Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
63 REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 Volume 17, número 3, Janeiro de 2016 ARTIGO DE REVISÃO A dependência química na Psicoterapia Analítica Funcional: um diálogo contingente Marcelo Morandia a Especialista em Dependência Química (PUC-Minas). Psicólogo clínico. Belo Horizonte, MG, Brasil. Instituição: Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais Resumo A dependência química representa hoje um dos maiores desafios enfrentados por profissionais de saúde de todo o mundo. A busca por dados e evidências científicas que garantam respostas cada vez mais eficazes ao tratamento continua em constante processo de construção. O presente trabalho, através de uma revisão da literatura, tem por objetivo apresentar o ponto de encontro entre as teorias comportamentais e o fenômeno da dependência química, postulando a interação lógica da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) como possibilidade de ajuda a usuários de álcool e outras drogas. Os Comportamentos Clinicamente Relevantes (CRB) e a relação terapêutica são colocados enquanto alternativas de operacionalização do responder contingente do terapeuta aos comportamentos aditivos. Apesar dos avanços no refinamento da descrição da FAP e da validação empírica de seu mecanismo de mudança clínica, a tarefa de especificar o responder contingente do terapeuta ao comportamento aditivo ainda não foi amplamente estudada, porém sua influência na clínica da dependência química merece atenção. Palavras-chave: Terapia comportamental; Comportamento aditivo; Transtornos relacionados ao uso de substâncias. 64 MARCELO MORANDI REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 Abstract The chemical dependence is today one of the biggest challenges faced by health professionals from around the world. The search for data and scientific evidence to ensure answers increasingly effectives treatment, remain in constant building process. This paper, through a literature review, aims to present the meeting point between the behavioral theories and the phenomenon of addiction, postulating the logical interaction of the Functional Analytic Psychotherapy (FAP) as a possibility to help the users of alcohol and other drugs. The Clinically Relevant Behaviors (CRB) and the therapeutic relationship are placed as operationalization alternatives to the therapist contingent responding to addictive behaviors. Despite of the advances in refinement of the description of the FAP and the empirical validation of their clinical change mechanism, the task of specifying the therapist contingent responding has not been widely studied, but their influence on clinical drug addiction deserves attention. Keywords: Behavior therapy; Behavior; addictive; Substance-related disorders. Introdução Terapia Comportamental: conceitos e evolução O objetivo de uma ciência é buscar relações constantes entre eventos, e foi exatamente isso que os primeiros cientistas que estudaram o comportamento fizeram: inicialmente eles buscaram identificar relações constantes entre os estímulos e as respostas por eles eliciadas que ocorressem da mesma maneira e nas mais diversas espécies. Esse tipo de manifestação comportamental, chamado à época de comportamentos reflexos, é inato, característico das espécies, e desenvolvido ao longo de uma história filogenética1. Contudo, Ivan Petrovich Pavlov, ao estudar tais reflexos biologicamente estabelecidos, observou que seus sujeitos experimentais (cães) eram capazes de aprender novos reflexos. Pavlov, através de seu clássico experimento, colocou um cão em um pequeno quarto vazio, tocando uma campainha ao mesmo tempo em que mostrava a comida ao animal. A saliva surgia imediatamente. Repetiu esse processo várias vezes. Notou que a saliva aparecia quando a campainha era tocada sem que a comida fosse apresentada ao animal. A isso chamou de comportamento condicionado, ou aprendido2. Millenson3 esclarece, então, que se organismos podem aprender novos reflexos, podem também aprender a sentir emoções (respostas emocionais) que não estão presentes em seu repertório comportamental quando nascem. Para exemplificar essa condição, o autor se orienta através de outro experimento clássico sobre condicionamento pavloviano e emoções, feito por John Watson, em 1920, o qual ficou conhecido como o caso do pequeno Albert e o rato. Basicamente, o bebê Albert, de 11 meses, foi condicionado a ter medo de um rato, que ele não temia antes de ser submetido ao condicionamento. Para estabelecer a relação de 