Buscar

Diagnóstico de Leucemia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Sander Cruz Castelo | 203 
 
espera um milagre”. Na verdade, não a aguardara, mas a procurara, 
inutilmente, na forma de “chave de minha vida”, em “cogitações, em 
sonhos e leituras longas” (p. 14-15; 17; 20). 
No dia 13 de novembro, ele inicia o diário relatando que, 
estando os circunstantes atinando, há mais de duas semanas, para 
o seu emagrecimento e sua palidez, tanto na faculdade quanto na 
rua, e ele sentindo “uma fadiga crescente”3, decidira se consultar 
com um médico, tendo Pedreira indicado o Dr. Aquiles. Tivera o 
tórax e o ventre examinados pelo médico no dia 10, ocasião em que 
lhe foi solicitado análise de sangue e urina4 para o dia seguinte. 
Após uma “noite difícil, carregada de pressentimentos”5, ele se 
dirigira novamente ao consultório. Lido o exame de sangue, o Dr. 
Aquiles perguntou-lhe se era casado e se tinha filhos, pois o homem 
não se trata bem sozinho6, as mulheres sendo “muito mais práticas”. 
Ciente de que o médico “mentia”7, tergiversando a exposição de um 
“caso [que] era muito grave”, o paciente respondeu-lhe que fora 
abandonado pelos dois8, vivendo, “felizmente”, sozinho (p. 25; 30-1). 
O médico interrogou-lhe, então, se era “católico”, ouvindo do 
doente não saber “exatamente” o que seria: fora “educado em 
colégio de padres, era o melhor aluno de catecismo e gostava de 
ajudar à missa”, além de crerem que ele “tivesse vocação”; ela se 
esfriara, contudo, deixado o colégio, a que se seguiu vida de 
“atropelo constante”, feita de casamento e paternidade precoces, 
havendo chegado ali, “com este sangue”, incônscio de quem seja e 
de “quem é Deus” (p. 31-2). O paciente questionou, em seguida, a 
pergunta e o crucifixo na parede, de significados, aparentemente, 
 
3Imputada “aos desgostos, ao calor e à idade” – “cinquenta anos mal vividos” (p.22). 
4 E em que se inquietara com um crucifixo na parede do consultório. 
5 Seja a “contrariedade” de “deixar o fumo” ou “tomar férias”, seja a possibilidade de uma “doença 
grave” (p. 25). 
6 Ainda mais um “grande distraído” como ele, um intelectual (p. 31). 
7 Como Eunice, num certo dia. 
8 A esposa, há uma década; o filho, há dois anos. 
204 | Saúde e Doenças no Brasil: Perspectivas entre a História e a Literatura 
 
conformistas. Dr. Aquiles replicou que o instrumento se justificava 
pela sua crença. 
Respondendo à insistência do narrador, que odiaria a 
“mentira” e dispensava o “milagre”, o médico afirmou, finalmente, 
que ele sofria de leucemia, presumivelmente “de uma forma aguda”. 
Interrogando, enfaticamente, sobre o tempo que lhe sobrava9, foi-
lhe dito que teria “três ou quatro meses” de vida. A notícia fez com 
que o mundo se tornasse “diferente” para ele10. Inquiriu o doutor, 
em seguida, sobre como podia “prolongar” ou “suportar melhor” os 
dias vindouros, descobrindo que podia fazer transfusões de sangue 
periódicas11 e que lhe era permitido continuar suas atividades, 
contanto que não se cansasse demasiadamente (p. 33-5). Colheu, 
ainda, mais informações sobre a doença12 e a exatidão do resultado 
do exame de sangue, sendo convidado a visitar o médico, para 
conversar, e a telefonar, para marcar a transfusão. 
Em 17 de novembro, anota no diário que ainda não adquiriu 
“nenhum progresso na assimilação profunda da ideia de morte”. Não 
queria ser “pegado desprevenido”, bastando, já, a “vida de peteca” 
levada em torno de Eunice. Descreve, também, a ida ao enterro do 
Ferraz13 em “dependência nova do São João Batista, onde os mortos 
se despedem dos vivos em pequenas câmeras mortuárias superpostas 
como os exíguos apartamentos modernos”. Observara, então, duas 
coisas: “que as dores se separam em beliches [...] porque os homens 
entre si se separam [...] e os homens entre si se separam porque cada 
um de si mesmo se separa”; e que “as pessoas vão ao defunto como a 
um juiz [...] [:] o defunto está ali para lembrar o que poderíamos ter 
 
9 Dissera que “queria viver a minha morte, já que a vida eu não a pudera viver” (p. 33). 
10“O mundo ficou mortiço, descorado, seco, como no dia em que vi Eunice atravessar a rua e entrar no 
hall do edifício de apartamentos” (p. 34). 
11 Ele devia retornar entre oito ou dez dias. 
12“Leucemia mielóide aguda”, “um câncer do sangue” (p. 35). 
13 Um “velho professor de Química que morrera de repente, de uma angina-de-peito” (p. 41).

Continue navegando