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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI DIDÁTICA GUARULHOS – SP Sumário 1. A TRAJETÓRIA A HISTÓRICA DA DIDÁTICA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS, FILOSÓFICOS E SOCIAIS ......................................................................................................3 1.1 O processo histórico da didática no Brasil ...............................................................................5 1.2 Principais marcos históricos que foram fundamentais para a constituição da didática ........7 1.3 Mudanças e avanços da didática na atualidade ....................................................................10 2. CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO PROFESSOR - ALUNO.................................................12 2.1 O professor mediador .............................................................................................................15 2.2 Relações professor–aluno: situações concretas de ensino e aprendizagem .......................18 3. A PEDAGOGIA LIBERAL E SUAS RAMIFICAÇÕES...............................................................22 3.1 Tendências pedagógicas........................................................................................................23 Tendência pedagógica liberal renovada progressivista................................................................24 Tendência pedagógica liberal renovada não diretiva....................................................................25 Tendência pedagógica liberal tecnicista........................................................................................25 3.2 A pedagogia progressista e suas tendências ........................................................................26 Tendência pedagógica progressista libertadora ...........................................................................27 Tendência pedagógica progressista libertária...............................................................................28 Tendência pedagógica progressista crítico-social dos conteúdos ...............................................29 3.3 As teorias pedagógicas e a escola atual................................................................................29 4. O CONCEITO DE ENSINO .......................................................................................................34 4.1 O conceito de aprendizagem..................................................................................................38 4.2 Os quatro pilares da educação e o ensino e a aprendizagem ..............................................41 5. PLANEJAMENTO EDUCACIONAL...........................................................................................46 5.1 Fundamentos democráticos do planejamento .......................................................................47 5.2 Formas de Planejamento .......................................................................................................50 5.3 O planejamento educacional e a práxis docente ...................................................................51 6. CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR ......52 6.1 Elemento norteadores do contexto educacional ....................................................................54 6.2 O Projeto Político Pedagógico e as suas diferentes instâncias.............................................56 7 DIDÁTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE ...................................................................................58 7.1 Processo histórico da Didática ...............................................................................................58 7.2 Didática e suas implicações na formação do professor.........................................................61 7.3 Desafios da docência .............................................................................................................62 8. PROCESSOS DE DIDATIZAÇÃO: UMA REFLEXÃO GERAL ................................................65 8.1 Elementos que influenciam os processos de didatização dos textos ...................................67 8.2 Relações entre elementos de didatização e propósitos educativos ......................................68 8.3 Sequências didáticas: etapas que guiam os processos de didatização ...............................70 8.4 Usos dos textos didatizados ...................................................................................................73 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................................75 1. A TRAJETÓRIA A HISTÓRICA DA DIDÁTICA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS, FILOSÓFICOS E SOCIAIS Não é incomum ouvirmos, quando o assunto é escola ou educação, falas como “esse professor sabe muito, mas não sabe ensinar”, ou “essa professora não tem didática”, ou, ainda, “a didática desse professor é muito ruim”. São inúmeras as expressões relacionadas às práticas da sala de aula que reafirmam a sua importância e necessidade para o processo de construção do conhecimento. É nesse cenário que emerge a didática como o caminho para o saber, ou seja, a consumação da teorização. Vale ressaltar que a palavra didática surge do grego didaktiké, com o abrangente significado de “a arte de ensinar tudo a todos”. O termo foi empregado pela primeira vez por Ratke, em 1629, e por Comenius, em 1657. Foi a partir de Comenius que a didática ganhou força e notoriedade. Também foi o grande pensador Comenius quem escreveu, entre diversas outras obras, a “Didática Magna”, uma das mais importantes escritas do cenário educacional mundial. Portanto, ele trouxe a prática do ensinar e aprender como pauta fundamental para esse contexto, imaginando ter descoberto um método eficaz para se chegar à aprendizagem, de modo ágil e prazeroso. Comenius (2001, p. 13) ressalta que: Nós ousamos prometer uma didática magna, ou seja, uma arte universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo para obter resultado s; de ensinar de modo fácil, portanto sem que docentes e discentes se molestem ou enfadem, mas ao contrário, tenham grande alegria; de ensinar de modo sólido, não superf icialmente, de qualquer maneira, mas para conduzir à verdadeira cultura, aos bons costumes, a piedade mais profunda (COMENIUS, 2001). No século XVIII, surgiu outro importante expoente que trouxe conhecimentos revolucionários para a didática: Rousseau. Ele não pode ser considerado um sistematizador da educação, porém a sua obra apresenta algo que se tornaria fundamental para compreender melhor os processos de ensino e aprendizagem: um novo e inovador conceito de infância. Rousseau surgiu como um continuador das ideias dos didatas, no entanto, com os seus estudos e pesquisas, certamente deu um passo muito mais além, colocando em evidência a condição do ser criança. Assim, ele transformou o que era método em um processo natural, que aconteceria de maneira tranquila, sem excessos, sem livros e sem nenhuma pressa. Na tentativa de percorrer o conceito e o histórico da didática, faz-se imprescindível considerar os aspectos políticos, sociais e culturais, bem como as percepções e construções de alguns pensadores e pensadoras a respeito desse conceito em diferentes momentos da história. Inicialmente, Pestalozzi (1826), nos seus escritos e na sua atuação, deu dimensões sociais à problemática educacional. O aspecto metodológico da didática encontra-se sobretudo em princípios, e não em regras, transportando-se o foco de atenção às condições para o desenvolvimento harmônico do aluno. Para Candau (1986, p. 12), a “[...] didática deve ser compreendida como reflexão sistemática em busca de alternativas para os problemas da prática pedagógica”. Nessa perspectiva, pode-se dizer que ela compõe a pedagogia. Outro importante autor que traduz, no decorrer da história, a sua percepção sobre a didáticaé Libâneo (1992, p. 26): A didática é o principal ramo de estudos da Pedagogia. Investiga os fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino. Segundo essa ideia, a ela cabe converter objetivos sociopolíticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecendo os vínculos entre o ensino e a aprendizagem (LIBÂNEO, 1992). De acordo com Masetto (1997), vemos em ensinar, instruir e fazer aprender uma reflexão sistemática sobre o processo de ensino e aprendizagem que ocorre na escola (na sala de aula), buscando alternativas para os problemas da prática pedagógica — portanto, tentativas de aproximação ao sentido da didática. Nesse cenário, é possível perceber que o processo de reflexão sistemática visa ao estudo das teorias de ensino e de aprendizagem associadas ao processo educativo realizado no contexto escolar (escola e sala de aula), bem como aos resultados obtidos, em busca de alternativas para a teoria e a prática. Como processo de ensino e aprendizagem, a didática atua em três dimensões: humana, político-social e técnica. Para Anastasiou e Pimenta (2002), a didática é vista como uma ação de ensinar que está inteiramente ligada às relações entre os mais velhos e os mais jovens, entre crianças e adultos, na família e nos demais espaços sociais e públicos. Já para Martins (2008), a didática é a disciplina que busca compreender o processo de ensino em suas múltiplas determinações, para intervir nele e reorientá-lo na direção política almejada. Portanto, a didática recebe influências dos direcionamentos políticos, mas tem o poder de atuar sobre eles. Por fim, Morandi (2008), apoiado em Chavellard, afirma que a didática descreve as modalidades do trabalho pedagógico sobre e com o saber. Esse trabalho transforma um objeto–saber a ser ensinado em um objeto de ensino. Considerando as diferentes concepções defendidas por esses e diversos outros autores e autoras, encontramos na história da educação períodos históricos nos quais emergiram novas tendências educacionais, que foram se sustentando e se materializando como importantes correntes didático-pedagógicas. Entre elas, destacam-se a pedagogia tradicional, a pedagogia renovada, a pedagogia tecnicista e a pedagogia crítica. Nessa perspectiva, para pensarmos as novas práticas educativas e vislumbrarmos as novas possibilidades didático-pedagógicas, é fundamental que façamos um paralelo da didática com essas teorias. Dessa forma, trazer as diferentes concepções e os períodos históricos nos ajuda a perceber os processos de mudanças e transformações, bem como todos os atravessadores que influenciaram — e influenciam — a educação e a didática. É fundamental, também, problematizar todas essas teorias de modo a refletir sobre a necessidade de diálogo entre elas. Além disso, é importante termos a possibilidade de visualizar as tantas oportunidades de apoio e intervenção ao sujeito no processo de ensino e aprendizagem, inclusive às crianças. 