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PROCESSOS GRUPAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Conceituar processos grupais em psicologia. > Reconhecer influências teórico-metodológicas sobre processos grupais. > Identificar técnicas de intervenção em grupo. Introdução Grupos estão presentes em nossa vida desde antes do nascimento. Existe um grupo primário, a família, que já está formado quando a criança é concebida, seja esse grupo como for e com a organização que tiver. Posteriormente, passamos por muitos grupos secundários, pelo ingresso na escola, no trabalho, nos esportes, no lazer. Alguns são formais, como a escola e outras instituições sociais; outros são informais, formados por amigos ou pessoas com as quais nos identificamos por alguma razão. Sejam os grupos que forem, eles significam compartilhamento de metas e objetivos e o reconhecimento das individualidades. Significam também zonas de sombra e depósitos de ansiedades primitivas que surgem nas interações e que são às vezes muito difíceis de trabalhar. Na psicologia, as diferentes técnicas e abordagens do trabalho grupal objetivam focar e lançar luz nessas idiossincrasias, possibilitando a libertação de amarras que nos impedem de ser criativos ou nos fazem sofrer. A aprendizagem de novas formas de relacionamento é possibilitada pelos grupos e favorece também o indivíduo em sua trajetória pessoal. Conceito de processos grupais Maria Beatriz Rodrigues Neste capítulo, você vai aprender a definir grupos e vê-los como um processo, que começa na tenra idade e prossegue influenciando toda a vida social. Vai conhecer abordagens da psicologia que trabalham com grupos, suas raízes e influências metodológicas. Por fim, a partir dessa gama de influências, vai conhecer ricas possibilidades de técnicas de intervenção grupal na psicologia. Os processos grupais Há muita discussão sobre a psicologia ser uma ciência do indivíduo, uma vez que busca entender processos mentais e comportamentais, ou ser também uma ciência de grupos, uma vez que funda seu trabalho nas relações sociais e atua em ambientes organizacionais e institucionais. Desde Freud, princi- palmente em suas obras Psicologia das massas e análise do ego (2011) e O mal-estar na civilização (1997), fica deixa claro que dissociar os dois âmbitos da vida humana, individual e grupal, não é possível. A criança recém-nascida não distingue o seu ego do mundo externo a ela, e só aprende essas diferenças com a experiência, reagindo aos estímulos que lhe são apresentados. É introduzida ao seio, ou à mamadeira, nas primeiras horas de sua vida, e esses objetos são externos a ela, mesmo que ainda não o saiba, pois os confunde com as sensações de seu corpo. O caminho que leva a essa distinção, inevitável a todos que vão desenvolver um psiquismo dentro de padrões ditos normais, se dá pelo reconhecimento do outro, da constatação de que existe uma realidade externa, com a qual devo me con- frontar para obter o que desejo. Trata-se, segundo Freud (1997), da progressiva aproximação com o princípio da realidade a delimitar o eu do externo a mim, sendo que “originalmente o ego inclui tudo; posteriormente, separa, de si mesmo, um mundo externo” (FREUD, 1997, p. 14). Enrique Pichon-Rivière (2005), conhecido autor da psicologia social de orientação psicanalítica, começa a discussão de uma de suas principais obras falando exatamente dessa não segmentação da vida humana, pois o outro é objeto, que significa modelo, próximo ou distante, amigo ou opositor, com quem eu vou me relacionar provisória ou permanentemente. Portanto, a psicologia individual, de forma ampla, é também social. E aqui a discussão sobre os processos grupais ganha grande relevância, pois é mais do que a moldura de vida dos indivíduos; é o recipiente que molda, que condiciona, que liberta, que aprisiona a vida psíquica. Para entender processos grupais, é necessário definir grupos, após a afirmação de suas importâncias em nossas vidas desde a tenra idade. Osório (2013), para definir grupos, distingue um conjunto de pessoas de um sistema Conceito de processos grupais2 humano, sendo o segundo formado por pessoas que se reconhecem em sua singularidade, exercem ações interativas e se influenciam mutuamente, tendo em vista um objetivo compartilhado. Esse