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INSUFICIÊNCIA CARDÍACA A principal função do coração é ejetar o sangue na quantidade necessária para suprir a demanda metabólica do organismo. Porém, antes é preciso que o coração se encha de sangue. Assim, a insuficiência cardíaca (IC) pode ser definida da seguinte forma: IC é a síndrome clínica decorrente de alterações estruturais e/ou funcionais do coração que resultam em prejuízo ao seu enchimento e/ou esvaziamento, gerando aumento nas pressões intracavitárias que culminam em congestão venocapilar pulmonar e/ou venosa sistêmica, além de poder cursar com baixo débito cardíaco (DC) e má perfusão orgânica. A IC é crônica quando sua evolução é gradual ao longo do tempo. Nenhuma definição de insuficiência cardíaca (IC) resiste ao tempo, pois descobrem-se novos detalhes acerca de possíveis vias etiopatogênicas, demandando constantes atualizações na definição. A IC crônica é subdividida em 2 grupos: 1) ICFEN: IC com fração de ejeção (FE) normal do ventrículo esquerdo (VE), isto é, FE ≥ 50%; 2) ICFER: IC com FE reduzida do VE (FE < 40%). Os termos ICFEN e ICFER substituíram os antigos termos insuficiência cardíaca "diastólica" e "sistólica". Pacientes com FE entre 40-49% possuem FE borderline ou limítrofe/intermediária, e muitos autores os enquadram no conceito de FE normal ou "preservada" (ICFEN). O termo IC "congestiva" (ICC) também vem sendo abandonado, pois nem todo portador de IC apresenta franca congestão cardiocirculatória (nas fases iniciais a doença é assintomática, mas já deve ser identificada e tratada, a fim de evitar sua progressão). Para a American Society of Echocardiography, o valor normal da FE do VE vai de 52-72% no homem (média = 62%) e 54-74% na mulher (média = 64%). Logo, uma FE = 50% não seria exatamente "normal", mas este valor coloca o paciente na categoria "FE preservada". Tal contradição se deve ao dato de que as evidências científicas mostram que o tratamento da IC é benéfico no sentido de reduzir morbimortalidade somente para FE < 40%. Para FE entre 40-49% há controvérsia, e para FE ≥ 50% o tratamento NÃO reduz morbimortalidade. Assim, o ponto de corte (FE < 40%) foi estabelecido com uma finalidade meramente pragmática. 1. EPIDEMIOLOGIA Em média, 1-2% da população apresenta IC e nota-se um aumento exponencial na prevalência com o avançar da idade (até 10% em pessoas > 65 anos). No Brasil, é a principal causa de hospitalização por doença cardiovascular e a 3ª causa geral de internação em idosos. A mortalidade, num episódio de IC descompensada, gira em torno de 5-15%. IC incide mais em homens, porém, a prevalência é igual entre os sexos, devido à maior expectativa de vida das mulheres. A prevalência mundial de IC está aumentando, principalmente pelo aumento da sobrevida dos seus portadores devido às melhorias no tratamento das doenças de base (ex.: coronariopatia, valvopatias, arritmias). ICFER e ICFEN apresentam prevalência semelhante (cada uma responde por ±50% dos casos). Alguns autores afirmam que a ICFER é um pouco mais prevalente (quase 60%). A prevalência do subgrupo com FE borderline não é bem definida. 2. ETIOLOGIA Qualquer condição que altere a estrutura ou função do coração pode causar IC. Logo, a IC representa uma via final comum possível para todos os distúrbios cardiovasculares. A principal etiologia, em ambos os sexos, é a Doença Arterial Coronariana (DAC), responsável por 60-75% dos casos. Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é fator contribuinte em 75%, associando-se à DAC na maioria das vezes. Logo, DAC e HAS são as duas principais causas de IC. Ambas podem gerar ICFER ou ICFEN, na dependência do quanto de miocárdio é perdido (maior a perda, maior a chance de ICFER). Diabetes mellitus é outro fator de risco comumente associado. Abaixo há as etiologias mais comuns de IC de acordo com a FE: ICFER (FE < 40%) ICFEN (FE ≥ 50%) IC DE ALTO DÉBITO Doença coronariana (ex.: IAM, miocárdio hibernante) Doença coronariana Beribéri (deficiência de vit. B1) Sobrecarga de pressão (ex.: HAS, estenoses valvares) HAS Tireotoxicose Sobrecarga de volume (ex.: insuficiências valvares, shunts intra ou extracardíacos) Estenoses valvares Eritrodermia Pneumopatias crônicas (ex.: cor pulmonale, Hipertensão Arterial Pulmonar - HAP) Envelhecimento Anemia grave Cardiomiopatias dilatadas não isquêmicas (ex.: genéticas, infiltrativas, idiopáticas) Cardiomiopatias hipertróficas Insuficiência hepática Cardiotoxicidade (ex.: álcool, cocaína, quimioterápicos) Cardiomiopatias restritivas Fístula arteriovenosa de alto fluxo Distúrbios metabólicos (ex.: deficiência de selênio, cardiopatia periparto). Endomiocardiofibros e Doença de Paget do osso Infecções (miocardite viral, doença de Chagas). Doenças de depósito/infiltrativas Arritmias crônicas (taquicardiomiopatia). Obs.: (1) 20-30% dos casos de ICFER são de etiologia desconhecida (idiopática); (2) em algumas partes do mundo (Ásia e África) a febre reumática ainda responde por parcela significativa das IC, enquanto em outras (América do Sul) a doença de Chagas é particularmente importante; (3) os principais quimioterápicos que lesam o miocárdico são as antraciclinas (ex.: doxorrubicina e daunorrubicina); (4) "taquicardiomiopatia" é uma alteração da contratilidade miocárdica secundária à presença de taquiarritmias persistentes. A “IC de alto débito” na realidade representa um fenótipo incomum de descompensação da IC, isto é, costuma aparecer em corações previamente doentes. A correção do fator precipitante, por conseguinte, nem sempre resolve a cardiopatia do paciente, que continuará tendo baixa reserva cardíaca, seja por ICFER ou ICFEN. O coração NORMAL raramente desenvolve IC de alto débito. A fisiopatologia da IC de alto débito é multifatorial. Em geral, há uma queda acentuada da resistência vascular periférica (com ou sem aumento da demanda metabólica tecidual), o que faz o DC aumentar exageradamente → ↑ trabalho miocárdico. Como o miocárdio já era doente (e pode se tornar ainda mais doente por efeito direto de certas etiologias, como tireotoxicose e deficiência de vit. B1), o maior trabalho cardíaco se dá à custa de um aumento nas pressões de enchimento diastólico (pré-carga ventricular), o que resulta em sinais e sintomas de congestão (pulmonar e/ou sistêmica). Já foram descritas diversas formas de cardiopatia dilatada não isquêmica familiar, geralmente com padrão de transmissão autossômica dominante. Os genes implicados codificam proteínas do citoesqueleto (desmina, miosina, vinculina) ou da membrana nuclear (laminina) do cardiomiócito. Outras vezes, a cardiopatia dilatada aparece no contexto mais amplo de doenças como as distrofias musculares hereditárias (Duchenne, Becker). 3. PROGNÓSTICO A despeito dos avanços terapêuticos, o prognóstico da IC continua ruim (pior até que o de muitas neoplasias metastáticas). Cerca de 30-40% dos pacientes morrem dentro de 1 ano após o diagnóstico de IC sintomática, e 60-70% dentro de 5 anos. Em cerca de metade das vezes a morte é súbita (geralmente por arritmias ventriculares) e no restante por progressão da falência circulatória (choque cardiogênico). O principal determinante prognóstico é a chamada classe funcional. O sistema mais utilizado para estratificar a classe funcional é o escore NYHA (New York Heart Association), que se fundamenta em parâmetros puramente clínicos, conforme mostra a tabela abaixo. Não se observam diferenças significativas em função da FE do VE (isto é, o prognóstico é igualmente ruim para ICFEN ou ICFER com a mesma classe funcional). Existe outra classificação, proposta pelo consórcio ACC/AHA (American College of Cardiology/American Heart Association), que estratifica o prognóstico da IC conforme o estágio evolutivo em que o paciente se encontra, conforme mostra a tabela abaixo. ESTÁGIO DESCRIÇÃO A Pacienteassintomático e SEM alterações estruturais/funcionais cardíacas, mas sob risco de desenvolver IC devido à presença de fatores etiológicos (ex.: HAS, DAC, etc.). B Paciente assintomático COM alterações estruturais/funcionais cardíacas (ex.: HVE, sequela de IAM, valvopatia). C Paciente sintomático e com alterações estruturais/funcionais cardíacas. D Paciente sintomático em repouso apesar de tratamento otimizado, que interna com frequência e apresenta alterações estruturais/funcionais avançadas. 