1.1 O processo histórico da didática no Brasil Compreende-se que, a partir da década de 1980, mais enfaticamente nos anos 1990, foi iniciada uma nova fase na educação, com a perspectiva de uma ruptura que favorecesse a urgência em interpretar e compreender a dinâmica de ensino e aprendizagem em sua vasta dimensão, integrando, ainda, os seguintes aspectos: técnico, humano e político. Vale ressaltar que esse movimento teve estreita relação com a modificação da perspectiva nos estudos sobre o currículo (especialmente nos Estados Unidos e na Europa). Nesse contexto, o currículo constitui um dispositivo no qual que se concentram as relações entre a sociedade e a escola, assim como entre os saberes, as práticas socialmente construídas e os conhecimentos escolares. Podemos dizer, então, que os primeiros constituem as origens dos segundos. Em outras palavras, os conhecimentos escolares provêm de saberes e de conhecimentos socialmente produzidos nos diversos espaços de referência do currículo. Desse modo, é de máxima importância que você compreenda o processo ocorrido na segunda metade do século XX, que reflete na prática de ensino dos docentes até os dias atuais. Entre 1960 e 1970, eram sinônimos de qualidade na prática de ensino: • Abordagem tecnicista; • Construção de planejamentos rígidos; • Domínio da sala de aula; • Enorme valorização das técnicas; • Valorização enfática nos recursos didáticos, etc. Em 1980, ocorreu um grande marco no desenvolvimento da didática: • Ocasião do Encontro de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE); • Enorme produção acadêmica; • Professores discutindo a sua própria prática; • O aluno é visto como um ser historicamente concebido, etc. De 1990 até os dias atuais, o processo didático e a prática de ensino e aprendizagem se fortaleceram: • A didática passa a ser tema de interesse de grandes pesquisas; • Busca-se a compreensão do cotidiano e do fazer pedagógico; • O professor é visto como agente reflexivo, pesquisador e transformador; • A didática é assumida como disciplina prática, etc. Enfim, a didática — e tudo o mais que a atravessa — busca a compreensão, a análise e o entendimento dos fatos associados ao campo dos conhecimentos pedagógicos. Com isso, à medida que a história avança, ela crescerá e mudará devido aos inúmeros estudos e à ampla gama de pensadores que são instigados a debater, problematizar e desenvolver novos métodos de ensino e aprendizagem. A didática é considerada uma ciência que estuda os saberes necessários à prática docente e é um dos principais instrumentos para a formação do professor. É nela que os docentes se baseiam para adquirir os ensinamentos necessários à prática. De acordo com Libâneo (1992, p. 26), “[...] a didática trata da teoria geral do ensino”. Como disciplina, é entendida como um estudo sistematizado, intencional, de investigação e de prática. Como importante área da pedagogia, a didática procura pesquisar e estudar o fenômeno do “como ensinar”. As recentes modificações nos sistemas escolares, especialmente na área de formação de professores, configuram uma “explosão didática”. A ressignificação da didática aponta para um balanço do ensino como prática social, ou seja, essas modificações têm provocado consideráveis transformações na prática social de ensinar. 1.2 Principais marcos históricos que foram fundamentais para a constituição da didática De várias maneiras, a didática pode ser vista nas práticas sociais: como disciplina, como campo de conhecimento, como ação humana, como organização institucional, etc. Segundo Araújo (2008), a didática como disciplina é desenvolvida nos cursos de graduação, formação de professores e licenciaturas com o objetivo de fornecer as ferramentas teóricas e práticas necessárias para que um futuro professor possa ensinar em sala de aula. Como campo de conhecimento, indica os grupos que investigam e criam conhecimento especializado naquele campo. A didática, como ação humana, traduz a preocupação do ser humano em planejar o ensino, montar aulas e selecionar estratégias de ensino adequadas para determinado conteúdo. A didática busca técnicas e metodologias que organizem os processos institucionais de aprendizagem e ensino como forma de facilitar o processo de construção do conhecimento. É importante compreender que, apesar de muitos filósofos terem discordado uns dos outros sobre a educação em geral, os primeiros tratamentos sistemáticos dos processos de ensino e aprendizagem não apareceram até o século XII. Isso é importante para entender os principais precedentes históricos que serviram de base para o desenvolvimento da didática. Segundo Araújo (2008), são exemplos de relevantes: • “Eruditio didascalia”, de Hugo de San Victor, no século XII; • “De disciplinis”, de Juan Luis Vives, no séculoXVI; • “Aporiam didactici principio”, de Wolfgang Ratke, no século XVII. Seguramente, cada uma dessas obras serviu de base para entendimentos, mudanças e evoluções em suas respectivas épocas. Mas é importante reiterar que nenhuma delas exibe a fama e a grandeza da “Didática Magna” de João Amós Comenius, publicada em 1657. Tal impacto pode ser atribuído à complexidade e ousadia da proposta, bem como a abordagem que sugere de ensinar tudo a todos, que ali se apresenta. Comenius, através de seus estudos, refletiu sobre a divisão social do trabalho, que se tornou uma marca forte de sua época. Segundo ele, existem quatro tipos diferentes de escolas: a escola do regaço materno, a escola da língua nacional, a escola latina e a academia ou universidade. As teorizações de Rosseau, sem dúvida, também devem ser elencadas como marco histórico para a formação da didática. O pensador deu uma contribuição significativa para definir os rumos da didática ao propor algo que influenciaria todos os estudos posteriores. Ele defendia que o valor da infância tem implicações de longo alcance para a pesquisa e a ação educacional, mas que ainda levarão décadas para se materializar. Em contraste com Comenius, que acreditava em "dominar as paixões das crianças ", Rousseau partiu da premissa da bondade natural do homem corrompido pela sociedade. Ele discute como a reforma social é tão necessária quanto a reforma da educação em seu livro “O contrato social”. Ele participou da renovação ideológica que antecedeu a Revolução Francesa como resultado desse aspecto de seu pensamento. Para Damis (1988, p. 13): Há uma evolução da Didática em paralelo com a história da educação, visto que, desde os jesuítas, passando por Comênio, Rousseau, Herbart, Dewey, Snyders, Paulo Freire, Saviani, dentre outros, a educação escolar percorreu um longo caminho do ponto de vista de sua teoria e prática. Vivenciada através de uma prática social específ ica – a pedagogia –, esta educação organizo u o processo de ensinar-ap rend er através da relação professor aluno e sistematizou um conteúdo e uma forma de ensinar (transmitir-assimilar) o saber erudito produzido pela humanidade (DAMIS, 1988). Dessa forma, percebe - se que a educação se fortaleceu e que a pedagogia mantém seu status de ciência particular, distanciando - se gradativamente da filosofia e da teologia e reafirmando seu lugar no contexto educacional. Já as histórias da pedagogia e da didática, no entanto, vão se misturando ao longo do tempo. Às vezes, quando você registra os estudos que compõem a história da pedagogia, muitas vezes você se refere, entre outras coisas, a teólogos e filósofos. Algo semelhante acontece quando falamos da história da didática. Vários pontos de inflexão históricos ajudaram a didática a avançar e chegar onde chegou. Alguns nomes merecem destaques: ▪ Jean-Jacques Rousseau (1712–1778): Foi um pensador que tentou interpretar essas aspirações e propôs um novo conceito de educação baseado nas necessidades da criança e em seus interesses imediatos. ▪ Henrique Pestalozzi (1746–1827): Considerava o ensino um meio muito importante de educação e desenvolvimento das habilidades humanas. ▪ Johann Friedrich Herbart (1766–1841): Educador alemão teve grande influência e importância na didática e na prática docente. Na opinião dele a moralidade é o objetivo da educação, e a instrução é a introdução de ideias corretas na mente humana. ▪ A. Diesterweg (1790–1866): Educador alemão que pesquisou e estudou o desenvolvimento de professores. ▪ John Dewey (1859–1952): Destacou - se como representante de uma das tendências do pragmatismo didático. Na didática, suas principais contribuições são para a educação