seria o conceito amplo de grupos, que é diferente, por exemplo, de um conjunto de pessoas numa fila esperando para tomar uma vacina. Mesmo tendo um objetivo comum — to- mar a vacina — os indivíduos do grupo não se reconhecem e nem interagem coletivamente. Esse conjunto de pessoas tem potencialidade para formar um grupo se algo acontecer que as faça interagir e buscar objetivos comuns, como, por exemplo, se faltar vacina para todos. As pessoas podem se reconhecer nas singularidades, começando a interagir para a resolução do problema, e a situação enfrentada colocará em evidência a maneira de ser e agir de cada um e sua inserção no grupo. Nesse âmbito, Osório (2013) elenca alguns tipos possíveis numa situação de emergência: o corajoso altruísta, o covarde egoísta, o provedor de ajuda, o pragmático, o histérico, o paralisado pelo pânico, entre muitos outros. Porém, a interação espontânea e situacional não é a única condição para que um conjunto de pessoas seja considerado um sistema humano. São importantes para a definição de grupos o número de participantes, o tempo de convivência, o padrão de interações e de objetivos comuns (OSÓRIO, 2013). Grupos menores, se passarem um tempo interagindo, poderão mais facilmente se reconhecer em singularidades e objetivos compartilhados, ao contrário de grupos maiores, que exigem mais tempo para preencherem os requisitos e serem considerados um sistema humano. Bleger (1998, p. 101) conceitua grupos como “um conjunto de indivíduos que interagem entre si compartilhando certas normas numa tarefa”. Durante a tarefa que o grupo estipula, os membros imprimem seus modos de ser nas relações com os outros membros. Essa é uma grande riqueza, uma vez que se estabelece a dinâmica do grupo a partir da convivência de aspectos integrados com outros menos integrados da personalidade dos indivíduos. Quando o grupo está interagindo, tende a propiciar uma imobilização dos aspectos desadaptados, dando lugar à dinâmica e ao trabalho terapêutico dos aspectos integrados do grupo. Em determinados momentos de crise e de discordância, ocorre uma ruptura dessa separação entre os conteúdos adaptados e os desadaptados, quando os últimos preponderam no funcio- namento grupal. Bleger (1998) chama esses conteúdos de sincréticos, ou seja, rígidos e infantis, marcados por ansiedades. Essas ansiedades podem ser enfrentadas pela aprendizagem, mas melhor ainda pelo pensar sobre a aprendizagem, que seria o estabelecimento de uma espiral nos grupos operativos, para que os pensamentos se tornem ativos e operantes. A espiral Conceito de processos grupais 3 provoca novas ansiedades e exige abertura ao novo e a renúncia de este- reótipos e de controles fixos e cristalizados. “Uma das maiores virtudes do grupo operativo é a possibilidade que oferece de aprender a agir, pensar e fantasiar com liberdade” (BLEGER, 1998, p. 75). Quando pensamos em grupos, uma série de expressões e tipologias po- dem vir à mente: se são grupos primários ou secundários, se são abertos ou fechados, se são formais ou informais, entre outras. Grupos primários são aqueles próximos ao sujeito, em que os contatos são diretos, como família, amigos, vizinhos, os grupos de lazer e esportes. Grupos secundários são grupos próximos ao sujeito, cujos contatos são em grande parte das vezes estabelecidos de maneira direta, mas não existe intimidade, como a igreja, a política, instituições de pertencimento e local de trabalho. Em alguns casos, os contatos podem ser realizados via internet, cartas e por outros meios de comunicação. E ainda existem os grupos intermediários, que associam características de ambos os anteriores, como na escola, em que os sujeitos comparecem cotidianamente,mas além da informalidade existe formalidade nos relacionamentos. Outras classificações de grupos sociais envolvem critérios de pertenci- mento como cor, raça, gênero, orientação sexual, idade, gerações, entre tantos outros marcadores sociais. Nesse caso, não podemos falar de pequenos grupos, que normalmente estão implícitos no trabalho em psicologia social, apesar das mudanças que se processaram nessa visão desde principal- mente os anos 1980 no Brasil. Mesmo com características e, possivelmente, identidades semelhantes, não falamos de grupos nesses casos, e sim de agrupamento