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Leicy Francisca da Silva; Ordália Cristina Gonçalves Araújo | 129 reforçar um desinteresse local em edificar estabelecimentos sanitários, apontava uma avaliação possivelmente moralista dos hábitos locais. Sua observação contrapõe-se às análises históricas sobre a infância em Goiás. Para Diane Valdez, apenas houve uma instituição com esse objetivo no estado, mantida pela Igreja Católica, e situava- se na cidade de Goiás, tendo tido, no entanto, uma curta existência já que o abandono de crianças ocorria em número muito restrito no Estado, em decorrência da relação de maior liberdade e proximidade herdada dos indígenas (VALDEZ, 2003). Além de médico do lugar, Cook se tornaria também dentista, professor, linguista, mineralogista, enfim todo tipo de perguntas era trazido a ele para solução. Na sua perspectiva, quase todas as pessoas de Pedro Afonso pareciam sofrer de algum distúrbio físico e necessitavam de atenção médica, sobretudo aponta haver alto índice de doenças venéreas no Brasil, que seriam responsáveis por matar muitas pessoas ainda na juventude. Essas circunstâncias, conclui, tornavam a região um campo promissor para os profissionais da medicina. A expansão do programa de missões protestantes, no período da Primeira República, ocorre sob a égide de um projeto também de civilização. Isso não acontece por acaso, segundo explica H. B. Cavalcanti, a expansão do protestantismo acontece junto com a apresentação comercial norte-americana em terras estrangeiras. Nesse processo houve dois modelos de missão, o da "igreja oficial" e o modelo de "mercado aberto". O primeiro modelo esteve mais presente no processo de colonização nos países africanos, onde a igreja é exportada como parte do aparato institucional do Estado (2001, p. 62). No segundo modelo, denominado "mercado aberto de missões", ocorre uma disputa entre as várias denominações pela adesão dos fiéis sem apoio direto do poder estatal (2001, p. 62). Esse segundo caso, presente no Brasil, é mais desvantajoso do ponto de vista das missões, porque, além de ter que lidar com uma cultura religiosa e geral diferente daquela da origem dos missionários, tem 130 | Saúde e Doenças no Brasil: Perspectivas entre a História e a Literatura de lidar ainda com os custos de suas ações. Nesse sentido, o grande problema é a dissonância entre a fé protestante e a realidade do espaço e população a ser conquistada, e o nível de aceitação da novidade religiosa que chega (CAVALCANTI, 2001, p. 62). Outra questão que apontamos é a necessidade de absorção do financiamento das ações missionárias, inclusive das instituições que reforçavam seu poder de conquista junto aos possíveis fiéis. É nessa tarefa que esta literatura, expondo a vida de miséria, a carência de instituições, a presença marcante e assoladora das doenças e a dependência e submissão dos locais àqueles que possuíam os saberes necessários para curá-los, alcançava correligionários religiosos dispostos a financiar as obras de filantropia naquele mundo distante ou a devotar suas vidas trabalhando de forma vocacionada naquele sertão. O diagnóstico sanitário e indicação de tratamento A migração em busca de médicos e de cura foi pontuada na escrita de William Azel Cook, já que em virtude da escassez desses profissionais nas cidades do então norte de Goiás, muitas pessoas afluíam para outras regiões, como o Maranhão, onde se encontrava o médico estadunidense Franklin Floyd Graham (1880-1948). Ele próprio teria viajado com uma família após saírem de Piabanha (atual Tocantínia-TO) para Carolina (no Maranhão) com vistas ao tratamento médico. O grupo constituía-se por viajantes com características peculiares. Entre eles havia um deficiente físico (tinha o braço inutilizado) e outro com problemas cardíacos e cegueira. Outras pessoas tinham doenças de pele, catarata e cansaço crônico. Em Carolina, explica que o Dr. Graham, médico- missionário,7 viu sua presença transformar-se em um evento visto 7 Enviado pela Missão Central da Igreja Presbiteriana do norte dos Estados Unidos para atuar em Goiás, era tarefa de Graham (1880-1948) averiguar as possibilidades de instalação de uma missão nesse estado com ações de evangelização, educativas e de saúde. Sua missão foi implantada em Planaltina, na Chapada dos Veadeiros, em 1926.
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