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12/03/2024 Relato de caso clínico Docente: Cláudia Capitão PSICODIAGNÓSTICO INFANTIL Descrição da demanda • Ana, 8 anos, cursando o 2º ano do ensino fundamental em uma escola pública. A menina foi encaminhada pela neurologista que a atendia para avaliação das funções cognitivas. As principais queixas trazidas pela família se referiam a dificuldades de aprendizagem escolar, de fluência da fala e do desenvolvimento da motricidade. • Sua mãe teve problemas psiquiátricos durante e após a gravidez, e, por isso, os avós maternos assumiram os cuidados de Ana. As informações sobre a história de vida da menina foram fornecidas pelos avós. 1 2 12/03/2024 História clínica • Ana é a única filha de Maria. • A gestação da menina não foi planejada, mas desejada pela família da mãe. • Ela nasceu de parto normal, com 37 semanas de gestação e não apresentou problemas após o parto. • Segundo relato dos avós, a mãe de Ana namorava o pai da menina quando engravidou, mas ele a abandonou no terceiro mês de gestação. • Após o ocorrido, Maria teve depressão até o final da gestação, no período pós- parto e, também, depois do nascimento da menina. Assim, os avós maternos, Iolanda e Antônio, assumiram os cuidados de Ana desde seu nascimento. • A mãe rejeitou a recém-nascida, não quis pegá-la no colo e nem queria vê-la. • No retorno do hospital para casa, Maria teve um episódio psicótico breve e foi internada em uma clínica psiquiátrica por uma semana. Ela passou por outras internações psiquiátricas para tratamento da depressão, sendo que a última havia ocorrido quatro anos antes do momento da anamnese (a família não soube precisar o número total de internações). • Além disso, a neurologista tinha estimado que Maria tinha um “atraso de cinco anos” no desenvolvimento intelectual, segundo relatado por Iolanda. • No momento da avaliação, Ana morava com os avós e com a mãe, que também dependia de cuidados da família. 3 4 12/03/2024 • A avó da menina relatou que, passados seis meses de seu nascimento, Maria melhorou parcialmente do quadro depressivo e passou a ajudar nos cuidados da filha, embora necessitando de supervisão. • Segundo Iolanda, Ana “foi uma criança muito rápida”, que começou a caminhar com 9 meses e a falar as primeiras palavras aos 8 meses. A avó referiu que a menina “já falava tudo” aos 2 anos, embora fosse difícil compreendê-la em alguns momentos. • Ana apresentou dificuldades no controle esfincteriano, e só houve a retirada completa das fraldas aos 4 anos. • No momento da avaliação, ainda necessitava de ajuda para ir ao banheiro, apresentando dificuldades para limpar-se e vestir-se, segundo a avó. Além disso, não conseguia vestir a roupa sozinha, amarrar cadarços ou tomar banho sem supervisão. • Aos 4 anos de idade, Ana sofreu uma queda na varanda de casa, foi hospitalizada e fez exames, mas não houve traumas ou outras consequências. • Quando tinha 6 anos, teve uma crise convulsiva. O neurologista diagnosticou epilepsia e receitou ácido valproico, medicamento que usava desde então. • Iolanda também relatou que Ana teve um “surto psicótico” aos 7 anos, pois ela relatava ver cobras em todo lugar. A paciente foi levada à emergência psiquiátrica, ficando internada por oito dias. Desde então, realizava acompanhamento psiquiátrico e fazia uso de risperidona. • O psicodiagnóstico de Ana foi realizado em seis atendimentos de uma hora cada. Além disso, foi realizada uma sessão para a devolução dos resultados, primeiramente com a menina e, depois, com os avós e a mãe. Foram também sugeridos encaminhamentos para tratar das principais dificuldades da menina. 5 6 12/03/2024 Procedimentos Após a entrevista de anamnese e coleta de informações sobre a menina, bem como a análise de seus exames médicos e tratamentos de saúde prévios, foram estabelecidas algumas hipóteses a serem testadas na avaliação. Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-IV): desempenho extremamente baixo 7 8 12/03/2024 • A análise de comparação entre as discrepâncias do WISC-IV indicou que a paciente apresentou desempenho relativamente menos prejudicado em tarefas que envolviam o conhecimento da linguagem e abstrações verbais (ICV) e habilidades de análise e síntese visuoespacial e atenção seletiva visual (IOP). • A habilidade que se encontrava mais deficitária era a de memória operacional (IMO), que exige que a criança retenha determinadas informações e as organize para o desempenho de uma diversidade de ações. o A Escala de Maturidade Mental Colúmbia (CMMS) é um instrumento que avalia capacidades de raciocínio geral que são especialmente importantes para o sucesso na escola, onde é enfatizada a capacidade para discernir as relações entre vários tipos de símbolos. Ana apresentou percentil 21 que indica capacidade médio inferior, comparada com a amostra de padronização do teste, para formular uma regra ou princípio, associando várias figuras ou formas geométricas; para desempenhar tarefas de classificação perceptiva simples e para manipular conceitos simbólicos de forma abstrata. 