sociais. Quanto mais numerosa a estrutura de um grupo de trabalho, mais difícil é coordenar suas atividades, tendo em vista as três principais tarefas de um grupo de trabalho: discussão, decisão e execução. Porém, deve haver um tamanho mínimo também, pois grupos muito pequenos podem gerar conflitos frontais, agrupamentos e exclusões mais difíceis de serem contornados. Os grupos com números ímpares parecem funcionar melhor do que os pares, e pesquisas sugerem que o número ideal seria entre cinco e sete membros, não sendo recomendado exceder 10 pessoas. Quanto à composição dos grupos, precisam concentrar as competências necessárias à realização da tarefa e podem levar em conta aspectos como idade, gênero, experiência, entre outros escolhidos pelos membros. Grupos com integração mais rápida, chamados homogêneos, têm a tarefa facilitada, pois a cooperação se estabelece de forma mais espontânea. Quanto mais diferentes são os membros do grupo, ideologicamente falando, mais conflitos potenciais são possíveis (MAILHIOT, Conceito de processos grupais4 1981). Alguns grupos têm coordenação de um terapeuta ou facilitador, com for- mação para tal, e outros são auto-organizados, como os grupos de autoajuda, a exemplo dos Alcoólicos Anônimos, que prescindem de coordenação externa aos membros do grupo. Nesta seção, definimos processos grupais a partir de alguns autores proeminentes no estudo da psicologia dos grupos. Ademais, diferenciamos tipos por meio de características básicas e estabelecemos alguns critérios de funcionamento. Uma frase conhecida na área afirma que “se existe um grupo, existe um processo”. Dessa forma, grupo e processo grupal podem ser percebidos como conceitos muito integrados, às vezes até intercambiáveis. Na próxima seção, nos aprofundaremos nas influências teóricas e metodo- lógicas dos principais autores e correntes teóricas da psicologia dos grupos. Influências teórico-metodológicas O estudo dos grupos se confunde com o reconhecimento da psicologia social, como disciplina da psicologia e separada da sociologia, apesar de objetivos comuns de estudo. Sabe-se que o fundador da psicologia como ciência, Wi- lhelm Wundt (1832-1920), já havia escrito livros sobre o tema, em dez volumes do que chamou de psicologia cultural (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005). Muito depois, a primeira cátedra de psicologia social foi criada em 1917, na Universidade de Harvard. A psicologia dos grupos propriamente dita foi consolidada por Kurt Lewin (1890-1948), que entendeu que precisava de um novo método na psicologia para estudar apropriadamente os grupos e a sociedade. Seu método é o da pesquisa-ação, próprio para grupos cara a cara, entre 12 e 15 membros, com a participação ativa do pesquisador como parte indissociável dos fenômenos grupais que estuda (OSÓRIO, 2013). Com esse método e a necessidade oriunda de formar profissionais para utilizar a pesquisa-ação na coordenação de atividades grupais não necessa- riamente terapêuticas, teve origem a dinâmica de grupos e, posteriormente, a psicologia dos grupos. Nesse sentido, mais recentemente encontraram resso- nância na psicologia grupal as influências da psicanálise para a compreensão do inconsciente nas relações grupais, a teoria dos papéis e o psicodrama, a teoria dos vínculos, os grupos operativos, a teoria sistêmica, assim como ou- tras abordagens, como a psicologia humanista ou a cognitivo-comportamental. O determinismo era hegemônico nas ciências, e Freud não se absteve dele, por mais que suas teorias tenham sido revolucionárias. O padrão de explanação da realidade dava-se pela busca de explicações lineares, em que “eliminada a causa, eliminam-se os efeitos”. Esse paradigma começou a ser Conceito de processos grupais 5 questionado com a teoria geral dos sistemas, com a cibernética e com os estudos sobre a comunicação humana, quando conceitos como interpessoal e interacional passaram a fazer parte dos estudos sociais, como sistemas ou microssistemas humanos. A criação da psicologia dos grupos se deu na diferenciação da psicologia individual e da psicologia social por meio de uma mutação paradigmática, como chamada por Osório (2013). Isso se deu com o advento do pensamento circular e retroalimentação, que questiona o tradicional pensamento linear, de