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Material de aula do dia 08-04-2022 - Artigo Condomínios - Marcio Rachkorsky

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Condomínios - Conflitos e Soluções 
 
Condomínios - Conflitos e Soluções 
 
Márcio Rachkorsky é advogado especialista pelo Centro de Extensão 
Universitária - CEU, membro efetivo da equipe " Chame o síndico" do 
Fantástico- Rede Globo, membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-
SP, docente do SENAC, consultor do portal do síndico, articulista do Jornal do 
Síndico e da Revista Em Condomínios, palestrante e conferencista. 
 
Carta Forense - Os condomínios podem ser considerados como um 
grande mercado de trabalho para os advogados? 
 
Márcio Rachkorsky - Tenho plena convicção que os condomínios 
representam um vasto mercado de trabalho e oportunidades para os 
advogados, sobretudo nos grandes centros urbanos. Na cidade de São Paulo, 
por exemplo, há mais de 27.000 (vinte e sete mil) condomínios, que 
anualmente movimentam bilhões de reais, gerando centenas de milhares de 
empregos diretos e indiretos. Para uma boa gestão, indispensável ao 
condomínio uma assessoria jurídica de qualidade, especialmente por conta da 
pesada responsabilidade civil, criminal e tributária carreada ao síndico. Além da 
consultoria preventiva, o advogado pode também atuar nos seguintes casos, 
comuns na grande maioria dos condomínios: 
- análise de contratos diversos, tais como de administração do 
condomínio, manutenção de elevadores, prestação de serviços, 
terceirização de mão de obra, etc.. 
- cobrança extrajudicial e judicial aos condôminos inadimplentes; 
- comparecimento nas assembléias gerais e reuniões do corpo 
diretivo; 
- atualização da convenção de condomínio; 
- elaboração de pareceres; 
- envio de notificações extrajudiciais; 
- distribuição de ações judiciais em face da construtora; 
 
CF - Quais as principais habilidades que o mercado de condomínios 
exige do advogado? 
 
MR - Para bem atuar na área de condomínios, o advogado precisa possuir 
amplo conhecimento e vivência no direito imobiliário, conhecer muito bem a Lei 
de Incorporações Imobiliárias (Lei 4.591/64), conhecer profundamente o 
Código Civil, em especial o Capítulo que trata dos "Condomínios Edilícios". O 
mercado exige constante atualização e reciclagem do profissional, à medida 
que muitas questões importantes são resolvidas através de interpretação de 
dispositivos legais e jurisprudenciais , bem como através de analogia. Advogar 
para condomínios requer do profissional plena desenvoltura para falar em 
público, paciência para ouvir opiniões e idéias diversas e acima de tudo um 
enorme discernimento para fazer valer uma palavra essencial: BOM-SENSO. 
Por fim, indispensável uma esposa ou marido compreensivo, pois advogar para 
condomínios significa quase sempre chegar tarde da noite em casa, por conta 
das exaustivas assembléias gerais. 
 
CF - Qual o impacto gerado nos condomínios, com a redução da multa 
ao condômino inadimplente de até 20% para apenas 2%? 
 
MR - Obviamente a redução da multa gerou aumento da inadimplência. 
Porém, o grande malefício gerado pela drástica redução da multa foi a criação 
de uma nova categoria de inadimplentes, os chamados "devedores não 
contumazes", que constantemente pagam o condomínio com um ou dois 
meses de atraso, eis que privilegiam o pagamento de todas as outras contas 
com maiores penalidades (cartão de crédito, cheque especial), em detrimento 
da quota condominial, justamente porque a multa é ínfima. Essa nova 
categoria de inadimplentes inviabiliza por completo uma boa gestão financeira 
e destrói a previsão orçamentária do condomínio. Entendo que a multa diária 
de 0,33%, limitada a 10% traria mais equidade na relação 
condomínio/devedor. 
 
 CF - Existe uma fórmula mágica para reduzir a inadimplência nos 
condomínios? 
 
MR - Por todo Brasil, tenho acompanhado verdadeiras aberrações jurídicas. 
Com idéias mirabolantes, advogados e administradores prometem acabar com 
a inadimplência e, não raramente, colocam o cliente em sério risco. Sugerem a 
cobrança de juros de mercado; a proibição de uso dos elevadores e 
equipamentos sociais; o reajuste da quota e um desconto pontualidade, 
caracterizando multa mascarada, dentre outros caminhos. 
Não canso de repetir que o combate à inadimplência deve ser feito dentro da 
legalidade e através de amplo trabalho de conscientização dos moradores e 
efetividade na cobrança. Deve o advogado, com bastante celeridade, adotar 
diversas providências face ao condômino inadimplente, a começar pelo envio 
de uma cartinha de cobrança, passando por um plantão de cobrança, 
culminando com a propositura de ação judicial, caso infrutíferas as tentativas 
de recebimento amigável. 
 
