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1 CLÍNICA CIRÚRGICA II CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA Luís Carlos Guedes – 8º período ➢ INTRODUÇÃO A obesidade mórbida é o acúmulo excessivo de gordura no tecido adiposo do organismo, causada pelo desequilíbrio entre o ganho e o gasto calórico. O grau de obesidade pode ser medido através de métodos qualitativos e/ou quantitativos. O método qualitativo consiste na medida do maior perímetro abdominal entre a última costela e a crista ilíaca ou circunferência abdominal, relação cintura-quadril, exames de imagem, etc. Já o método quantitativo é o mais utilizado no dia a dia, e engloba a tabela de peso e altura (IMC), somatório das medidas de pregas cutâneas, impedância bioelétrica, etc. - 40% da população no Brasil está acima do peso - IMC (Quetelet) é o método mais utilizado para o cálculo de adiposidade corporal. Ele não diferencia massa magra da gordurosa, não reflete a distribuição de gordura corporal, onde por exemplo, podemos ter situações corporais diferentes em duas pessoas com 90kg, onde uma pode possuir mais massa magra e a outra mais gordura, porém com o mesmo peso corporal. O ideal é utilizar o IMC associado a outros métodos. Lembrando que: 2 O escore de risco ao lado é o aceito pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica em conjunto com o Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Para que a cirurgia bariátrica seja indicada o escore deve ser avaliado, verificando o risco metabólico e se a pessoa tem indicação. A técnica mais utilizada seria a derivação gastrojejunal em Y de Roux. A obesidade ainda possui relação com outras comorbidades, e induz ao aparecimento de doenças associadas, o que debilita fisicamente e socialmente o indivíduo, o que aumenta a morbidade e mortalidade. DM2, HAS, AVC, colelitíase, DRGE, doenças coronarianas, doenças vasculares, neoplasias, são exemplos de doenças prevalentes na obesidade. ➢ SÍNDROME METABÓLICA A síndrome metabólica compreende a obesidade, dislipidemia e hipertensão. . 3 ➢ REVISÃO DE FISIOLOGIA Para falar da cirurgia bariátrica nós precisamos lembrar das incretinas, que são peptídeos que atuam na regulação do apetite e da ingestão alimentar, motilidade gastrointestinal, balanço energético e peso corporal. Geralmente o indivíduo obeso possui desregulação das incretinas. - Colecistoquinina (CKK): inibição da ingestão alimentar, retardo no esvaziamento gástrico, estímulo de produção de enzimas pancreáticas e estimulação da contração da vesícula biliar. - GLP-1: da família das incretinas, promove a sensibilização periférica à glicose, a biossíntese de insulina e inibe a secreção de glucagon. É regulador do esvaziamento gástrico (reduz a velocidade do trânsito de nutrientes). - GIP: incretina, sintetizado pelas células K duodenais, secretado em resposta à ingestão de glicose e gordura. Na associação com a insulina, promove o depósito de gordura no subcutâneo (resistência insulínica). - PYY: relacionado à saciedade, secretado nos períodos pós-prandiais, ele diminui a velocidade de digestão para que se aumente o tempo de absorção dos nutrientes. - Oxintomodulina: junto com o GLP-1 e PYY causa redução da ingestão alimentar - PP: efeito inibitório sobre a ingestão alimentar, aumenta a saciedade, retarda o esvaziamento gástrico e regula o energético. - Grelina: expressada pelas células neuroendócrinas do fundo gástrico. É o único hormônio orexigênico, promovendo a ingestão alimentar e acelerando o esvaziamento gástrico. ➢ ETIOLOGIA/FISIOPATOLOGIA - Multifatorial com fisiopatologia complexa e relação genética evidente - Patologias: hipotireoidismo, SOP, síndrome de Cushing, deficiência de leptina, síndrome de Prader-Willi - Consumos de alimentos de baixo custo e altamente calóricos associado ao sedentarismo (maior causa) 4 ➢ TRATAMENTO CLÍNICO DA OBESIDADE MÓRBIDA - Anamnese + exame físico - Estimular mudança dos hábitos de vida - Pensar na cirurgia apenas quando o tratamento clínico não for mais efetivo ➢ TRATAMENTO CIRÚRGICO - O tratamento cirúrgico oferece a melhor possibilidade de sucesso a longo prazo para a maioria dos pacientes com obesidade mórbida. - As técnicas mais eficazes são by-pass gástrico com Y de Roux e gastrectomia vertical. - O sucesso depende de uma equipe multidisciplinar (fisioterapia, psicólogo, nutricionista) + paciente consciente. - Deve ser realizada apenas em centros de referência. 5 - Pré-operatório: A pesquisa de H. pylori é importante para realizar o tratamento antes de submeter o paciente a cirurgia. Também é importante investigar outras doenças esôfago-gástricas, uma vez que a gastrectomia vertical é refluxogênica, demandando troca da técnica nestes casos. ➢ TÉCNICA CIRÚRGICA - Objetivos: 1. Reduzir a absorção calórica excluindo porções do intestino delgado – procedimentos mal-absortivos 2. Reduzir a capacidade gástrica – procedimentos restritivos 3. Induzir a má absorção e diminuir o reservatório gástrico – procedimentos mistos/combinados 6 • BYPASS GÁSTRICO EM Y DE ROUX: - O by-pass envolve uma exclusão gástrica e desvio de trânsito com reconstrução em Y de Roux, mantendo uma alça biliopancreática e uma alimentar - Como o fundo gástrico é excluído, ocorre perda da função da grelina - Procedimento misto - Mais realizado – 70% dos procedimentos - Padrão ouro: videolaparoscopia (menos complicações) - Desvio de trânsito: disabsorção de lipídios, carboidratos, vitaminas, ferro e cálcio Técnica do Bypass 1. Acesso a cavidade por 06 portais 2. Reservatório gástrico de cerca de 30-50 ml é criado, a partir da pequena curvatura, utilizando-se grampeadores lineares 3. Realização da gastrojejunostomia com um estomago de cerca de 1,5 a 2 cm para restabelecer esse trânsito. 4. Transecção do jejuno a 100 cm do ângulo de Treitz (alça biliopancreática) 7 5. Enteroenteroanastomose é realizada látero-lateralmente de 100 a 150 cm abaixo, na alça de Roux 6. Teste do azul de metileno na bolsa gástrica com sonda de Fouchet para verificar a bolsa criada e qualquer vazamento - Quando seccionamos o jejuno, formamos a brecha mesentérica, que é justamente um buraco no mesentério. Este local pode ser sítio de hérnias internas, principalmente após o paciente perder peso. O cirurgião também pode deixar um dreno nessa região. - Na laparoscopia o nº e local de incisões varia de acordo com o cirurgião. - Perda de peso adicional pode ser obtida em pacientes com IMC >= 50 kg/m² com uma alça de jejuno para o Y de Roux com 150 cm ou 200 cm. A alça depende do objetivo, geralmente é feita da seguinte forma: 100 cm para os não diabéticos, 150 cm para os diabéticos e 200 cm para superobesos. - Antigamente colocava-se um anel de silicone ou Marlex para restrição na gastrojejunoanastomose: cirurgia de Fobi-Capella - Sem anel: cirurgia de Wittgrove-Clark - Técnica videolaparoscópica: menor tempo de hospitalização, retorno mais rápido às atividades, diminuição da incidência de infecção na ferida operatória e de hérnia incisional, menor dor pós-operatória • GASTRECTOMIA VERTICAL (SLEEVE) - Procedimento restritivo - Formação de uma bolsa gástrica