65A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL: UM DIÁLOGO CONTINGENTE REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 medo, Watson provocou um enorme barulho atrás da cabeça de Albert sempre que o rato lhe era mostrado. Em pouco tempo a mera visualização do rato produzia sinais de medo na criança. A despeito da importante relevância do comportamento respondente (reflexo) para análise, compreensão e modificação (intervenção) do comportamento, outros pesquisadores entenderam que ele sozinho não conseguia abarcar toda a complexidade do comportamento humano1. Respondendo a isso, em anos mais recentes, Burrhus Frederic Skinner exerceu influência comparável e defendeu algumas das mesmas reformas. Sua posição foi muitas vezes descrita como uma teoria de estímulo-resposta, mas ele repudiava esse rótulo por duas razões. Primeiramente, sua abordagem depende da conexão entre uma resposta e um evento reforçador subsequente, não apenas entre um estímulo e uma resposta subsequente. A marca registrada do condicionamento operante de Skinner, termo cunhado por ele mesmo, é que o controle reside nas consequências do comportamento. Classifica-se como operante, pois produz consequências (modificações no ambiente), e é afetado por elas. Em segundo lugar, Skinner se distingue por um desagrado pelas teorias que tentam justificar o comportamento através de constructos explanatórios, pulsionais, e de variáveis hipotetizadas. Ele não propõe que estados internos não existem, mas sim que não devem servir como instrumento de trabalho em uma análise científica do comportamento4. Sobre esse ponto, Baum5 esclarece que a explicação científica consiste apenas na descrição de eventos em termos familiares. Ela não tem nada a ver com a revelação de uma realidade escondida além de nossa experiência. Mente, vontade, ego e outros conceitos são muitas vezes chamados de ficções explanatórias, não porque expliquem algo, mas porque supostamente explicam. Indo mais além, o autor diz que eventos privados (assim nomeados pois só uma pessoa pode relatá-los, mesmo que outras estejam presentes), como pensamentos, emoções, sentimentos e sensações, por mais que afetem o comportamento, ainda assim nunca causam o comportamento no sentido de originá-lo, apesar de assumirem lugar importante na análise que Skinner faz de certos tipos de comportamento. Em sua obra Sobre o behaviorismo6, Skinner, entre outros temas, transcorre acerca de críticas comuns e equivocadas feitas ao behaviorismo radical. Segundo o autor, o processo histórico da terapia comportamental, sua ampla possibilidade de aplicações, os diversos modelos de behaviorismo desde Watson e, principalmente, um grande desconhecimento sobre o behaviorismo radical favorecem o surgimento de diversas opiniões enganosas sobre o que vem a ser a Análise Clínica do Comportamento. Dentre algumas concepções errôneas, aparece a ideia de que é uma terapia superficial, não trabalha o indivíduo como um todo, foca apenas um problema específico, tem alcance temporário, não leva em consideração a história de vida do cliente, trata o indivíduo enquanto ser passivo num mundo de causas e efeitos, etc. De-Farias7 aponta o fato de que, para alguns autores, as expressões “Terapia Comportamental” e “Modificação do Comportamento” (aplicação de técnicas específicas para problemas específicos) são sinônimas, o que prejudica o entendimento de que a prática atual de terapeutas comportamentais está muito além do queuma mera aplicação de técnicas. 66 REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 MARCELO MORANDI Com tudo isso, Castanheira8 nos orienta que a psicoterapia comportamental deve partir da necessidade das pessoas de melhorar suas vidas, de lidar de forma bem-sucedida com o controle coercitivo e de libertar-se daquilo que mais lhes incomoda ou prejudica. Segundo Skinner9, os psicoterapeutas têm, também, como objetivos, levar o cliente à auto-observação e ao autoconhecimento, oferecendo uma melhor qualidade de vida e uma independência pessoal maior para a resolução de problemas futuros, ampliando seu repertório de possibilidades. Dependência química: conceituação e critérios diagnósticos atuais De acordo com a definição da 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da Organização Mundial de Saúde (OMS), a dependência química é marcada por uma condição caracterizada pelo comportamento de consumo descontrolado de uma ou mais substâncias psicoativas com repercussões negativas em uma ou mais áreas da vida do indivíduo, causando algum tipo de alteração em seu funcionamento global. Ainda de acordo com a OMS, a dependência