profissional e a relação entre educação e vida. ▪ Paulo Freire (1921–1997): Considerado por alguns estudiosos um dos maiores educadores do século XX. Como ocorreu em outras épocas, grandes pedagogos se converteram também em grades didatas — ou, ao contrário, grandes didatas se tornaram grandes pedagogos. Em se tratando de Freire é válido observar que, a então presidente Dilma Roussef, em 2012, reconheceu suas ideias ao designá-lo como patrono do da educação brasileira. Segundo pesquisadores como Thomas Giulliano, historiador, autor e escritor de “Desconstruindo Paulo Freire”, a ineficácia e a bagagem ideológica da pedagogia freireana é um dos grandes problemas da educação brasileira. Essa ideia é compartilhada por Vitor Haase e Henrique Simplício, autores da obra “Pedagogia do Fracasso”. Eles argumentam que a pedagogia de Paulo Freire dificulta o aprendizado das crianças e se torna cada vez mais ineficaz à medida que as pesquisas em neurociência avançam. A didática é uma disciplina obrigatória no currículo dos cursos de licenciatura no Brasil desde o início do século XX — um marco para os processos de formação de professores e para a educação brasileira. De acordo com Libâneo (1992), a disciplina de didática investiga os fundamentos, as condições e os modos de realização da instrução e do ensino. Assim, busca-se revelar, no decorrer da história, elementos e características que marcaram formas de se pensar o ensino e a aprendizagem no âmbito dessa disciplina, principalmente no que se refere às questões relacionadas a como ensinar e ao trabalho docente. 1.3 Mudanças e avanços da didática na atualidade Quando falamos em mudanças e avanços na didática moderna, devemos levar em consideração o fato de que com a redemocratização do Brasil tornou-se necessária uma formação diferenciada do corpo docente. Assim, passou-se a buscar a formação política do professor, percebendo a educação como ato político e social. Nesse novo cenário da educação e da didática, o professor passou a ser visto como agente intelectual transformador, cujo trabalho deveria ser orientado por determinada ética valorativa e cuja prática precisaria ser abrangente e eficaz. Pensar na didática para a atualidade requer pensar nos diferentes movimentos que a sociedade produz e nas diversas demandas que emergem a todo tempo. Requer, também, compreender as muitas dimensões que atravessam os sujeitos, bem como os múltiplos contextos nos quais eles estão inseridos. São características dos novos tempos: o ensino e aprendizagem e a prática educativa vistos como prática social. Desse modo, a didática precisa se reinventar e propor novos alcances, novas propostas e novos vieses. Nesse novo cenário, a didática é convocada a debater a formação dos professores, com questões que giram em torno da discussão sobre como se ensina a ensinar, ou mesmo sobre quais são os saberes necessários ao exercício da docência. Nessa perspectiva, é importante considerar o que dizem Marin, Penna e Rodrigues (2012): A Didática não é um receituário que deve informar a prática de ensino, mas uma área de conhecimento para a compreensão dessa prática, valendo -se da teoria como hipóteses de análise e compreensão. Trata-se de compreend er as situações de ensino, não para prescrev er a prática, mas para ampliar o domínio sobre ela, e assim contribuir nos processos de formação dos professores em todos os âmbitos (MARIN, PENNA E RODRIGUES, 2012). Hoje, no processo educacional, o professor não é mais o eixo da ação educativa, como se pensava anos atrás. Na contemporaneidade, concebe-se o educando como ser ativo, procedente das experiências vivenciadas em seus múltiplos aspectos de conhecimento, tornando-se, assim o centro da prática pedagógica. Ao professor cabe o papel de mediar a cultura elaborada. Em suma, o ensino e aprendizagem é uma atividade dinâmica e criativa, um acontecimento eminente, interpessoal e social que ocorre na mobilização mental da subjetividade e da experiência sociocultural concreta, como sugere Libâneo (1992). Na perspectiva de se pensar os processos inovadores da didática naatualidade, emerge uma proposta que tem se firmado cada vez mais como transformadora e eficaz junto à prática docente e à construção do conhecimento: as metodologias ativas. As metodologias ativas se configuram como uma inovadora prática docente, a qual consiste em um processo amplo cuja principal característica é a inserção do estudante como agente principal e responsável pela sua aprendizagem. É necessário ressaltar que o processo de construção do conhecimento, devido a diversos fatores (p. ex., a agilidade na produção de conhecimento, a provisoriedade das verdades construídas no saber científico e, principalmente, a facilidade de acesso à vasta gama de informação), deixou de ser baseado na mera transmissão de conhecimentos. Nesse contexto, as metodologias ativas surgem como proposta para focar o processo de ensino e aprendizagem na busca da participação ativa de todos os envolvidos, centrados na realidade em que estão inseridos. Assim, o estudante torna- se protagonista no processo de construção de seu conhecimento, sendo responsável pela sua trajetória e pelo alcance de seus objetivos. Portanto, ele deve ser capaz de autogerenciar e autogovernar o seu processo de formação. Os avanços na área da didática têm contribuído muito para a transformação do currículo escolar. Este, por sua vez, para ser eficaz e ter qualidade, deve possibilitar a formação continuada dos professores, perceber o aluno como principal agente no processo de aprendizagem e fazer uso inteligente das novas tecnologias. Além disso, o currículo escolar deve estimular a utilização de metodologias que sejam significativas e que alcancem os diferentes tipos de alunos, de modo a proporcionar a participação destes como sujeitos do processo educativo. Não basta incluir algumas aulas de informática e vídeo, é preciso criar situações de aprendizagem em que o aluno construa autonomia e motivação na sua utilização. Finalmente, para que isso seja possível, faz-se necessário um planejamento de ensino que una os profissionais da educação nesse processo (professores, coordenadores, agentes educacionais, diretores), ou seja, um trabalho em equipe, para que as novas propostas didáticas sejam compreendidas e se construa uma educação para os novos tempos. 2. CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO PROFESSOR - ALUNO Como diferentes entendimentos sobre os propósitos da educação surgiram ao longo da história da educação, a relação entre professores e alunos sofreu mudanças significativas. É fundamental perceber que diferentes percursos educativos e reflexões dos professores podem levá-los a adotar determinados métodos de ensino e explicitar as relações que estabelecem com os seus alunos. Ademais, como você verá a seguir, a relação entre professor e aluno é influenciada pelas características gerais da educação em cada período histórico. Segundo Romanelli (2012) e Hilsdorsf (2003), o movimento escolar tradicional ou conservador no Brasil, foi muito reconhecido no Brasil do final do século XX até o início da República (ainda existem as atuais práticas pedagógicas apoiadas por esse movimento) sugere que o professor seja o responsável pelo processo de ensino e aprendizagem. De acordo com este ponto de vista, o professor deve conduzir a aula sobretudo por meio de apresentações orais, momento em que o papel do aluno é absorver passivamente os conteúdos. Assim, nesse movimento, o educador é o possuidor dos saberes e o aluno apenas o receptor. Os principais teóricos da escola tradicional foram autores como Comênio, Pestalozzi e Herbart, que enfatizavam a organização dos processos de ensino e aprendizagem, com foco na atuação expositiva do professor. O movimento da Escola Nova teve início no Brasil por volta da década de 1920, a partir das contribuições da psicologia, que considera cada indivíduo como responsável pela aquisição do conhecimento e participante de sua construção. Com isso, passaram a pesquisar e implementar as chamadas “metodologias ativas”, que avaliam o desenvolvimento de habilidades, emoções e processos avaliativos que promovem a participação ativa do aluno, a autoavaliação é um dos instrumentos utilizados. Desse modo, o educador assume a responsabilidade por estimular e orientar o discente na construção do conhecimento. Por outro lado, o aluno tem a significativa responsabilidade de estar engajado e envolvido no desenvolvimento de sua aprendizagem. Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo foram os principais teóricos da Escola Nova no Brasil. Eles enfatizaram o uso de metodologias ativas. É fundamental notar que esse movimento começou a se dar internacionalmente no século XIX por meio das ideias de John Dewey e no século XX pelas ideias de Freinet (ROMANELLI, 2012; GIRALDELLI JUNIOR, 2001). Na segunda metade do século XX, o movimento tecnicista, influenciado pela aceleração da industrialização no Brasil, passou a orientar os modelos de formação de professores, as práticas pedagógicas e as políticas de educação. Nesse movimento, os processos metodológicos eram extremamente importantes para que se formassem alunos produtivos e capazes de atuar nas grandes indústrias que se criavam ou se instalavam no País. Assim, os professores não eram responsáveis pelo próprio planejamento, pois uma equipe técnica era quem o realizava. A avaliação era feita por meios sofisticados e técnicos (ROMANELLI, 2012; GIRALDELLI JUNIOR, 2001). Nessa perspectiva tecnicista, o professor assumia o papel de um técnico da educação, devendo aplicar avaliações para verificar a produtividade do aluno, que, por sua vez, precisava ser produtivo e reproduzir, em uma avaliação, todos os conhecimentos adquiridos em aula. A partir da década de 1980, com a redemocratização do Brasil, surge um movimento relacionado com as teorias críticas e progressistas que contestava o sistema capitalista e apresentava o educador como agente de transformação, além de orientador e interventor do conhecimento. A prática educativa estava alicerçada no seu contexto social. Nessa perspectiva, o aluno tem o papel ativo e construtivo na elaboração de seu conhecimento, além de ser um agente propositor de mudanças. Essa perspectiva educacional tem como influenciadores teóricos Paulo Freire, Piaget e Vygostsky (GIRALDELLI JUNIOR, 2001; ROMANELLI, 2012). Paulo Freire foi um educador brasileiro que se preocupou com a educação das classes populares. Ele tinha como princípio valorizar o cotidiano dos alunos e, por meio do diálogo problematizador, buscava despertar a consciência crítica deles, tornando-os sujeitos de sua própria história e possíveis transformadores da sua realidade (FREIRE, 1996). Já Lev Vygotsky foi o teórico inspirador do sociointeracionismo, que postula que a construção do conhecimento se dá por meio das interações sociais. Dois dos conceitos mais importantes desenvolvidos por ele foram o da zona de desenvolvimento proximal e o de mediação simbólica, que você conhecerá melhor mais adiante (VYGOSTSKY, 1986; 1993). Por fim, Jean Piaget foi o pesquisador e teórico que postulou o construtivismo, que postula que a construção do conhecimento ocorre quando o sujeito interage com o seu meio. Ele propôs a existência de estágios de desenvolvimento cognitivo no ser humano e influenciou a educação de maneira profunda (CASTORINA, 1990). Nos últimos anos, houve o advento da sociedade da informação e das tecnologias de informação e comunicação (TIC). Nesse cenário, modificaram-se as exigências do mercado de trabalho e os modos de atuação nessa sociedade dinâmica, conectada e complexa. Assim, faz-se necessário um processo educativo que prepare o indivíduo para as constantes transformações. Nesse contexto, as metodologias ativas têm sido retomadas e ganhado destaque, colocando o aluno como centro do aprendizado. Nessas metodologias, o papel do professor é o de mediador (orientador,facilitador) da aprendizagem do aluno, que, por sua vez, tem o papel de ser o principal agente de sua aprendizagem. O Quadro 1 demonstra como a relação professor - aluno se deu em cada um dos momentos históricos da educação no Brasil. Quadro 1 – Relação professor-aluno ao longo da história da educação brasileira Movimento Relação professor-aluno Escola tradicional ou conservadora (século XVII ao século XX) O professor é o detentor do conhecimento, e o aluno, o seu receptor. O professor é autoritário, e o aluno pode até mesmo receber castigos. Escola Nova (século XX, a partir de 1920) O professor assume o papel de orientar e estimular o aluno no percurso da construção do seu conhecimento, ao passo que o aluno tem direito a uma postura ativa e participativa na elaboração da sua aprendizagem. Escola tecnicista (século XX, a partir de 1960) O professor é o "técnico da educação", devendo aplicar avaliações para verificar a produtividade do aluno, que, por sua vez, precisa ser produtivo e reproduzir, em uma avaliação, todos os conhecimentos que o professor passou a ele. Teorias críticas e progressistas (século XX, a partir de 1980) O educador e a prática educativa devem transformar o contexto social. O professor atua como orientador e interventor do conhecimento. O aluno, por sua vez, tem papel ativo na elaboração de seu conhecimento, além de poder ser agente propositor de mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas. Metodologias ativas (século XXI) O papel do professor é de mediador (orientador, facilitador) da aprendizagem do aluno, que deve ser o principal agente de sua aprendizagem. 2.1 O professor mediador Como visto na seção anterior, em muitos momentos na história da educação brasileira, o trabalho do professor esteve associado à aula expositiva, seguida da proposição de exercícios aos alunos. No entanto, na sociedade contemporânea, exige-se que o professor atue com o papel de mediador (orientador, facilitador) da aprendizagem. Para compreender a importância do papel do professor como mediador, é importante saber o que são competências. Segundo Perrenoud (2000), a competência é a capacidade de utilizar os saberes para agir em uma situação. Para o autor, o professor mediador da aprendizagem do aluno tem a competência de organizar e dirigir as situações de aprendizagem do estudante. Mas o que é organizar e dirigir as situações de aprendizagem? Perrenoud (2000, p. 25) explica que se trata de “[...] despender energia e tempo e dispor de competências profissionais necessárias para imaginar e criar tipos de situações de aprendizagem diferentes das tradicionais”. Para o autor, para organizar e dirigir situações de aprendizagem, mobilizam-se algumas competências específicas: - Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem; - Trabalhar a partir das representações dos alunos; - Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem; - Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas; -Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento (PERRENOUD, 2000, p. 26). Com relação ao conhecimento dos conteúdos a serem ensinados, faz-se indispensável que os professores dominem os saberes. Entretanto, eles devem dominar o conteúdo a ponto de construir situações de aprendizagem abertas e tarefas complexas. A ideia é que aproveitem os interesses dos alunos, explorem os acontecimentos, favoreçam a apropriação ativa e a transferência de saberes, ou seja, transmitam o saber identificando os conceitos mais importantes do conteúdo a ser ensinado (PERRENOUD, 2000). Quando o professor trabalha a partir das representações dos alunos, dá-lhes regularmente direitos em sala de aula como direitos de expressarem-se. Além disso, ele abre espaço para discussões e não censura imediatamente as analogias falaciosas, as explicações simples e os raciocínios espontâneos que os alunos apresentam. O professor deve colocar-se no lugar dos aprendizes, sabendo que a maioria dos conhecimentos científicos contrariam a intuição, as concepções e as representações das crianças, bem como as próprias concepções que algumas sociedades do passado apresentaram. Desse modo, a competência do professor é reconhecer e fundamentar-se nas representações prévias dos alunos, usando-as como ponto de entrada para o sistema cognitivo dos estudantes (PERRENOUD, 2000). Para que o professor possa trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem, faz-se necessário estimular os alunos a reestruturarem o seu sistema de compreensão de mundo. Transpor um obstáculo ocorre mediante uma aprendizagem inédita, que pode ser apresentada por meio de uma situação-problema. Nesse processo, é importante que o professor aceite os erros como etapas importantes do esforço do aluno em compreender, pois, por meio deles, pode proporcionar a tomada de consciência dos estudantes, identificando a origem dos equívocos e transpondo-os (PERRNOUD, 2000). Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas, demanda do professor a ideia de que uma situação de aprendizagem é gerada por um dispositivo que coloca os alunos diante de uma tarefa, uma trajetória ou um problema para resolver. Assim, cabe ao professor orientar (sem ser o especialista que transmite o saber) e criar situações, dando auxílio para que os alunos solucionem o problema ou a tarefa, ou cumpram a trajetória (PERRENOUD, 2000). Envolver os alunos em atividades de pesquisa e em projetos de conhecimentos traz a ideia de que o professor deve ter a capacidade fundamental de tornar acessível a sua própria relação com o saber. Nessa perspectiva, a competência do professor é saber reconhecer quando os alunos estão entediados diante de uma tarefa com aparência lúdica. Fazer os alunos envolverem-se em atividades de pesquisa é compreender que, como professor, não é possível envolver-se no lugar dos alunos, mas se pode direcionar as tarefas, resgatar o interesse dos estudantes e instigar questionamentos (PERRENOUD, 2000). Um dos teóricos que contribuiu bastante para o aprofundamento e a análise da formação e do desenvolvimento do processo de aprendizagem nos indivíduos foi Vygostsky, que se dedicou ao estudo das funções psicológicas superiores, tais como atenção, memória, imaginação, pensamento e linguagem. Segundo o autor, esses processos não são inatos, mas sim se originam nas relações entre as pessoas e se desenvolvem ao longo do processo de internalização de formas culturais de comportamento. Portanto, Vygotsky indica que essas funções psicológicas superiores são distintas dos processos elementares (reações automáticas, ações reflexas e associações simples), que têm origem biológica. As funções psicológicas superiores originam-se na relação do sujeito com o seu contexto cultural e social, ou seja, na interação dialética do homem com o seu meio sociocultural. Esse autor defende que o desenvolvimento mental (inclusive processos psicológicos mais complexos) ocorre a partir do contexto social. Por meio de seus estudos, Vygotsky chegou a importantes conceitos, como o processo de mediação simbólica e a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que ajudam a entender os processos de aprendizagem nas crianças e nos adolescentes, mostrando que estão correlacionados com cultura, história e linguagem. Para esse pesquisador, é por meio da mediação simbólica que ocorre o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Existem dois elementos básicos na mediação simbólica: o instrumento e o signo. O instrumento determina as ações sobre os objetos, podendo ser um computador, a internet, uma rede social, um livro, etc., ao passo que o signo pode ser a linguagem, por exemplo. No decorrer de suas experiências, o indivíduo pode ter dois tipos de desenvolvimento.Um deles é o desenvolvimento real, que é aquele que já foi consolidado. Por meio dele, o sujeito é capaz de resolver situações utilizando o seu conhecimento de forma autônoma. Todavia, o indivíduo também pode atingir um desenvolvimento potencial, que é construído com o auxílio de outros (um adulto ou uma criança mais experiente). Entre esses dois desenvolvimentos, o real e o potencial, existe o que o autor chama de ZDP (VYGOTKSY, 1993). A criação e o uso dos instrumentos linguísticos e dos signos são exclusivos da espécie humana e fundamentais para que haja interação com a cultura e a sociedade. Segundo Vygotsky (1993), as relações sociais, como as que ocorrem entre os alunos e os professores, são processos educativos muito importantes, pois transmitem a história e a cultura dos antepassados para que as crianças e os adolescentes se desenvolvam por meio de suas experiências, hábitos, atitudes, valores, comportamentos, linguagem e trocas com quem interagem. Nesse processo, o indivíduo participa ativamente, interagindo, modificando e transformando. Assim, pode-se considerar que a escola tem potencial para ser um importante espaço de desenvolvimento das relações sociais, u tilizando instrumentos e signos historicamente construídos, como a linguagem, a cultura e as experiências midiáticas. Além disso, ela pode ser um importante espaço de mediação simbólica para crianças e adolescentes que a frequentam. 2.2 Relações professor–aluno: situações concretas de ensino e aprendizagem Paulo Freire (1996) defendia que, para substituir o pensamento ingênuo pelo pensamento crítico, seria necessário o diálogo problematizador em sala de aula. Para que esse tipo de diálogo seja possível, os educadores precisam instigar e possibilitar a formação de estudantes ativos e participativos, ou seja, estudantes que participem do seu processo de ensino e aprendizagem por meio do diálogo com o outro (que pode ser outro aluno, professor ou outros profissionais). Dessa forma, o aluno não age como um mero receptor de conhecimento, pois pode construir, produzir, compartilhar e divulgar o saber. Freire compreendia o diálogo como um elemento muito importante para problematizar o conhecimento. Contudo, é fundamental observar que não se trata de um diálogo para nada ou uma simples conversação, mas sim uma modalidade que questiona os saberes mútuos (professor e aluno) e que pode resultar na compreensão da realidade e na sua transformação. Para isso, o professor precisa atuar em uma realidade escolar que favoreça o diálogo com o aluno e com a comunidade à qual ele pertence. O educador também deve ter possibilidades de refletir sobre a sua prática e sobre o conteúdo que ensina, para que possa propor transformações. Além disso, ele deve realizar o trabalho coletivo, mediar as relações de grupo, lidar com conflitos, trabalhar com ajuda mútua e incentivar o respeito à diversidade dos membros de cada grupo (FREINET, 1996). Portanto, o professor tem a missão de agir buscando uma ação e um pensamento críticos, e não como mero reprodutor de conteúdo. Na relação de ensino em que o professor tem o papel de detentor do conhecimento, e o aluno, o de receptor, podem ser encontradas as seguintes situações. 1. O professor solicitar cópias de palavras ou textos aos alunos de séries iniciais (1º ao 5º ano) por meio de um quadro, uma lousa ou mesmo um livro. Nesse caso, a função do aluno é copiar da melhor forma possível e, depois, mostrar ao professor como realizou o trabalho. A habilidade de cópia das palavras ou textos do aluno será avaliada pelo professor. 2. O professor solicitar a leitura e, a seguir, a interpretação de um texto de literatura a uma turma de adolescentes do ensino médio, mas não dar oportunidades para os alunos expressarem suas reais interpretações. Nesse caso, as interpretações são centradas na visão do professor; é ele quem diz quais são as interpretações corretas do texto. Como visto, em ambos os casos, não foram dadas chances aos alunos de elaborar hipóteses sobre o objeto de conhecimento, de modo que a sua curiosidade não foi instigada e eles não expressaram suas reais opiniões. Foi dada a eles apenas a função de escutar, ouvir as instruções do professor e realizar as atividades solicitadas. Claro, isso não significa que não possam existir situações de aprendizagem em que os alunos necessitem copiar palavras ou textos, tampouco que o professor não possa expor suas próprias interpretações sobre um tema ou texto. Quando o professor assume o papel de orientar e estimular o aluno na construção do seu conhecimento e o aluno possui o importante papel de ser ativo e participativo na elaboração da sua própria aprendizagem, é possível encontrar situações como a seguinte: um professor de ciências busca apresentar aos seus alunos de 13 e 14 anos, do ciclo II do ensino fundamental, o princípio de Arquimedes de forma menos abstrata. Para isso, ele traz aos alunos a reflexão sobre a matéria sem fazer referência à fase líquida. Então, pergunta a eles: entre o pão e o açúcar, qual é o mais pesado? Entre o ferro e o plástico, qual é o mais pesado? A madeira ou o concreto, qual é o mais pesado? Possivelmente, as primeiras respostas serão as de senso comum: “o plástico é mais leve”, “a madeira é mais leve”, sem que um conceito tenha sido construído. Posteriormente, constata-se que não se pode saber, pois depende de quanto de matéria se toma (PERRENOUD, 2000). Como o professor pode levar os alunos a construir esse conhecimento? Ele pode pôr à disposição dos alunos pedaços de madeira, ferro e plástico de volumes, formas e pesos diversos. Tais materiais não se prestam nem a uma comparação direta por peso nem a um recorte fácil em volumes iguais, são apenas utilizados para construir o conceito de peso da unidade de volume (PERRENOUD, 2000). Em outro momento, o professor pode dividir a classe em grupos e dar a cada um deles um pedaço de massa de modelar, pedindo que os alunos meçam a massa e o volume, tendo à disposição balanças e tubos de ensaio graduados cheios de água, nos quais podem mergulhar os pedaços. Após a pesagem e a mensuração do volume por imersão, pode-se chegar ao Quadro 2: Quadro 2 – Valores de massa e volume do pedaço de massa de modelar Equipe 1 Equipe 2 Equipe 3 Equipe 4 Equipe 5 Massa (gramas) 22 42 90 50 150 Volume (milímetros) 15 30 150 35 100 Fonte: Adaptado de Perrenoud (2000). Por meio do quadro comparativo, a turma de alunos pode chegar a formulações como esta: quando se divide a massa por volume, o resultado é sempre o mesmo. Assim, os alunos podem compreender que não se pode comparar senão os pesos da unidade de volume igual e que essa pode ser uma das funções da unidade de volume, que é um volume fictício, que não se recorta fisicamente (PERRENOUD, 2000). Outra situação que sugere ao professor ser mediador do conhecimento, possibilitando aos alunos construírem a sua aprendizagem na leitura, é apresentar a uma turma de alfabetização enredos de livros. O professor pode ler em voz alta algum livro da biblioteca escolar. No momento dedicado à leitura, ele pode sentar-se com os alunos em uma roda e apresentar o título do livro, bem como, de modo sucinto, a biografia do autor e o resumo da história. Dessa forma, os alunos irão incorporar elementos de leitura ligados à identificação do livro. A seguir, o professor pode sugerir que cada aluno escolha um livro e leia-o conforme suas habilidades, sozinho ou com a ajuda de algum colega. Após a primeira leitura, a turma pode voltar a sentar-se em roda e contar o que leu. O professor pode pedir aos alunos que levem os livros para casa e, após a realização da leitura, solicitar que escrevam um parágrafo sobre o que leram (BRASIL, 2012). Outro exemplo em que o professor orienta e conduz a aprendizagem dos educandos de forma mediadora,incentivando-os a pensar, é a apresentação de cartazes educativos da área de saúde e a leitura desse material para uma turma de alunos. Em um primeiro momento, o professor pode questionar os alunos sobre a função dos cartazes. As crianças podem responder, por exemplo, que eles servem para ensinar a cuidar da saúde. A partir das falas dos alunos, o professor pode chamar a atenção para os usos e contextos educativos do cartaz, destacando que a sua função é educar, ensinar alguma ação, ou seja, mostrar algo para diversas pessoas. O professor também pode questionar onde os cartazes educativos são encontrados. Algumas crianças vão se lembrar de que podem ser encontrados em postos de saúde, hospitais, consultórios médicos ou talvez no mural da escola. Essa prática é importante porque leva o aluno não só a entender o porquê de estar fazendo uma dada produção e se sentir motivado ao realizar essa atividade, mas também para mostrar que, na vida, as pessoas escrevem sempre com alguma finalidade social (BRASIL, 2012). Vickery (2016) sugere que uma aprendizagem ativa é aquela que propõe discutir com as crianças a própria aprendizagem, o ambiente em que ela se dá e as expectativas dos alunos com relação ao professor. Desse modo, é importante que as crianças se envolvam no planejamento e em sua própria avaliação. A autora também considera importante que o espaço físico de sala de aula estimule a aprendizagem das crianças. Para ela, as disciplinas dos anos iniciais do ensino fundamental têm caráter de questionamento e indagação, o que deve ser realizado de modo colaborativo (alunos e alunos, alunos e professores). 