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DOI: 10.30928/2527-2039e-20212738 _______________________________________________________________________________________Relato de caso _____________________________________ ¹ UniFACEF, Curso Medicina - Franca - SP - Brasil 2 Hospital Regional de Franca, Serviço de Cirurgia Geral - Franca - SP - Brasil Relatos Casos Cir. 2021;7(1):e2738 HÉRNIA HIATAL GIGANTE POR DESLIZAMENTO COM ESTÔMAGO INTRATORÁCICO GIANT HERNIA BY SLIDING WITH INTRATORACTIC STOMACH Denner Alves Cardoso, TCBC-SP¹,2; Heloísa Loureiro Costa1,2; Gabriel de Souza Ferreira¹,2; Flávia Cevithereza Pontes1,2; Guilherme de Oliveira Pinto Bertoldi1,2; Douglas Franco Félix1,2. INTRODUÇÃO A hérnia hiatal (HH) é a manifestação da inconsistência anatômica da região do hiato esofágico, congênita ou adquirida, que permite a passagem de parte do estô- mago pelo diafragma e assim, sua projeção para o tórax1. A HH pode ser classificada, quanto ao grau de prolapso, segundo Allison em três tipos: tipo I ou deslizamento (HHD), tipo II ou rolamento ou paraesofageana (HHP) e tipo III ou mista. Um quarto tipo é descrito na literatura como tipo IV, ou gi- gante ou estômago intratorácico (HHG)2. A HHG pode ser descrita como uma hérnia mista pelos componentes desliza- mento e paraesofageano. É o tipo de acome- timento menos frequente, sendo classifica- da como tal, quando 30% do estomago en- contra-se a nível torácico3. Como principais fatores de risco para HH estão a velhice e a obesidade. Um afrouxamento do ligamento esofágico e dia- fragmático na população de idosos contri- RESUMO Introdução: A hérnia hiatal (HH) é a manifestação da inconsistência anatômica da região do hiato esofágico, congênita ou adquirida, que permite a passagem de parte do estômago pelo diafragma e assim, sua projeção para o tórax. A HH gigante é o tipo menos frequente, com cerca de 30% do es- tômago a nível torácico. Como principais fatores de risco para a HH estão a velhice e a obesidade. A alteração anatômica decorrente da formação da HH contribui para a disfunção da transição esofa- gogástrica, podendo causar sintomas. A presença de víscera oca dentro do tórax é o sinal mais fide- digno de lesão da hemicúpula esquerda. O tratamento cirúrgico consiste na redução da herniação gástrica e confecção de uma válvula antirrefluxo. Relato do caso: O relato versa sobre o caso de uma paciente de 78 anos, sexo feminino, com cirurgia prévia de ressecção de neoplasia pancreática em seguimento oncológico sem metástases, apresentando clínica e imagens de estômago de localiza- ção torácica no exame contrastado seriado, submetida à correção cirúrgica com fundoplicatura a Nissen, com seguimento clínico e imaginológico que comprovam a efetividade da abordagem. Palavras chave: Hérnia. Hérnia Hiatal. Fundoplicatura. Diafragma. Mediastino. ABSTRACT Introduction: Hiatal hernia (HH) is the manifestation of the anatomical inconsistency of the con- genital or acquired esophageal hiatus region, which allows the passage of part of the stomach through the diaphragm and thus, its projection to the thorax. Giant HH is the less frequent type, with about 30% of the stomach at the thoracic level. The main risk factors for HH are old age and obesity. The anatomical alteration resulting from the formation of HH contributes to dysfunction of the esophagus-gastric transition, which may cause symptoms. The presence of hollow viscus inside the thorax is the most reliable sign of lesion of the left hemicule. Surgical treatment consists of re- ducing gastric herniation and configuring a gastroesophageal antireflux valve. Case report: The report deals with the case of a 78-year-old female patient, in cancer follow-up without metastases after resection of pancreatic neoplasm, with