CF - Muito se fala em "expulsão/exclusão do condômino anti-social". 
Tal procedimento é juridicamente possível no Brasil? 
 
MR - Já pesquisei muito sobre o assunto e, para minha surpresa, em muitos 
países a lei contempla tal procedimento. Na Suíça, é prevista a exclusão do 
condômino autor de faltas graves e a venda judicial da unidade. No Uruguai, 
está previsto o despejo de ocupantes nocivos. Até na Argentina há previsão 
legal para o seqüestro do imóvel, em caso de uso nocivo da propriedade. 
O novo Código Civil não fala expressamente em exclusão, mas prevê pesadas 
multas aos condôminos nocivos. Todavia, o Parágrafo Único do artigo 1.337 do 
Código Civil fala em "reiterado comportamento anti-social" e "incompatibilidade 
de convivência com os demais condôminos", abrindo, ao meu ver, uma lacuna 
interpretativa para a discussão profunda acerca da possibilidade de exclusão do 
chamado condômino anti-social. Certamente os operadores do direito 
trabalharão muito o tema e, com o passar dos anos, a jurisprudência construirá 
sólida fundamentação para tal avanço social. 
 
CF - Quais as lições extraídas das gravações do quadro "Chame o 
Síndico" na Rede Globo e das palestras ministradas por todo Brasil? 
 
MR - Participar das gravações do "Chame o Síndico" foi uma experiência 
maravilhosa e me fez realmente acreditar na grandeza do tema "viver em 
condomínio" e sobretudo consolidou a importância da atuação conciliadora e 
mediadora do advogado, como verdadeiro pacificador social. O quadro no 
Fantástico trouxe o assunto à baila e agora, felizmente, a mídia escrita, falada 
e televisiva aborda com freqüência o tema "viver em condomínio". 
Nas minhas andanças pelas grandes capitais do Brasil, pude concluir que os 
problemas enfrentados por síndicos, administradores e advogados são 
basicamente os mesmos e que os assuntos preferidos nos Tribunais são: 
inadimplência, barulho, cachorro, intolerância, vagas de garagem, vazamentos, 
briga de vizinhos, questões trabalhistas, multas e falhas construtivas. 
 
CF - Lembra de algum caso pitoresco ou engraçado ocorrido em 
condomínio? 
 
MR - Lembro de um sensacional: Num condomínio de luxo, recém entregue 
pela construtora, o fluxo de prestadores de serviços (pedreiros, marceneiros, 
gesseiros, montadores de móveis, etc.) era muito grande. Num dos 
apartamentos, a proprietária, muito excêntrica, resolveu mandar quebrar o 
banheiro e instalar uma bela banheira (estilo ofurô), para seus longos banhos. 
Eis que o pedreiro contratado para executar os serviços compareceu no dia 
marcado e, 04 dias depois, a obra estava concluída. Todavia, um pequeno 
equívoco aconteceu... A bela reforma fora executada no apartamento 31 e não 
no 21 !!!!!!!!!! Resultado: O pedreiro nada recebeu; a proprietária do 
apartamento 21 ficou enlouquecida e o mocinho do 31 toma longos e 
memoráveis banhos em sua faraônica banheira. E para finalizar, porteiro e 
zelador foram demitidos. 
 
CF - Os cursos de graduação formam profissionais capacitados para o 
mercado imobiliário? 
 
MR - Decididamente não ! É lamentável, principalmente nos grandes centros 
urbanos, não haver na grade curricular um semestre dedicado ao direito 
imobiliário, mais especificamente parao direito aplicado aos condomínios. Além 
do ensino acerca dos direitos reais e da propriedade, os alunos deveriam 
aprender mais sobre as incorporações imobiliárias e condomínios edilícios. 
 
CF - Os condomínios, antes considerados verdadeiros oásis de 
segurança, hoje são alvos de assaltos cinematográficos. Qual sua 
opinião sobre o tema? 
 
MR - Recentemente tive a oportunidade de acompanhar brilhante palestra do 
meu amigo Capitão PM José Elias de Godoy e aprendi muito sobre a natureza 
dos crimes ocorridos nos condomínios. Há basicamente duas modalidades. Os 
arrastões, normalmente praticados por quadrilhas especializadas, bem 
organizadas e fortemente armadas, que preferem os edifícios de luxo, onde 
roubam jóias, dólares, equipamentos eletrônicos e até carros de luxo. A 
segunda modalidade, são os chamados crimes pontuais ou eventuais, 
praticados por meliantes oportunistas, sem qualquer planejamento ou 
organização. Trata-se do roubo ou furto cometido pelo criminoso que se 
aproveita de uma facilidade de acesso ao condomínio ou da distração de algum 
morador, porteiro, entregador ou prestador de serviço. E tal meliante pontual 
é extremamente perigoso e violento, justamente por conta de seu despreparo 
e por estar, na maioria das vezes, sob efeito de drogas. 
Assim, temos que o combate aos cinematográficos arrastões, requer, acima de 
tudo, grande planejamento e investimento em projetos de segurança, 
compra e instalação de equipamentos, contratação de seguranças, obras 
estruturais, blindagem de guaritas e contratação de assessoria especializada. 
Já o combate aos crimes pontuais, tão ou mais importantes que os arrastões, 
requer, essencialmente, um esforço contínuo de conscientização dos 
moradores e porteiros, no sentido de atenção a pequenos vacilos do dia-a-dia, 
que podem facilitar o ingresso de um meliante ao condomínio. 
 