causa e efeito, no campo das ciências em geral. Vejamos a seguir uma síntese de alguns marcos de contribuições para a psicologia dos grupos (OSÓRIO, 2013): � A dinâmica de grupos contribuiu com noções básicas de campo grupal, formas distintas de liderança e exercício da autoridade, bem como o aprendizado da autenticidade. � A psicanálise contribuiu com sua teoria dos afetos e a compreensão das motivações inconscientes das ações humanas. � A teoria dos vínculos e dos grupos operativos contribuiu com a forma de discernir os objetivos (tarefas) dos grupos e das instituições e o modo de abordá-los operativamente a partir dos vínculos relacionais. � O psicodrama contribuiu com a visualização dos papéis designados no cenário dos sistemas humanos e a utilização do role-playing como ferramenta operacional. � A teoria sistêmica contribuiu com a possibilidade de perceber e dis- criminar o jogo interativo dos indivíduos no contexto grupal e, a partir dessa percepção, de catalisar as mudanças possíveis no sistema. � A cibernética contribuiu com a noção de feedback, ou retroalimentação. � A teoria da comunicação humana contribuiu com as ferramentas para esclarecer os “mal-entendidos” e desfazer os “nós comunicacionais” que formam obstáculos para o fluxo operativo das interações humanas. Seguindo a apresentação da lista proposta por Osório (2013), a dinâmica de grupo é derivada do trabalho de Lewin, como visto anteriormente, com a pesquisa-ação, em que o coordenador tem uma tarefa e um papel ativo no processo grupal, como grupos de sensibilização para relações humanas, que eram utilizados para treinar em dinâmica de grupo. Por sua vez, a psicanálise embasou várias abordagens. Uma de relevância é a de Wilfred Bion, influenciado pelo trabalho de Melanie Klein. Bion distinguiu alguns conceitos e tipos de grupo, como o grupo de trabalho, que é a reunião de pessoas para a execução de uma tarefa específica, que requer um bom Conceito de processos grupais6 nível de cooperação e esforço conjunto. Normalmente não se dá de forma espontânea, mas sim por meio de treinamento, tolerância à frustração e con- trole das emoções. Outro conceito de Bion é a mentalidade de grupo, pois os grupos funcionam muitas vezes como unidades, mesmo sem que os membros se deem conta disso. Seria o equivalente ao inconsciente individual, e muitas vezes contribui para o fracasso dos grupos. Por fim, a partir do conceito de grupos de supostos básicos, Bion estudou padrões de comportamento que derivam da mentalidade grupal e se relacionam com dependência, acasa- lamento e luta-fuga. Esses supostos básicos serão detalhados na próxima seção (GRINBERG; SOR; BIANCHEDI, 1973; SAMPAIO, 2002). Outra vertente muito presente no Brasil é a corrente teórica argentina, que inclui autores como Pichon-Rivière e Bleger como base e outros que os seguiram no estudo dos grupos operativos. Essa abordagem também sofreu influências importantes da psicanálise de Melanie Klein, sobre as ansiedades primitivas dos sujeitos e as interferências na vida social futura e, portanto, nos grupos dosquais participam. Estudos seminais utilizando essa abordagem foram os de Emilio Rodrigué (1923-2008), argentino que viveu na Inglaterra e estudou com os maiores nomes da psicanálise kleiniana, e que posterior- mente viveu e morreu no Brasil, bem como os de Isabel Menzies (1917-2008), psicanalista britânica que estudou as ansiedades primitivas no trabalho de enfermeiras, e que trabalhou com Elliot Jaques (2017-2003), canadense, outro conhecido nome neste campo. Já o psicodrama foi proposto por Jacob Levy Moreno, inicialmente sob o nome de teatro espontâneo. O método é uma abordagem terapêutica fundada na representação dramática como meio para a expressão de con- flitos e emoções. Nasceu como reação a métodos psicoterápicos unicamente baseados na verbalização, e une a ação à palavra. Os conceitos de papéis e de desenvolvimento ou resgate da espontaneidade são fundamentais na teoria. A espontaneidade, assim como a criatividade e a sensibilidade, é continuamente ameaçada pelas repressões sociais e, para que não se cristalize, o psicodrama tenta revivê-la em suas origens e revitalizá-la (MORENO; MORENO, 2014). Na lista proposta, falta a referência à Silvia Lane e colegas que com ela trabalharam, na