3. A PEDAGOGIA LIBERAL E SUAS RAMIFICAÇÕES Com o tempo, as ideias sobre a finalidade da escola e as concepções de aluno e de professor passaram por mudanças e se reconfiguraram, seguindo as tendências presentes em cada período histórico. Isso se deve ao fato de que, de acordo com as tendências e a presença de determinadas teorizações em cada período histórico, as práticas escolares materializam-se de formas diferenciadas. Entende-se por tendência pedagógica “[...] as diversas teorias filosóficas que pretenderam dar conta da compreensão e da orientação da prática educacional em diversos momentos e circunstâncias da história humana” (LUCKESI, 1994, p. 53). Você com certeza já deve ter ouvido inúmeros comentários, e até mesmo críticas, a respeito da escola “tradicional”, não é mesmo? Ou deve ter manifestado interesse sobre escolas diferentes, consideradas de vanguarda. Mas o que seria uma escola tradicional? O que a diferenciaria das demais? Essas perguntas serão respondidas à medida que aprendermos sobre a chamada pedagogia liberal. Uma das principais características da pedagogia liberal é a ênfase colocada nas aptidões individuais dos estudantes para que o processo de ensino e aprendizagem ocorra. Nessa perspectiva, o aluno é visto, prioritariamente, de forma individual e independente do seu contexto. Dessa forma, são minimizados os aspectos que compõem a realidade social do aluno e enfatizados os conhecimentos a serem transmitidos pelo professor, que protagoniza o processo de ensino. Portanto, cabe ao aluno receber as explicações e, a partir de suas capacidades, aprender como portar- se e ocupar os papéis destinados a ele na vida social. Embora possamos entender que a nossa sociedade, atualmente, valoriza muito os conhecimentos adquiridos via educação formal (i.e., que ocorre na escola), a grande crítica que alguns autores apresentam à pedagogia liberal é justamente o fato de ela não discutir ou considerar que outros fatores possam intervir na educação escolar, como a classe social à qual o aluno pertence ou os diferentes aspectos da desigualdade que podem existir entre os diversos estudantes da escola. Ao referir-se à pedagogia liberal, Libâneo (2002, p. 21), comenta que, no interior da escola: [...] os indivíduos precisam aprender a adaptar-se aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classe, pois, embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições [...]. Em outras palavras, o autor chama a atenção para a necessidade de refletir, a partir de sua análise sobre a pedagogia liberal, se as condições a partir das quais os estudantes se apresentam às escolas seriam as mesmas, ainda que exista igualdade de oportunidades ou de acesso à educação. Além disso, Libâneo ressalta o fato de existirem escolas mais bem-estruturadas, com mais recursos, professores mais bem- preparados, e até mesmo valorizados, e currículos de maior qualidade. Dentro do espectro da pedagogia liberal, existem quatro subclassificações (LIBÂNEO, 2002): • tendência pedagógica liberal tradicional; • tendência pedagógica liberal renovada progressivista; • tendência pedagógica liberal renovada não diretiva; • tendência pedagógica liberal tecnicista. A seguir, veremos o que constitui cada uma dessas classificações propostas pela pedagogia liberal. Ao realizar a leitura, procure imaginar o seu tempo de escola, analisando se já vivenciou alguma dessas características e desses modos de atuar por parte de seus professores e gestores escolares. Na pedagogia liberal, o professor é o detentor do conhecimento, cabendo a ele a responsabilidade de ensinar aos seus alunos os conteúdos curriculares. 3.1 Tendências pedagógicas Tendência pedagógica liberal tradicional Essa tendência pedagógica é a mais antiga no Brasil, pois remete à sua colonização inicial. Queiroz e Moita (2007, p. 3) comentam que “[...] a tendência tradicional está no Brasil, desde os padres jesuítas. O principal objetivo da escola era preparar os alunos para assumirem papéis na sociedade, já que quem tinha acesso às escolas eram os filhos dos burgueses”. Algumas características compõem o que se denomina como pedagogia liberal tradicional. Segundo Libâneo (2002), uma delas é o distanciamento do cotidiano dos alunos e de sua realidade social, nos aspectos que se referem aos conteúdos a serem ensinados e às técnicas e metodologias didáticas a serem colocadas em prática. Outra característica marcante é a relação entre o professor e o aluno: existe a “[...] predominância da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual” (LIBÂNEO, 2002, p. 22). Então, o professor transmite os conteúdos, que representam as verdades que devem ser aprendidas, ao passo que o aluno, passivamente, deverá absorvê-los. Se esse processo não for bem resolvido, utiliza-se a disciplina para corrigir possíveis condutas estudantis que se desviem do que foi estabelecido, fazendo imperar o silêncio e a ordem em sala de aula. Tendência pedagógica liberal renovada progressivista A tendência pedagógica renovada é fruto do Movimento da Escola Nova, iniciado na Europa, que procurou “[...] mudar o rumo da educação tradicional, intelectualista e livresca, dando-lhe sentido vivo e ativo. Por isso se deu também a esse movimento o nome de ‘escola ativa’” (LUZURIAGA, 1984, p. 227). A partir do Manifesto da Escola Nova, de 1932, esse movimento gerou modificações na estrutura da escola no Brasil. O escolanovismo, como foi chamado, produziu duas tendências de pensamento pedagógico: a tendência pedagógica liberal renovada progressivista e a tendência pedagógica liberal renovada não diretiva. A pedagogia liberal renovada progressivista parte do entendimento de que a educação é um processo interno do indivíduo e que, por esse motivo, devem ser consideradas as experiências que o aluno vivencia, bem como deve haver problematização e desafios por parte do professor como estratégia didática. Essa pedagogia entende que a principal função da educação é preparar o indivíduo,adaptando-o para o meio social do qual faz parte. Libâneo (2002, p. 25) afirma que “[...] é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito”. Por esse motivo, são valorizados os processos de autoeducação e autoaprendizagem, os quais estimulam o aprender a aprender — ou seja, são maneiras para que os estudantes aprendam de forma mais eficiente. Essa pedagogia apresenta autores significativos para a área da educação, como Maria Montessori, John Dewey, Ovide Decroly e Jean Piaget. Tendência pedagógica liberal renovada não diretiva Assim como a anterior, essa tendência também é oriunda do Movimento da Escola Nova. Entretanto, a tendência liberal renovada não diretiva foi desenvolvida a partir do trabalho do psicólogo norte-americano Carl Rogers (1902–1987), que propôs que os principais aspectos a serem considerados na escola são as questões psicológicas em que os alunos se encontram envolvidos, com maior grau de importância do que os aspectos sociais ou pedagógicos. Ao referir-se a essa pedagogia, Libâneo (2002, p. 27) destaca que: [...] os procedimentos didáticos, a competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importância, face ao propósito de favorecer […] um clima de autodesenvolvimento e realização pessoal, o que implica estar bem consigo mesmo e com seus semelhantes. Logo, se os conteúdos e métodos de ensino são secundários ou menos importantes, nessa pedagogia, o professor apresentará uma postura que favoreça e estimule as relações interpessoais com o estudante, o seu jeito de ser, com a crença de que, agindo assim, ele irá se autodesenvolver. Nessa tendência pedagógica, são amplamente utilizadas as autoavaliações, em detrimento de outras avaliações quantitativas e disciplinares. De acordo com Queiroz e Moita (2007, p. 6), ao se referirem às escolas renovadas (progressivista e não diretiva): [...] essa tendência retira o professor e os conteúdos disciplinares do centro do processo pedagógico e coloca o aluno como fundamental, que deve ter sua curiosidade, criatividade e inventividade estimuladas pelo professor, que deve ter o papel de facilitador do ensino. Tendência pedagógica liberal tecnicista Essa pedagogia relaciona diretamente a escola ao ambiente produtivo do mercado de trabalho. Nesse caso, cabe à escola ensinar aos estudantes as técnicas necessárias para que se tornem competentes nas funções a serem desempenhadas em seus empregos. Dessa forma, como o que se objetiva é a aprendizagem de técnicas específicas, princípios científicos, normas e leis (conteúdos) serão repassados aos alunos de forma lógica, sequencial e objetiva, proporcionando que o conhecimento adquirido possa ser facilmente observado e medido. Nessa pedagogia, “[...] o professor é apenas um elo [...] entre a verdade científica e o aluno, cabendo- lhe empregar o sistema instrucional previsto” (LIBÂNEO, 2002, p. 30). Saviani (2010, p. 381) comenta que, “[...] com base no pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga a reordenação do processo educativo de maneira que o torne objetivo e operacional”. Dessa forma, ao valer-se de técnicas e procedimentos que favoreçam a transmissão e a recepção de informações, ela restringe o espaço para discussões, debates ou eventuais questionamentos em sala de aula. A tendência pedagógica liberal tecnicista é fundamentada nas teorias do psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner e, por esse motivo, a aprendizagem é considerada como condicionamento, o qual pode ser realizado a partir do reforço sobre as respostas dos alunos, modificando o seu desempenho. Queiroz e Moita (2007, p. 8) acrescentam que: O chamado “tecnicismo educacional”, inspirado nas