química consiste em uma doença considerada crônica, recidivante e incurável, atribuída a um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após o uso repetido de determinada substância, mas que pode ser tratada de forma efetiva, melhorando a qualidade de vida de seus portadores10. Os prejuízos neurológicos, cognitivos e relacionais causados pelas substâncias são, em sua maioria, irreversíveis, progressivos e passam despercebidos pelo indivíduo. Os danos físicos e sociais, quando percebidos, impulsionam, ainda mais, o dependente químico a uma insaciável busca pelos efeitos da substância11. É fundamental lembrar que a droga é apenas um dos fatores da tríade que leva à dependência. Os outros dois são o indivíduo e o ambiente atual e histórico no qual droga e indivíduo se encontram12. Fonseca e Lemos13 explicam que todas as drogas capazes de causar euforia ou alívio do sofrimento têm uma característica em comum: atuam de maneira diferenciada no circuito do prazer ou de recompensa, o que resulta na liberação de dopamina, e o início da ação tem relação direta com a via pela qual a droga entrou no organismo. O circuito de recompensa cerebral tem a função biológica de manter a sobrevivência da espécie, ou seja, a lembrança de onde há alimentos e parcerias sexuais. Cada vez que é estimulado, esse circuito manda mensagens para a amígdala, que classifica o estímulo como “bom” e, por sua vez, manda estímulos para áreas relacionadas à memória. No entanto, é provável que a memória da droga seja permanente14. Alguns autores afirmam que a memória da adição jamais será esquecida, assim como a memória da ansiedade e da dor, o que possivelmente explique por que, quando animais são colocados no ambiente em que a cocaína foi autoadministrada no passado, ocorre aumento da liberação de dopamina na amígdala e aumento do tempo relacionado ao comportamento de busca pela droga15. Isso indica que algo armazenado em uma memória específica pode ser recuperado a qualquer momento, e essa memória é de difícil extinção. Essas novas memórias passam a fazer parte da personalidade do indivíduo sob perspectiva molecular. Afinal, o cérebro é plástico e reconstruído por experiências e comportamentos 67A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL: UM DIÁLOGO CONTINGENTE REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 reforçados13. Atualmente, os avanços científicos, incluindo estudos e achados no campo da dependência química, permitem dizer que o uso repetido de substâncias ativa os mesmos sistemas cerebrais de motivação que costumam ser ativados por comportamentos essencialmente vitais, como os relacionados à alimentação e fuga de situações ameaçadoras. O cérebro então passa a funcionar como se essas substâncias e seus estímulos associados fossem biologicamente necessários. E com a exposição repetida, as associações vão se tornando cada vez mais fortes, desencadeando respostas comportamentais cada vez maiores16. A vulnerabilidade crônica à recaída é um dos maiores desafios no tratamento do dependente químico. De fato, entender a dependência como transtorno crônico, no qual a recaída é um risco constante que implica tratamento contínuo, foi uma grande contribuição, didaticamente esclarecida por McLellan17, motivo pelo qual grande parte do foco das pesquisas sobre dependência vem sendo direcionada aos fenômenos da recaída. Volkow e Fowler18 explicam que a busca repetida de sensações prazerosas de maior magnitude associadas ao uso de substâncias está relacionada a comportamentos impulsivos, e quando o indivíduo deixa de sentir o prazer de outrora, mas continua imbuído no comportamento de buscá-lo, é porque instalou-se o fenômeno da tolerância, ou seja, houve uma adaptação funcional de circuitos neuronais à presença da substância. É necessário partir dos critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5ª edição (DSM-5)19, da Associação Americana de Psiquiatria, para uma reflexão sobre o diagnóstico de dependência química. Essa nova edição, publicada recentemente, em 2014, traz uma profunda revisão de classificação dos transtornos mentais com importantes modificações nos critérios diagnósticos de dependência de substâncias. O DSM-5 removeu a antiga divisão feita pelo DSM-IV20 entre os diagnósticos de abuso e dependência, reunindo-os numa única categoria, Transtornos Relacionados a Substâncias e Adição, aumentando, assim, sua abrangência e possibilitando intervenções em estágios iniciais da doença, acabando com a distinção entre uso, abuso e dependência. Dentre os principais critérios do DSM-5 que um indivíduo