4. FISIOLOGIA Antes de estudar a fisiopatologia da IC vale relembrar alguns conceitos básicos de fisiologia. Diástole é a fase de enchimento ventricular, e Sístole é a fase de ejeção do sangue. Ao término da diástole tem-se o Volume Diastólico Final (VDF), cujo valor normal, no Ventrículo Esquerdo (VE) de um adulto, vai de 80-150 ml (média = 100 ml). O VE saudável, com boa complacência de seus tecidos e relaxamento miocárdico normal, consegue acomodar este volume mantendo uma baixa Pressão Diastólica Final (PDF) ou "pressão de enchimento" (entre 8-12 mmHg). Na sístole (isto é, a cada batimento), cerca de 60 ml (VR: 40-100 ml) são ejetados. Este é o débito sistólico (DS). O volume remanescente no interior do ventrículo logo após o término da sístole é o Volume Sistólico Final (VSF). O débito cardíaco (fluxo de sangue que o coração bombeia por minuto, ou "volume-minuto") é determinado pelo produto da frequência cardíaca com o débito sistólico: DC = FC x DS. Seu valor normal, no adulto, vai de 4,5 a 6,5 l/min. Se dividirmos o DC pela área de superfície corpórea teremos o Índice Cardíaco (VR: 2,8 a 4,2 l/min/m²). Fração de Ejeção (FE) representa o percentual do VDF ejetado pelo DS, ou seja: FE = DS/VDF x 100. Seu valor normal, de forma prática, vai de 50-70%. O DS é determinado por 3 parâmetros independentes (mudanças em qualquer um deles podem alterar o DS independentemente dos demais): 1. Pré-carga; 2. Contratilidade; 3. Pós-carga. O termo pré-carga ventricular se refere essencialmente ao VDF. Este é determinado pelo retorno venoso (fluxo de sangue ao coração durante a diástole), o qual, por sua vez, é determinado pela volemia (volume de sangue no interior do sistema vascular). A Lei de Frank-Starling do coração estabelece que o DS aumenta em proporção à pré-carga ventricular. Quanto maior a pré-carga, maior a distensão dos sarcômeros (unidades contráteis) nas fibrilas miocárdicas. Com os sarcômeros distendidos, miosina e actina deslizam entre si, afastando- se. Estas são as proteínas responsáveis pela formação ativa (com gasto energético) das "pontes cruzadas" que geram a força mecânica da contração. Assim, a distensão do sarcômero cria mais "oportunidades" para a interação entre miosina e actina, permitindo maior geração de força. No entanto, se o sarcômero distender de forma excessiva, miosina e actina terão dificuldade para interagir, e a força contrátil diminui. Assim, a relação entre pré-carga e DS é ascendente até certo ponto. A partir dali o aumento da pré-carga passa a ser deletério, isto é, faz o DS (e consequentemente o DC) despencar (ver figura abaixo). A figura ao lado é uma representação gráfica da Lei de Frank-Starling do coração ("a força desenvolvida durante a contração ventricular é diretamente proporcional ao grau de estiramento a que as fibras miocárdicas estão submetidas imediatamente antes da contração"). No entanto, uma dilatação ventricular excessiva (aumento patológico do VDF, como ocorre nas cardiopatias dilatadas) resulta em perda de força e diminuição do débito cardíaco. Contratilidade miocárdica (inotropismo) é um termo que se refere à modulação da geração de força pelo miocárdio. Dito de outro modo, representa a variabilidade na eficiência energética da contração para um mesmo grau de estiramento da fibra muscular (ou seja, a fibra pode gerar mais ou menos força com a mesma Pré-Carga). A contratilidade é determinada por vários fatores, a maioria deles modificando a quantidade de Ca²+ liberada a partir do retículo sarcoplasmático para o citoplasma do cardiomiócito. Um de seus principais determinantes é o tônus adrenérgico (estimulação de receptores β1 cardíacos). Tais receptores estão ligado à proteína G, que estimula a enzima adenilato ciclase, cuja atividade aumenta os níveis de AMP cíclico intracelular. O AMPc ativa uma série de proteínas dentro da célula, estimulando a liberação de Ca²+ no citoplasma e as interações entre miosina e actina nos sarcômeros, ou seja, aumenta o uso de energia para a geração de força. Bloqueadores de canais de Ca²+ e descargas vagais (parassimpáticas) exercem efeito contrário, isto é, diminuem o inotropismo e a eficiência da bomba cardíaca, reduzindo o DS e o DC para um mesmo grau de pré-carga ventricular. Pós-carga ventricular é um termo que se refere a tudo aquilo que promove resistência à ejeção de sangue do ventrículo. Seu principal determinante é o grau de vasoconstrição das arteríolas periféricas, mas fatores como estenose da valva aórtica e rigidez da parede da aorta tornam-se importantes em algumas doenças. O aumento da pós-carga diminui o DS e, consequentemente, o DC. A dilatação ventricular exagerada também produz aumento da pós-carga, por dificultar a ejeção de sangue devido a uma questão geométrica. O que acontece nesses casos é um aumento na tensão da parede ventricular (T). Para se contrair, o ventrículo tem que vencer a tensão intrínseca de sua parede. Os determinantes de T são expressos pela Lei de Laplace, na qual a tensão da parede ventricular é diretamente proporcional ao raio da cavidade e à pressão intracavitária, e inversamente proporcional à espessura do miocárdio. É por isso que a Hipertrofia do Ventrículo Esquerdo (HVE) representa uma forma de adaptação do coração: ↑ espessura do ventrículo (à custa de uma hipertrofia dos cardiomiócitos) → ↓ tensão em sua parede → ↓ pós-carga e facilita a ejeção de sangue → ajuda a manter o DC dentro da normalidade após um insulto estrutural/funcional (ex.: HAS, estenose aórtica, perda de miócitos após IAM). Obviamente, a própria HVE acaba sendo deletéria: ↓ complacência ventricular → ↑ pressão de enchimento → congestão à montante, além de constituir substrato arritmogênico pela desorganização da citoarquitetura tecidual. A hipertrofia pode ser concêntrica (com diminuição da cavidade) ou excêntrica (com preservação ou aumento da cavidade). 5. FISIOPATOLOGIA 5.1. Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) Esta é a forma cuja fisiopatologia é mais bem compreendida. Tudo começa após um evento índice (ex.: IAM, cardiotoxicidade, expressão de mutações genéticas) levar à perda de cardiomiócitos (alteração estrutural) ou à perda da habilidade dos cardiomiócitos em gerar força mecânica (alteração funcional), isto é, de um modo ou de outro diminui a capacidade do VE em bombear sangue para o corpo. Dependendo da rapidez e extensão do dano inicial, o paciente já pode se tornar sintomático ou permanecer assintomático graças a mecanismos compensatórios eficazes. Diversos sistemas neuro-hormonais são ativados em resposta ao dano miocárdico/queda do débito cardíaco. Em muitos casos o débito cardíaco se recupera e consegue ser mantido numa faixa homeostática, assim permanecendo por período variável (meses-anos). Os principais sistemas neuro-hormonais compensatórios são: 1) Sistema adrenérgico: queda na função sistólica é “sentida” por barorreceptores localizados no próprio coração, arco aórtico e bulbos carotídeos, que ativam reflexamente o sistema nervoso simpático levando à secreção de catecolaminas; 2) Sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA): menor distensão da arteríola aferente do glomérulo, bem como o próprio sistema adrenérgico, estimulam a secreção de renina pelo aparelho justaglomerular; 3) Sistema de citocinas: seus níveis aumentam para contrabalançara ativação dos 2 sistemas anteriores, originadas em vários tecidos, incluindo o próprio coração. Os principais modos pelos quais os 3 sistemas conseguem restaurar temporariamente a função sistólica ventricular são: 1) ↑ aumento do tônus adrenérgico estimula a FC (cronotropismo) e a contratilidade (inotropismo) dos cardiomiócitos funcionantes, além de promover vasoconstrição arteriolar periférica, mantendo a PA; 2) ↑ reabsorção renal de sal e água em resposta à aldosterona e à angiotensina II (que também é vasoconstritora) → ↑ volemia e o retorno venoso → ↑ pré-carga ventricular, o que pela Lei de Frank-Starling faz ↑ DS; 3) Citocinas exercem ação vasodilatadora, contrapondo-se à tendência vasoconstritora imposta pelo excesso de catecolaminas e angiotensina II, preservando a ejeção de sangue do VE (manutenção da pós-carga), além de promover efeito natriurético evitando uma congestão cardiocirculatória exagerada. Dentre os membros do "sistema de citocinas" destacam-se: 1) Peptídeos natriuréticos, como ANP (peptídeo atrial natriurético) e BNP (peptídeo cerebral natriurético); 2) Bradicinina; 3) Óxido nítrico; 4) Prostaglandinas vasodilatadoras, como PGI2 (prostaciclina). Os peptídeos natriuréticos são produzidos no coração (ANP nos átrios e BNP nos ventrículos), e os demais no endotélio vascular. Os peptídeos natriuréticos e a bradicinina são degradados pela enzima neprilisina (atualmente se tornou um importante alvo terapêutico no tratamento da ICFER). Por mecanismos pouco compreendidos, a resposta do sistema de citocinas diminui com o avançar do dano miocárdico. A inibição farmacológica da neprilisina aumenta os níveis de substâncias vasodilatadoras e natriuréticas, restaurando a eficiência deste importante sistema compensatório, o que facilita o desempenho sistólico do coração. Seja como for, havendo ou não sintomas inicialmente, a ativação ininterrupta dos sistemas neuro-hormonais compensatórios culmina no processo de REMODELAMENTO CARDÍACO. Este decorre do efeito tóxico direto da exposição excessiva e prolongada dos cardiomiócitos a substâncias como adrenalina, angiotensina II e aldosterona. Sobrevém lesão adicional (secundária) do miocárdio, com piora da capacidade contrátil e HIPERativação dos sistemas neuro-hormonais compensatórios. Cria- se, assim, um ciclo vicioso, conforme mostra a figura ao lado. O excesso de adrenalina, angiotensina II e aldosterona lesa os cardiomiócitos → hipertrofia compensatória (inicialmente) → sérios prejuízos funcionais e estruturais (posteriormente), como: 1) Disfunção contrátil: desequilíbrios na transcrição gênica → desacoplamento entre excitação-contração, dessensibilização dos receptores β-adrenérgicos, enfraquecimento do citoesqueleto e ↓ metabolismo energético da célula; 2) Necrose/apoptose/autofagia dos cardiomiócitos; 3) Substituição da matriz extracelular organizada por um arcabouço fibrótico irregular que não provê sustentação estrutural para uma adequada atividade contrátil, além de diminuir a complacência tecidual (o ventrículo fica "duro"). O coração se dilata, alterando sua geometria (cujo formato se torna cada vez mais esférico e com paredes cada vez mais finas), o que reduz seu desempenho mecânico. Outro fenômeno (que também diminui a função de bomba) é a insuficiência mitral secundária, devido à dilatação do anel mitral e perda da coaptação dos folhetos valvares. Cumpre ressaltar que o aumento dos referidos mediadores é igualmente tóxico para o sistema vascular periférico. Assim como os cardiomiócitos o endotélio também sofre, surgindo DISFUNÇÃO ENDOTELIAL. Com isso, sobrevém uma tendência generalizada de: (1) vasoconstrição; (2) hipertrofia do músculo liso na parede vascular; (3) estado pró- trombótico. O resultado é um distúrbio adicional de remodelamento da macro e microvasculatura, o que potencializa a disfunção isquêmica de múltiplos órgãos e tecidos. Sem tratamento o paciente evolui