teorias da aprendizagem e da abordagem do ensino de forma sistêmica, constituiu-se numa prática pedagógica fortemente controladora das ações dos alunos e, até, dos professores, direcionadas por atividades repetitivas, sem ref lexão e absolutamente programadas, com riqueza de detalhes. (QUEIROZ e MOITA, 2007) 3.2 A pedagogia progressista e suas tendências Segundo Queiroz e Moita (2007), as tendências progressistas surgiram na França, a partir de 1968. Já no Brasil, elas coincidem com o início da abertura política e sua efervescência cultural (início da década de 1980). A pedagogia progressista apresenta algumas características gerais que a distinguem e diferenciam especialmente das pedagogias liberais. Entre elas, destaca-se o aspecto de entender que professor e aluno se encontram em uma relação horizontal, ou seja, não há uma hierarquia que os separe, permitindo uma atuação baseada no diálogo. Dessa forma, não existirá uma imposição do que precisa ser aprendido por parte do docente, pois tanto o aluno quanto o professor podem aprender durante o processo de ensino e aprendizagem. Outro aspecto interessante é o objetivo de desenvolver a criticidade dos estudantes, possibilitando que aspectos de suas realidades sociais cotidianas sejam a base de sua aprendizagem. Segundo os autores que seguem essa tendência, isso propicia que esses indivíduos se tornem atuantes no contexto em que estão inseridos. A pedagogia progressista é dividida em (LIBÂNEO, 2002): • tendência pedagógica progressista libertadora; • tendência pedagógica progressista libertária; • tendência pedagógica progressista crítico-social dos conteúdos. Confira, a seguir, as principais características que compõem cada uma delas. Tendência pedagógica progressista libertadora Essa tendência pedagógica baseia-se nos pensamentos e nas obras do educador brasileiro Paulo Reglus Neves Freire, sendo também conhecida como pedagogia problematizadora. Segundo Queiroz e Moita (2007, p. 12): Nesta tendência pedagógica, a atividade escolar deveria centrar-se em discussões de temas sociais e políticos e em ações concretas sobre a realidade social imediata. O professor deveria agir como um coordenador de atividades, aquele que organiza e atua conjuntamente com os alunos. (Queiroz e Moita, 2007): Paulo Freire trabalha com duas ideias potentes ao produzir as bases dessa pedagogia: a educação bancária e a educação libertadora ou problematizadora. A educação bancária seria aquela na qual o professor, detentor de todo o conhecimento, é central no processo de ensino. O professor irá transmitir ou “depositar” o conhecimento que possui no aluno, que, por sua vez, recebe esses conhecimentos, que passam a compor o seu repertório de conhecimento e cultura. Nesse tipo de educação, não há espaço para que se dialogue ou se exerça a percepção das realidades ou das críticas sobre elas, pois [...] o educador aparec e como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito , cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos de conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam signif icação (FREIRE, 1987, p. 57). Já a educação problematizadora parte da análise da realidade social em que o aluno se encontra envolvido, possibilitando, a partir de problematizações, em um processo dialógico entre professor e aluno, a aprendizagem crítica dos conteúdos que precisam ser desenvolvidos. Paulo Freire (2003, p. 47) comenta que “[...] ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção”. Nessa pedagogia, alunos e professores são sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, e ambos aprendem a partir de suas experiências em sala de aula, quebrando a ideia de verticalidade e imposição do ensino tradicional. Tendência pedagógica progressista libertária Essa tendência propõe a ideia de que deve haver a autogestão na educação, ou seja, cabe ao alunoescolher entre os conteúdos a serem estudados, e a base da aprendizagem se dá pelo movimento político promovido pelas atividades realizadas em grupo, o que proporcionaria uma maior liberdade aos alunos. Libâneo (2002) comenta que é mais importante essa vivência e participação crítica nas ações em grupo do que os próprios aspectos relacionados aos conteúdos que se pretende ensinar. De acordo com Queiroz e Moita (2007, p. 13): Esta tendência surge junto com o momento histórico democrático brasileiro e, por esse motivo defende, apoia e estimula a participação em grupos e movimentos sociais: sindicatos, grupos de mães, comunitários, associações de moradores etc., para além dos muros escolares e, ao mesmo tempo, trazendo para dentro dela essa realidade pulsante da sociedade. (QUEIROZ e MOITA, 2007) Assim, a tendência pedagógica progressista libertária propõe o início da criação de espaços de participação democrática da sociedade na escola, como os conselhos escolares, os grêmios estudantis e a própria eleição de diretores. Além disso, nessa tendência, o “[...] o professor é um catalisador, ele se mistura ao grupo, para uma reflexão em comum” (LIBÂNEO, 2002, p. 37). Ao colocar-se junto aos alunos, o professor procura criar condições para que eles não se sintam coagidos ou oprimidos e possam, assim, exercer os seus estudos críticos de forma livre. Essa pedagogia fundamenta-se nos estudos do pedagogo espanhol Francisco Ferrer Guardia. Tendência pedagógica progressista crítico-social dos conteúdos Essa tendência é pautada na ideia de que os conteúdos ensinados na escola são concretos, reais e vinculados com as realidades sociais existentes, uma vez que são “[...] conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face as realidades sociais” (LIBÂNEO, 2002, p. 39). Em essência, admite-se a ideia de que os conteúdos são reconfigurados e atualizados de acordo com o momento histórico que a sociedade estiver vivenciando. Queiroz e Moita (2007) reforçam as ideias dessa tendência ao afirmar que a pedagogia crítico-social dos conteúdos defende a necessidade de se assegurar a função social e política da escola, por meio do trabalho com conhecimentos sistematizados e da inserção de classes populares nas escolas, a fim de criar condições para uma efetiva participação nas lutas sociais. Nessa pedagogia, para que a aprendizagem ocorra, o professor deverá vincular os conteúdos com a realidade e as experiências dos alunos. Assim como o professor deve compreender como o aluno se expressa e age, o aluno deve compreender o que o professor está dizendo. Dessa forma, os estudantes podem ter uma visão ampliada e mais nítida das realidades analisadas e estudadas. A pedagogia progressista crítico- social dos conteúdos baseia-se nos estudos de Carlos Libâneo e Demerval Saviani. 3.3 As teorias pedagógicas e a escola atual As escolas encontram-se permeadas por tendências pedagógicas que norteiam as práticas docentes, servindo de matrizes e de balizadoras das ações de planejamento das atividades cotidianas em sala de aula. Todavia, é importante perceber que: [...] tendências e procedimentos ganham corpo, são aceitas e depois perdem a sua força, enfraquecidas por novas tendências, por novos procedimentos, que vêm no bojo da própria evolução do pensamento pedagógico, motivados pelo contexto vivido (contexto aqui no seu sentido amp lo, político, social e econômico (SILVA, 1996, p. 11). Dessa forma, vamos discorrer sobre algumas tendências que modificam a forma como os professores atuam nos tempos contemporâneos e que apresentam relação estreita com os campos sociais, políticos e econômicos e suas reconfigurações. É importante destacar que a possibilidade de o docente escolher atuar de acordo com as teorizações pedagógicas com as quais mais se identifica é amparada constitucionalmente. Na Constituição Federal de 1988, em seu art. 206, que estabelece os princípios nos quais a educação nacional deverá basear- -se, tem-se o “[...] pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” (BRASIL, 1988, documento on- line). Esse princípio será novamente reforçado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), em seu art. 3º, Inciso III. Também na LDB atual determina-se que as escolas deverão elaborar e executar as suas propostas pedagógicas. Esse processo de elaboração, que normalmente resulta na construção de um projeto político-pedagógico, requer participação coletiva e estudo de quais tendências irão alicerçar as práticas existentes nessas instituições de ensino. Na atualidade, ainda há lugar para todas as tendências pedagógicas; mais do que isso, todas elas disputam espaço no interior das escolas. Além disso, mudanças nos contextos culturais, sociais, políticos e econômicos têm desafiado as práticas pedagógicas das escolas. A seguir, confira algumas das tendências que se encontram presentes nos estudos acadêmicos sobre novas formas de ensinar e aprender, presentes na atualidade, e que envolvem a educação formal escolarizada, bem como a educação informal: • pedagogias do consenso e do conflito; • pedagogias culturais; • pedagogias do corpo; • desescolarização. Entre as tendências que se encontram presentes no cotidiano escolar e aliam- se à forma como a escola deve ser conduzida, a partir dos estudos da administração educacional, estão a pedagogia do consenso e a do conflito, propostas por Benno Sander, em 1983. Baseadas na evolução dos pensadores da área da sociologia, essas teorias focam a sua análise nas formas como a administração escolar procura resolver os seus conflitos e organizar os seus procedimentos nas diversas áreas que compõem a instituição escolar. A pedagogia do consenso, derivada das ideias de Auguste Comte, Herbert Spencer, Émile Durkheim e Talcott Parsons, trabalha com a ideia liberal de integração, procurando “[...] satisfazer