dependente de substâncias pode preencher, ainda se encontram os fenômenos da tolerância, definida como a perda do efeito de uma droga devido à administração repetida ou à necessidade de aumentar a dose para obter o mesmo efeito, e da abstinência, conjunto de sinais e sintomas físicos que em geral é o reverso do efeito da droga. Os demais critérios continuam englobando a dificuldade do indivíduo em interromper o consumo de drogas mesmo desejando fazê-lo, ou o domínio do comportamento de consumir a substância sobre outras prioridades19. No complexo fenômeno das alterações que levam ao preenchimento dos critérios tratados pelo DSM-5 para o diagnóstico da dependência, uma novidade: a inclusão do fenômeno do craving, postulado pelo manual enquanto um forte desejo ou urgência de usar uma substância específica19. Anteriormente, tal sintoma só estava presente na CID-10, da OMS. O craving não havia sido incluído entre os critérios diagnósticos do DSM-IV por se tratar de fenômeno subjetivo. Entretanto, sua importância no processo da 68 REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 MARCELO MORANDI recaída foi reconhecida, e os aspectos psicológicos e neurobiológicos que o determinam ainda vêm sendo bastante estudados. Cordeiro21 afirma que um dos maiores estigmas do diagnóstico de dependência está na impossibilidade da cura ou mesmo na dificuldade em lidar com os pacientes. Entender a doença e suas características é essencial para que o profissional diminua frustrações e aumente as expectativas dos usuários e familiares acerca do tratamento. Os manuais diagnósticos são importantes, pois auxiliam o profissional a diagnosticar a dependência de modo objetivo, identificando melhor o problema e sua gravidade, além de auxiliar o profissional no mapeamento das intervenções necessárias a cada caso, porém o fenômeno da dependência química não pode ser considerado somente a partir de suas características biológicas, mas também, e igualmente, de seus aspectos psicológicos e sociais envolvidos22. Teoria comportamental e dependência química Os tratamentos psicossociais para transtornos mentais foram considerados cientificamente efetivos a partir deintervenções baseadas nos princípios da teoria comportamental23. E o interesse da comunidade científica pelas intervenções de base comportamental decorreu, em parte, dos resultados positivos obtidos em estudos de ensaios clínicos, mas também de seu alto rigor metodológico. Deve-se considerar que, por meio desses estudos, as pesquisas de intervenções psicossociais alcançaram o mesmo rigor metodológico dos estudos farmacológicos24. A dependência química, sob o olhar do processo comportamental respondente, ou pavloviano, é considerada quando uma substância, administrada por um certo tempo, é interrompida, ocasionando sintomas de retirada e craving. Estão também intimamente associados à tolerância o decréscimo do efeito da substância no decorrer de repetidas administrações e a necessidade de aumento de quantidade para a obtenção do mesmo efeito antes observado25. Algumas respostas das espécies são específicas a determinados estímulos relevantes para sua sobrevivência. Assim, por exemplo, se ocorre súbito aumento na temperatura ambiental, organismos endotérmicos (inclusive os humanos) apresentariam como resposta adaptativa o alargamento dos poros, permitindo, dessa maneira, a excreção do suor, o que ajudaria a manter a temperatura corporal em níveis ideais. Esse processo comportamental denomina-se reflexo incondicionado, uma vez que organismos estariam preparados biologicamente para apresentar tais respostas, sem que nenhuma condição anterior de aprendizagem fosse necessária para a ocorrência da resposta. Por outro lado, a mera apresentação visual ou olfativa de um suco de limão produzirá, em quem já tenha sido exposto a essa substância, uma salivação que, de alguma maneira, antecipa o contato da língua com o suco ácido, protegendo-a de seus possíveis danos. Esse processo é denominado reflexo condicionado, pois foi necessária pelo menos uma ocasião de pareamento entre os estímulos (a visão ou o olfato do suco de limão – sumo de limão em contato com a boca) para que houvesse o controle da salivação pela visão ou olfato, que inicialmente eram neutros para essa resposta26. Evidências confirmam que as substâncias psicoativas apresentam efeitos semelhantes àqueles observados em 69A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL: UM DIÁLOGO CONTINGENTE REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 estímulos incondicionados27. Considerando-as estímulos ambientais, e seus