inexoravelmente com declínio da função sistólica, à custa de dilatação cardíaca progressiva e ↑ nas pressões de enchimento, surgindo sinais e sintomas de congestão (inicialmente venocapilar pulmonar e, depois, congestão venosa sistêmica), baixo débito cardíaco (astenia, fraqueza, tonteira), terminando em óbito por morte súbita (geralmente taquiarritmias ventriculares, cujo substrato é a fibrose miocárdica que predispõe ao fenômeno de reentrada, especialmente na vigência de aumento do tônus adrenérgico) ou falência circulatória refratária. A base terapêutica da ICFER consiste no bloqueio farmacológico dos mediadores neuro-hormonais (catecolaminas, angiotensina II e aldosterona), além de inibição da neprilisina e/ou uso combinado de hidralazina + nitrato (estratégia de “vasodilatação balanceada”). Todas essas medidas terapêuticas prolongam a sobrevida do paciente com ICFER, revertendo, evitando ou, pelo menos, atrasando o processo de remodelamento cardíaco. Outras classes farmacológicas também podem ser utilizadas no tratamento da ICFER, como os diuréticos de alça (ex.: furosemida) e os cardiotônicos (drogas que ↑ contratilidade, como os digitálicos). No entanto, estas servem apenas para CONTROLE DOS SINTOMAS, não possuindo evidências científicas de redução do remodelamento cardíaco e aumento da sobrevida. Outro sistema neuro-hormonal ativado pela queda do DC por intermédio dos barorreceptores circulatórios é a secreção não osmótica de ADH (vasopressina) → induz a vasoconstrição periférica (atuando em receptores V1 presentes no músculo liso da parede arterial) e a retenção renal de água livre (atuando em receptores V2 no túbulo coletor do néfron). Tal sistema é importante, pois quanto mais grave for a queda do DC maior será a secreção de ADH → hiponatremia. Assim, a hiponatremia (geralmente leve/moderada e assintomática por si só) serve como marcador de mau prognóstico na ICFER, por refletir a piora da função sistólica do VE. 5.2. Insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal (ICFEN) Pouco se sabe sobre os mecanismos fisiopatogênicos da ICFEN. As evidências apontam para a participação de fatores cardíacos (ex.: disfunção diastólica, por diminuição da complacência do tecido miocárdico e déficit de relaxamento ventricular) e extracardíacos (ex.: rigidez vascular periférica, disfunção renal) em sua gênese. Aqui o VE não se dilata, mas em geral sofre hipertrofia concêntrica, com grande aumento nas pressões de enchimento. O relaxamento dos cardiomiócitos é um processo ativo, isto é, consome energia (ATP). Primeiramente, é preciso lembrar que a interação entre miosina e actina necessita da presença de Ca²+ como cofator. O cálcio é liberado no citoplasma pelo Retículo Sarcoplasmático (RS) quando a membrana celular se despolariza (acoplamento "excitação-contração"). Para que haja relaxamento é necessário que miosina e actina se "desgrudem", o que significa que é preciso recolher o Ca²+ do citoplasma. O próprio RS faz isso, através de uma bomba ATPdependente chamada SERCA2A (cálcio ATPase do retículo sarcoplasmático). Alterações no metabolismo energético da célula (ex.: isquemia, exposição excessiva à angiotensina II) reduzem a disponibilidade de ATP, impedindo o cardiomiócito de se "relaxar" adequadamente, o que aumenta as pressões de enchimento diastólico, mesmo sem dilatação cardíaca, gerando congestão a montante (disfunção diastólica por déficit de relaxamento). Outro fator comumente associado é a hiperfosforilação do receptor de rianodina. Esta molécula possui a função de manter o Ca²+ dentro do RS, evitando seu "vazamento" para o citoplasma. Sua disfunção (pela fosforilação) faz aumentar o Ca²+ citoplasmático e, consequentemente, aumenta a formação de pontes cruzadas entre miosina e actina no estado basal, tornando o miocárdio mais "duro" (menos complacente). A aferição precisa da função diastólica, realizada pela medida da pressão diastólicafinal, requer métodos invasivos como o cateterismo de artéria pulmonar e obtenção da pressão de oclusão do capilar pulmonar (PCAP). Na prática ambulatorial, porém, podemos estimar a pressão diastólica final (e, consequentemente, a função diastólica) através da medida do fluxo transmitral pelo ecocardiograma com dopplerfluxometria. O Doppler tecidual (método aplicado à ecocardiografia para avaliar a velocidade de movimentação da parede miocárdica ao nível do anel mitral durante a diástole) é outra ferramenta útil nesse sentido. Ao contrário da ICFER, onde o tratamento previne o remodelamento cardíaco e consegue prolongar a sobrevida do paciente, para a ICFEN até o momento não existe uma estratégia terapêutica que comprovadamente reduza a mortalidade. O que se faz é apenas o tratamento das doenças de base (ex.: HAS, dislipidemia, diabetes mellitus), aliado ao controle dos sintomas (ex.: diureticoterapia para alívio da congestão pulmonar). 6. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 6.1. Sintomas O principal é a dispneia (sensação subjetiva de falta de ar), inicialmente aos esforços, progressiva e, por fim, em repouso. Sua gênese é multifatorial. A maior pressão de enchimento do VE (PDF) é transmitida retrogradamente para o átrio esquerdo (AE) e, daí, para as veias pulmonares, que não possuem valvas que impeçam o refluxo de sangue. A microcirculação pulmonar (no seu “lado” venocapilar) sofre aumento da pressão hidrostática causando transudação de líquido para o interstício pulmonar e alvéolos (edema pulmonar). Receptores J justacapilares são ativados pela diminuição da complacência pulmonar secundária ao edema, e contribuem para a percepção do sintoma. Além disso, o distúrbio vascular generalizado que acompanha a IC (remodelamento da macro e microcirculação) afeta os músculos respiratórios, favorecendo sua fatigabilidade. Com frequência (ex.: pela coexistência de desnutrição e/ou doença renal crônica) o paciente possui anemia, o que também diminui o limiar para o surgimento de dispneia. Ortopneia é a dispneia que surge com o decúbito dorsal, sendo uma queixa mais tardia na evolução da doença e que possui relativa especificidade para IC (na ausência de obesidade mórbida, ascite volumosa e/ou DPOC avançada, ortopneia indica IC até prova em contrário). Seu mecanismo é o aumento do retorno venoso ao decúbito (a partir dos MMII e circulação esplâncnica), o que aumenta a pressão de enchimento do VE e agrava a congestão venocapilar pulmonar de forma rápida. O paciente obtém alívio com elevação da cabeceira (para dormir ele utiliza mais de um travesseiro, ou dorme sentado). Uma forma mais dramática de expressão destes mesmos fenômenos é a Dispneia Paroxística Noturna (DPN), na qual o paciente desperta 1-3h após se deitar, apresentando intensa tosse e falta de ar, com necessidade de se levantar da cama para melhorar. Diferentemente da ortopneia, onde a ortostase alivia de imediato a dispneia, na DPN o sintoma persiste por alguns minutos mesmo após o paciente se levantar. Em alguns indivíduos, principalmente durante os episódios de DPN, ocorre edema proeminente da mucosa brônquica, reduzindo o calibre das pequenas vias aéreas de modo a acrescentar um componente de obstrução ao fluxo aéreo. Costuma, inclusive, haver sibilos na ausculta desses doentes ("asma cardíaca"). A piora aguda da função do VE, por qualquer motivo, pode desencadear Edema Agudo de Pulmão (EAP), um súbito agravamento da congestão pulmonar que pode evoluir com insuficiência respiratória aguda. Causas comuns no portador de ICFER são: 1) SCA; 2) Aumentos súbitos da pós-carga, como na vasoconstrição periférica pelo uso inadvertido de simpatomiméticos; 3) Arritmias, como a fibrilação atrial (FA) aguda. Na fibrilação o miocárdio atrial não se contrai de forma organizada, “sobrando” mais sangue no interior do AE de modo a aumentar a congestão venocapilar pulmonar. Além disso, na presença de taquicardia, o tempo de enchimento diastólico do VE diminui, o que também faz “sobrar” mais sangue no AE. Além disso, a principal causa de insuficiência do coração direito é a insuficiência do coração esquerdo. Na maioria das vezes a IC afeta inicialmente o VE → congestão venocapilar pulmonar. O lado arteriocapilar da circulação pulmonar “reage”, primeiramente com vasoconstrição e, depois, com remodelamento (hipertrofia do músculo liso na parede das arteríolas). O estreitamento luminal → ↑ resistência vascular pulmonar → sobrecarga do VD por ↑ de pós-carga → ↑ pressões intracavitárias. Com o tempo, o VD desenvolve insuficiência sistólica, como o VE, e o quadro passa a ser de insuficiência biventricular. Curiosamente, a dispneia costuma diminuir neste momento, pois o VD bombeia menos sangue para os pulmões → ↓ pressão hidrostática nos capilares alveolares → ↓ transudação de líquido e o edema pulmonar. Pode surgir insuficiência tricúspide, pela dilatação do anel valvar e má coaptação de seus folhetos → ↓ DS do VD. Assim, na evolução de uma Insuficiência Ventricular Esquerda (IVE), o quadro inicialmente marcado por sinais e sintomas de congestão pulmonar acaba se transformando num quadro com sinais e sintomas mais proeminentes de congestão venosa sistêmica (ex.: TJP, hepatomegalia, derrame pleural, ascite, edema de MMII). Respiração de Cheyne-Stokes (“respiração cíclica”): presente em até 40% dos portadores de ICFER avançada, é caracterizada por uma HIPERSENSIBILIDADE dos centros respiratórios bulbares à pCO2 associado à LENTIFICAÇÃO do fluxo circulatório. Ocorre inicialmente uma fase de apneia em que a pCO2 aumenta (hipercapnia). O centro respiratório bulbar demora a "perceber" isso devido ao tempo circulatório prolongado. Quando este centro (que está hipersensível) reage, a resposta exagerada (fase de hiperpneia progressiva) acaba causando queda da pCO2 (hipocapnia), que também demora a ser "percebida". Na