CF - Para as ações judiciais de cobrança de quotas condominiais, as 
inovações da Lei 11.232/05 representam um grande avanço? 
 
MR - Como frisei em artigo escrito na Carta Forense, edição de outubro/06, a 
nova lei trouxe racionalização e simplificação ao sistema processual, verdadeira 
unicidade entre o procedimento de conhecimento e executivo. Ademais, a nova 
lei fixa importante penalidade ao devedor-executado, eis que, a requerimento 
do credor, a dívida não paga após 15 (quinze) dias da intimação, será 
acrescida de multa punitiva de 10% (dez por cento) sobre o montante total 
devido. 
 
CF - Todo condomínio tem um morador barulhento, que 
sistematicamente incomoda seus vizinhos. Há algo a fazer contra 
ele? 
 
MR - Pertubar o sossego do vizinho é crime ! O barulho, certamente, é o 
maior responsável por desentendimentos entre vizinhos nos condomínios. O 
assunto é delicado e polêmico, sobretudo porque os limites e preferências das 
pessoas são extremamente variáveis, o que torna ainda mais difícil impor 
regras claras acerca do que é barulho tolerável. A verdade é que a poluição 
sonora constitui grave infração dos deveres de vizinhança, valendo a máxima 
de que "todos têm o direito de fazer, ou não fazer, em sua casa o que bem 
entender, desde que não cause nenhuma intranqüilidade ou dano ao seu 
vizinho". Apelar para o bom-senso é sempre a melhor saída. Perturbar o 
sossego alheio (mediante gritaria, algazarra, abuso de instrumentos musicais, 
sinais acústicos, dentre outras situações) é crime, nos moldes do artigo 42 do 
Decreto-Lei Nº 3.688/41, passível de prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 
(três) meses, ou multa. 
 
 CF - E o barulho causado por animais domésticos? 
MR - Mais uma questão extremamente controvertida nos condomínios, pois 
discute-se a própria validade da estipulação proibitiva da mantença de animais 
em apartamentos, sendo comum o Judiciário rechaçar tal proibição, salvo 
quando o animal produzir alguma espécie de grave incômodo. 
 Eis então mais uma árdua missão aos síndicos, 
administradores, advogados, zeladores e condôminos: decidir quando 
determinado barulho configura desrespeito ao sossego alheio. Realmente a 
questão caminha sobre uma linha tênue e não raramente os casos concretos 
acabam na Delegacia ou no Fórum. Na grande maioria das situações, a letra 
fria da Lei ou da convenção de condomínio cede espaço às normas surgidas 
através do convívio social entre os vizinhos, de forma que cada comunidade 
acaba por definir seus próprios limites, levando em consideração a faixa etária 
dos moradores, os equipamentos e áreas de lazer, dentre outros aspectos. 
Cabe lembrar que o condômino "barulhento", alem das sanções criminais, pode 
ser penalizado com as multas previstas na convenção de condomínio, 
regulamento interno e nos artigos 1.336 §2º e 1.337 do Código Civil. 
 
CF - Quais cuidados devem ser adotados, nos casos de arrematação 
de unidade autônoma em leilão judicial? 
 
MR - O artigo 1.345 do Código Civil Brasileiro determina expressamente que 
"O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao 
condomínio, inclusive multas e juros moratórios." 
Logo, quem adquire uma unidade autônoma passa a ser responsável por toda 
e qualquer dívida de condomínio existente naquele imóvel, em razão da 
natureza propter rem das despesas, sempre vinculadas ao próprio imóvel. 
Muito embora a Lei e a Jurisprudência não deixem qualquer dúvida acerca da 
responsabilidade do adquirente pelas dívidas do imóvel, muitas pessoas que 
arrematam unidades autônomas em leilões judiciais se dizem surpreendidas 
pela existência de altíssimas dívidas de condomínio e não raramente tentam 
esquivar-se de tal pagamento, através da via judicial. Para evitar longos e 
desgastantes litígios após a arrematação de imóvel em leilão judicial, atrasando 
ainda mais o recebimento do crédito pelo condomínio, os advogados devem, 
em todos os casos, fazer constar no edital de praça e leilão o montante total 
dos débitos condominiais incidentes sobre o imóvel a ser leiloado, fazendo 
constar inclusive que todas as parcelas vincendas até a efetiva praça serão 
incluídas no saldo devedor. 
 
 
Jornal Carta Forense, quarta-feira, 19 de março de 2008

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