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CONSTRUTIVISMO

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CONSTRUTIVISMO: O QUE É E DE ONDE VEM?
Além do contexto do fim da Guerra Fria e do questionamento dos paradigmas das escolas tradicionais de teoria das Relações Internacionais, a matriz de pensamento que atualmente denominamos Construtivismo tem seu início a partir do diálogo de internacionalistas com questões antes debatidas em outras ciências sociais. Mais especificamente, um dos debates mais antigos nas ciências humanas era a discussão de precedência entre o agente e a estrutura.
Em outras palavras, desde o início da elaboração das teorias sociais modernas, com Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber e outros, a grande questão que acompanhava o método sociológico era se o indivíduo fazia a sociedade ou se era a sociedade que fazia o indivíduo.
Karl Marx.
Fonte: Wikimedia
Émile Durkheim.
Fonte: Wikimedia
Max Weber.
Fonte: Wikimedia
Algumas das explicações mais influentes do meio acadêmico ao longo do século XX, como o Estruturalismo, o Marxismo e a Psicanálise, por exemplo, ensinam que a interação do sujeito com a sociedade é limitada pelas estruturas, pelos símbolos, pelas classes e por outros elementos que já estão dados pelo ambiente. Assim, o indivíduo seria meramente um personagem reativo aos estímulos e às oportunidades que a sociedade lhe ofereça ou não.
Esse ponto, acerca da relação entre o indivíduo e a sociedade, fez com que grande parte das metodologias das ciências humanas no período partisse de duas perguntas:
Quem veio primeiro, o agente ou a estrutura?
Quem influencia, limita ou constrange as ações do outro?
No caso das Relações Internacionais, essa perspectiva fundamenta as abordagens das escolas tradicionais que, mesmo tendo suas matrizes de pensamento muito anteriores - Immanuel Kant (1724-1804), Thomas Hobbes (1588-1679) e Hugo Grotius (1583-1645) (no direito internacional) -, seguem a mesma lógica de que a anarquia e a natureza humana são um dado, e os agentes apenas reagem a ela, por meio de cooperação ou competição.
Rompendo com esses princípios teórico-metodológicos, o Construtivismo é assim denominado por defender que a sociedade é uma realidade construída a partir da soma das ações e interações dos indivíduos. Esse pressuposto resulta, como já mencionamos, na compreensão de que a sociedade não é um dado estático, pronto e com regras permanentes, mas dinâmico e diversificado, conforme os agentes interagem entre si ao longo do tempo. Nogueira e Messari afirmam o seguinte sobre esse assunto:
Este mundo em permanente construção é estruturado pelo que os construtivistas chamam de agentes. Vale dizer: não se trata de um mundo que nos é imposto, que é predeterminado e que não podemos modificar. Podemos mudá-lo, transformá-lo, ainda que dentro de certos limites. Em outras palavras, o mundo é socialmente construído.
(NOGUEIRA; MESSARI, 2005)
Desse modo, por exemplo, o conceito de anarquia, tão caro a realistas e liberais, é definido pelos construtivistas como a representação de um ambiente produzido.
A obra que lançou a abordagem construtivista foi o artigo de Alexander Wendt, Anarchy is What States Make of It (1992), literalmente traduzido como “Anarquia é o que os Estados fazem dela”, e publicado na revista International Organization, trazendo os traços mais marcantes dessa escola de pensamento, que foram aperfeiçoados por outros autores.
Fonte: Titov Nikolai / Shutterstock
Fonte: optimarc /Shutterstock
CARACTERÍSTICAS METODOLÓGICAS E EPISTEMOLÓGICAS DO CONSTRUTIVISMO
Na escola construtivista de pensamento sobre as Relações Internacionais, a percepção da realidade é um elemento fundamental para a análise do movimento dos agentes internacionais, isto é, as ações dos Estados e de outras organizações. Ao considerar a interação dos agentes sobre a conjuntura, o Construtivismo relativiza a noção de que os Estados agem de modo racional, originando-se das diversas possibilidades de ação elaboradas a partir da cultura de cada agente.
No Construtivismo, a realidade não seria objetiva, mas constituída a partir da perspectiva de cada agente, que, por sua vez, compreende e elabora suas ações baseado em sua cultura e linguagem, que são elementos cruciais nas ciências humanas e passam, a partir do Construtivismo, a serem compreendidas como elementos determinantes na articulação do cenário político internacional.
