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Mauro Gaglietti | 227 
 
semelhantes (mas não completamente idênticas, considerando a 
influência da dimensão individual) quando o acontecimento ou fato 
é compreendido por sujeitos pertencentes a uma mesma 
comunidade. 
A Teoria das Representações Sociais dedica-se à investigação 
e compreensão do fenômeno que Serge Moscovici concebeu como 
representações sociais: 
 
Um sistema de valores, ideias e práticas, com uma dupla função: 
primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas 
orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em 
segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre 
os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para 
nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu 
mundo e da sua história individual e social. (MOSCOVICI, 2003, p. 
20). 
 
Desta forma, as representações sociais podem ser 
compreendidas de forma resumida como conjuntos de ideias, 
sentidos e símbolos construídos socialmente e que interferem 
diretamente na compreensão de mundo dos sujeitos, e, 
consequentemente, na sua maneira de se comportar frente a um 
determinado objeto, situação ou fenômeno. Essa construção é feita 
de maneira dinâmica e principalmente social por meio da 
comunicação e vivência diária dos sujeitos e comunidades. A 
principal função das representações sociais é, portanto, nortear o 
sujeito para que algo não familiar se torne mais familiar e, portanto, 
mais compreensível, menos ameaçador e legítimo socialmente 
(MOSCOVICI, 2003; JOVCHELOVITCH, 2008). 
Uma das questões que se pode examinar a partir da lente das 
representações sociais é o binômio saúde\doença. A escolha da 
temática recai justamente por se perceber que em pleno século XXI 
o sistema de assistência à saúde no Brasil - e nos demais países - 
encontra-se vinculado à visão de mundo compartilhada, no geral, 
pelo conjunto dos indivíduos, e, em particular, pelas autoridades e 
228 | Saúde e Doenças no Brasil: Perspectivas entre a História e a Literatura 
 
profissionais a respeito do que venha ser saúde\doença e de como 
se processam os mecanismos de cura12. Assinala-se, ainda, que a 
alteração do contexto é uma variável constante, permanente, 
proporcionando-se a ambiência de necessárias adaptações às 
sucessivas demandas na esfera econômica, filosófica e religiosa. Tais 
influências impactam na perspectiva dos sujeitos sobre o significado 
das doenças e do que venha ser considerado como sendo saúde e as 
estratégias de tratamento às doenças que são aceitas como legítimas. 
É nisso que reside os limites e as possibilidades da sobrevida do 
sistema médico como modelo paradigmático aceito como 
verdadeiro, correto, portanto, único em cada contexto histórico. 
Diante de tal perspectiva, somos convidados a retomar os 
ensinamentos de Hipócrates13 nos quais constam que a saúde requer 
um estado de equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida 
e os vários componentes da natureza humana descritos em termos 
da busca necessária do equilíbrio químico e hormonal (“humores” e 
“paixões”). Nesses termos, a recuperação do enfermo é 
acompanhada pela eliminação do humor alterado. Desse modo, o 
médico pode auxiliar as forças curativas da natureza, retirando do 
corpo o humor em excesso ou defeituoso buscando garantir a 
restauração do equilíbrio. Assim, a saúde poderia ser garantida na 
exata proporção e da perfeita mistura dos quatro humores, que 
poderiam alterar-se por ação de causas externas ou internas. Desse 
modo, o excesso ou deficiência de qualquer dos humores, assim 
como o seu isolamento ou miscigenação inadequada, causariam as 
 
12 Na concepção sistêmica de saúde amparada no físico quântico Fritjof Capra (1982), toda enfermidade 
é, em essência, um fenômeno mental, e, em muitos casos, o processo de adoecer é invertido do modo 
mais eficaz por intermédio de uma abordagem que integra terapias físicas e psicológicas. Nessa 
direção, destaca-se que a estrutura conceitual subjacente a tal abordagem incluirá não só a nova 
biologia sistêmica de Maturana e Varela, mas também uma nova psicologia sistêmica de Carl Gustav 
Jung, uma ciência da experiência e do comportamento humanos que percebe o organismo como um 
sistema dinâmico que envolve padrões fisiológicos e psicológicos interdependentes e está inserida nos 
mais amplos sistemas interagentes de dimensões físicas, sociais e culturais. 
13 Segundo o Professor Spyros Marketos, presidente da Fundação Internacional Hipocrática de Cós, o 
modelo quaternário da escola hipocrática mostrou-se compatível com as recentes descobertas da 
biologia molecular (Marketos, 1996, p. 61-71).

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