simultaneamente tanto as expectativas institucionais como as necessidades e motivações pessoais, sem comprometer o alcance dos objetivos de manutenção e reprodução do sistema” (SANDER, 1983, p. 22). Em outras palavras, essa tendência pedagógica entende que a organização escolar acaba influenciando ou produzindo os indivíduos a partir do que faz, com mínimas possibilidades de que ocorra o contrário — ou seja, de que os indivíduos personalizem, adaptem ou modifiquem a escola. A pedagogia do conflito, por sua vez, origina-se da interpretação das ideias iniciais de Karl Marx e Friedrich Engels, desenvolvidas por Bourdieu e Passeron e Althusser e Gramsci. Essa tendência aparece como uma crítica ao pensamento anterior (do consenso), propondo uma análise que sai da centralização no aluno ou no educador e “[...] centra-se no papel das instituições e sistemas de ensino” (SANDER, 1983, p. 24). A ideia do conflito é justamente a percepção de que as escolas se encontram imersas nas grandes desigualdades culturais existentes entre os alunos, porém acabam reproduzindo a cultura da classe dominante e elitizada. Essas duas formas de se enxergar a escola, pelo aspecto da reprodução (consenso) ou da crítica de suas finalidades e formas de atuar (conflito), acabam se inserindo fortemente no pensamento e nas ações docentes na escola contemporânea. Outra tendência pedagógica muito forte e presente no âmbito acadêmico na atualidade e que tem gerado inúmeras pesquisas, principalmente na linha teórica dos estudos culturais em educação, é a denominada pedagogia cultural. A pedagogia cultural entende que todo e qualquer artefato cultural (i.e., algo produzido pelo homem) pode ensinar algo e exercer função pedagógica. Dessa forma, ela analisa elementos de nossa cultura que contribuem para essa aprendizagem, como as mídias eletrônicas e os processosque se estabelecem via internet, e possuem força de produzir subjetividades nas pessoas e modificar as suas condutas e o seu jeito de ser, pensar e agir. Conforme Steinberg (1997, p. 102): [...] a pedagogia cultural está estruturada pela dinâmica comercial, por forças que se impõem a todos os aspectos de nossas vidas privadas e das vidas de nossos/as f ilhos/as. Os padrões de consumo moldados pela publicidade empresarial fortalecem as instituições comerciais como os professores do nosso milênio. (Steinberg, 1997) Como podemos perceber pelo conceito de pedagogia cultural, além das questões que envolvem a mídia, tem-se também as questões econômicas, que envolvem o consumo. Estas são analisadas na forma como se encontram inseridas nos mais diversos setores da sociedade (inclusive na escola), problematizando como a nossa vida, hoje, é pautada pelas relações de acumulação e consumo típicas do capitalismo. Enfim, apresentando resumidamente a pedagogia cultural, devemos entender que ela “[...] pode representar uma das muitas alternativas possíveis para considerar as influências educativas informais em uma era de expansão da globalização e mercantilização” (HICKEY-MOODY; SAVAGE; WINDLE, 2010, p. 231, tradução nossa). Dessa forma, inúmeras análises articulam as mudanças que ocorrem nos aspectos educativos formais e informais, principalmente após a expansão da globalização, após os anos 1990, no Brasil e no mundo. Já as pedagogias do corpo propõem uma série de estudos que consideram o corpo como o veículo que acaba sendo objeto de disputa e sobre o qual são dispostas ações de governo, no sentido de conduzir as ações individuais que modelam um jeito de ser e estar no mundo. No viés dessas análises, as discussões de gênero, corpo e sexualidade se fazem presentes, com o entendimento de que nos tornamos homens ou mulheres a partir de discursos que estabelecem um status desses gêneros e um papel social a desempenhar por esse corpo masculino ou feminino. Dessa forma, as pedagogias do corpo entendem que: [...] as muitas formas de fazer-se mulher ou homem, as várias possibilidades de viver prazeres e desejos corporais são sempre sugeridas, anunciadas, promovidas socialmente (e hoje possivelmente de formas mais explícitas do que antes). Elas são também, renovadamente, reguladas, condenadas ou negadas (LOURO, 2007, p. 4). Nas pesquisas que envolvem as pedagogias do corpo, problematizam-se as questões de gênero, procurando compreender os parâmetros impostos por uma sociedade que se constitui tendo a heterossexualidade como caminho certo e normal a ser seguido. Se a constituição dos sujeitos homens e mulheres se dá a partir de regulações sociais e culturais, as representações de indivíduos homossexuais, gays, transexuais e outras denominações presentes em nossa sociedade atual, da mesma forma, também merecem respeito e não devem ser discriminadas ou sofrer preconceitos sociais. As pedagogias do corpo servem de espaço de luta pelos direitos dessas minorias, que se constituem como cidadãos de direitos tanto quanto os heterossexuais. Por fim, vamos destacar estudos que apontam novos caminhos para as práticas educativas e que têm ganhado força no mundo inteiro, com enfoque em críticas e discussões em torno da desescolarização, baseadas nas obras do pedagogo Ivan Illich. O tema da desescolarização coloca a seguinte questão: a escola seria realmente necessária e positiva para todas as nações existentes no mundo? Os princípios defendidos pelo autor concentram-se na ideia “[...] de transformar cada momento da vida em uma ocasião de aprender, geralmente e de preferência, fora do sistema escolar” (LUCKESI, 1994, p. 13). Dessa forma, a desescolarização traz uma grande crítica às instituições sociais existentes, propondo uma sociedade sem escolas. A ideia defendida pela desescolarização parte do princípio de que a escola institucionalizada, na forma como se encontra, acaba privilegiando aqueles que possuem maior capital cultural ao frequentá-la. Existe a crítica ao valor que é repassado ao aluno a partir do conhecimento que ele adquire na escola, sendo este acumulativo e certificado por graus ou diplomas. Para o autor: [...] a aprendizagem é a atividade humana que menos necessita da intervenção de terceiros; a maior parte da aprendizagem não é consequência da instrução, mas o resultado de uma relação do aprendiz com um meio que tem um sentido, enquanto a instituição escolar o faz crer que o desenvolvimento cognitivo pessoal depende, necessariamente, de programas e de manipulações complexas (LUCKESI, 1994, p. 17). Esse pensamento nos leva a refletir sobre os processos de aprendizagem que encontramos hoje, sobretudo aqueles que ocorrem via internet, no ciberespaço. Nesses espaços, aquele que se interessa em aprender algo (aprendiz) tem a possibilidade de escolher o assunto objeto do conhecimento de que necessita, estipulando o seu roteiro, os horários e os formatos a aprender, muitas vezes sem a mediação de um terceiro. 4. O CONCEITO DE ENSINO Desde os primórdios da humanidade, as pessoas têm se empenhado em compreender o ensino, buscando meios, formas, técnicas e métodos mais eficazes para transmitir, transferir e ensinar os conhecimentos alcançados e acumulados na cultura humana aos demais membros da sociedade. Piletti (2010, p. 23) afirma que “[...]ensinar e aprender são tão antigos quanto o próprio homem”, referindo-se à necessidade das tribos primitivas de ensinar seus filhotes a caçar e sobreviver em um ambiente hostil. Tornar plausível que esse acúmulo de informações e conhecimentos agrupados ao longo do tempo sejam compreendidos a partir da ideia de ensinar, ou seja, a transmissão desse conhecimento a outras pessoas. Portanto, a primeira característica importante do ensino: é feito por quem tem conhecimento. Essa pessoa, partindo da matéria que queria ensinar, expandia aos outros o que sabia. Piletti (2010, p. 26) acrescenta o seguinte complemento: “[...] segundo o conceito etimológico, ensinar (do latim signare) é ‘colocar dentro, gravar no espírito’. De acordo com esse conceito, ensinar é gravar ideias na cabeça do aluno. Nesse caso, o método de ensino é o de marcar e tomar a lição”. Podemos observar que, a partir dessa ideia inicial sobre o ensino, visto sob uma perspectiva pedagógica tradicional, que ensinar segue um processo que envolve três elementos, conforme a Figura 1. Figura 1 – Os três elementos que envolvem o processo de ensino Fonte: Adaptado de Piletti (2010). Assim sendo, compreende-se que os assuntos incluídos no estudo da educação são muito importantes. Há muitos problemas potenciais com essa conceituação. Qual a importância, por exemplo, da preparação técnica do professor para um ensino mais eficaz? Qual a técnica (didática) mais adequada para o ensino de determinada unidade de conhecimento? Como é selecionado o conteúdo a ser ensinado (currículo)? O ensino fornece a aprendizagem resultante? Ainda assim, todo esse esforço do ensino, conteúdo rico, ambiente estimulante, boas técnicas de ensino e preparo do professor não garantem o aprendizado. É importante ressaltar que a separação entre ensinar e aprender e da própria aprendizagem, remonta aos primórdios do surgimento da didática, que foram identificados como a “arte de ensinar”. A didática propõe técnicas diversas, as quais facilitarão a condução e o desenvolvimento das aulas pelo docente (BES, 2017). Para contribuir com esse argumento, pode-se resgatar as ideias propostas por Comenius (1657), em sua obra Didática Magna: Nós ousamos prometer uma didática magna, ou seja, uma arte universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter resultados, de ensinar de modo fácil [...] de ensinar de modo sólido, não superf icialmente, de qualquer maneira, massa para conduzir
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