busca por uma psicologia social, institucional e de grupos no Brasil. Esses autores, com certeza sofreram influências de abordagens internacionais, mas buscaram uma leitura aplicada à nossa realidade. No livro Psicologia social: o homem em movimento, de Lane e Codo (1984), clás- sico na psicologia social brasileira, no capítulo “O processo grupal” a autora propõe uma redefinição de psicologia social, em que o grupo não seja mais visto como dicotômico ao indivíduo. Segundo ela, essa discussão deve ser Conceito de processos grupais 7 feita não como dicotomia e sim como relação indissociável, “para conhecer as determinações sociais que agem sobre o indivíduo, bem como a sua ação como sujeito histórico, partindo do pressuposto que toda ação transforma- dora da sociedade só pode ocorrer quando indivíduos se agrupam” (LANE; CODO, 1984, p. 78). A partir de uma retrospectiva e análise das principais teorias de grupo, Lane e Codo (1984) enumeram algumas de suas propostas de revisão das bases de discussão da psicologia social e de grupos. � O homem que participa da sociedade e dos grupos é alienado, em diferentes formas e graus. O nível da subjetividade é perpassado e determinado pela ideologia social, do individualismo, que por sua vez reproduz e mantém o sistema social e os papéis dos indivíduos. � Todo grupo ocorre dentro de instituições, que começam na família, e passam para outras, como a escola, o trabalho, etc. Nos grupos criados por instituições, faz-se necessário analisar quais são as suas finalida- des e funções, para avaliar o nível de alienação, sempre considerando vivências subjetivas e os objetivos da sociedade que os perpassam. � A história de vida de cada sujeito do grupo tem importância funda- mental para o processo grupal. As histórias de vida se condensam no grupo por meio de papéis exercidos pelos membros. � O desempenho de papéis nos grupos reproduz as relações sociais e revela lutas pelo poder e reproduções de dominação, que podem ser opostas por movimentos de resistência e mudança. � Os papéis sociais existem tanto no nível das determinações concretas (reprodução social de dominação) quanto nas vivências subjetivas (representação ideológica). O papel de líder, por exemplo, pode nas representações concretas exercer dominação, mas nas ideológicas se manifestar em alguém que quer o bem do grupo e preservar liberdades individuais. Conceito de processos grupais8 Nota-se a visão crítica da psicologia social brasileira em suas origens nos anos 1980, num período histórico marcado pelo questionamento de estruturas sociais autoritárias e ditatoriais. A psicologia social, como pro- posta por Lane e seus colegas, contribuiu com a formação crítica de muitos profissionais da psicologia, que se voltaram para o trabalho em comunidades, no Sistema Único de Saúde (SUS), que estava nascendo, e na conscientização sempre maior do Brasil como um país podre, periférico e dependente, inclusive teoricamente. Essa é uma influência teórico-metodológica importante e que marca a prática da psicologia social e dos grupos no país. Os tempos mudaram, mas essa influência é ainda marcante e referência no campo de estudos. As abordagens listadas por Osório (2013) e seus respectivos autores continuam tendo forte influência na psicologia dos grupos no Brasil. Quem trabalha com grupos muitas vezes integra técnicas de diferentes correntes, tanto para o entendimento quanto para a abordagem dos grupos. Na pró- xima seção, trataremos mais detidamente das técnicas de intervenção das correntes teóricas já mencionadas. Técnicas de intervenção em grupos Como visto anteriormente, Kurt Lewin (1890-1947), com a pesquisa-ação e a dinâmica dos grupos, foi o grande iniciador da psicologia dos grupos. Para o autor, trabalhar com grupos exige uma leitura diagnóstica permanente, e isso explica o nome “dinâmica”. Nesse âmbito, é de fundamental importância para o trabalho com grupos entender sua constituição e funcionamento, pois somente dessa forma será possível intervir junto a eles. A seguir são destacados alguns aspectos importantes para Lewin (1973) na dinâmica dos grupos: � Composição: características dos participantes, para que se sintam em sintonia (homogeneidade) ou diferentes (heterogeneidade). Como já colocado anteriormente, grupos menores tendem