de realizarmos o movimento conjugado horizontal dos olhos de forma voluntária. A primeira é seguirmos um objeto em movimento sem movermos a cabeça. Nessa situação, a ordem para o movimento parte do córtex parieto-occipital, gerando o chamado movimento de seguimento. A segunda forma é gerarmos voluntariamente um movimento ocular para o lado independente de qualquer estímulo visual. Esse movimento é chamado de sacada (ou movimento sacádico) e se origina no córtex pré-frontal (área 8 de Brodmann). Nesse caso, a ordem que parte da área 8 de Brodmann passa por um centro do olhar conjugado horizontal, situado junto ao núcleo do VI nervo, chamado de FRPP (formação reticular paramediana pontina). Para gerar uma sacada para a esquerda a FRPP desse lado é estimulada pela área 8 de Brodmann direita. Nota-se, assim, que lesões que comprometam a via até o FRPP (inclusive) geram desvios conjugados do olhar horizontal, ao passo que lesões desse ponto em diante (vias intratronco ou nervos cranianos) geram olhar desconjugado. Existem duas síndromes relacionadas à lesão associada da via piramidal (e, portanto, hemiparesia contralateral à lesão) e desvios conjugados do olhar horizontal: • Lesão do FRPP + trato piramidal contíguo: a lesão do FRPP de um lado causa desvio do olhar para o lado oposto da lesão e a lesão piramidal leva a hemiparesia contralateral. Essa é a chamada síndrome de Foville inferior (exemplo: hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a direita). A presença desses achados ao exame indicam encefalopatia focal infratentorial por lesão pontina. • Lesão da área 8 de Brodmann + trato piramidal contíguo:mais comum que a lesão anterior. Há lesão associada da área 8 de Brodmann (desvio do olhar para o lado da lesão) e lesão piramidal contígua com hemiparesia contralateral (exemplo: hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a esquerda). Essa síndrome ocorre em lesões focais supratentoriais, geralmente extensas, e é chamada de síndrome de Foville superior. Doentes com alteração do estado de consciência não colaborarão, contudo, para a realização desses movimentos voluntários. Devem, então, ser utilizados movimentos reflexos dos olhos. A análise da MOE é feita em cinco etapas: I. Observação dos movimentos oculares espontâneos. II. Manobra dos olhos de boneca: • Realizam-se bruscos movimentos da cabeça, para o lado direito e esquerdo, e posteriormente no sentido de flexão e extensão da cabeça sobre o tronco. Em razão das conexões existentes entre receptores proprioceptivos cervicais e labirínticos e os núcleos do III e VI nervos cranianos, os olhos realizam movimentos em igual direção e velocidade, porém em sentido contrário ao movimento da cabeça. Quando alterados, sugerem lesão do tronco cerebral. • Quando existir suspeita de lesão de coluna cervical (notadamente nos traumas) essa manobra não deve ser feita, pelo risco do agravamento de eventual lesão medular associada. III. Manobra óculo-vestibular: • Água gelada (50 a 100 mL) é injetada no conduto auditivo externo de um lado e repetido do outro lado após 5 minutos. No indivíduo em coma, com vias intratronco intactas, isso provoca desvio dos olhos para o lado estimulado. Lembrar que: • água gelada inibe o labirinto do lado onde foi injetada; • água quente estimula o labirinto do lado da injeção; • a manobra óculo-vestibular deve ser realizada após otoscopia (para excluir lesão timpânica); • o doente deve ser colocado com a cabeça 30° acima da horizontal; • estímulo com água gelada em ambos os ouvidos provoca desvio dos olhos para baixo; • estímulo com água quente (44°) em ambos os ouvidos provoca desvio dos olhos para cima. IV. Reflexo córneo-palpebral: • Produz-se um estímulo na córnea; como resposta, há fechamento dos olhos e desvio dos olhos para cima (fenômeno de Bell). Esse reflexo permite que se analise o nervo trigêmeo (via aferente), nervo facial (via eferente) e área tectal que controla os movimentos verticais do olhar. V. Observação das pálpebras: • A pálpebra em geral está fechada nos doentes em coma; como dito anteriormente, coma com olhos abertos sugere lesão aguda de ponte, frequentemente de natureza vascular. A presença de déficit de fechamento de pálpebras pode sugerir lesão do VII nervo craniano. Já a semiptose palpebral sugere lesão simpática e a ptose completa lesão do III nervo. Resumidamente, as seguintes possibilidades de resposta da motricidade ocular podem ser encontradas (independentemente de como seja feita a pesquisa): • Resposta conjugada tônica: integridade de ponte e mesencéfalo. •Resposta desconjugada (abdução presente e adução ausente): lesão do fascículo longitudinal medial ou III nervo. • Resposta desconjugada (abdução ausente e adução presente): lesão do nervo abducente. • Resposta negativa: lesão grave de vias dentro do tronco. • Resposta horizontal normal e vertical patológica: lesão mesodiencefálica. • Resposta vertical normal e horizontal patológica: integridade mesencefálica e lesão pontina. De acordo com a MOE pode-se delinear dois tipos de coma: • Movimentos oculares preservados: comprovado pela motricidade espontânea, manobra óculo- vestibular ou óculo-cefálica. Sugere integridade da transição pontomesencefálica (região anatomicamente relacionada com a motricidade ocular extrínseca). Está presente em lesões focais supratentoriais ou em lesões difusas ou multifocais. • Movimentos oculares comprometidos: sugere lesões estruturais infratentoriais (lesões de tronco, sejam primárias ou secundárias), que destroem áreas de controle da MOE, ou causas tóxicas (drogas hipnótico-sedativas, curare, succinilcolina, anestesia geral, difenilhidantoína, primidona). A explicação para o fato de a intoxicação por drogas hipnótico-sedativas alterar, às vezes precocemente, as vias responsáveis pela MOE dentro do tronco é que essas drogas deprimem intensamente essas vias polissinápticas. PADRÃO RESPIRATÓRIO Inúmeros fatores, como acidose, doenças pulmonares ou mesmo ansiedade podem influenciar no padrão respiratório sem que tenhamos uma lesão neurológica propriamente dita. Assim, na maior parte das vezes esse é um parâmetro pouco útil na avaliação de coma. Entretanto, consiste em uma etapa fundamental da estabilização clínica do doente. PADRÃO MOTOR A via motora se estende do giro pré-central até a porção baixa do tronco (bulbo), onde decussa para o lado oposto para atingir a medula cervical. Essa via é frequentemente afetada em lesões estruturais do sistema nervoso central. Por isso, a presença de sinais motores focais sugere doença estrutural, com raras exceções (hipoglicemia, encefalopatia hepática, encefalopatia urêmica). A avaliação do padrão motor deve ser sistematizada: • Observação da movimentação espontânea do doente. • Pesquisa de reflexos, com atenção à sua presença e simetria, analisando a presença de sinais patológicos como sinal de Babinski e reflexo patológico de preensão palmar (grasp). • Pesquisa do tono muscular, pela movimentação e balanço passivos, com atenção a hipertonia, hipotonia e paratonia (nesse caso observamos uma resistência à movimentação passiva, que lembra hipertonia plástica, porém cuja semiologia lembra mais resistência voluntária e que desaparece ao movimentarmos lentamente o membro). • Observação dos movimentos apresentados pelo doente à estimulação dolorosa (leito ungueal, região supraorbitária, osso esterno). Podemos assim observar vários padrões de comportamento motor, que sugerem níveis diferentes de lesão: •Hemiparesia com comprometimento facial: sugere envolvimento hemisférico contralateral. • Hemiparesia com comprometimento facial e paratonia: sugere envolvimento hemisférico contralateralcom herniação central incipiente ou afecção frontal predominante. • Sinergismo postural flexor (decorticação): consiste em uma postura em que ocorre adução, flexão do cotovelo, flexão do punho e dos dedos, do membro superior, e hiperextensão, flexão plantar e rotação interna, do membro