sequência sobrevém a fase de hipopneia progressiva, até culminar em nova apneia, e assim sucessivamente. É comum a respiração de Cheyne-Stokes aparecer durante o sono, confunde com DPN (mas no Cheyne-Stokes o paciente não precisa acordar e se levantar). Outro sintoma cardinal da IC é a fadiga, cuja origem é igualmente multifatorial. A disfunção generalizada da musculatura esquelética devido ao remodelamento vascular predispõe à atrofia e fatigabilidade. A anemia, quando presente, é outro fator contribuinte. Por fim, a própria queda do DC, ao hipoperfundir a musculatura, reduz a capacidade dos músculos em gerar energia. Tudo isso, aliado ao sedentarismo do doente (que intuitivamente tenta evitar a ocorrência de sintomas), à desnutrição (anorexia e má-absorção intestinal por congestão venosa do tubo digestivo), e ao estado inflamatório sistêmico que acompanha a disfunção endotelial (com aumento de citocinas como o TNF-α, que estimula o catabolismo tecidual), contribui para a perda de massa muscular, que pode culminar no estado de caquexia cardíaca. Caquexia cardíaca é uma perda ponderal involuntária do paciente com IC avançada superior a 6% do peso basal em período ≤ 6 meses. Os níveis de IMC ficam < 21 kg/m² em homens e < 19 kg/m² em mulheres. É um sinal de péssimo prognóstico, e constitui fator de risco para mortalidade mesmo nos pacientes que recebem um transplante de coração. Queixas gastrointestinais são comuns, seja pela hepatomegalia congestiva (dor no QSD do abdome; anorexia, náuseas e saciedade precoce por restrição ao enchimento gástrico), seja pelo edema da parede intestinal (dor e distensão abdominal, má absorção de nutrientes e agravamento da desnutrição). Na ICFER avançada, em particular no paciente mais idoso, que com frequência possui arterioesclerose cerebral, manifestações neuropsiquiátricas (desorientação, alteração do ciclo sono-vigília e distúrbios do humor e da personalidade) podem refletir má perfusão cerebral. A noctúria (acordar para urinar > 2x)é secundária à exacerbação da secreção de peptídeos natriuréticos em resposta ao aumento do retorno venoso pelo decúbito, e contribui para a insônia do paciente. 6.2. Sinais • Ectoscopia e sinais vitais: a aparência geral do paciente varia conforme a gravidade da IC. No início pode não haver anomalias, mas nas fases avançadas temos um indivíduo dispneico em repouso (que não consegue se deitar ou falar frases completas) apresentando franca caquexia (perda de massa muscular e aspecto debilitado). A PA pode ser normal ou alta nas fases iniciais, mas na IC avançada ela geralmente está diminuída, com baixa pressão de pulso (diferença entre PA sistólica e diastólica, devido à queda do DS). Na ausência de tratamento, em função da hiperatividade adrenérgica, encontramos taquicardia sinusal e sinais de vasoconstrição periférica, como extremidades frias, pálidas e às vezes cianóticas (lentificação da circulação). O tempo de enchimento capilar estará aumentado nestes casos. A pressão de pulso proporcional é definida pela fórmula 𝑷𝑨𝑺−𝑷𝑨𝑫 𝑷𝑨𝑺 . Valores < 0.25 (25%) sugerem um índice cardíaco < 2,2 L/min/m², ou seja, grave comprometimento hemodinâmico. Na ICFER muito grave pode surgir o clássico pulso alternans. Após uma contração sistólica eficaz a capacidade contrátil não se recupera de imediato, seguindo-se uma contração menos eficaz. A pressão de pulso passa a variar a cada batimento, o que pode ser percebido pela palpação (amplitude variável do pulso arterial). O pulso total alternans representa o extremo deste fenômeno, isto é, após cada batimento a contração subsequente não gera fluxo, o que faz a FC contada no pulso periférico ser a metade daquela contada no precórdio. • Veias jugulares: as jugulares internas podem estar ingurgitadas com o paciente inclinado a 45º (turgência jugular patológica - TJP), refletindo o aumento na pressão venosa central (pressão no interior do átrio direito). Este é o sinal mais importante para a identificação clínica de congestão circulatória sistêmica. A presença de onda v gigante no pulso venoso jugular indica insuficiência tricúspide. Nas fases iniciais da IC as jugulares podem ser normais, porém, a compressão da região mesogástrica durante cerca de 15 segundos pode desencadear TJP, um sinal conhecido como refluxo abdominojugular positivo. O termo “refluxo hepatojugular” foi abandonado, pois na realidade o aumento do retorno venoso com a manobra é oriundo de toda a circulação esplâncnica, e não somente do leito hepático. Como estimar a Pressão Venosa Central (PVC) no exame físico: (1) localize o ponto mais alto de oscilação da veia jugular interna (ponto acima do qual a jugular encontra-se colabada); (2) utilizando o ângulo esternal como referência (ângulo de Louis ou junção manubrioesternal) meça a altura daquele ponto; (3) ao valor medido, acrescente 5 cm (distância fixa entre o ângulo esternal e o centro do átrio direito). O resultado será expresso em cmH2O. O normal é uma PVC < 8 cmH2O. • Ausculta pulmonar: estertores inspiratórios indicam a presença de fluido no interior dos alvéolos. Devido à força gravitacional os estertores predominam nas regiões dependentes (em ortostase = estertores bibasais). A altura dos campos pulmonares até onde os estertores são audíveis se relaciona com a intensidade da congestão (ex.: no EAP pode haver estertores até nos ápices pulmonares). Sua qualidade acústica também se relaciona com a quantidade de líquido. Alguns autores utilizam os termos estertores “finos” ou crepitações (pouco líquido) e “grossos” ou bolhosos (muito líquido). Vale dizer que os estertores só são esperados nas fases avançadas da IC. Mesmo com IC sintomática (dispneia) muitos pacientes não apresentam estertores, devido a um aumento adaptativo da drenagem linfática pulmonar. Logo, a ausência de estertores pulmonares no exame físico NÃO permite afastar o diagnóstico de IC. Na DPN e no EAP pode haver sibilos expiratórios (“asma cardíaca”). O diagnóstico de EAP é clínico, sendo estabelecido no paciente agudamente taquidispneico (com uso de musculatura acessória) que apresenta sinais e sintomas de congestão pulmonar grave (ortopneia, estertores acima da metade inferior dos campos pulmonares). Pode haver hipoxemia e cianose. Em casos extremos uma secreção rósea e espumosa é expectorada: trata-se do próprio transudato alveolar que está “inundando” os pulmões do paciente. Derrame pleural só costuma aparecer quando há insuficiência biventricular, pois a drenagem venosa das pleuras é feita tanto para a circulação pulmonar (comprometida na IVE) quanto para a circulação sistêmica (comprometida na IVD). O derrame costuma ser bilateral, porém, tende a ser maior à direita, pois a drenagem linfática das pleuras direitas é naturalmente menos abundante que a das pleuras esquerdas. Como regra, um derrame pleural isolado à ESQUERDA não pode ser explicado apenas por IC. Logo, mesmo na ausência de outra suspeita clínica, tal achado nos obriga a realizar uma toracocentese diagnóstica no portador de IC. Já um derrame pleural isolado à DIREITA, na ausência de outra suspeita clínica, não necessariamente demanda toracocentese diagnóstica no portador de IC (pode-se tentar a diureticoterapia, realizando a toracocentese somente se não houver regressão do derrame). • Exame do precórdio: a dilatação do VE desloca o ictus cordis para baixo e para a esquerda (abaixo do 5º EIC e à esquerda da linha hemiclavicular, respectivamente), o que em geral é acompanhado de aumento em sua área (ocupando > 2 espaços intercostais). Na HVE o ictus cordis se torna “sustentado” (mais forte e duradouro), sem necessariamente se deslocar. A dilatação e a hipertrofia do VD produzem uma elevação para-esternal esquerda difusa e sustentada (erroneamente chamada por alguns de “ictus de VD” – aqui não se está palpando a “ponta” do VD e sim sua parede anterior, logo, não é certo utilizar o termo “ictus”). A primeira bulha cardíaca pode se tornar HIPOfonética quando o VE perde força contrátil, e a segunda bulha costuma ficar HIPERfonética, devido à hipertensão pulmonar. A terceira bulha cardíaca (B3 ou galope protodiastólico) pode ser auscultada (e até mesmo palpada) na disfunção sistólica, enquanto a quarta bulha (B4 ou galope pré-sistólico) está presente na disfunção diastólica. Pode haver sopros de insuficiência mitral e/ou tricúspide secundária. • Abdome e extremidades: hepatomegalia (geralmente dolorosa, pela distensão da cápsula hepática) está presente nos quadros de congestão sistêmica importante. Pulsações perceptíveis na borda hepática (“pulso hepático”) indicam insuficiência tricúspide. A congestão hepática crônica pode causar hipóxia e necrose centrolobular, levando à cirrose cardiogênica. O paciente desenvolve ascite (congestão nas veias hepáticas e sistema porta, além das veias do peritônio) e icterícia (com predomínio de bilirrubina direta) como achados tardios. No indivíduo que deambula, a congestão venosa sistêmica provoca edema simétrico, mole, frio e indolor nos MMII. Edema crônico dos MMII pode resultar em dermatite ocre (pele dura e escurecida). No paciente acamado, o edema predomina na região sacral e no escroto/grandes lábios. A cirrose cardiogênica é rara, pois em geral a cardiopatia mata o paciente antes que ele se torne cirrótico. 