clinical findings and images of a large hernia by con- trast-enhanced esophageal-duodenum radiography, submitted to surgical correction with Nissen procedure , with clinical and imaging follow-up that prove the effectiveness of the approach. Keywords: Hernia. Hiatal Hernia. Fundoplication. Surgery. Mediastinum. Cardoso et al. Hérnia hiatal gigante por deslizamento com estômago intratorácico _______________________________________________________________________________________Relato de caso Relatos Casos Cir. 2021;7(1):e2738 bui para formação da HH e acidez do esôfa- go distal e proximal4. Assim, as alterações anatômicas in- terferem no funcionamento de transição esofagogástrica. E, apesar de a grande mai- oria cursar assintomática, pacientes aco- metidos podem apresentar sintomas como: eructação, pirose, disfagia, dor torácica e/ou abdominal, halitose e refluxo gastroe- sofágico, provocando náuseas e tosse seca irritativa5. A presença de víscera oca dentro do tórax é o sinal mais fidedigno de lesão da hemicúpula esquerda. O “sinal do colar” representa o achado de imagem mais fre- quente da lesão frênica esquerda, com es- pecificidade de 100%3 e sensibilidade de 17% nas imagens axiais. O tratamento cirúrgico consiste na redução da herniação gástrica e confecção de uma válvula antirrefluxo. Na fase aguda, recomenda-se a abordagem abdominal de- vido à alta frequência de lesões a outros órgãos e alças que podem estar presentes e, na tardia, a abordagem por via torácica, pode ser adotada, dependendo da opção ou experiência do serviço. Em alguns casos, também pode ser combinado o acesso ab- dominal e torácico6. RELATO DO CASO Mulher, 78 anos, com dispneia, fadi- ga, dor retroesternal, vômitos e refluxo gas- troesofágico há dois anos, apresentou piora clínica com disfagia a líquidos, não toleran- do decúbito para dormir nos últimos me- ses. Portadora de hipotireoidismo e hiper- tensão arterial controlados possui antece- dente pessoal de neoplasia de cabeça de pâncreas tratada cirurgicamente por pan- creatoduodenectomia (Cirurgia de Whipple) e encontra-se em acompanhamento oncoló- gico sem evidências de metástases ou reci- divas. Paciente relata surgimento dos sin- tomas descritos após a cirurgia oncológica. Na investigação diagnóstica, foi reali- zada radiografia do tórax, que apresentou imagem retrocardíaca irregular com ar su- gestiva de hérnia hiatal do estômago (Figu- ra 1). Posteriormente, prosseguiu-se a in- vestigação com seriografia contrastada do esôfago-estômago-duodeno que confirmou a presença de grande hérnia gástrica trans- hiatal com escorregamento intratorácico total do estômago (Figuras 2 e 3). Devido à exuberância dos sintomas apresentados pela paciente, em conjunto com os achados de imagem, foi recomendada correção ci- rúrgica da hérnia de hiato. Figura 1. Imagem sugestiva de herniação de estômago Figura 2. Estômago intratorácico Figura 3. Estômago de localização torácica no exame contrastado seriado A cirurgia foi feita por laparotomia exploradora com técnica aberta e incisão mediana supraumbilical, visto cirurgia ab- dominal aberta anterior e julgamento do cirurgião quanto aos riscos cirúrgicos e aderências. No procedimento, o estômago localizado intratorácico (Figura 4) foi redu- zido para a cavidade abdominal, fez-se a reconstrução do diafragma, seguido de con- fecção de uma válvula antirrefluxo, fundo- plicatura a Nissen (Figura 5). Cardoso et al. Hérnia hiatal gigante por deslizamento com estômago intratorácico _______________________________________________________________________________________Relato de caso Relatos Casos Cir. 2021;7(1):e2738 Figura 4. Redução abdominal do estômago Figura 5. Redução do estômago e fundoplicatu- ra a Nissen O ato cirúrgico decorreu sem inter- corrências. A paciente evoluiu bem no pós- operatório, com alta após três dias, sem complicações e com melhora clínica. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Uni-FACEF sob onº. 34195420.0.0000.5384. DISCUSSÃO É descrito que a herniação gástrica intratorácica é incomum; em pacientes com histórico de hérnia hiatal o orifício diafrag- mático possivelmente aumenta de acordo com o tempo e com as mudanças nas pres- sões intra-abdominais e da cavidade toráci- ca, resultando em herniação progressiva de um ou mais órgãos abdominais para o tó- rax, sendo o estômago o mais comum7. Com base no histórico da paciente, diversos desses fatores como a idade e abordagem cirúrgica anterior, podem estar associados a essa evolução. As hérnias hiatais são normalmente achados radiográficos ocasionais e em sua maioria assintomáticas. O desenvolvimento de sintomas que necessitam de correção tem taxa de 1% ao ano8. Na investigação radiográfica de sintomas gástricos, a inci- dência de hérnia hiatal por deslizamento é sete vezes mais comum que a hérnia parae- sofágica, com uma idade média de apresen- tação clínica aos 48 anos9. Dentre os sintomas dos portadores de hérnia de hiato, a dor torácica retroes- ternal é frequente e pode ser associada ao refluxo gastroesofágico. Nas hérnias gigan- tes, também podem aparecer disfagia, ma- nifestações compressivas no tórax e dimi- nuição da reserva respiratória, resultando em dispneia10,11. Clínica esta, apresentada pela paciente descrita, principalmente nos últimos meses, como relatado na disfagia e desconforto importante ao decúbito. O tratamento de escolha para hér- nias hiatais com sintomas de refluxo gas- troesofágico, como o apresentado no caso relatado, é a redução do saco herniário com reconstrução do hiato diafragmático e a realização da válvula antirrefluxo8,12. Uma abordagem minimamente inva- siva, como a cirurgia laparoscópica, apre- senta vantagens bem estabelecidas, como menor morbidade e menor tempo de recu- peração pós-operatória, podendo também ser adotada outra abordagem, de acordo com julgamento e análise individualiza- da8,10. Isto posto, no caso apresentado, a escolha foi por uma abordagem através da laparotomia exploradora, já que paciente apresentava abordagem cirúrgica prévia da cavidade abdominal por neoplasia pancreá- tica, com provável presença de aderências, levando a possíveis maiores riscos à pacien- te. Cardoso et al. Hérnia hiatal gigante por deslizamento com estômago intratorácico _______________________________________________________________________________________Relato de caso Relatos Casos Cir. 2021;7(1):e2738 No caso, apesar da idade avançada da paciente, do histórico de cirurgia onco- lógica de grande porte e mediante quadro sintomatológico exuberante, não houve im- pedimento para que se realizasse tratamen- to por abordagem cirúrgica da hérnia hiatal gigante. De tal forma que o procedimento possibilitou resolutividade do quadro, sen- do sua efetividade constatada por meio da evolução da paciente no seguimento pós- operatório, com melhora clínica evidente, controle radiológico dentro do esperado (Fi- gura 6) e sem complicações, dado a severi- dade do caso O trabalho não possui conflitos de interesse e nem fontes financiadoras. Figura 6. Seriografia esofágica de controle pós- operatório REFERÊNCIAS 1. Junior AT, Grillo E. Hérnia hiatal: abordagem cirúrgica [dissertação]. 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Available from: https://www.sbct.org.br/wp-con tent/uploads/2015/04/hernia_traum atica_diafragma.pdf. Fonte de financiamento: Não Conflito de interesses: Não Data de Submissão: 21 Julho 2020 Decisão final: 17 Janeiro 2021 Autor de correspondência: Heloísa Loureiro Costa E-mail: heloloureiro@hotmail.com mailto:heloloureiro@hotmail.com