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Daniele Borges Bezerra; Juliane Conceição Primon Serres | 33 
 
Minha querida mãe, somente após sua partida, eu compreendi 
o quanto nos amava. Lamentei profundamente que uma doença 
nos separasse por tantos anos e eu não pudesse ama-la com a 
mesma intensidade de um filho criado no regaço de uma mãe 
dedicada e carinhosa como você o foi. Neste instante só de pensar 
nos momentos que deixei de acariciá-la demonstrando todo o meu 
amor, as lágrimas molham minhas faces, um soluço silencioso, 
sufocado, comprime meu peito. [...] Você sempre soube o que é 
ser MÃE e eu um filho ausente por 12 anos, nunca aprendi como 
demonstrar meu amor! (idem, p.227) (Grifo nossos). 
 
Para o autor a vida dentro das colônias configurava-se como 
uma “sociedade excluída” que “[...] ditava a forma de viver, 
copiando o ‘modus vivendi’ de uma sociedade medíocre de cidade do 
interior” (RUBIO, idem, p.44). Entretanto, de modo semelhante ao 
relatado por Bacurau, acima: “com tantos atrativos, depois de se 
conscientizarem que não havia retorno, a maioria procurava 
esquecer seus problemas e usufruir do que lhes era oferecido” 
(RUBIO, 2007, p.44) 
O livro de Nelson Flôres segue a estrutura de um romance e 
nele o autor narra uma história a partir de elementos selecionados 
da sua vida, concentrando-se na experiência da criança – “O menino 
e o rio” – que experimenta o adoecimento, a separação da família, e 
a inserção no que ele chamou de “um mundo estranho chamado 
Colônia Santa Izabel” (FLÔRES, 2012, p.13). Mas ao longo do seu 
livro o autor apresenta outras construções semânticas que 
identificam o lugar de isolamento e que tem uma relação com os 
estágios de significação dados às experiências. A partir de um 
trabalho de memória Nelson Flôres, introduz o leitor numa 
paisagem, trata-se da “construção do espaço” da qual fala Pierre 
Bourdieu (IN AMARO; FERREIRA, 2006, p.190) que pede um recuo 
no tempo, quando o autor chegava na Colônia Santa Izabel com 12 
anos de idade. Ele nomeia o lugar e o apresenta como um universo 
desconhecido, estranho, uma experiência absolutamente nova. Logo 
a seguir, Nelson informa ao leitor que essa mudança abrupta em seu 
destino não era planejada, muito menos desejada, e dá pistas de que 
34 | Saúde e Doenças no Brasil: Perspectivas entre a História e a Literatura 
 
essa foi uma experiência violenta de separação familiar, e ele nomeia 
esse momento como parte de um “mundo indesejado” (FLÔRES, 
2012, p.13). 
Vida e tratamento estariam mesclados a partir de então, 
entretanto, o tratamento experimental disponível naquele período 
não dava bons resultados e Nelson observava os companheiros, 
doentes há mais tempo, definhando dia a dia. A evocação de 
lembranças dessa fase da vida aciona emoções de uma pessoa que 
localiza seus afetos num “mundo de abandono” (idem, p.22). Com o 
passar do tempo, o fim do isolamento compulsório e a abertura dos 
portões da antiga colônia Santa Izabel, Nelson entendeu que apesar 
das dores e da revolta, “o mundo que lhe restava” (idem, p.28) era 
um mundo para ser vivido e um mundo onde outras relações 
afetuosas podiam ser construídas. Nesse mundo Nelson se casou e 
fez dele uma morada definitiva. O “mundo de isolamento” (idem, 
p.29), onde Nelson experimentou o abandono, ficara para trás. Ao 
finalizar o livro, Nelson faz um inventário dos restos desse lugar, 
transfigurado no tempo e na memória, um lugar que agora também 
parecia abandonado pela falta de investimento público. O autor 
empenha-se em promover a proteção do lugar, pelo qual já havia 
desenvolvido uma relação afetuosa, e encerra o livro com a 
promessa da sobrevivência da memória, a partir do que ele 
testemunha: 
 
Encerrando essa simples história. E é lamentável. Gostaria que 
fosse fictícia, mas infelizmente é verdadeira. Como tantos 
companheiros – que ainda vivem num mundo que, às margens de 
um lindo rio, fora construído no passado para isolar pessoas da 
sociedade –, sou testemunha viva do que escrevo. (FLÔRES, 2012, 
p.30). 
 
Com a transposição do personagem para a primeira pessoa, 
Nelson apresenta o lugar no tempo presente, ele diz: “hoje, é um 
mundo livre” (idem, p.31). Isso porque, o lugar que perdeu as 
características iniciais de uma colônia de isolamento, virou um

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