inferior. Esse padrão de resposta motora sugere disfunção em nível supratentorial. • Sinergismo postural extensor (descerebração): consiste em postura em que ocorre adução, extensão, hiperpronação, do membro superior, e extensão, flexão plantar, do membro inferior, muitas vezes com opistótono e fechamento de mandíbula. Pode ocorrer com lesões na altura do tronco encefálico alto. • Resposta extensora anormal no membro superior com flacidez ou resposta flexora fraca no membro inferior: esse padrão de resposta sugere lesão em nível de tegmento pontino. •Flacidez e ausência de resposta: sugere lesão periférica associada, ou lesão pontina baixa e bulbar. EXAMES COMPLEMENTARES Assim que um paciente com alteração de nível de consciência chega ao PS, deve-se imediatamente realizar uma glicemia capilar (dextro): se houver hipoglicemia, administrar imediatamente 60 a 100 mL de glicose a 50% concomitante à tiamina (100 mg IM/IV). De uma forma simplificada, os exames complementares são divididos em: • Exames para causas tóxicas, metabólicas, infecciosas ou sistêmicas: nesse caso, dependerão muito do contexto clínico e dos achados do exame físico. Um perfil mínimo inclui: hemograma, eletrólitos (inclusive cálcio), gasometria arterial, função renal, função e enzimas hepáticas, glicemia, exames de coagulação, urina tipo I e eletrocardiografia. Poderão ser necessários: hemoculturas, marcadores de necrose miocárdica, exames toxicológicos, dosagem de anticonvulsivantes em epilépticos, dosagem de hormônios tireoidianos, hormônios adrenais etc. • Exames para investigação de causa primariamente neurológica: na maior parte das vezes, não são as doenças neurológicas as responsáveis pela alteração de consciência; é possível, portanto, que em grande parte dos casos não seja necessária uma investigação neurológica extensa. Entretanto, algumas diretrizes para investigação neurológica são: Doentes com encefalopatias focais devem ser submetidos a exame de imagem intracraniano, geralmente tomografia (TC), eventualmente, ressonância (RMN). Com exceção de casos de hipoglicemia, encefalopatia hepática e urêmica, o achado de encefalopatia focal se relaciona a causas estruturais. Diante de um doente com alterações do exame que sugiram uma encefalopatia difusa ou multifocal a investigação neurológica está indicada nas seguintes situações: ● Ausência de história clínica: quando não há dados claros relativos à evolução da alteração de consciência é incorreto apenas inferir etiologias. Deve-se, ao contrário, contemplar todas as possibilidades etiológicas possíveis. ● A história clínica ou dados do exame clínico claramente apontam para uma patologia neurológica: trauma de crânio, cefaleia súbita, febre e rigidez de nuca etc. ● Rebaixamento de nível de consciência em doentes com história de imunodepressão, neoplasias ou coagulopatias: são doentes de alto risco para apresentar patologias intracranianas. ● Quando não há uma causa clínica que explique o rebaixamento de consciência ou quando essa causa já foi corrigida sem a normalização do exame neurológico. Nesses casos, os exames necessários incluem: • Tomografia computadorizada de crânio (eventualmente, ressonância magnética nuclear): inicialmente sem contraste e, se necessário, com contraste. A sensibilidade da tomografia para diagnóstico etiológico do rebaixamento de consciência varia de acordo com a patologia estudada. • Punção liquórica: fornece a medida da pressão intracraniana, auxilia no diagnóstico de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas do sistema nervoso central, e pode confirmar uma hemorragia subaracnoide. • Eletroencefalograma: deve ser realizado se um diagnóstico não foi encontrado com os exames de imagem e liquor; pode ser indicado mais precocemente se houver suspeita de estado de mal epiléptico não convulsivo. Há três padrões gerais do eletroencefalograma em doentes com alterações de estado de consciência: Alentecimento difuso da atividade elétrica cerebral, com ou sem ondas trifásicas: esse padrão é inespecífico e indica um sofrimento cortical difuso, frequentemente encontrado em doenças metabólicas ou outras de acometimento difuso (meningites, pós-crise epiléptica etc.). Presença de estado de mal epiléptico eletrográfico: esse padrão fecha o diagnóstico de crise epiléptica não convulsiva em doentes com alteração de estado de consciência a esclarecer. Eletroencefalograma normal: esse resultado em doente com alteração de estado de consciência descarta alteração orgânica do SNC. Outros padrões podem estar presentes e devem ser discutidos com o especialista analisando-se o contexto clínico. Em particular, os autores julgam necessário ressaltar a importância do achado de atividade periódica ao eletroencefalograma, que pode sugerir algumas etiologias, como meningoencefalite herpética, acidente vascular cerebral e encefalopatia anóxica. Com relação a doentes epilépticos, é comum haver alteração de nível de consciência após um estado de mal epiléptico tônico-clônico generalizado. Existem algumas possibilidades etiológicas nesses casos e os exames acima poderão ajudar a diferenciá-las: • Estado pós-ictal. •Houve dano permanente ao córtex em consequência do estado de mal epiléptico. •Houve lesão estrutural secundária à crise (exemplo: trauma de crânio). •Doente está em estado de mal epiléptico não convulsivo. •A mesma etiologia explica o estado de mal epiléptico e o rebaixamento de nível de consciência (exemplos: meningoencefalite, hemorragia subaracnoide). •O rebaixamento deve-se aos medicamentos utilizados para tratar seu estado de mal epiléptico (iatrogenia). O uso do chamado “coquetel” para o coma incluindo glicose, tiamina, naloxona e flumazenil já foi advogado. Uma revisão sistemática não teve benefício com essa combinação, mas o uso de glicose e tiamina pode ser realizado na maioria dos pacientes. Já naloxona e flumazenil só terão indicação em pacientes com suspeita de intoxicação por opioides e naloxona, respectivamente. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL • Doentes que não têm alteração do nível de consciência: ● Síndromes de heminegligência. ● Afasia de Wernicke: situação particularmente difícil, pois uma avaliação pouco acurada mostra um doente com discurso fluente, embora desconexo, que não entende o que lhe é dito. No entanto, geralmente o doente tem a atenção preservada, o que pode ser evidenciado pela preservação do contato visual e esforço em tentar estabelecer uma comunicação. • Delirium (estado confusional agudo ou síndrome mental orgânica): situação clínica em que há agudamente um déficit global da atenção. Não há sinais neurológicos focais de natureza motora ou sensitiva, com a possível exceção de tremores, mioclonias, asterixis. Os três aspectos fundamentais do delirium são: Transtorno de vigilância e aumento do nível de distração. Incapacidade de manter uma coerência de pensamento. Incapacidade de executar uma série de movimentos com objetivo definido. Outras alterações de função mental podem ocorrer: transtornos de percepção com ilusões e alucinações, desorientação, déficit de memória, discreta anomia, disgrafia, discalculia, déficits de construção, falha de julgamento, apatia ou agitação. É importante notar que o prejuízo nessas tarefas pode ser atenuado se utilizarmos artimanhas que facilitem os mecanismos de atenção. Assim, é possível, por exemplo, que um doente consiga realizar cálculos se permitirmos que sejam feitos com papel e lápis. • Epilepsia: em pós-convulsivos ou em crises parciais complexas. • Massas expansivas: principalmente hematoma subdural crônico bilateral. • Psicose de Korsakoff. • Depressão grave. • Demência: o critério de diferenciação é o tempo de evolução. É importante lembrarque indivíduos dementes têm maior predisposição a desenvolver quadros agudos confusionais, reversíveis na maior parte das vezes se corrigida a causa, voltando ao estado demencial de base. • Psicose aguda: as alucinações são geralmente auditivas (ao contrário do delirium, em que são mais comumente visuais) e o eletroencefalograma costuma ser normal. • Transtornos psiquiátricos. • Estado vegetativo persistente: há comprometimento da percepção, com relativa ou total preservação da reatividade. É um estado de vigília, sem percepção do ambiente. Os olhos ficam abertos e podem se fechar sob ameaça, mas não ficam orientados a um estímulo, embora possam, às vezes, simular seguimento. Com relação à parte motora, postura descerebrada pode dar lugar a respostas flexoras, porém lentas e distônicas. Um intenso reflexo de preen são (grasp) costuma aparecer, assim como mastigação e deglutição. Embora a maioria dos doentes não vocalize, sons ininteligíveis (nunca com significado) podem ser obtidos por estímulos dolorosos. Não existem achados laboratoriais, eletroencefalográficos ou radiológicos para definir essa síndrome. O diagnóstico é clínico. Os aspectos patológicos são variados e não existe perfeita correlação clinicopatológica. MORTE ENCEFÁLICA Para finalizar, independentemente da etiologia que esteja levando ao comprometimento da consciência, o estado neurológico pode deteriorar para uma situação de irreversibilidade e ausência de funções encefálicas que caracteriza a morte encefálica. É de larga aceitação atual o conceito de que a confirmação da morte encefálica deve se basear em quatro princípios fundamentais: • Perfeito conhecimento da etiologia da causa do coma. • Irreversibilidade do estado de coma. • Ausência de reflexos do tronco encefálico. • Ausência de atividade cerebral cortical. Diante de tal situação, é importante compreender que não está em pauta a discussão do prognóstico do doente, mas sim os aspectos éticos, morais e legais decorrentes da constatação da morte encefálica naquele momento. RECAPITULANDO... Coma é causado por desordens que acometem o sistema reticular ativador no tronco cerebral ou que afetam ambos os hemisférios cerebrais. As principais etiologias de rebaixamento do nível de consciência são ocasionadas por doenças ou síndromes clínicas. Dessa forma, anamnese detalhada, exame físico cuidadoso (que inclui exame neurológico básico), muitas vezes com exames complementares básicos (hemograma, eletrólitos, bioquímica, gasometria, urina tipo 1, radiografia e ECG) conseguem elucidar a causa do coma.. • As encefalopatias difusas geralmente são causadas por doenças clínicas. Por sua vez, as encefalopatias focais (quer supra, quer infratentoriais) geralmente são causadas por doenças intracranianas. Lembrar que exceções existem dos dois lados. • Na abordagem inicial do paciente em coma, lembrar que o ABCD primário e o secundário são prioritários. • Não esquecer da glicemia capilar (dextro) em todos os pacientes comatosos, tão logo eles deem entrada no departamento de emergência. • Se não houver uma causa imediatamente reversível para o coma (por exemplo, hipoglicemia), proceder à intubação orotraqueal precocemente. • Após a estabilização inicial e uma sumária avaliação neurológica, o médico que assiste o doente com alteração de estado de consciência deve estar apto a reconhecer as situações de lesão difusa ou multifocal do SNC e a presença de encefalopatias focais, quer por lesões supratentoriais, quer por lesões infratentoriais. • Lesões supratentoriais, embora possam comprometer o nível e o conteúdo de consciência, excepcionalmente levam a coma. Exceção a essa regra são doentes com lesões com caráter hipertensivo e que gerem herniações (hérnia transtentorial central, lateral ou uncal e hérnia subfalcina). Lesões infratentoriais podem comprometer a consciência por ação direta sobre a FRAA ou por compressão extrínseca às vias de consciência. DISTÚRBIOS DA ÁGUA DESIDRATAÇÃO Desidratação é a contração do volume extracelular secundária à perdas hidroeletrolíticas, cuja gravidade irá depender da magnitude do déficit em relação às reservas corpóreas e da relação entre o déficit de água e de eletrólitos, principalmente do sódio. A desidratação pode ser classificada de acordo com a magnitude do déficit de água, estimada através de sinais clínicos e pela perda ponderal. Por outro lado, o nível sérico do sódio resultante dessas perdas, determinará a sua classifi cação em desidratação isotônica, hipotônica e hipertônica ● DESIDRATAÇÃO HIPOTÔNICA ou hiponatrêmica Caracterizada por sódio sérico menor que 130 mEq/l. Há uma depleção de sódio e água, porém com uma perda proporcional excessiva de sódio em relação à perda hídrica. A conseqüente hipotonicidade do líquido extrace lular gera um gradiente osmótico com conseqüente movi mentação de água do espaço extracelular para o espaço intracelular, o que agrava o déficit extracelular, acentuan do os sinais e sintomas da desidratação. ● DESIDRATAÇÃO ISOTÔNICA OU ISONATRÊMICA: Caracterizada por sódio sérico entre 135 mEq/l e 150mEq/l. Há uma depleção de sódio e água, com uma perda proporcional à concentração do fluido extracelular. Não há, portanto, gradiente osmótico entre os comparti mentos intra e extracelular, sendo este o tipo mais freqüen te de desidratação. ● DESIDRATAÇÃO HIPERTÔNICA OU HIPERNATRÊMICA: Caracterizada por sódio sérico maior que 150 mEq/l. Há depleção de sódio e água, porém com uma perda proporcional maior de água. Há, portanto, gradiente osmótico, sendo que a maior tonicidade do meio extracelular leva à desidratação celular com graves sintomas secundários, principalmente ao comprometimento do sis tema nervoso central. TRATAMENTO Independentemente da etiologia da desidratação, que pode ser muito variável, os princípios gerais de tratamento são os mesmos, devendo-se levar em consideração o grau das perdas de água (gravidade) e o nível de sódio (tipo de desidratação), não se esquecendo de que outros distúrbios eletrolíticos e metabólicos poderão estar presentes, mere cendo atenção especial o equilíbrio ácido- base e os níveis de potássio. De um modo geral, a desidratação leve e moderada pode ser tratada através da via oral (terapia de reidratação oral, TRO), reservando-se a via parenteral para os casos mais graves, para a correção dos distúrbios eletrolíticos severos e para aqueles com vômitos incoercíveis ou com perdas continuadas muito intensas (>100 ml/kg/h)3. A terapia de reidratação endovenosa consiste em três fases com objetivos terapêuticos distintos: fase de repara ção ou expansão, fase de manutenção e fase de reposição. ● FASE DE REPARAÇÃO OU EXPANSÃO: É a primeira fase do tratamento, objetivando o resta belecimento rápido dos níveis normais de água e eletrólitos. A escolha da solução a ser utilizada depende de alguns fatores e pode variar de serviço para serviço. As soluções isotônicas, de um modo geral, podem ser sempre empre gadas, sendo o soro fisiológico a solução de eleição nas desidratações hipertônicas, onde a administração rápida de fluidos hipotônicos pode levar ao desenvolvimento de edema cerebral. Por outro lado, a não utilização de glicose na fase de expansão aumenta o risco de hipoglicemia, particularmente em crianças desnutridas e gravemente enfermas, o que sugere a associação de soro glicosado com soro fisiológico (solução glico-fisiológica). Por fim, em pacientes com acidose metabólica grave, a administração de solução salina pura pode agravar a acidose, pela maior diluição do bicarbonato plasmático, estando neste caso mais indicadas as soluções contendo bicarbonato ou seus precursores, como o lactato. Inicia-se a expansão com volume de 100ml/kg na velocidade de 50ml/kg/hora, reavaliando-se a criança ao final de cada hora. Em função dessa avaliação, e dependendo da intensidade da depleção, a velocidade da expansão poderá ser reduzida para 25ml/kg/h ou repetida na velocidade inicial de 50ml/kg/hora se os sinaisde desidratação grave persistirem. Na desidratação hiponatrêmica com hiponatremia gra ve (sódio plasmático menor do que 120mEq/l), preconiza- se a administração de NaCl a 3%, conforme apresentado na seção sobre hiponatremia. Na presença de acidose