As narrativas elaboradas a partir da linguagem e da cultura de um país construirão a sua respectiva percepção da realidade, e é com essa percepção que o agente/Estado lidará. Por conta dessa base teórica que reflete sobre a construção social da realidade, o Construtivismo deve ser considerado não apenas uma escola de pensamento, mas uma Sociologia e epistemologia das Relações Internacionais.
Saiba mais
Epistemologia
Saber que se ocupa das formas de produção de conhecimento e de compreensão da realidade. Área da Filosofia que estuda o desenvolvimento da Ciência.
RI EM UMA ANÁLISE PRÁTICA DO CONSTRUTIVISMO
Vejamos alguns exemplos para esclarecer o modo de análise construtivista.
A Primavera Árabe, onda revolucionária de manifestações e protestos que tomou as sociedades entre o Norte da África e o Oriente Médio, a partir de dezembro de 2010, foi saudada pelo governo dos Estados Unidos como um processo positivo de democratização, pois a perspectiva da política externa norte-americana, construída a partir de sua linguagem e cultura, lida com o cenário internacional a partir da realidade do autoritarismo e da democracia.
Fonte: Wikimedia.org
O governo russo, por outro lado, teria agido com governantes da região na tentativa de conter os avanços da Primavera Árabe sobre as instituições anteriormente estabelecidas nesses países. Isso porque a perspectiva da política externa russa para a região em questão, construída a partir de sua linguagem e cultura, lida com o cenário internacional a partir da realidade da instabilidade e estabilidade.
Resumindo
Para o mesmo fato, temos duas potências assumindo posturas diferentes e ambas atuaram racionalmente, mas de acordo com sua própria percepção da realidade.
A linguagem e a cultura de cada agente relativizam a noção clássica de racionalidade do Estado, a partir do momento em que as perspectivas diferentes dos atores envolvidos elaboram narrativas próprias sobre quem estaria do lado certo da história.
Outro exemplo de diferença na percepção da realidade, que faz parte do método construtivista, está presente nas narrativas divergentes sobre o fim da Guerra Fria. A historiografia e os estadistas norte-americanos pautaram sua política externa no período posterior ao fim da URSS, baseados na sua realidade de que o inimigo soviético havia sido derrotado, enquanto a historiografia e os estadistas russos viram as ações de Gorbatchov como definidoras do fim do conflito. Na visão russa, a Guerra Fria acabou porque os russos decidiram acabar com ela (NAU, 2019).
Mikhail Gorbatchov. Fonte: Wikimedia
Para o Construtivismo, os atores internacionais não agem baseados em condições materiais, mas em princípios abstratos, como a cultura e visão de mundo. Diante de Estados que tomam decisões diferentes para resolver problemas semelhantes, um analista tradicional, do início do século XX, provavelmente apontaria um dos atores como correto e o outro como incorreto, pois havia a noção de que a racionalidade dos Estados era apenas uma e, portanto, haveria uma cartilha (europeia) a ser seguida. O Construtivismo abriu caminho para outras escolas contemporâneas, que relativizariam a realidade com a qual as ações dos Estados se tornariam eficazes ou não.
Importante! Veja o comparativo entre Realismo, Liberalismo e Construtivismo:
Realismo
O poder determina o comportamento dos Estados, e a anarquia cria uma conjuntura que os coloca em um dilema de segurança.
Liberalismo
As instituições determinam o comportamento dos agentes, e a cooperação entre eles mitiga a anarquia.
Construtivismo
As ideias determinam a política internacional, e a anarquia é um termo artificial que corresponde à realidade construída pelos atores.