tubular com capacidade de 150 a 200 ml por meio da ressecção de 80 a 90% do estômago com grampeadores lineares - Retirada parte do estômago -> diminui a grelina 8 - Surgiu como um primeiro passo a derivação biliopancreática em pacientes superobesos - Perda de peso é semelhante a BGYR a curto prazo - Indicações: IMC menores, homens, idade avançada e em super-superobesos - Cuidado: cirurgia refluxogênica, pois o estômago se torna um órgão tubular, com consequente aumento da pressão intraluminal. Técnica da gastrectomia vertical 1. Acesso por 05 portais 2. Dissecção de vasos curtos gástricosa partir de 5 a 8 cm do piloro 3. Gastrectomia com grampeadores lineares, com estômago devidamente posicionado (retraído plano e lateralmente) 4. Reforço da linha de sutura 5. Retirada do estômago restante da cavidade • DERIVAÇÃO BILIOPANCREÁTICA (SCOPINARO) - Procedimento dissabsortivo - Perda de peso está relacionada a aceleração tanto do esvaziamento gástrico (gastrectomia) como do trânsito intestinal (enteroileostomia) – reduz em 70 a 80% - A quantidade de comida ingerida passa para o intestino sem ser digerida ou absorvida até que receba a bile e o suco pancreático, antes da válvula ileocecal, onde a digestão e absorção vão acontecer - 4 – 6 evacuações malcheirosas -> má absorção de gordura, esteatorreia - Maior incidência de desnutrição proteicocalórica, síndrome de Dumping, diarreias, deficiência de vitaminas lipossolúveis e cálcio 9 - Indicada em pacientes super-superobesos (IMC > 60) - Realização da gastrectomia vertical + duodeno seccionado a nível do piloro - Alça alimentar curta e alça biliopancreática longa • BANDA GÁSTRICA AJUSTÁVEL - Procedimento restritivo - Colocação de uma banda, inflada com solução salina, que circunda a parte superior do estômago, perto da junção esofagogástrica -> transforma o estômago em uma bolsa de 15 ml - Técnica laparoscópica: padrão ouro - Baixo índice de deficiências em vitaminas e sais minerais - Perde de peso não é efetiva; complicações a longo prazo (erosão, perfuração, estenose, migração) - Pouco utilizada atualmente • BALÃO INTRAGÁSTRICO - Alternativa temporária não cirúrgica para pacientes com sobrepeso (IMC de 26 até 29) - Durabilidade de 6 meses a 1 ano – por meio de EDA - Perda de peso de 15 a 20% - Demanda uso de IBP: risco de RGE e ulceração - Complicações: migração, náuseas, vômitos 10 ➢ COMPLICAÇÕES - Risco significativo de complicações apesar de atualmente ser considerado um procedimento altamente seguro (sob mãos experientes e em hospitais de referência) - As complicações são atípicas, pois obesos são pacientes atípicos - UTI pós-operatório: pacientes com risco de complicações Complicações precoces: 1. FÍSTULA • Complicação mais temida • Dor inespecífica, soluços, taquicardia • Suspeição? Laparoscopia exploradora • Precoces (24-48 horas) X Tardias (5-10 dias) • Derivam de problemas técnicos, má cicatrização ou isquemia • Gastrectomia vertical: maior índice (ângulo de His) • Como proceder? Gastrectomia total ou conversão para BGYR 2. EMBOLIA PULMONAR • Ocorre no intra-operatório (0,3 a 2,2%) • Causa mais frequente de morte na cirurgia bariátrica (40%) • Podem ser reduzidas com o uso de heparina SC profiláticas, botas de compressão pneumáticas, meias de compressão intermitentes e deambulação precoce no pós-operatório • Fatores de risco: sexo masculino, tabagismo, tempo cirúrgico maior que 3 horas e obesidade extrema (IMC >= 50 kg/m²) 3. IAM / AVC • Obesidade: risco aumentado aos eventos cardiovasculares 11 • Incidência de 0,5 a 1% - Sintomas típicos ausentes! 