metabólica grave, pode-se, mesmo na ausência de gasometria, utilizar uma solução composta de sete partes de SG5%, quatro partes de SF e uma parte de bicarbonato de sódio a 3% (1 ml de Bicarbonato de Na 3% = 0,36 mEq de bicarbonato). O volume e a velocidade de infusão são os mesmos descritos para a solução de expansão. A fase de reparação termina quando desaparecerem os sinais clínicos de desidratação e quando a criança apresen tar duas micções com urina clara, desde que sejam afastadas outras causas de poliúria (hipopotassemia, hipo natremia e hiperglicemia com diurese osmótica). ● FASE DE MANUTENÇÃO: Essa fase tem por objetivo repor as perdas fisiológicas normais de água e eletrólitos da criança. As quantidades de água, eletrólitos e glicose necessárias para a manuten ção em 24 horas são estimadas em função da atividade metabólica provável, conforme a regra de Holliday. Como regra prática, uma vez calculado o volume de manutenção (100 ml/100 kcal/dia), as necessidades diári as basais de glicose, sódio e potássio serão fornecidas em uma solução de quatro partes de SG 10% e uma parte de SF, acrescida de 1 ml de KCl 19,1% para cada 100 kcal (1 ml de KCl 19,1% = 2,5 mEq de K). ● FASE DE REPOSIÇÃO: Essa fase visa à reposição das perdas anormais conti nuadas de água e eletrólitos. A estimativa das perdas diarréicas ao longo de 24 horas é variável e, portanto, o volume e a composição da solução de reposição devem ser continuamente reavaliados ao longo da terapia de hidrata- ção. Via de regra, na reposição das perdas fecais em diarréias leves e moderadas, utiliza-se solução de partes iguais de SG 5% e SF, com volumes de 30 a 60 ml/kg/dia, com reavaliação clínica contínua. Nas diarréias mais intensas, que necessitem volumes de reposição maiores, normalmente faz-se necessário uma proporção maior de SF na solução, podendo-se até utilizar SF exclusivamente. O nível sérico de sódio será o determinante da melhor proporção de SF na composição dessa solução. O soro de reposição é infundido ao longo de 24 horas, juntamente com a solução de manutenção descrita previamente. Estudos de recuperação do equilíbrio hidroeletrolítico em lactentes desidratados por diarréia com até dois dias de duração demonstraram um déficit de potássio de 8 a 10 mEq/kg9-11. Com base nesses estudos, uma quantidade de 2,5 mEq a 5 mEq/kg deve ser acrescentada à solução de reposição ou manutenção a ser infundida ao longo das 24 horas. Deve-se salientar que o nível sérico de potássio tem valor limitado no diagnóstico do déficit total de potássio corpóreo e, portanto, o nível sérico normal não contra- indicará essa reposição. Nos casos em que houver insufi ciência renal, a reposição de potássio deverá ser reavali ada. DESIDRATAÇÃO OSMOLARIDADE MEDIDA = 2xNa + Gli/18 + Ureia/6 OSMOLARIDADE EFETIVA = 2xNa + Gli/18 VALOR DE REFERÊNCIA: Osm/Kg Adultos e crianças: 280 a 300 Recém-nascidos: até 266 Em condições normais, há um equilíbrio entre a osmolalidade por meio das membranas (entre o extra e o intracelular). HIPERNATREMIA é definida como uma concentração sérica de sódio maior que 145 mEq/L. O sódio é o principal determinante da osmolalidade sérica e é o mais importante cátion do extracelular. FISIOPATOLOGIA: A principal consequência fisiopatológica da hipernatremia é a hiperosmolaridade, com desidratação celular. Isso proporciona um mecanismo de adaptação, que acontece durante dias, no qual as células acumulam solutos, na tentativa de evitar a perda de água para o extracelular. Por isso, a correção rápida da hipernatremia pode ocasionar entrada de água nas células, e levar a edema celular, com consequências potencialmente fatais, sobretudo no sistema nervoso central (rebaixamento do nível de consciência, convulsões e morte). Dentre as causas de hipernatremia, deve-se estar atento ao diabetes insípidus. A principal característica é a perda de água livre pelos rins, pela falta absoluta de vasopressina (ADH) ou pela resistência tubular ao ADH. O paciente desidrata se não ingerir água. Isso ocasiona um aumento do sódio plasmático e uma inapropriada urina hipotônica (perda da capacidade de concentração urinária). Isso explica a característica do diabetes insípidus: hipernatremia com urina hipotônica. As etiologias do diabetes insípidus (DI) são: • Central: trauma cranioencefálico, tumores do SNC, cistos, histiocitose, tuberculose, sarcoidose, aneurismas, meningite, encefalite, Guillain-Barré e idiopático. • Nefrogênico: congênito e adquirido (hipercalcemia, hipocalemia, doença cística medular, lítio, demeclociclina, foscarnet e anfotericina). MANIFESTAÇOES CLÍNICAS O achado dominante costuma ser uma profunda desidratação com mucosas ressecadas. A hipernatremia ocasiona sede intensa, fraqueza muscular, confusão, déficit neurológico focal, convulsões e coma. Entretanto muito cuidado ao atribuir déficits neurológicos localizatórios à hipernatremia. Nessa situação, uma tomografia de crânio é mandatória. Muitas vezes, a própria sintomatologia da hipernatremia se confunde com a doença desencadeante (exemplo: acidente vascular cerebral). As alterações osmóticas desencadeadas pela hipernatremia no sistema nervoso central podem ocasionar ruptura vascular, sangramento cerebral, hemorragia subaracnóidea e sequela neurológica permanente. Na prática clínica encontramos um paciente muito desidratado com quadro neurológico proporcional à osmolaridade: • Maior que 320 mOsm/L: há confusão mental. • Maior que 340 mOsm/L: paciente em coma. • Maior que 360 mOsm/L:pode levar o paciente a apneia. EXAMES COMPLEMENTARES O diagnóstico é feito pela dosagem sérica do sódio (> 145 mEq/L). Outros exames deverão ser solicitados de acordo com a hipótese clínica; alguns exemplos: • Osmolalidade sérica, urinária e sódio sérico: avaliar diabetes insípidus – a resposta esperada do rim à hipernatremia é concentrar a urina e reter água; urina com osmolalidade muito alta (> 500 mosmol/kg) e volume < 500 mL/dia. No diabetes insípidus, em razão da incapacidade de concentrar a urina, existe hipernatremia, urina hipotônica (< 250 mosmol/kg) e débito urinário adequado (> 1.000 mL/dia, podendo chegar a vários litros). • Glicemia: diabete melito. • Potássio e cálcio séricos: podem ocasionar diabetes insípidus. • Tomografia de crânio: avaliar tumores, traumas, AVC. DIAGNÓS TICO DIFERENCIAL: A hipernatremia costuma ocorrer em indivíduos que não têm ou não conseguem ter acesso à água, seja por uma doença neurológica prévia (demência, tumor, sequela de acidente vascular cerebral, sequela de trauma cranioencefálico ou de infecções do sistema nervoso central), seja porque o quadro atual é uma doença grave (sepse, pneumonia, hipercalcemia, hiperglicemia) ou uma doença neurológica ativa (AVC, encefalite etc.). TRATAMENTO O tratamento da hipernatremia tem três objetivos: 1. Hidratação do paciente; manter a volemia e corrigir instabilidade hemodinâmica é a mais importante etapa no manejo inicial da hipernatremia. 