7. EXAMES COMPLEMENTARES O diagnóstico de IC não costuma ser difícil quando o paciente apresenta sinais e sintomas clássicos e possui fatores de risco. No entanto, é importante salientar que os sinais e sintomas de IC não são sensíveis nem específicos, quer dizer, não estão presentes em todos os casos (principalmente no início da disfunção cardíaca), assim como eventualmente podem ter outras explicações que não a IC. Muitos portadores de disfunção sistólica do VE são assintomáticos (pois encontram-se na “fase compensada”). Desse modo, é preciso um alto grau de suspeiçãoclínica, solicitando exames complementares adequados. Mesmo nestes casos o tratamento deve ser instituído, a fim de evitar a progressão do remodelamento cardíaco. A seguir abordaremos o uso de exames complementares no diagnóstico e avaliação geral da IC. 7.1. Laboratório 1. Hemograma; 2. Hepatograma; 3. Lipidograma; 4. Função renal; 5. Eletrólitos; 6. Glicemia; 7. Hormônios tireoideanos; 8. EAS; 9. Sorologia para doença de Chagas (se suspeita clínico-epidemiológica). 7.2. ECG Um ECG normal afasta a existência de disfunção sistólica do VE. Todo portador de IC deve realizar um ECG de 12 derivações a fim de verificar o ritmo cardíaco (ex.: fibrilação atrial?), a presença de sequelas de infarto (ex.: onda Q patológica?) e/ou sinais de sobrecargas de câmaras (ex.: HVE?). O padrão de alterações também pode sugerir etiologias específicas (ex.: BRD + HBAE = suspeita de cardiopatia chagásica). Outro dado importante é a duração do complexo QRS. Conforme será visto adiante, portadores de ICFER grave (FE ≤ 35%) e refratária ao tratamento clínico se beneficiam da terapia de ressincronização cardíaca se apresentarem QRS muito alargado (≥ 150 ms). 7.3. RX de tórax A RX simples em PA e perfil avalia a silhueta cardíaca, permitindo identificar aumentos camerais. A cardiomegalia é inicialmente denunciada pelo aumento do índice cardiotorácico, que fica acima de 0,5 (coração ocupa > 50% do diâmetro do tórax). Na incidência em PA, quando a ponta do coração “mergulhar” na hemicúpula diafragmática esquerda teremos um aumento predominante do VE. Se a ponta do coração se elevar (aspecto “em bota”), o aumento predominante será do VD. Na incidência em perfil, o aumento de VE é notado pela dilatação da borda cardíaca posterior (que ultrapassa em mais de 2 cm, em sentido posterior, a sombra da veia cava inferior). O aumento de VD estará presente se a borda cardíaca anterior ocupar > 1/3 da porção inferior do espaço retroesternal. A congestão produz diversas alterações no parênquima pulmonar. Um sinal precoce é o surgimento das linhas B de Kerley pequenas linhas paralelas ao diafragma localizadas na região justapleural dos campos pulmonares inferiores (representam vasos linfáticos subpleurais ingurgitados). Os septos interlobares também podem ficar espessados pelo edema. Pode haver a chamada “inversão da trama vascular pulmonar”, isto é, os vasos sanguíneos ficam mais calibrosos nos ápices do que nas bases pulmonares, devido ao edema intersticial mais intenso nas regiões dependentes, o que comprime os vasos basais (o normal seria os vasos basais terem calibre 3x maior que os vasos apicais). Um maior acúmulo de líquido passa a ser visto como um infiltrado intersticial bilateral (inicialmente peri-hilar). No edema pulmonar avançado, além de infiltrado intersticial evidencia-se a coexistência de infiltrado alveolar (líquido dentro do espaço aéreo). O derrame pleural, no paciente em ortostase, “apaga” os seios costofrênicos, e quando volumoso produz a parábola de Damoiseau. Se o paciente estiver deitado no leito (incidência em AP) o derrame “se espalha por baixo dos pulmões”, produzindo uma hipotransparência homogênea e difusa por todo o campo pulmonar. Não se esqueça que na IC o derrame pleural costuma ser bilateral, mas é sempre mais intenso à DIREITA (no paciente deitado o pulmão direito fica difusamente mais hipotransparente que o pulmão esquerdo). Eventualmente o RX de tórax sugere causas não cardíacas para os sintomas (ex.: enfisema pulmonar). Vale lembrar que a ausência de sinais de edema pulmonar não afasta a possibilidade de IC, pois nas fases iniciais ocorre um aumento adaptativo na drenagem linfática! De modo análogo, a ausência de cardiomegalia não afasta a possibilidade de disfunção sistólica e/ou diastólica, pois nas fases iniciais o tamanho cardíaco pode se manter dentro da normalidade. O tumor fantasma é uma forma caprichosa de derrame pleural de formato arredondado em que o líquido se acumula nas cissuras interlobares. A diureticoterapia faz esse "tumor" desaparecer quando o Rx é repetido. Tal achado também é mais frequente à direita. 7.4. Ecocardiograma O ecocardiograma transtorácico é um exame obrigatório na atualidade para o manejo da IC, servindo como “divisor de águas” ao definir se o quadro é de ICFER ou ICFEN. Não só permite confirmar o diagnóstico (às vezes sugerindo uma etiologia específica) como também fornece informações prognósticas relevantes. Com ele consegue-se avaliar, de forma rápida e não invasiva, a estrutura do coração (aumentos camerais, hipertrofias, disfunções valvares, alteração global ou segmentar da contratilidade), bem como as funções sistólica (fração de ejeção) e diastólica (dopplerfluxometria transmitral e/ou tecidual). O pericárdio e os vasos da base (artéria pulmonar e aorta) também podem ser analisados. O “eco” ainda pode detectar a presença de trombos intracavitários (ex.: no interior do VE no pós-IAM recente). Recomenda-se que um ecocardiograma transtorácico seja obtido inicialmente em todo portador de IC, devendo-se repetir tal exame, em particular nos casos de ICFER, após um período de 3-6 meses de tratamento com drogas modificadoras de doença, a fim de demonstrar a ocorrência de “remodelamento reverso” e permitir uma reestratificação do prognóstico. Outra indicação de repetir o exame seria na vigência de mudanças evolutivas no quadro clínico, bem como durante as descompensações agudas. Contudo, é importante salientar que a repetição rotineira do ecocardiograma a intervalos regulares, num paciente clinicamente estável e aderente ao tratamento, NÃO É necessária! O ecocardiograma transesofágico só deve ser solicitado em situações específicas, como na presença de valvopatias (pois permite melhor detalhamento anatômico para o planejamento terapêutico), cardiopatias congênitas complexas, suspeita de dissecção aórtica ou endocardite infecciosa, e para afastar a presença de trombo na auriculeta do AE em pacientes com FA que serão submetidos à cardioversão elétrica. 7.5. Outros métodos de imagem A RNM (“cardio-RM”) também permite uma avaliação não invasiva da estrutura e função cardíaca, e atualmente representa o método “padrão-ouro” para a quantificação dos volumes, da massa miocárdica e da FE de ambos os ventrículos. Diferentes técnicas de obtenção da imagem podem auxiliar na elucidação da etiologia (ex.: revelando áreas de infarto/fibrose, depósitos amiloides, hemocromatose, etc.). A cardio-RM representa ainda o método de escolha para determinar viabilidade miocárdica nos casos de cardiopatia isquêmica (a presença de realce tardio, isto é, permanência do contraste em determinada porção do miocárdio, identifica a necrose irreversível num segmento que apresenta alterações de contratilidade). As principais limitações do método são: 1. Alto custo e baixa disponibilidade; 2. Claustrofobia; 3. Presença de próteses ou implantes com material ferrimagnético; 4. Contraindicação do contraste (gadolíneo) em indivíduos com clearance de creatinina < 30 ml/min, pelo risco de fibrose sistêmica nefrogênica. 7.6. Biomarcadores Os níveis séricos de BNP e NT-ProBNP (peptídeos natriuréticos) aumentam tanto na ICFER quanto na ICFEN (mais na ICFER). Os pontos de corte em pacientes ambulatoriais são: BNP > 35- 50 pg/ml e NT-ProBNP > 125 pg/ml. Sua grande utilidade é nos casos de dúvida diagnóstica (ex.: quando não fica claro, após exame clínico minucioso, se a causa da dispneia é cardíaca ou pulmonar → níveis reduzidos de BNP ou NT-ProBNP afastam causa cardíaca). A magnitude do aumento tem significado prognóstico (níveis mais altos = pior prognóstico). É importante frisar, todavia, que a dosagem desses marcadores não é obrigatória para o manejo terapêutico. A titulação da farmacoterapia pode ser feita observando-se apenas a resposta clínica: melhora dos sinais esintomas. Não se recomenda ajuste na dose dos medicamentos somente pela evolução dos níveis de peptídeos natriuréticos. Ensaios clínicos de grande porte não mostraram qualquer vantagem com tal estratégia. Existem limitações para o uso de BNP e NT-ProBNP. Seus níveis também aumentam (independentemente da função do VE) na vigência de: (1) anemia; (2) DRC; (3) idade avançada; (4) sexo feminino; (5) falência isolada do VD. O uso de inibidores da neprilisina aumenta os níveis de BNP, mas não de NT-ProBNP. Logo, se um usuário de valsartan sacubitril precisar dosar os níveis séricos de peptídeo natriurético, deve-se escolher o NT-ProBNP. Em obesos, tanto os níveis de BNP quanto os de NT-ProBNP podem estar falsamente reduzidos. 7.7. Teste de esforço (teste ergométrico) Não é rotina para avaliar a capacidade funcional do portador de IC, pois ela é avaliada com facilidade pelo escore NYHA. O teste de esforço possui um papel específico na IC: avaliar a elegibilidade para o transplante cardíaco. Pacientes com IC avançada e pico de consumo de O2 durante esforço (VO2 máx.) ≤ 14 ml/kg/min apresentam péssimo prognóstico, esperando-se maior sobrevida com o transplante do que com o tratamento medicamentoso. 8. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Existem dois principais critérios validados para auxiliar no diagnóstico de IC: Framingham (mais utilizado) e Boston. CRITÉRIOS DE FRAMINGHAM PARA O DIAGNÓSTICO DE IC MAIORES MENORES 1. DPN 1. Edema bilateral de MMII 2. TJP 2. Tosse noturna 3. Estertores pulmonares 3. Dispneia aos esforços ordinários 4. Cardiomegalia na RX de tórax (IC > 50%) 4. Hepatomegalia 5. EAP 5. Derrame pleural 6. B3 6. Redução da capacidade funcional em 1/3 da máxima registrada previamente 7. PVC > 16 cmH2O 7. FC > 120 bpm 8. Refluxo abdominojugular 9. Perda ponderal > 4,5 kg em 5 dias em resposta ao tratamento DIAGNÓSTICO: 2 critérios maiores OU 1 critério maior + 2 menores CRITÉRIOS DE BOSTON PARA O DIAGNÓSTICO DE IC CATEGORIA CRITÉRIOS PONTOS I HISTÓRIA 1. Dispneia em repouso 4 2. Ortopneia 4 3. DPN 3 4. Dispneia ao caminhar no plano 2 5. Dispneia ao subir escadas 1 II EXAME FÍSICO 1. FC 91-110 bpm 1 2. FC > 110 bpm 2 3. PVC > 6 cmH2O 2 4. PVC > 6 cmH2O + hepatomegalia ou edema de MMII 3 5. Estertores restritos às bases pulmonares 1 6. Estertores acima das bases pulmonares 2 7. Sibilos 3 8. B3 3 III RX DE TÓRAX 1. Edema alveolar 4 2. Edema intersticial 3 3. Derrame pleural bilateral 3 4. Índice cardiotorácico (ICT) > 0,50 3 5. Redistribuição de fluxo para lobos superiores 2 Diagnóstico definitivo: entre 8-12 pontos Diagnóstico possível: entre 5-7 pontos Diagnóstico improvável: ≤ 4 pontos 9. TRATAMENTO O tratamento da ICFER evoluiu de uma estratégia de controle dos sintomas para a possibilidade de efetivamente modificar a história natural da doença, evitando o remodelamento cardíaco e prolongando a sobrevida do paciente. O mesmo não aconteceu com a ICFEN, para a qual ainda não há tratamento que comprovadamente aumente a sobrevida. 9.1. Tratamento da ICFER 1. Drogas que prolongam a sobrevida: a base racional da terapia da ICFER consiste no bloqueio da resposta neurohormonal que leva ao remodelamento cardíaco. Assim consegue-se prolongar a sobrevida do paciente, modificando a história natural da doença, além de melhorar a qualidade de vida (ex.: menos sintomas, menor taxa de hospitalização). As duas principais medidas de bloqueio neuro-hormonal são o uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e β-bloqueadores (BB). Metanálises de ensaios randomizados mostraram uma redução de mortalidade da ordem de 23% com os IECA em monoterapia, somando-se mais 35% com a associação de BB (total = queda de 58% na mortalidade). Qualquer IECA possui efeito benéfico. Já os BB não, pois alguns membros dessa classe não reduzem mortalidade na ICFER (ex.: drogas com atividade simpatomimética intrínseca, como bucindolol e xamoterol, pelo contrário, aumentam a mortalidade). Na realidade, há benefício na ICFER com três BB específicos: carvedilol, metoprolol e bisoprolol. Vale ressaltar que os efeitos benéficos dos BB são tardios (levam meses para ser notados). Qualquer IECA pode ser usado no tratamento da ICFER, mas somente 3 BB possuem benefício confirmado: carvedilol, metoprolol e bisoprolol. A combinação IECA + BB deve ser prescrita para todo paciente que apresenta queda significativa na FE do VE (< 40%), incluindo aqueles que se encontram ASSINTOMÁTICOS. O tratamento é importante mesmo nestes casos, pois evita a progressão do remodelamento cardíaco e o surgimento de sintomas no futuro. Não faz diferença começar com IECA ou BB. O importante é que as duas medicações sejam ministradas oportunamente e que suas doses sejam tituladas até a dose “alvo” (que mostrou benefício nos estudos). Inicia-se com uma dose baixa e, se o paciente tolerar, o aumento nas doses pode ser feito a cada 2 semanas. IMPORTANTE: caso o paciente apresente congestão pulmonar (ex.: ortopneia, crepitações), antes de iniciar o BB deve-se controlar a hipervolemia com diuréticos de alça ("primeiro dar uma secada no paciente, só depois introduzir o BB"). Os BB, por exercerem ação inotrópica negativa, pioram a congestão pulmonar do paciente cuja função sistólica se encontra gravemente comprometida. A melhora da hipervolemia, ao reduzir a pré-carga excessiva, o que também acaba reduzindo a dilatação ventricular e a pós-carga (pela Lei de Laplace), reduz o impacto do efeito inotrópico negativo dos BB, permitindo sua introdução com mais segurança. Alguns pacientes não toleram a introdução ou a titulação de doses dos IECA e BB. Tal característica (intratabilidade clínica) revela um grau mais avançado de disfunção ventricular e, consequentemente, indica pior prognóstico. Os bloqueadores do receptor AT1 de angiotensina II (BRA) podem ser usados no lugar dos IECA caso o paciente apresente intolerância exclusiva a estes últimos (ex.: tosse, presente em até 20% dos usuários; angioedema, presente em < 1%). Os BRA também reduzem mortalidade e não são inferiores aos IECA no tratamento da ICFER. Observações: a. Em relação a paraefeitos como hipotensão arterial, insuficiência renal aguda e/ou hipercalemia, não adianta trocar o IECA por BRA (ou vice-versa), pois tais efeitos acontecem com ambas as classes. Tolera-se um aumento da creatinina de até 50% do valor basal, ou até um valor absoluto de 3 mg/dl, ou um ClCr estimado > 25 ml/min sem necessidade de reduzir dose dos IECA ou BRA. Se o K+ sérico ultrapassar 5,5 mEq/L, a creatinina ultrapassar 3,5 mg/dl e/ou o ClCr estimado ficar < 20 ml/min, tais drogas devem ser SUSPENSAS. b. Asmáticos e portadores de DPOC não estão proibidos de usar um BB para tratar a ICFER. Se não houver história de intolerância a essas drogas, seu uso cuidadoso pode e deve ser tentado, devido aos benefícios cardíacos. A preferência dentre os BB é o bisoprolol, que possui maior seletividade para os receptores β-1, logo, tem menos chance de causar broncoespasmo. Antagonistas da aldosterona (AA) devem ser associados à dupla IECA/BRA + BB no paciente com ICFER sintomática. A espironolactona foi validada para pacientes com ICFER classe funcional NYHA III e IV. Na prática, usa-se espironolactona para portadores de ICFER a partir da classe funcional NYHA II. Os AA comprovadamente reduzem a mortalidade (especialmente por morte súbita), bem como o número de hospitalizações. Seu principal efeito benéfico é a redução da apoptose e da fibrose miocárdica (relacionadas ao excesso de aldosterona). Dentre seus efeitos colaterais sobressai a hipercalemia, especialmente em pacientes que já possuíam doença renal crônica (DRC) prévia. Deve-se evitar o uso de espironolactona em pacientes com creatinina > 2,5 mg/dl ou K+ sérico persistentemente elevado. O alisquireno (inibidordireto da renina) não mostrou benefício no tratamento da ICFER, tanto em monoterapia quanto em associação com IECA/BRA + BB. A “vasodilatação balanceada” (arterial e venosa), combinando-se hidralazina com nitrato (dinitrato de isossorbida), é considerada uma opção de terapia modificadora de doença para pacientes que não toleram o uso de IECA/BRA (ex.: disfunção renal avançada). O benefício da vasodilatação balanceada sobre a mortalidade é comparativamente inferior ao dos IECA (ou BRA), mas tende a ser maior em negros. De qualquer modo, pode ser ACRESCENTADA ao tratamento do paciente que já usa IECA/BRA + BB + AA e mesmo assim continua sintomático. Nestes casos observa-se uma redução adicional de mortalidade e do número de hospitalizações. Recentemente uma nova droga mostrou reduzir a mortalidade na ICFER, o sacubitril. É um inibidor da neprilisina (enzima que degrada o BNP e a bradicinina). Seu efeito, portanto, parece ser mediado por um aumento de peptídeos natriuréticos e vasodilatadores. O fármaco que foi validado nos estudos é uma combinação de valsartan (BRA) + sacubitril, o LCZ-696 (Entresto). Recomenda-se substituir o IECA pelo LCZ-696 caso a ICFER continue sintomática a despeito do uso de IECA em dose plena. Se o paciente estava em uso de IECA e resolve-se trocar por sacubitril/valsartan, é preciso aguardar 36h sem uso de IECA para começar o sacubitril/valsartan. Se, por outro lado, ele estava em uso de BRA, não é preciso aguardar esse período de “wash out”. Por inibir a degradação de bradicinina, o LCZ-696 também acarreta risco de angioedema. Na tabela ao lado há as principais drogas modificadoras de doença, suas doses iniciais e doses “alvo” recomendadas. A titulação de doses, se o paciente tolerar, deve ser feita gradualmente a cada 2 semanas, até se atingir a dose “alvo”. Caso não seja factível atingir a dose alvo, a maior dose tolerável deve ser utilizada. O diabetes mellitus tipo 2 é uma comorbidade prevalente nos portadores de ICFER. A droga de 1ª escolha para controle glicêmico nesses indivíduos é a metformina. Os inibidores do SGLT2 (cotransportador de sódio-glicose no túbulo proximal) também são benéficos, e representam as drogas de 2ª linha para associação ou substituição à metformina. A empagliflozina (primeiro representante desta classe) mostrou reduzir mortalidade no paciente diabético portador de ICFER. O exato mecanismo desse benefício é incerto. A canagliflozina, que também é um inibidor do SGLT2, apesar de reduzir internações por ICFER, apresenta como efeito adverso no paciente diabético cardiopata um aumento na chance de amputação de MMII, logo, a empagliflozina é a droga de escolha. Vale lembrar que as tiazolidinedionas ou "glitazonas" (ex.: agonistas do PPAR-γ como pioglitazona, rosiglitazona, etc.) são CONTRAINDICADAS na ICFER NYHA III ou IV. O motivo é que a ativação do PPAR-γ nas células tubulares renais estimula a reabsorção de sódio → pode agravar a hipervolemia e descompensar a função cardíaca do paciente. A saxagliptina (um inibidor da DPP-IV) também deve ser evitada, pois se associa a maior taxa de hospitalização por IC. Porém, outros inibidores de DPP-IV não possuem o mesmo risco. Uma droga de eficácia controversa para redução de mortalidade na ICFER é a ivabradina, um inibidor da corrente If do nó sinusal (corrente elétrica que determina a despolarização espontânea das células do nó sinusal). Por este motivo é chamada de “inibidor seletivo do nó sinusal”. A ivabradina ↓ FC sem exercer ação inotrópica negativa. Considera-se válido o acréscimo de ivabradina no portador de ICFER que permanece sintomático a despeito do tratamento, desde que FC ≥ 70 bpm em ritmo sinusal. Outra indicação seria no paciente que não tolera os BB. POSOLOGIA DA IVABRADINA Dose inicial: 5 mg (2x/dia) Dose máxima: 7,5 mg (2x/dia) FÁRMACOS: IECA, BRA, BB, antagonistas da aldosterona, hidralazina + nitrato, ivabradina. 