a ter menos conflitos, mas podem também ter limitações de criatividade e soluções. � Estrutura: arranjos possíveis nos grupos, como os formais, que envol- vem papéis e hierarquia, e os informais, com relacionamentos entre os membros. O tamanho interfere no funcionamento, e os grupos podem ser fechados, quando mantêm o número de participantes, ou abertos, quando possibilitam a entrada de outros. � Objetivos: aquilo que justifica a existência do grupo. Conceito de processos grupais 9 � Enquadre: combinações básicas e necessárias ao funcionamento e manutenção do grupo, como horário, local, frequência, ausências, etc. � Relação tarefa e emoções: as duas dimensões simultâneas no funcio- namento grupal. A tarefa é o que o grupo objetiva realizar, enquanto a emoção permanece intrínseca, na forma de sentimentos e manifesta- ções de afetos. Muitas das dificuldades para a realização da tarefa se devem ao que ela provoca nas pessoas e como elas reagem. � Papéis: existem papéis que precisam ser assumidos, mas nem sem- pre as pessoas os assumem como esperado. A saúde do grupo se relaciona com a capacidade de intercambiar papéis e assumi-los com responsabilidade. � Comunicação: formas de expressão do grupo, que podem ser autênticas ou não. Se a comunicação não flui com espontaneidade e confiança, surgem as redes paralelas, que enfraquecem o grupo. Wilfred Bion (1897-1979) foi um psicanalista que muito contribuiu para o en- tendimento e o trabalho com grupos, e foi o primeiro a descrever os fenômenos grupais para além dos grupos terapêuticos. Segundo ele, independentemente das razões pelas quais um grupo se reúne, ele está sujeito ao surgimento de estados mentais compartilhados, que se opõem à consecução da tarefa do grupo, que são os supostos básicos. Os supostos básicos são resistências aos objetivos do grupo e podem aparecer simultânea ou separadamente, ocasionando dificuldades para o que Bion chamava de grupo de trabalho. Os supostos básicos incluem os seguintes tipos (OSÓRIO, 2013): � De dependência, em que o grupo se comporta como se esperasse que um líder fosse se responsabilizar por todas as iniciativas e tomar conta dos membros do grupo, como os pais o fazem em relação aos filhos pequenos. � De luta-fuga, em que o grupo age como se existisse entre os parti- cipantes um inimigo a ser enfrentado ou evitado. Esse poderia ser o líder ou qualquer outro dos membros do grupo.� De expectativa messiânica, em que se verifica no grupo a crença de que os problemas ou as necessidades do grupo serão solucionadas por alguém que ainda não está no grupo e que, quando chegar, irá solucionar os problemas e as necessidades. Os supostos básicos nunca desaparecem por completo dos grupos; porém, à medida que os grupos trabalham juntos e resolvem problemas, a inter- Conceito de processos grupais10 ferência dos supostos básicos vai sendo minimizada. Se o grupo consegue concentrar mais tempo no grupo de trabalho — estado racional, cooperativo, pró-tarefa — ele está atingindo um estágio de maior maturidade. A menta- lidade racional do grupo vai sempre conviver com os pressupostos básicos, mais primitivos, pois ambos fazem parte da constituição humana e grupal. O psicodrama foi idealizado e desenvolvido por Jacob Levy Moreno (1889- 1974), a partir de seus trabalhos com diferentes grupos, incluindo uma com- panhia teatral que fundou. O autor desenvolveu atividades com crianças em praças, às quais admirava pela espontaneidade, conceito que se tornou central em seu trabalho. Contava histórias para as crianças, para que as representassem, com o intuito de desenvolver criatividade e espontaneidade, o que denominou de teatro de espontaneidade. Em seu trabalho de interesse social, trabalhou com um grupo de prostitutas, com vistas à assistência médica e sua organização como trabalhadoras. Também desenvolveu um mapeamento para a reorganização de um campo de refugiados, baseado em sentimentos que os vizinhos nutriam entre si. O trabalho com as prostitutas foi a gênese de seu modelo de psicoterapia grupal, enquanto o trabalho com os refugiados estabeleceu seus princípios de sociometria (BERNARDES, 2011). Esse conjunto de técnicas propõe a vivência dos conflitos e dos problemas pessoais, superando a predominância verbal de outras abordagens. A ação é a ferramenta