2. Não permitir a redução rápida e brusca do sódio para evitar lesões adicionais no SNC. 3. Tratar a causa de base (doença desencadeante). O uso de fórmulas para correção do sódio simplifica o manejo do paciente, já que permite o cálculo da variação esperada do sódio com 1 litro de qualquer solução. Isso tem grande implicação, pois a taxa de queda do sódio sérico é um dos parâmetros mais importantes no manejo dos pacientes, já que uma queda muito rápida no sódio pode ser mais grave que a própria hipernatremia. COMPLICAÇÕES As principais complicações são decorrentes: • Da própria hipernatremia: em razão da desidratação do SNC, pode haver ruptura de vasos, levando a hemorragia do SNC, convulsões e sequelas permanentes. • Da correção rápida do sódio: leva a edemacerebral, convulsões e coma. Por isso, corrigir o sódio com cautela, usando a fórmula da Tabela. • Da excessiva quantidade de volume: edema agudo de pulmão. • Da doença de base do paciente (exemplo: acidente vascular cerebral com pneumonia aspirativa). CETOACIDOSE DIABETICA Cetoacidose diabética (CAD) e estado hiperosmolar hiperglicêmico (EHH) são duas complicações graves, associadas ao diabetes melito, que diferem entre si de acordo com a presença de cetoácidos e com o grau de hiperglicemia: A CAD é definida pela presença de: • Glicemia maior que 250 mg/dL. • pH arterial < 7,3. • Cetonúria fortemente positiva (se disponível, a dosagem arterial de cetoácidos é um melhor critério). O EHH é definido pela presença de: • Glicemia maior que 600 mg/dL. • pH arterial maior que 7,3. • Osmolalidade sérica efetiva estimada > 320 mOsm/kg. Em pacientes com diabetes melito do tipo 1, a cetoacidose é o sintoma de apresentação em 20 a 30% das crianças e adolescentes e cerca de 17% dos adultos. Por outro lado, em pacientes com EHH, a faixa etária costuma ser muito maior, em geral acima dos 50 anos. A mortalidade da CAD é muito pequena e depende fundamentalmente da causa precipitante (em geral, menor que 1%). Em idosos, a mortalidade é maior que 5%. No EHH, a mortalidade é maior, variando entre 5 e 20%, e se deve principalmente à idade avançada dos pacientes e à alta frequência de comorbidades. Em ambos, o risco de morte é maior: • Nos extremos de idade. • Na presença de coma. • Nos pacientes com hipotensão ou choque. • De acordo com a gravidade do fator precipitante. FISIOPATOLOGIA: A patogênese da cetoacidose é mais bem conhecida que a do estado hiperosmolar. Em ambas ocorre uma redução da secreção de insulina como mecanismo central. Na CAD, além da diminuição de insulina, ocorre um aumento dos hormônios contrarreguladores (glucagon [principal representante], cortisol, catecolaminas e hormônio de crescimento), alterando o equilíbrio de vários órgãos e sistemas, entre eles: • Fígado: a depleção de insulina e a presença de hormônios contrarreguladores fazem com que ocorra um aumento da produção hepática de glicose (gliconeogênese) e, consequentemente, uma hiperglicemia. Além disso, a presença do glucagon leva à produção de corpos cetônicos (acetoacetato e hidroxibutirato) e aumenta a oxidação de ácidos graxos livres (AGL). • Tecido adiposo:a ausência de insulina promove uma maior atividade da lipase tecidual, que catalisa a conversão de triglicérides (TG) em AGL e glicerol. O primeiro é substrato hepático para produção de cetoácidos, e o último, para produção de glicose. O aumento desses substratos ocorre também pela ligação das catecolaminas a receptores !-adrenérgicos e consequente quebra dos TG. Além disso, os adipócitos também são responsáveis pela produção de prostaglandinas, que levam a vasodilatação, diminuição da resistência vascular e consequentes taquicardia, hipotensão, náuseas, vômitos e dor abdominal. • Músculos: o aumento dos hormônios contrarreguladores leva a diminuição da entrada de glicose no músculo. Além disso, a associação com o déficit de insulina provoca um aumento de proteólise com consequente gliconeogênese. • Rins: quando a glicemia excede a taxa máxima de reabsorção tubular de glicose (Tm renal), ocorre glicosúria (em geral, quando a glicemia excede 180 mg/dL). A glicosúria acarreta uma diurese osmótica, ocasionando hipovolemia, diminuição do ritmo de filtração glomerular e aumento da glicemia. A diurese osmótica também ocasiona perda de água livre, sódio, potássio, magnésio e fósforo. No EHH há uma produção suficiente de insulina para suprimir a produção de glucagon. Dessa forma, nesse distúrbio não ocorre produção de corpos cetônicos. MANIFESTAÇOES CLÍNICAS A cetoacidose ocorre principalmente num subgrupo de população mais jovem com média etária entre 20 e 29 anos, embora possa ocorrer nos dois extremos de idade. Muitas vezes o início é abrupto, mas os pacientes podem apresentar pródromos com duração de dias com poliúria, polidipsia, polifagia e mal-estar indefinido. O paciente irá apresentar-se, na grande maioria das vezes, desidratado, podendo estar hipotenso e taquicárdico, embora possa eventualmente estar com extremidades quentes e bem perfundidas, devido ao efeito de prostaglandinas. Os sinais e sintomas da acidose podem aparecer com taquipneia, respiração de Kusmaull (pH menor que 7,2) e hálito cetônico. O paciente normalmente se encontra alerta, embora 20% dos casos de cetoacidose ocorram quando há alteração do nível de consciência. O achado de febre não é frequente nos pacientes com cetoacidose, embora mesmo com sua ausência não se possa descartar que o fator precipitante seja infeccioso. Mas, caso esteja presente, a febre tem um alto valor preditivo de que a descompensação deve-se à infecção. Dor abdominal é um achado muito característico de cetoacidose, ocorrendo em cerca de 30% dos casos, e provavelmente tem correlação com alteração de prostaglandinas na parede muscular intestinal; entretanto, é rara nos pacientes com estado hiperosmolar e é um achado que tende a melhorar muito com a hidratação inicial do paciente. Náuseas, vômitos ou dor abdominal ocorrem em mais de 50% dos casos. A apresentação clínica no paciente com EHH apresenta importantes diferenças em relação à CAD: • A faixa etária é bem maior (> 40 anos). • O quadro clínico é mais arrastado: os sintomas relacionados à poliúria, polidipsia, astenia e desidratação costumam ocorrer durante semanas. • Há dificuldade de acesso à água: limitações físicas para busca de água, idade avançada, pacientes acamados ou com doenças neurológicas são fatores que se associam ao EHH. • A desidratação é bem mais acentuada. • Presença de rebaixamento do nível de consciência devido à hiperosmolaridade. Sintomas localizatórios do SNC (convulsões, déficits focais) podem ocorrer em até 25% dos casos, embora nesse caso haja a necessidade de investigação com exames de imagem do SNC. De maneira geral, é importante lembrar e investigar os fatores precipitantes. Muitas vezes, o tratamento da causa da descompensação é o passo mais importante no manejo do paciente. EXAMES LABORATORIAIS • Gasometria arterial. • Eletrólitos: potássio, sódio, cloro, magnésio e fósforo. • Hemograma: pode haver leucocitose com desvio à esquerda sem que signifique infecção. Valores acima de 20.000 céls/mm3 sugerem infecção. • Urina tipo 1. • Cetonúria (se disponível, dosagem sérica de cetoácidos). • Eletrocardiograma: busca de achados de hipercalemia e isquemia (mais útil no EHH). • Radiografia de tórax. • Outros exames: podem ser necessários, de acordo com a suspeita clínica. Exemplos: hemoculturas, urocultura, tomografia de crânio, punção liquórica, teste de gravidez, enzimas hepáticas, amilase, lipase etc. TRATAMENTO Em geral, o tratamento da CAD é muito parecido com o do EHH, com pequenas diferenças. HIDRATAÇÃO: O objetivo da hidratação é a expansão extracelular, restauração do volume intravascular, melhora da perfusão tecidual com consequente diminuição dos níveis de hormônios contrarreguladores e da glicemia (pode diminuir em até 25% a glicemia). INSULINOTERAPIA: Exceto nos casos de hipocalemia, a insulinoterapia é realizada concomitantemente à hidratação. Antes de iniciar a infusão no paciente, deve-se desprezar cerca de 50 mL da solução no equipo para saturar a ligação da insulina ao sistema (a insulina é adsorvida ao plástico). REPOSIÇÃO DE POTÁSSIO: Habitualmente, o potássio sérico inicial é normal ou aumentado (raramente ele estará baixo). Entretanto, o déficit corporal de potássio é grande, em torno de 3 a 6 mEq/kg de peso. Com hidratação, reposição de insulina, correção da acidose e da hipovolemia, haverá diminuição drástica do potássio sérico. Por isso, deve ser dosado com frequência (2/2 a 4/4 horas) e reposto. BICARBONATO DE SÓDIO: Raramente é necessário repor bicarbonato. Está indicado quando o pH for menor que 7,0. OUTROS ELETRÓLITOS: Geralmentea reposição não é necessária. Está indicada a reposição quando a concentração medida estiver muito baixa. Em particular, a reposição de fosfato deve ser feita com cautela nas seguintes condições: • Dosagem sérica menor que 1,0 mg/dL. • Dosagem baixa e presença de: Disfunção de VE. Arritmias cardíacas. Achados de hemólise ou rabdomiólise. COMPLICAÇÕES • Hipoglicemia: principal complicação do tratamento. • Hipocalemia: pode aparecer após a instituição do tratamento com insulina. • Edema cerebral (raro). • Síndrome do desconforto respiratório agudo (ARDS). • Embolia pulmonar: complicação relativamente frequente em pacientes com estado hiperosmolar, mas rara em pacientes com cetoacidose diabética. • Congestão pulmonar por sobrecarga hídrica. • Dilatação gástrica aguda: consequência de uma neuropatia autonômica, sendo grave. O tratamento é com descompressão gástrica obtida através da passagem de sonda nasogástrica. • Mucormicose: infecção fúngica que atinge principalmente os seios da face e ocorre pela alteração do metabolismo de ferro que atinge esses pacientes, durante o episódio de cetoacidose. Condição muito grave, rara, mas com grande letalidade. • Alcalose metabólica paradoxal pode ainda ocorrer durante o tratamento. EQUILIBRIO ACIDO-BASE E ALTERAÇOES Podem ser observados em situações isentas de maior risco, como na alcalose respiratória da síndrome de ansiedade-hiperventilação. Outras vezes, entretanto, constituem-se em emergências clínicas, como na acidose respiratória aguda e em algumas acidoses metabólicas (por exemplo, na intoxicação por metanol). • Acidemia: pH baixo do sangue. • Alcalemia: pH alto do sangue. • Acidose: processo patológico em que há excesso de ácido ou falta de base; tende a baixar o pH, mas ele pode ser normal quando há associação de distúrbios. • Alcalose: processo patológico em que há excesso de base ou falta de ácido; tende a aumentar o pH, mas ele pode ser normal quando há associação de distúrbios. ETIOLOGIA: Para a manutenção do equilíbrio acidobásico e de um pH constante, necessita-se de um adequado funcionamento dos rins (para eliminação dos ácidos fixos) e dos pulmões (para eliminação do dióxido de carbono). Desvios do pH afetam o desempenho orgânico e tecidual. Nesse sentido, existem sistemas-tampão, que são sistemas químicos que tendem a manter o pH constante, apesar da adição de ácidos ou bases ao meio interno. O principal tampão do extracelular é o bicarbonato-ácido carbônico, e do intracelular, o fosfato. Os distúrbios podem ser respiratórios e/ou metabólicos. Cada um dos quatro distúrbios acidobásicos simples desencadeia uma resposta compensatória que direciona o parâmetro oposto (por exemplo, o PCO2 nos distúrbios metabólicos e o [HCO3-] nos distúrbios respiratórios) na mesma direção. Cada distúrbio acidobásico simples leva à resposta compensatória que tende a manter o pH o mais próximo do normal, porém sem conseguir normalizá-lo: • Os distúrbios metabólicos levam a compensações respiratórias. • Os distúrbios respiratórios levam a compensações metabólicas. A compensação respiratória de um distúrbio metabólico é rápida (começa em minutos e está completa em horas), enquanto a resposta metabólica completa para um distúrbio respiratório leva de três a cinco dias. Por esse motivo, não se separa a compensação respiratória de distúrbios metabólicos em fases aguda e crônica. Entretanto, a compensação metabólica de distúrbios respiratórios tem uma fase aguda, de pequena monta, dependente unicamente dos sistemas-tampão, e uma fase crônica, dependente da alteração da excreção renal de ácido. DISTÚRBIOS ACIDOBÁSICOS SIMPLES E MISTOS Distúrbio simples corresponde, por definição, à anormalidade inicial e à sua resposta compensatória esperada. Distúrbio misto (metabólico e respiratório) ocorre, por definição, quando o grau de compensação não é adequado ou quando a resposta é maior que a esperada. Isso implica a existência de dois distúrbios diferentes. Isso implica a existência de dois distúrbios diferentes. Por exemplo, vamos supor que um portador de diabetes tipo 1, de 34 anos, deixe de usar insulina. Ocorrerá um acréscimo de cetoácidos em sua circulação, o que levará a uma diminuição do bicarbonato (supondo que o bicarbonato medido foi de 10 mEq/L). A redução do pH levará à estimulação dos quimiorreceptores medulares, aumentando a ventilação alveolar. Dessa forma, em horas, seu PCO2 será alterado de maneira previsível, ou seja, o PCO2 esperado será (1,5 x bicarbonato +8) ± 2, ou seja, o PCO2 esperado = (1,5 x 10 + 8) ± 2 = 23± 2. Assim, se o PCO2 encontrado estiver entre 21 e 25 mmHg, diremos que o paciente apresenta uma acidose metabólica pura (distúrbio simples). Se, contudo, o PCO2 for 18, diremos que ele apresenta um distúrbio misto, acidose metabólica e alcalose respiratória, e devemos procurar uma explicação para esse distúrbio respiratório; por exemplo, uma pneumonia. Se ainda encontrarmos um PCO2 de 28 mmHg, diremos que o indivíduo apresenta distúrbio misto, acidose mista, metabólica e respiratória; pode dever-se à fadiga da musculatura respiratória. ASSOCIAÇÃO DE DISTÚRBIOS METABÓLICOS Os pacientes que procuram o pronto-socorro frequentemente apresentam mais de um distúrbio metabólico. Pensemos, hipoteticamente, em um paciente com insuficiência renal crônica e, portanto, com acúmulo de ácidos fixos. Ele frequentemente apresentará vômitos que causam alcalose metabólica. A combinação dessas duas condições pode levar até mesmo a uma situação em que o pH, o bicarbonato e o PCO2 estejam normais, não obstante o paciente apresente um distúrbio acidobásico misto (acidose metabólica + alcalose metabólica). Para essa interpretação, utiliza-se o conceito de ânion-gap ou hiato iônico, que parte do princípio da eletroneutralidade, ou seja, numa dada solução a soma das cargas aniônicas equivale à soma das cargas catiônicas. Usam-se os três eletrólitos principais do soro, Na+, Cl- e HCO3-. Como o Na+ excede a soma das principais cargas aniônicas, temos o chamado ânion-gap. O ânion-gap (AG) normal fica em torno de 8 a 12 mEq/L. Esse valor pode variar, dependendo do método laboratorial utilizado. Em uma acidose metabólica, temos uma diminuição do bicarbonato; isso só poderá ocorrer se houver aumento do cloro ou do ânion-gap. Dessa forma, há dois tipos de acidose metabólica (acidose hiperclorêmica e acidose por ânion-gap). Na vigência de um ânion-gap aumentado, especialmente quando > 25, pode-se assumir a existência de uma acidose metabólica por aumento do ânion-gap. A abordagem inicial deve incluir história detalhada e exame físico minucioso. Praticamente todos os órgãos e sistemas do organismo podem ser focos de distúrbios dos sistemas ácidos e básicos. Exemplos: • Homem de 55 anos, história de náusea, vômitos, anorexia e perda de peso há um mês. Apresenta hipertensão há 35 anos, com tratamento irregular. Exame físico: pressão arterial = 200 x 120 mmHg, descorado (2+/4+), hálito urêmico. • Mulherde32 anos é levada ao hospital por tentativa de suicídio; familiares afirmam que ela ingerira substância parecida com álcool algumas horas antes. Exame físico: sonolenta, confusa, frequência respiratória = 42 ipm, saturação de oxigênio = 97%. EXAMES COMPLEMENTARES Dependem da história, do exame físico e da(s) hipótese(s) diagnóstica(s). Entretanto, alguns exames úteis para a correta interpretação dos distúrbios dos sistemas ácidos e básicos são: • Gasometria arterial. • Sódio,potássio e cloro. • Glicemia. • Função renal. • Cetoácidos (urina e/ou sangue). • Lactato arterial. • Algumas circunstâncias: cálculo direto da osmolalidade sérica e perfil toxicológico. • Outros: radiografia de tórax, eletrocardiograma, tomografia de crânio etc. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Com o intuito de melhorar o rendimento diagnóstico, recomendamos uma abordagem sistemática dos distúrbios acidobásicos, que inclua: • Ver qual o distúrbio primário (pH,bic,PCO2 e BE). • Ver se o distúrbio é simples ou misto. • Calcular o ânion-gap. • Calcularo delta ânion-gap/delta bic. • Na suspeita de intoxicação aguda, calcular gap osmolar. • Ver se o achado é compatível com o quadro clínico. Por essa abordagem sistemática, é possível diagnosticar qual o distúrbio acidobásico encontrado, mesmo em situações clínicas complexas. ACIDOSE METABÓLICA Inicialmente, devemos calcular o ânion-gap: • Sangue: Na+ - ( Cl- + HCO3-): Acidose metabólica com ânion-gap sérico normal. Acidose metabólica com ânion-gap sérico • Urina: Na+ + K+ - Cl- (eletrólitos medidos na urina): Ajuda na diferenciação entre as acidoses metabólicas com ânion-gap sérico normal. O ânion-gap urinário funciona como uma estimativa da excreção renal de NH4+, que não é rotineiramente medido na clínica. O NH4+ é excretado como NH4Cl, aumentando o Cl urinário, levando a um AG urinário negativo, entre -20 e -50 mEq/L. Ou seja, o rim, quando não é a causa primária da acidose metabólica, excreta ácido na vigência de acidose, como era de se esperar. Nas acidoses hiperclorêmicas de origem renal, por exemplo, insuficiência renal inicial, acidose tubular renal distal (tipo 1) e acidose tubular renal tipo 4 (hipoaldosteronismo hiporreninêmico), o ânion- gap urinário é positivo, indicando um defeito na excreção renal de amônio. Há fatores de confusão que diminuem a acurácia diagnóstica do AG urinário: cetonúria, estados de grande depleção de volume, presença de ânions não usuais na urina (por exemplo, drogas, carbenicilina). ACIDOSE TUBULAR RENAL A acidose tubular renal (ATR), por definição, é uma síndrome clínica caracterizada por hipercloremia, acidose metabólica e prejuízo da acidificação urinária, desproporcional ao déficit de filtração glomerular. Há três tipos clínicos distintos: • Tipo1(distal). • Tipo 2 (proximal). • Tipo4 (hipoaldosteronismo hiporreninêmico). As duas primeiras podem ser congênitas ou adquiridas e associam-se com baixos níveis de potássio, enquanto a tipo 4 é adquirida e associa-se à hipercalemia. O termo acidose tubular renal tipo 3 não é mais usado. ALCALOSE METABÓLICA Pode ser encontrada em diversas situações clínicas e caracteriza-se por: • pH elevado. • Bicarbonato elevado. • PCO2 elevado. • Quase sempre com cloro e potássio baixos. A alcalose metabólica tem uma fase de geração e uma fase de manutenção. A primeira depende de perda de ácido ou de ganho, renal ou não, de base, ou de um hiperaldosteronismo primário. Para a manutenção da alcalose metabólica, o rim necessariamente perde sua capacidade de excretar bicarbonato de forma eficaz, em razão da contração de volume, levando a uma absorção proximal obrigatória de bicarbonato, depleção de cloro e/ou de potássio, PCO2 elevado e hiperaldosteronismo secundário. Na prática clínica, as alcaloses metabólicas mais graves são associadas à contração de volume por perda de ácido gástrico ou pela administração de diuréticos de alça e tiazídicos. Estas são acidoses ditas cloreto-sensíveis. Nas alcaloses cloreto-resistentes, chamam a atenção a hipertensão e a hipopotassemia, ou seja, o restante do quadro clínico. Alcalemia grave, pH > 7,60, pode levar a sintomas neurológicos, como cefaleia, tetania, convulsões, letargia e coma.Há predisposição a arritmias, especialmente em pacientes com cardiopatia de base. A alcalemia deprime a respiração, com hipercapnia e possível ocorrência de hipóxia, além de causar prejuízo agudo da liberação de O2 pela hemoglobina nos tecidos. DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS Na alcalose respiratória raramente ocorre pH >7,55; consequentemente, manifestações graves de alcalemia em geral estão ausentes. A exceção é a síndrome de ansiedade-hiperventilação, em que podem ocorrer manifestações graves. Acidose respiratória aguda frequentemente é uma urgência médica, que será descrita em outro capítulo deste manual. PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO ACIDOSE METABÓLICA: Graus leves de acidose metabólica são agudamente bem tolerados e até conferem certa vantagem fisiológica ao facilitarem a liberação de O2 da hemoglobina na periferia; entretanto, em graus intensos de acidemia (pH < 7,10), a contratilidade miocárdica é deprimida e ocorre diminuição da resistência periférica. O tratamento da acidose metabólica dependerá da causa. Em certas acidoses com AG aumentado (por exemplo, na cetoacidose e na acidose lática), o próprio tratamento da condição de base faz que os ânions orgânicos acumulados sejam, em horas, convertidos em bicarbonato. Isso já não ocorre em acidoses hiperclorêmicas, por exemplo, na diarreia, nem na acidose metabólica com AG aumentado da uremia. Exceto em situações de insuficiência renal ou quando ocorre perda renal ou fecal de álcalis, o uso de bicarbonato de sódio e de outros alcalinizantes é cercado de controvérsias. Não há dados na literatura que permitam indicar ou contraindicar o seu uso, com grau adequado de evidência. O tratamento com álcali nos casos graves é feito com bicarbonato de sódio intravenoso. Lembrar que 1 mL da solução de bicarbonato de sódio a 8,4% tem 1 mEq de HCO3-e 1 mEq de Na+. Como regra disponível em livros-texto, considera-se que: se pH < 7,10 e [HCO3] < 8 mEq/L, devemos repor bicarbonato, não mais do que 50 a 100 mEq ou 1 mEq/kg numa infusão ao longo de duas ou três horas, exceto em condições extremas de acidemia, em que se pode infundir mais rapidamente. Deve-se subir o bicarbonato para 8 ou 10 mEq/L ou o pH para 7,15 ou 7,20. Na vigência, porém, de perda fecal ou urinária de base, devemos ser mais liberais no uso do bicarbonato, procurando manter uma concentração próxima do normal. É difícil prever qual será a alteração do bicarbonato sérico com uma dada infusão, pois o espaço de distribuição do bicarbonato varia com o grau de acidose. Quando esta é muito grave, ele pode chegar a 100% do peso; entretanto, à medida que a acidose é corrigida, ele se aproxima da porcentagem de água corporal (entre 50 e 60% do peso). Geralmente consideramos cerca de 0,6 X peso (kg)X(24 - HCO3-) o déficit total de bicarbonato. Nunca se repõe todo esse déficit. Deve-se calcular a diferença entre o bicarbonato desejado e o encontrado. Em um homem jovem de 70 kg, com diarreia grave e acidose metabólica hiperclorêmica, cuja gasometria mostre um bicarbonato inicial de 4 mEq/L, deve-se calcular uma reposição do bicarbonato para 8 mEq/L, ou seja, 0,6 ! 70 ! (8 - 4) = 168 mEq, que devem ser repostos nas primeiras duas horas, por exemplo, com bicarbonato de sódio a 8,4%, concomitantemente à correção volêmica, lembrando também de verificar o potássio sérico. Se este já estiver baixo, com a correção da acidose ele deverá cair ainda mais. CETOACIDOSE DIABÉTICA A base do tratamento é a insulina,que permitirá o metabolismo dos cetoácidos retidos e impedirá a formação de novos cetoácidos. Os déficits de água, sódio e potássio também devem ser corrigidos. O uso de bicarbonato de sódio é indicado: • pH ! 6,9 e " 7,0: administrar 50 mEq, diluídos em 200 mL de água destilada IV em 1 hora; • pH < 6,9: administrar 100 mEq, diluídos em 400 mL de água destilada IV em 2 horas. CETOACIDOSE ALCOÓLICA Resulta da combinação entre jejum e o efeito direto do álcool, inibindo a neoglicogênese hepática. Ocorre em alcoolistas que param de beber após uma grande ingesta de etanol. O indivíduo não se alimenta por um misto de saciedade, êmese e dor abdominal. Assim, há níveis reduzidos de insulina e elevados de glucagon e de outros hormônios contrarregulatórios, além de depleção de volume. A glicemia costuma ser baixa ou normal. Do ponto de vista metabólico, leva a distúrbios mistos: acidose metabólica, alcalose metabólica (vômitos) e alcalose respiratória por hiperventilação. O tratamento consiste na reposição de volume, carboidrato, potássio, tiamina e outros déficits vitamínicos, além, eventualmente, de magnésio e fósforo. ACIDOSE LÁTICA O objetivo principal do tratamento é conseguir uma perfusão tecidual adequada e identificar e tratar a causa de base. Deve-se instituir a terapia de suporte hemodinâmico e respiratório, se necessário, não se esquecendo das medidas específicas de tratamentoda causa da acidose. Acidose lática é a situação clínica em que há maior controvérsia a respeito do uso de bicarbonato, especialmente