2. Drogas que NÃO prolongam a sobrevida, mas melhoram os sintomas: Como a hiperativação neuro-hormonal ininterrupta que caracteriza a ICFER resulta na persistência de um balanço positivo de sal e água (por aumento na reabsorção renal), culminando em hipervolemia (manifesta por congestão pulmonar e sistêmica, com dispneia e edema periférico, respectivamente), muitas vezes é necessário lançar mão de drogas capazes de se contrapor a esse processo e “negativar” o balanço positivo de volume, de modo a manter o paciente euvolêmico. Tais drogas são os diuréticos, com preferência por aqueles que atuam na alça de Henle (“diuréticos de alça”), que representam a classe mais potente. A furosemida é a droga de escolha para combater a hipervolemia, ainda que não possua benefício sobre a mortalidade da ICFER. A posologia deve ser individualizada. A resposta diurética varia conforme a dieta, a absorção intestinal (pior no paciente em anasarca, devido ao edema do tubo digestivo), a função renal e o próprio grau de hipervolemia. A administração parenteral é reservada para os casos mais graves. A diureticoterapia na ICFER é "mais arte do que ciência". Na prática o médico ajusta a dose de diurético segundo a resposta clínica do paciente, sendo frequente a necessidade de reajustes ao longo do tempo. Além disso, a furosemida é o melhor remédio para compensar um paciente com IC descompensada. POSOLOGIA DA FUROSEMIDA (LASIX) A ICFER VO Dose inicial: 20-40 mg (1-2 vezes/dia) Dose máxima: 600 mg/dia (dividir em 4 tomadas) IV ou IM (bolus) Dose inicial (“ataque”): 20-40 mg/dose OBS.: se ausência de resposta em 1-2h → incrementar 20mg (máximo 200 mg/dose). Manutenção: repetir dose de ataque corrigida (pode ser feita a cada 6 horas, mas 1-2 vezes/dia costuma ser suficiente) IV (infusão contínua) Dose inicial (ataque): 40-100 mg/dose (infundir em 1-2 min). Manutenção: 10-40 mg/h (antes de aumentar a taxa de infusão deve-se repetir a dose de ataque) Equivalência posológica: 40 mg de furosemida = 1 mg de bumetanida = 50 mg de ácido etacrínico = 20 mg de torsemida Para preparar uma solução de furosemida para infusão IV contínua, a fórmula mais empregada é: diluir 10 ampolas de furosemida (1 ampola = 2 ml a 10 mg/ml, ou seja, 1 ampola = 20 mg) em 80 ml de SF 0,9%, constituindo uma solução com 2 mg/ml. Caso o paciente necessite de doses muito altas as ampolas podem ser misturadas sem diluição. Neste caso, cada ml terá 10 mg. Não infundir a uma taxa superior a 4 mg/min. A refratariedade ao diurético de alça pode ser combatida com a estratégia chamada de bloqueio sequencial do néfron, isto é, acrescentando-se um diurético TIAZÍDICO (ex.: hidroclorotiazida 25-50 mg/dia). Tal conduta “força” os rins a excretar ainda mais sódio e, consequentemente, acentua a contraposição à tendência de balanço positivo de sal e água decorrente da hiperativação neuro-hormonal. Pacientes refratários ao bloqueio sequencial do néfron devem ser abordados com diálise + ultrafiltração para a retirada de sal e água do organismo. PACIENTE ALÉRGICO À SULFA: usar ácido etacrínico, pois é o único diurético de alça que não contém radicais de sulfa. Outra classe farmacológica é a dos glicosídeos cardíacos, como a digoxina. Trata- se de um agente inotrópico positivo “leve”, que também atua como "simpatolítico" (reduz o tônus adrenérgico ao atenuar a atividade dos barorreceptores carotídeos). O digital diminui a taxa de hospitalizações. Seu índice terapêutico (diferença entre a dose tóxica e a dose terapêutica) é baixo, especialmente em MULHERES e IDOSOS. Assim, sempre que possível, recomenda-se monitorar o nível sérico (NS). Atualmente, o digital é prescrito somente quando o paciente está recebendo terapia plena com todas as drogas anteriormente citadas (incluindo diurético) e mesmo assim permanece sintomático. Outra indicação é para o controle da frequência ventricular (associado aos BB) em pacientesque desenvolvem FA. Sua posologia é de 0,125-0,25 mg, VO, 1 vez/dia. DIGITÁLICOS: (1) não é necessário dose de “ataque”; (2) iniciar com 0,125 mg 1x a cada 2 dias e monitorar NS, se idade > 70 anos, DRC e IMC baixo; (3) NS terapêutico varia entre 0,5- 1 ng/dl; (4) formulação parenteral - deslanosídeo (Cedilanide, Deslanol), 0,2-1,6 mg/dia. A FERROPENIA, mesmo sem anemia, agrava os sintomas da ICFER, devendo, por conseguinte, ser corrigida com o intuito de melhorar a qualidade de vida e a capacidade de exercício. Cerca de metade dos portadores de ICFER possui ferropenia. Logo, todo paciente com ICFER deve dosar a cinética de ferro no sangue. Ferropenia na ICFER: (1) ferritina sérica < 100 mg/L ou (2) ferritina sérica entre 100-299 mg/L com saturação de transferrina < 20%. A ferropenia TEM QUE ser tratada com ferro parenteral nestes doentes. O ferro oral não mostrou eficácia em ensaios clínicos. Vale lembrar que a causa da ferropenia deve ser esclarecida. Em geral, pacientes com mais de 50 anos de idade e redução das reservas de ferro apresentam algum sangramento no tubo digestivo, sendo mandatório afastar CA colorretal (colonoscopia) e neoplasia/doença péptica gastroduodenal (EDA). 3. Drogas que NÃO prolongam a sobrevida e NÃO melhoram os sintomas: os BCC di- hidropiridínicos (vasosseletivos) de longa ação, como anlodipina, controlam de forma segura e eficaz a HAS em portadores de ICFER, podendo ser usados se necessário. No entanto, não há qualquer benefício direto sobre a morbimortalidade específica da ICFER. Por outro lado, os BCC não-dihidropiridínicos (cardiosseletivos), como verapamil e diltiazem, devem ser EVITADOS nesses doentes, pois sua poderosa ação inotrópica negativa (maior com o verapamil) pode descompensar a função sistólica do ventrículo esquerdo em pacientes previamente estáveis. Antagonistas α-1 adrenérgicos (ex.: prazosin, doxazosin) também devem ser evitados na ICFER. Tais drogas promovem vasodilatação periférica → hiperestimula a retenção renal de sódio e água → ↑ volemia → descompensa a ICFER. Bloqueadores de citocinas pró-inflamatórias, como os anti-TNF-α (infliximabe, etanercept), PIORAM a função cardíaca em portadores de ICFER. Outras estratégias de “imunomodulação” testadas ainda não têm comprovação de benefício. Estatinas não exercem qualquer benefício sobre a morbimortalidade da ICFER. Logo, só devem ser prescritas se houver indicação específica, como doença coronariana. O mesmo é válido para o AAS e os anticoagulantes (ex.: AAS se houver DAC; warfarin no paciente com FA, evento tromboembólico prévio e/ou trombo intracavitário documentado pelo ecocardiograma). Portanto, na ICFER não isquêmica com o paciente em ritmo sinusal, de um modo geral NENHUMA dessas drogas estará indicada. A suplementação de ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 (óleo de peixe) no tratamento da ICFER pode ser recomendada, mas não é uma medida imprescindível. 4. Exercícios físicos: na ICFER controlada com o tratamento pode e deve realizar um programa gradual de exercícios físicos supervisionados, de preferência numa clínica especializada de reabilitação cardíaca. Tal conduta é segura e comprovadamente melhora a sensação de bem-estar e a capacidade física. Contudo, não há benefício sobre a mortalidade. Na ICFER não controlada ou refratária ao tratamento recomenda-se o repouso com forma de preservar o DC para a perfusão de órgãos nobres (coração, cérebro e rins). A melhora na perfusão renal eventualmente pode melhorar a resposta à diureticoterapia. 5. Outras medidas não farmacológicas: limitar a ingesta de sódio (2-3g de sódio/dia ou NÃO MAIS DO QUE 7g de NaCl/dia). Restrição de líquidos (1,5-2 litros de água/dia) é indicada somente na presença de hiponatremia e/ou ICFER avançada refratária ao tratamento (estágio D). Recomenda-se abstenção do tabagismo/etilismo/drogas ilícitas, bem como a aplicação de todas as imunizações preconizadas, incluindo a vacinação anual contra influenza e o uso da vacina anti-pneumocócica conforme seu esquema específico. 6. Tratamento das arritmias: FA é a arritmia mais comum na ICFER, e de um modo geral aparece na doença mais avançada, servindo como marcador de pior prognóstico. A contração atrial contribui para a pré-carga do VE, e sua perda na FA pode reduzir o DC em 20-30%, o que pode levar à descompensação aguda da ICFER. Ademais, o ↑ FC → ↑ consumo miocárdico de O2 e encurta o tempo diastólico → ↓ perfusão no leito coronário → pode deprimir ainda mais a função contrátil ventricular. Como consequência da piora da ICFER ocorre aumento da ativação neuro-hormonal que, se persistente, acaba sendo deletéria. Assim, na ICFER, o ideal é seguir a estratégia de controle de ritmo, isto é, sempre que possível deve-se tentar restaurar e manter o ritmo sinusal (cardioversão elétrica e/ou química + antiarrítmico profilático). Isso é particularmente verdadeiro quando a FA é desencadeada por fatores reversíveis, como tireotoxicose, infecções, intoxicações, etc. A primeira medida terapêutica é sempre o controle da FC (alvo < 100-110 bpm). Pacientes muito sintomáticos (com critérios de “instabilidade”) devem ser submetidos à cardioversão elétrica imediata. No paciente NYHA I-II a escolha recai sobre os BB. A associação de digoxina é aceitável quando a meta de FC não for atingida com BB em monoterapia (ou quando estes forem contraindicados), devendo-se monitorar o NS do digital, pois valores > 1,2 ng/ml se associam a aumento de mortalidade na ICFER. Pacientes refratários ao controle de ritmo e de FC podem ser submetidos à ablação do nódulo AV, com implante de marca-passo definitivo associado ao dispositivo de ressincronização cardíaca. Importante: mesmo que a FA seja paroxística é preciso avaliar a necessidade de anticoagulação ad aeternum. Recomenda-se, com este intuito, o uso dos escores CHADS- VASC (risco tromboembólico) e HAS-BLED (risco hemorrágico). A presença de IC já confere 1 ponto no CHADS-VASC, logo, a maioria dos portadores de ICFER e FA terá indicação de anticoagulação. As drogas de escolha são os novos anticoagulantes de ação direta, exceto no portador de prótese valvar mecânica ou doença mitral reumática (nestes deve-se utilizar warfarin, pois os novos anticoagulantes são contraindicados). O único antiarrítmico que pode ser utilizado na presença de cardiopatia estrutural é a amiodarona (todos os demais devem ser evitados, pois deprimem a função do VE). Seu uso, porém, não reduz mortalidade em portadores de ICFER (apenas ↓ sintomas arrítmicos e o número de disparos nos portadores de cardiodesfibrilador implantável - CDI). 