	
	Realismo
	Idealismo [Liberalismo]
	Construtivismo
	AgenteEstados
	Estados
	Estados
	Objetivo
	Sobrevivência
	Sobrevivência
	Sobrevivência
	Comportamento dos agentes na anarquia
	Aumentar o próprio poder para conseguir sobreviver
	Promover o desenvolvimento político e social por meio de instituições (ONU) e ideias (democracia)
	Imprevisível antes da interação social
	O que limita o comportamento dos Estados
	Interesse próprio, pois não há um governo global (anarquia) e a cooperação não é confiável
	Sociedade Internacional
	Estrutura de identidades e interesses constituídos intersubjetivamente
	Lógica da anarquia
	Conflitual
	Cooperativa
	É o que os Estados fazem dela
Tabela 1. Três narrativas sobre a anarquia internacional. Fonte: Adaptado de Weber (2010)
Tabela 2. Interação entre os agentes internacionais e o contexto na visão construtivista. Fonte: Adaptado de Kaufman (2013)
O CONSTRUTIVISMO E SEUS PRINCIPAIS AUTORES
Do mesmo modo que ocorre com a maioria das correntes de pensamento que buscam refletir sobre as coisas humanas, o Construtivismo também tem as suas vertentes, isto é, as subdivisões e os caminhos que nem todos os participantes concordaram em percorrer.
Saiba mais
Em suas pesquisas sobre o Construtivismo, você encontrará o relato de que as universidades ao redor do mundo deram preferência a uns autores em detrimento de outros, embora todos devessem ser lidos igualmente.
Exemplo
Para Nogueira e Messari (2005), por exemplo, o livro World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations, lançado em 1989, por Nicholas Onuf, seria o marco inicial dessa escola de pensamento, tendo em vista a data de publicação, embora o impacto da obra tenha sido muito menor que o artigo de Alexander Wendt já citado.
Apesar da preponderância das obras de Wendt, especialmente por sua recepção no mercado editorial e nos debates acadêmicos, outros intelectuais, como Friedrich von Kratoch e Thomas Risse-Kappen, definiram separadamente em suas obras os princípios básicos do Construtivismo, dentre eles a perspectiva de que o mundo é uma construção social resultante da interação dos atores sociais. Essa geração estava empenhada em desenvolver, na teoria das Relações Internacionais, uma teoria crítica ao paradigma tradicional que abordasse a relação entre agente e estrutura a partir do conceito de que ambos são coconstitutivos uns dos outros.
Não se pode falar de sociedade sem indivíduos, nem de indivíduos sem sociedade.
Kratochwil afasta-se de outros construtivistas mais “positivistas”, ou seja, daqueles que entendem as Relações Internacionais como uma ciência, a exemplo de Wendt, justamente por incluir em suas reflexões teóricas os postulados da virada linguística, onde a relação entre o que é evidente e o que é apenas discurso interfere na produção de conhecimento. É justamente sobre a importância dessa virada linguística que muitos construtivistas discordam, pois ela põe a análise do discurso, as regras e as normas no centro da análise das Relações Internacionais.
Objeto com interação.
Atenção
Virada Linguística
Também denominada “Giro linguístico”, foi um importante movimento filosófico ocorrido ao longo do século XX, quando a relação entre a linguagem e a realidade passou a ser considerada determinante para a construção de conhecimento. A virada linguística repercutiu em várias áreas de conhecimento, gerando novos métodos e novas escolas de pensamento em todas as ciências humanas.
Se, cronologicamente, Onuf foi o primeiro a publicar o conceito de Construtivismo versando sobre a teoria das Relações Internacionais, por outro lado, foi a obra de Wendt que ofereceu a face do Construtivismo nas principais academias. A obra de Nicholas Onuf tem a especificidade de transpor, diretamente da Sociologia para a teoria das Relações Internacionais, os postulados do sociólogo Anthony Giddens, que elaborou uma teoria construtivista para análise da cultura na sociedade que passa pela modernidade.
Anthony Giddens. Fonte: Wikimedia
Por ter um referencial teórico já amadurecido, especula-se que sua obra tenha tido uma recepção mais difícil do que a de Wendt, pela sua sofisticação. Na década de 1990, Vendulka Kubalkova, até então conhecida por publicações voltadas à contribuição marxista para as Relações Internacionais, decidiu liderar um movimento de valorização da obra de Onuf a partir da reedição de seus livros e como uma alternativa à corrente acusação de “estadocentrismo” das obras de Wendt.
Resumindo
Embora Alexander Wendt tenha sido o primeiro grande expoente do pensamento construtivista na teoria das Relações Internacionais, outros acadêmicos participaram, desde o início, da elaboração dos conceitos comuns aos pensadores dessa escola.
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