mestra para a intervenção e o atingimento do conhecimento profundo das questões. Essas abordagens nasceram das convicções de Mo- reno da importância do grupo e do compartilhamento de problemas para sua resolução. A dinâmica grupal acontece a partir de movimentos de atração e afastamento entre as pessoas no grupo. Essa dinâmica é dada pela ‘tele”, que é um fenômeno de interação entre indivíduos, na relações de uns com os outros. A tele é fruto dessas interações e, por isso, é considerada o alicerce de relacionamentos saudáveis. Engloba um conjunto de processos perceptivos, que pode envolver atração ou rejeição, e que permite a valorização do mundo e dos relacionamentos, proporcionando uma maior aproximação entre as pessoas (MORENO; MORENO, 2014). O psicodrama é uma abordagem grupal que utiliza a dramatização, ou representação dramática, improvisada como forma de atingir e explorar a psique e suas emoções. O autoconhecimento pretendido é atingido com o resgate da espontaneidade e criatividade, passando pela expressão do corpo. As cristalizações, ou os obstáculos para a espontaneidade, seriam originadas nas tradições culturais e sociais e nas interdições delas decorrentes, o que o autor chamou de conservas culturais. Condicionado por elas, o indivíduo passa a colocar limites ao seu prazer, como forma de evitar sofrimento, mas Conceito de processos grupais 11 pode desenvolver defesas como a repressão ou o isolamento. Espontanei- dade, criatividade e sensibilidade seriam os recursos inatos, resgatáveis, que poderiam auxiliar na revisão das cristalizações e um reencontro com a vida criativa e plena. O ser humano precisaria romper com as subordinações que o fazem sentir impotente e inerte, repetitivo e não espontâneo (MORENO; MORENO, 2014). A descoberta do psicodrama como ferramenta terapêutica ocor- reu em 1922, quando Moreno fazia parte de um grupo de teatro em Viena. Uma atriz do grupo, chamada Bárbara, com frequência atuava em papéis românticos e ingênuos. Isso chamou a atenção de Jorge, um espectador que ia rotineiramente assistir os espetáculos na primeira fila. Ele se apaixonou por Bárbara e foi correspondido. Casaram-se e após um curto período Jorge falou com Moreno que não entendia como Bárbara, sendo aparentemente tão angelical, pudesse mudar tanto de comportamento em casa. Ele contou que a mulher ficava muito enraivecida e agressiva. Numa das apresentações do grupo, Moreno interrompeu Bárbara e solicitou que ela representasse uma prostituta. Ela teve um grande desempenho e foi muito apreciada e aplaudida pelos presentes. Moreno solicitou a Jorge que também subisse ao palco, passando de espectador a ator, contracenando com a esposa nos temas do cotidiano, reproduzindo cenas familiares, proposta do grupo teatral. Estava criado o teatro terapêutico (MARINEAU, 1992; SEMINOTTI, 1997). Por sua vez, Pichon-Rivière (2005) parte de sua teoria dos vínculos para entender e trabalhar com grupos operativos. A relação de objeto, primeira interação do bebê com o mundo, antes mesmo dele se dar conta que o outro existe, é uma das relações intersubjetiva, que nascem baseadas em neces- sidades e embasam o vínculo. O vínculo, segundo o autor, implica a existên- cia de uma comunicação com um emissor, um receptor, uma codificação e decodificação de mensagens. Esse processo comunicacional é interacional entre duas subjetividades, internalizado como bom ou mal, e condicionará a aprendizagem da realidade externa dos relacionamentos sociais. Dessa forma, poderá ser um processo de interação aberto, como uma espiral, ou fechado e estereotipado. Ao contar sobre sua experiência com grupos operativos e sua abordagem, o autor remete a um conceito de Lewin como ponto de partida: o laboratório social. Sua prática é também fundamentada na intervenção-ação, ou inter- venção operativa, que nasce da proposta de pesquisa-ação de Lewin. A ideia dos grupos operativos, ou de discussão e tarefa, é a do laboratório social onde pessoas se reúnem com o objetivo amplo de trazerem contribuições Conceito de processos grupais12 para uma comunidade. Na organização do laboratório, a ação e a investigação são inseparáveis. Mecanismos de autorregularão, formas de funcionamento e regras com- partilhadas com um coordenador são momentos de grande importância