7. Terapia de Ressincronização Cardíaca (TRC): O assincronismo na contração das paredes do VE (intraventricular) ou entre os ventrículos esquerdo e direito (interventricular) é prejudicial para a eficiência mecânica do coração → ↓ débito sistólico. O enchimento diastólico também piora, assim como a insuficiência mitral funcional. O implante de um cabo de marca-passo na parede lateral do VE (através do seio coronário) e outro no interior VD permite “ressincronizar” a contração de paredes opostas → melhora o desempenho da bomba cardíaca → ↓ sintomas e a mortalidade da ICFER (reverte o remodelamento cardíaco). Os modernos dispositivos de ressincronização também funcionam como marca-passo e/ou CDI, o que ajuda a prevenir a morte súbita cardíaca. Principal indicação da TRC: ICFER sintomática (NYHA ≥ II) refratária ao TTO farmacológico otimizado, em ritmo sinusal + FE ≤ 35% + QRS ≥ 150 ms + morfologia de BRE completo. Outras indicações da TRC são: a. ICFER sintomática refratária, em ritmo sinusal, com FE ≤ 35%, morfologia de BRE completo e QRS entre 130-150 ms. OBS.: Pacientes que apresentem todos os critérios acima, exceto um QRS com morfologia de BRE completo, também podem se beneficiar da TRC se possuírem um QRS > 160 ms. Se QRS ≤ 160 ms, a TRC é contraindicadanestes casos. b. ICFER grave e refratária + bloqueio atrioventricular total (BAV de 3º grau). O benefício, neste caso, é uma diminuição do número de descompensações, sem efeito sobre a mortalidade. Os benefícios da TRC são anulados pela presença de FA permanente, devido à dificuldade em se produzir uma estimulação biventricular sincronizada nestes pacientes. A indicação de TRC na ICFER grave e sintomática e presença de FA deve ser individualizada (se for possível garantir uma estimulação biventricular adequada, pode-se implantar o dispositivo). A TRC está contraindicada na vigência de infecção da corrente sanguínea, bem como no paciente cuja expectativa de sobrevida seja < 1 ano. 8. Prevenção da morte súbita cardíaca: A morte súbita cardíaca (MSC), geralmente por taquiarritmias ventriculares malignas como a fibrilação ventricular, representa o mecanismo de óbito em ±50% dos portadores de ICFER. Um dispositivo chamado CDI – que pode estar incorporado no dispositivo de ressincronização cardíaca ou num marca-passo convencional – permite realizar a prevenção primária ou secundária deste evento. Portadores de ICFER que sobreviveram a um episódio de MSC encontram-se sob risco extremamente alto de novos episódios. A não ser que o episódio tenha sido desencadeado por um fator agudo reversível (ex.: intoxicação; isquemia com indicação de revascularização), indica-se o implante de um CDI para estes indivíduos (prevenção secundária = ICFER + episódio prévio de MSC espontânea abortada). Portadores de ICFER que apresentam documentação de taquicardia ventricular espontânea (instável ou estável) também se beneficiam do implante de um CDI. O mesmo é válido para a TV induzida, por exemplo: ICFER com palpitações/síncopes recorrentes + TV ou FV induzida no estudo eletrofisiológico. As principais indicações de CDI para a prevenção primária da MSC (isto é, antes que um episódio aconteça) são as seguintes: ICFER não isquêmica FE ≤ 35% + classe funcional NYHA II ou III a despeito de tratamento farmacológico otimizado por pelo menos 6 meses. ICFER isquêmica FE ≤ 35% + classe funcional NYHA II ou III a despeito de tratamento farmacológico otimizado, pelo menos 40 dias após IAM ou 90 dias após cirurgia de revascularização miocárdica. 9. Tratamento cirúrgico: a cirurgia de restauração ventricular (resseca-se grande cicatriz de infarto anterior no VE → remodelamento cardíaco artificial → ↓ dilatação e a esfericidade do ventrículo) NÃO mostrou benefício em ensaios clínicos randomizados e controlados. Outros procedimentos de preservação da geometria ventricular (ex.: envelopamento cardíaco com rede externa) também não mostraram benefício sobre a mortalidade, mas impedem a dilatação cardíaca. A aneurismectomia (ressecção de uma grande área discinética da parede ventricular), apesar de reduzir mortalidade, é indicada para os portadores de aneurismas do VE que apresentam refratariedade ao tratamento clínico, taquiarritmias ventriculares e/ou episódios cardioembólicos (a estase sanguínea no interior de um aneurisma ventricular é fator de risco para a formação de trombos). 10. Dispositivos de Assistência Circulatória Mecânica (DACM) e transplante cardíaco: portador de ICFER no estágio D geralmente não tolera o bloqueio neuro-hormonal farmacológico → sintomas incapacitantes, hospitalizações recorrentes e grande morbimortalidade. Esta é a IC avançada, uma síndrome clínica diferenciada. Nestes casos, deve-se considerar medidas como o uso de DACM e o transplante cardíaco. Os DACM são subdivididos em dispositivos de curta permanência (< 30 dias) e longa permanência (> 30 dias). Os DACM de curta permanência geralmente são empregados no tratamento da IC aguda. Os DACM de longa permanência com fluxo contínuo (preferíveis aos de fluxo pulsátil) são implantados cirurgicamente para auxiliar o coração a bombear o sangue. Podem servir de “ponte” até a realização de um transplante cardíaco, ou podem ser a proposta terapêutica final (“terapia de destino”) em pacientes não candidatos ao transplante, com sobrevida > 70% em 2 anos. Principais complicações dos DACM: (1) disfunção de VD; (2) hemorragias; (3) AVE (isquêmico ou hemorrágico, por insuficiência ou excesso de anticoagulação, respectivamente); (4) infecções; (5) mau funcionamento do dispositivo (falha mecânica, elétrica, manutenção inadequada); (6) hemólise intravascular (pela fragmentação mecânica de hemácias, gerando hemoglobinemia e hemoglobinúria, principalmente nos DACM mais antigos, que possuem sistemas de rolamento); (7) arritmias; (8) doença de von Willebrand adquirida (depleção dos multímeros de alto peso molecular do fvWb). Esta última pode causar sangramento, especialmente digestivo (se malformações arteriovenosas na mucosa intestinal). A disfunção de VD pós-implante acomete até 30% dos pacientes. Os DACM ↑ DC → ↑ retorno venoso e a pré-carga do VD → sobrecarga. A diminuição das pressões de enchimento no lado esquerdo do coração facilita o esvaziamento do VD → ↓ PA pulmonar → ↓ pós-carga do VD. Contudo, uma descompressão excessiva das câmaras esquerdas pode causar movimento paradoxal do septo interventricular (para a esquerda) → ↓ desempenho sistólico do VD e alargamento do anel tricúspide, com regurgitação tricúspide e piora da sobrecarga volumétrica do VD. A chance de sangramento é potencializada pelo fato de o usuário de DACM precisar ser antiagregado e anticoagulado (AAS + warfarin, mantendo o INR entre 2-3). Isto é necessário a fim de evitar a trombose no interior do dispositivo. Os primeiros indícios de trombose são: ↑ níveis sanguíneos de LDH (hemólise) e ↑ consumo da bateria do aparelho. Se não reconhecida e tratada logo (intensificação da anticoagulação ou trombólise química), a trombose pode levar ao colapso hemodinâmico (baixo DC e congestão pulmonar), além de poder causar acidentes tromboembólicos (ex.: AVEi). A melhor opção terapêutica diante de colapso hemodinâmico é a troca do dispositivo, o que é feito com mortalidade perioperatória relativamente baixa (~ 6.5%) e boa sobrevida (65% em 2 anos). CONTRAINDICAÇÕES AOS DCM Absolutas Relativas Intolerância aos cumarínicos DM de difícil controle Distúrbio psíquico grave AVE prévio com déficit motor parcial Ausência de cuidador treinado ou incapacidade de seguir as orientações da equipe Desnutrição AVE prévio com déficit motor importante Doença vascular periférica Neoplasia avançada Malformação vascular intestinal DPOC avançada, cirrose e/ou DRC dependente de diálise Infecção ativa Alterações hematológicas (ex.: plaquetas < 50.000, trombofilia) Disfunção de VD moderada a grave 11. Cuidados paliativos: prognóstico da ICFER sempre deve ser discutido com o paciente e familiares de forma clara e objetiva. A ICFER “avançada” possui prognóstico adverso, mesmo com o uso dos DACM e do transplante cardíaco. É no usuário de DACM como terapia de destino que este tópico adquire maior relevância, já que invariavelmente chega um momento em que o surgimento de complicações associadas ao dispositivo esgota o rol de possibilidades terapêuticas. O planejamento e o preparo para este momento devem ser antecipados. O principal objetivo passa a ser amenizar a dispneia, a dor e o delirium. Estando a paliação instituída, pode-se optar pelo desligamento do DACM, permitindo ao paciente uma morte digna, sem prolongar futilmente seu sofrimento. 9.2. Tratamento da ICFEN Fundamenta-se em 4 pilares: 1. Controle da congestão pulmonar; 2. Controle da PA; 3. Prevenção/tratamento da taquicardia e manutenção do ritmo sinusal; 4. Tratamento das comorbidades associadas. Como a ICFEN está fortemente vinculada à disfunção diastólica (em geral por déficit de relaxamento miocárdico), postulou-se que haveria benefício com o uso de agentes lusitrópicos (indutores de relaxamento cardíaco, ex.: BCC e BB), mas isso não ocorreu
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