9 10 12/03/2024 Teste do Desenho da Figura Humana (DFH-III) Observou-se nos desenhos que as dificuldades motoras não eram as únicas variáveis a influenciar a produção gráfica. Os desenhos eram empobrecidos para a idade, sem distinção sexual e não apresentaram alguns itens esperados da figura humana (boca, nariz, pernas e pés). Observou-se que a maturidade cognitiva não foi alcançada para a realização dos desenhos. Além disso, levantou-se a hipótese de que fatores emocionais também podem ter interferido na produção gráfica da paciente, consideradas as abordagens projetivas das técnicas de desenhos. Os resultados indicaram que o desempenho de Ana no teste foi igual ou superior a apenas 1% das crianças de sua faixa etária, sendo classificado como deficiente. Portanto, a produção gráfica indicou desenvolvimento cognitivo extremamente baixo para a idade, coincidindo com os resultados dos outros testes aplicados. Conclusões Ana foi encaminhada para avaliação psicológica por apresentar dificuldades de aprendizagem, na fala e no desenvolvimento da motricidade. As crises convulsivas, uma queda na infância, bem como o “atraso de três anos” referido pela neurologista reforçaram a hipótese de capacidade cognitiva reduzida. Hipóteses adicionais iniciais, baseadas nas informações provenientes do enca- minhamento e da entrevista de anamnese, incluíram um possível déficit de atenção, problemas emocionais, alterações das funções do estado mental ou dificuldades específicas de aprendizagem. 11 12 12/03/2024 • Os resultados da avaliação cognitiva indicaram capacidade intelectual inferior ao esperado para a idade de Ana. • Atrasos no desenvolvimento da linguagem e da motricidade foram percebidos pelos familiares nos primeiros anos de vida da menina, antes de ela ter apresentado crises convulsivas ou problema - psiquiátrico, bem como antes de fazer uso de medicações. • Esses déficits se manifestaram nas dificuldades de aprendizagem relatadas pela escola, no reconhecimento de letras, cores e números e na resolução de problemas observados na hora do jogo diagnóstica. • Os sintomas descritos pelos familiares e observados na avaliação clínica indicaram déficits tanto intelectuais quanto adaptativos nos domínios conceitual, social e prático. • Considerando os critérios diagnósticos do DSM-5 (APA, 2014) para deficiência intelectual, a saber: Critério A, déficits nas funções intelectuais; Critério B, déficits no funcionamento adaptativo em diferentes ambientes; e Critério C, início durante o período de desenvolvimento (antes dos 18 anos), concluiu-se que a Ana tinha esse transtorno. • A hipótese de que a atenção pudesse ser uma função que explicasse os problemas de aprendizagem de Ana não se confirmou. Embora ela tenha apresentado baixa capacidade de manter a atenção quando comparada a crianças da mesma faixa etária (como pode ser observado nos subtestes Cancelamento e Procurar Símbolos do WISC-IV, em que seudesempenho ficou 2 e 3 desvios-padrão abaixo da média, respectivamente), essas dificuldades podem ser mais bem explicadas pelo déficit intelectual global. 13 14 12/03/2024 • Em relação a um possível transtorno específico da aprendizagem, essa hipótese também foi descartada, já que não é possível um quadro de comorbidade entre deficiência intelectual e esse transtorno. A deficiência intelectual se configurou como a causa primária e mais provável das dificuldades da menina. • A partir do que foi concluído no psicodiagnóstico, indicou-se que Ana aumentasse a frequência de consultas com a fonoaudióloga para intensificar o trabalho sobre as dificuldades de fala. • Foi recomendada manutenção do acompanhamento com neurologista para monitorar o uso da medicação para epilepsia. Além disso, recomendou-se uma nova consulta com o psiquiatra para avaliar a necessidade do uso da risperidona. • A devolução dos resultados foi feita primeiramente com a menina e depois com seus familiares. • Para ela, procurou-se descrever, com palavras de fácil compreensão ao seu nível etário e educacional, as principais dificuldades que apresentava e as habilidades que poderia desenvolver. Foi explicado que seriam sugeridos tratamentos com profissionais para tratar dessas dificuldades. • Com os familiares, foi enfatizada a importância de incentivar a autonomia de Ana para favorecer seu desenvolvimento, principalmente nas atividades de autocuidado. Também se falou acerca da importância de ela ter o próprio espaço e dormir na própria cama. • Sobre o diagnóstico, foi explicado que crianças com deficiência intelectual em nível leve podem ter algumas limitações em seu funcionamento psicossocial, necessitando de mais tempo e ajuda para aprender e desenvolver competências. Entretanto, apesar das dificuldades cognitivas, Ana tinha potencial para o desenvolvimento e um ambiente saudável que a favorecia. • O prognóstico da paciente poderia ser favorável caso recebesse os devidos atendimentos e intervenções voltados para suas dificuldades. 15 16 12/03/2024 • Referência Biblográfica: Hutz, S. C. Psicodiagnóstico [recurso eletrônico] / Organizadores, Claudio Simon Hutz ... [et al.]. – Porto Alegre : Artmed, 2016. (Capítulo 31 - ESTUDOS DE CASO EM PSICODIAGNÓSTICO: CRIANÇA, ADOLESCENTE E ADULTO) 17
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