4. COMPLICAÇÕES PULMONARES • Atelectasias, pneumonias e insuficiência respiratória 5. INFECÇÃO DA FERIDA OPERATÓRIA • Mais comuns: 5 a 20% dos pacientes, mesmo na laparoscopia pode acontecer 6. HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA • Complicação rara: sangramentos na anastomose gastrojejunal, na linha de sutura gástrica, na anastomose jejunojejunal - > cauterizar vasos sangrantes Complicações tardias: 1. OBSTRUÇÃO INTESTINAL • 2 – 8%, nas técnicas onde há anastomoses do intestino delgado e laparoscopia • Hérnias internas e aderências (raras) – meses a anos após a cirurgia 2. NÁUSEAS E VÔMITOS • Queixas mais comuns após a bariátrica (30%) • Comer rápido gera sintomas -> disciplina alimentar • Estenose ou impactação alimentar durante a alimentação deve ser corrigida com EDA 3. ESTENOSE DE ESTOMA • BGRY – incidência de 4 a 20% • Intolerância a alimentos sólidos; primeiros meses pós-operatório • Dilatação endoscópica 4. ÚLCERASMARGINAIS • No local da anastomose 5. DRGE 12 • Principalmente em pacientes com gastrectomia vertical 6. SÍNDROME DE DUMPING • BGYR – cerca de 50 a 85% dos casos • Diarreia, cólicas abdominais, náuseas, vômitos, hipotensão arterial, taquicardia, tontura, rubor e síncope • Causa: exposição do intestino delgado proximal a alimentos hiperosmolares 7. COLELITÍASE • Altamente relacionada com pacientes obesos 8. HÉRNIA INCISIONAL • Nas laparotomias convencionais ➢ DEFICIÊNCIAS NUTRICIONAIS - Geralmente ocorrem nas técnicas com algum componente desabsortivo: BGYR e derivação biliopancreática - Os pacientes devem receber suplementação oral de vitaminas e sais minerais indefinidamente - Desnutrição proteicocalórica, deficiência de ferro, vit B12, cálcio e vitaminas lipossolúveis ➢ ALTERAÇÕES METABÓLICAS - Hipoglicemia por hiperinsulinemia funcional: o BGYR gera uma hiperplasia das células beta pancreáticas (nesidioblastose) - Ansiedade, fome, perda da consciência e até convulsões podem ser observados - Obesidade persistente ou recorrente - Perda excessiva de peso (geralmente na derivação biliopancreática) 13 ➢ CIRURGIA METABÓLICA - Dentre as várias comorbidades, nenhuma apresenta melhora mais significativa do que o diabetes mellitus - Correção da DM2 ocorre em 76,8% dos pacientes que se submetem a cirurgia bariátrica - BGA e GV: promovem a resolução de 40 a 60%, respectivamente - DBP com switch duodenal: 98,8% de remissão completa do diabetes - BGYR: 84% dos pacientes - Bariátrica X Metabólica: compartilham as mesmas técnicas cirúrgicas, mas com intenções diferentes, onde a intenção não é a perda de peso - DBP e BGYR alteram a secreção dos peptídeos intestinais orexígenos e anorexígenos - Paciente com longa duração da DM2 (>10 anos), controle glicêmico inadequado no pré-operatório, uso de insulina: reduzem probabilidade de resolução da DM2, porém ainda assim conseguem melhor controle da doença - Diabetes auto-imune (LADA) possui melhora do quadro a curto prazo, porém a longo prazo ele volta a sofrer com as consequências da doença - O BGYR causa aumento de incretinas e aumento do efeito incretínico na secreção de insulina na DM2, normalizando a resposta. O efeito incretínico é a capacidade que determinados procedimentos têm de alterar os componentes do eixo enteroinsular, levando a melhora dos níveis glicêmicos. - A cirurgia metabólica só deve ser recomendada a pacientes com IMC > 35 com DM2 com incapacidade de alcançar e manter uma perda de peso significativa - Paciente sem obesidade: realizar com cautela. Indicada em pacientes acima de obesidade grau I.