na vigência de acidose tipo A. Nessa situação, a maioria dos estudos não mostrou melhora hemodinâmica com o uso do bicarbonato. A carga de bicarbonato de sódio administrada irá, pela lei da ação das massas, levar a um aumento na produção de CO2. Numa situação de ventilação pulmonar comprometida, como na parada cardiorrespiratória, ou numa situação de choque com hipoperfusão tecidual grave, este CO2 gerado tenderá a se difundir para a célula com maior facilidade que o bicarbonato, levando a uma piora da acidose intracelular. Alguns autores afirmam que nunca se deve usar bicarbonato na acidose lática; este é um assunto não resolvido na literatura. Consideramos que se deve utilizar um critério restrito de administração de bicarbonato nas situações de acidose grave, como descrito na regra apresentada, não excedendo 1 a 2 mEq/kg, enquanto se adotam as medidas específicas. Outras terapêuticas aguardam confirmação de eficácia e são recomendadas de rotina. INTOXICAÇÃO POR SALICILATOS Esse tipo de intoxicação causa alcalose respiratória (estimulação do centro respiratório), distúrbio misto (acidose metabólica + alcalose respiratória) ou, mais raramente, acidose metabólica pura (mais observada em crianças). O diagnóstico pode ser sugerido por história de náuseas, zumbidos e exposição a altas doses de aspirina. Usa-se carvão ativado (geralmente na primeira hora da intoxicação) para diminuir a absorção adicional da droga, e alcaliniza-se o sangue com bicarbonato, se necessário, para manter o pH entre 7,45 e 7,50, o que evita a difusão de salicilatos para o cérebro, onde seriam tóxicos. A alcalinização urinária também aumenta a excreção da droga. A hemodiálise é eficiente na remoção do salicilato, sendo indicada nos casos graves, especialmente quando há disfunção renal e/ou riscos associados à alcalinização agressiva (sobrecarga de volume). ALCALOSE METABÓLICA Como em todo distúrbio acidobásico, é primordial o tratamento da doença de base. Em algumas situações, especialmente quando ocorre alcalose mista (respiratória + metabólica), o pH pode elevar-se muito e a própria alcalose pode constituir-se em uma emergência. Nesses casos, com a ocorrência de convulsões e arritmias ventriculares, recomenda-se intubação, sedação e hipoventilação controlada. Pode-se infundir soluções acidificantes, embora isso raramente seja necessário. A simples reposição de volume, suspensão de diurético ou o uso de inibidores de secreção ácida gástrica (bloqueadores H2 ou inibidores da H+-K+-ATPase) costumam ser suficientes para controle da alcalose metabólica. Nos casos em que há depleção de volume, manifestada por sódio urinário < 10 mEq/L, em geral a reposição de soro fisiológico (SF) é suficiente para correção da alcalose, embora o déficit de potássio, frequentemente associado, também deva ser corrigido. Nos pacientes com disfunção renal ou cardíaca grave, o tratamento da alcalose metabólica cloreto-responsiva é mais difícil. Em alguns casos, a diminuição do regime diurético, a introdução de acetazolamida e a administração cuidadosa de SF e KCl podem ser suficientes. Nas alcaloses cloreto-resistentes, raramente ocorre alcalemia grave com risco de morte. GENERALIDADES EM ELETROCARDIOGRAMA O eletrocardiograma normal é composto pela onda P, pelo "complexo QRS" e pela onda T. O complexo QRS é com frequência constituído por três ondas distintas, a onda Q, a onda R e a onda S. A onda P é causada por potenciais elétricos gerados quando os átrios se despolarizam antes da contração. O complexo QRS é causado por potenciais gerados quando os ventrículos se despolarizam antes da contração, ou seja, quando a onda de despolarização se difunde pelos ventrículos. Tanto a onda P como os componentes do complexo QRS. portanto, são ondas de despolarização. A onda T é causada por potenciais gerados enquanto os ventrículos se recuperam do estado de despolarização. Esse processo no músculo ventricular ocorre 0,25 a 0,35 s após a despolarização, sendo esta onda conhecida como onda de repolarização. O eletrocardiograma é, pois, constituído tanto por ondas de despolarização como de repolarização. ONDAS DE DESPOLARIZAÇÃO VERSUS ONDAS DE REPOLARIZAÇÃO Durante o processo de despolarização, o potencial negativo normal no interior da fibra é perdido e o potencial de membrana até se inverte; ou seja, ele fica ligeiramente positivo internamente e negativo externamente. A onda completa é uma onda de despolarização porque decorre da propagação da despolarização por toda a extensão da fibra muscular. RELAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO MONOFÁSICO DO MÚSCULO CARDÍACO PARA COM AS ONDAS QRS E T. O potencial de ação monofásico do músculo ventricular, discutido no capítulo anterior, dura normalmente entre 0,25 e 0,35 s. A deflexão para cima deste potencial de ação é ocasionada pela despolarização, e seu retorno ao nível basal é causado pela repolarização. Note, na parte inferior da figura, o registro simultâneo do eletrocardiograma desse mesmo ventrículo, que mostra a onda QRS aparecendo ao início do potencial de ação monofásico e a onda T aparecendo ao final do mesmo. Observe, em especial, que absolutamente nenhum potencial é registrado no eletrocardiograma quando o músculo ventricular está inteiramente polarizado ou totalmente despolarizado. Somente quando o músculo está parcialmente polarizado ou parcialmente despolarizado é que correntes fluem de uma para outra parte dos ventrículos e, portanto, também para a superfície do corpo para produzir o eletrocardiograma. RELAÇÃO ENTRE A CONTRAÇÃO ATRIAL E VENTRICULAR E AS ONDAS DO ELETROCARDIOGRAMA Antes que possa ocorrer a contração muscular, a despolarização tem de se propagar pelo músculo para dar início aos processos químicos da contração. A onda P ocorre, portanto, imediatamente antes do início da contração dos átrios e a onda QRS imediatamente antes do início da contração dos ventrículos. Os ventrículos permanecem contraídos por até alguns milissegundos após ter havido a repolarização, ou seja, até depois do final da onda T. A onda de repolarização ventricular é a onda T do eletrocardiograma normal. Comumente, o músculo ventricular começa a repolarizar-se em algumas fibras aproximadamente 0,20 s após o início da onda de despolarização, mas, em muitas outras, somente após 0,35 s. O processo de repolarização estende-se, pois, por longo período, cerca de 0,15 s. Por esta razão, a onda T no eletrocardiograma normal é com freqüência uma onda prolongada, mas sua voltagem é consideravelmente menor que a do complexo QRS, em parte devido à sua longa duração. Os átrios se repolarizam aproximadamente 0,15 a 0,20 s após a onda P. Entretanto, isso ocorre exatamente no momento em que a onda QRS está sendo registrada no eletrocardiograma. Em vista disso, a onda de repolarização atrial. conhecida como onda T atrial, é em geral totalmente obscurecida pela onda QRS, muito maior. Por esta razão, a onda T atrial só muito raramente é observada ao eletrocardiograma. CALIBRAÇÃO DA VOLTAGEM E DO TEMPO NO ELETROCARDIOGRAMA Todos os registros eletrocardiográficos são feitos com as linhas apropriadas de calibragem no papel de registro. Essas linhas ou já são marcadas no papel, como ocorre quando é utilizado um aparelho de registro a tinta, ou são registradas no papel ao mesmo tempo que o eletrocardiograma é registrado, como é o caso dos tipos fotográficos de eletrocardiógrafos. As linhas verticais no eletrocardiograma são linhas para a calibração do tempo. Cada 2,5 cm na direção horizontal equivalem a 1 segundo, sendo este segmento, por sua vez, dividido geralmente em cinco partes por linhas verticais escuras; os intervalos entre essas linhas representam 0,20 s. Esses intervalos são. então, divididos em cinco intervalos menores por linhas finas, e cada um deles representa 0,04 s. VOLTAGENS NORMAIS NO ELETROCARDIOGRAMA. A voltagem das ondas no eletrocardiograma normal
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