para os grupos. O coordenador vai procurar manter a comunicação ativa e criadora, a fim de dinamizar e resolver discussões que possam ocasionar o fechamento do sistema. Os grupos podem ser mais ou menos homogêneos, dependendo da tarefa a que se propõem. Como principais emergentes do grupo, aparecem as atitudes coletivas, reações mais ou menos fixas, falta de flexibilidade, preconceitos, etc. A chamada maiêutica do grupo significa aprender a pensar sem exclu- sões, com crescente complementaridade dialética. A análise das ideologias grupais se dá por meio do esquema conceitual, referencial e operativo (Ecro), que seria um esquema para visualizar e entender as dinâmicas em torno da tarefa. As ideologias são partes fundamentais da vida das pessoas, que muitas vezes as desconhecem, mesmo que exerçam grande influência em seus pensamentos e ações. O Ecro serve para trabalhar as principais contradições do campo de trabalho, que devem ser resolvidas durante a tarefa do grupo, que retroalimenta o Ecro, geralmente por meio da revisão de condutas ou da retificação de atitudes. A espiral dialética é outro conceito importante na intervenção de grupos operativos, na forma de uma reestruturação contínua baseada em processos existentes, emergentes e interpretativos do grupo (PICHON-RIVIÈRE, 2005). De forma geral, Pichon-Rivière (2005) acredita que as tarefas dos grupos operativos mobilizam estruturas estereotipadas e dificuldades de aprender e se comunicar, pois despertam ansiedade frente às possibilidades de mu- dança. Se as ansiedades muito primitivas não forem trabalhadas, tenderão ao fechamento do sistema, numa espécie de círculo vicioso. Em qualquer tipo de grupo, a compreensão das ansiedades cria um novo esquema referencial, o quepara o autor significa a cura. O cone invertido é uma representação da teoria de Pichon-Rivière sobre os conteúdos manifestos e latentes nos grupos. A espiral é a possibilidade dialética, que representa o processo grupal de aprendizagem e crescimento, na medida em que os grupos conseguem externalizar os conteúdos latentes e trabalhar suas relações (ABREU et al., 2022). Conceito de processos grupais 13 Figura 1. Cone invertido como representação da teoria de Pichon-Rivière. Fonte: Adaptada de Abreu et al. (2022). Afiliação/pertencimento Cooperação Pertinência Medo da perda Comunicação Aprendizagem Tele Medo do ataque Resistência à mudança Este capítulo versou sobre o conceito de processo grupal e seus compo- nentes, assim como as influências teóricas e metodológicas, finalizando com um esboço das principais teorias nesse campo de conhecimento. A psicologia dos grupos nasceu e pertence à psicologia social, mas ganhou tal relevância e independência para ser considerada uma área separada de formação e atuação do psicólogo. O conhecimento de grupos é necessário em todas as áreas da psicologia, principalmente nas que trabalham em organizações e instituições. A possibilidade de influenciar um número considerável de pessoas e de propiciar ricas aprendizagens, questionamentos e mudanças é uma característica presente no trabalho em grupo. A vertente brasileira e sul-americana de grupos tem relação com o nosso passado histórico recente, com a necessidade de crítica e mudança social. Ainda vemos grande influência de Pichon-Rivière e Silvia Lane, além de outros autores, no panorama das abordagens de grupo. A psicologia dos grupos é uma das propostas de intervenção da psicologia que a faz sair de consultórios e redutos fechados para estabelecer maior contato com a sociedade em geral. Conceito de processos grupais14 Referências ABREU, L. A. et al. Processos grupais no cinema: doze homens e uma sentença. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, v. 5, n. 1, p. 94-130, 2022. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/processos-grupais. Acesso em: 28 abr. 2022. BERNARDES, M. P. Psicodrama e locus: uma história. In: CONSELHO REGIONAL DE PSI- COLOGIA 12ª REGIÃO (org.). Memórias da psicologia catarinense. Florianópolis: CRP-12, 2011. v. 1, p. 75-83. BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevistas e grupos. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. FREUD, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997. FREUD, S. 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