efeitos como respostas incondicionadas, o modelo reflexo poderá ser utilizado para explicar e controlar muitos fenômenos que envolvam a problemática da dependência. Os dados que dão suporte a essa interpretação demonstram que aspectos do ambiente que precedem fielmente a administração da substância passam a adquirir propriedades de estímulo condicionado, ou seja, produzem, quando apresentados, efeitos semelhantes (respostas condicionadas) aos que as substâncias psicoativas têm sobre os organismos (respostas incondicionadas)28. Banaco26 explica que a administração de dada substância é precedida pelos rituais e procedimentos de ingestão, e diz-se que há aí um pareamento entre o antecedente e o efeito da substância sobre o sistema. Quando essa ligação estiver bem estabelecida, o organismo apresentará, perante o próprio ritual ou procedimento de ingestão, os mesmos efeitos que a droga produz, antes mesmo de entrar em contato com a substância (comportamento respondente condicionado). Após a compreensão a respeito dos processos respondentes envolvidos na introdução de certas substâncias nos organismos, é preciso complementar o estudo acrescentando os processos operantes que originam os problemas de dependência, e Banaco26 consegue elucidar de forma clara acerca desses processos orientados ao consumo de álcool e drogas. O autor explica que tais processos podem ser resumidos em processos reforçadores positivos (que produzem, como consequência de uma ação, um evento que tem a propriedade de aumentar a frequência dessa ação) e negativos (que produzem, como consequência de uma ação, a retirada de uma condição aversiva, aumentando também a frequência dessa ação). Essa interpretação explica as ações de busca e ingestão de substâncias (dependência). Partindo do princípio que as substâncias têm um efeito, em um primeiro momento, reforçador – seja pelos efeitos agradáveis (p. ex., a euforia causada pelo crack), seja pela eliminação de sensações desagradáveis (p. ex., redução do estresse de um rapaz que acabara de discutir com sua mãe) –, é de se esperar que seu consumo passe a ser frequente. Com isso, quando exposto a situações que exigem respostas imediatas a falhas comportamentais, uma única resposta aprendida pelo indivíduo é possível: o consumo da droga. Através dos exemplos citados no parágrafo anterior e que serviram para elucidar o funcionamento de um processo operante no comportamento de uso de substâncias, poder-se-ia dizer que, quando se fala em falhas comportamentais no repertório de um indivíduo, a exemplo da discussão entre uma mãe e seu filho, poderia concluir-se, talvez, algo de uma inabilidade por parte desse indivíduo em manipular, ou controlar, de forma eficaz, situações geradoras de desconforto psíquico que o orienta ao consumo de drogas para alívio da tensão, ou até mesmo a inabilidade em lidar com sentimentos disfóricos. Caberia, assim, ao analista do comportamento, frente a esse conteúdo de demanda, de forma sistemática, identificar essas falhas, que podem estar se repetindo inclusive em outros contextos ou situações por conta de um longo processo histórico de aprendizagem, intervindo de modo a enfraquecer a função condicionada pela droga, construindo, em contrapartida, e de forma colaborativa, repertórios comportamentais mais adaptativos frente a emoções e sentimentos negativos e situações de conflito. Tal processo, quando apoiado nos fundamentos teóricos e práticos da clínica analítica funcional, levaria o 70 REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 MARCELO MORANDI indivíduo a reconhecer a real função que a droga, historicamente, estabelece em sua vida, promovendo, assim, um autoconhecimento mais global e histórico acerca de si mesmo, construindo novas possibilidades para lidar com situações aversivas, e, por outro lado, enfraquecendo a relação funcional estabelecida com a substância, melhorando sua qualidade de vida e adquirindo uma independência maior para a resolução de problemas futuros. Uma direção possível desse processo será o objeto de discussão do próximo tópico. A dependência química na Psicoterapia Analítica Funcional: um diálogo contingente Fester29 é o primeiro autor de origem analítico-comportamental a chamar a atenção para a importância da relação terapêutica como instrumento de mudança. Baseados nas ideias desse autor, e em consonância com a filosofia behaviorista radical, Kohlenberg e Tsai30, ao longo da década de 1980, começaram a utilizar a relação terapêutica como instrumento de mudança clínica. Dessa forma, surge a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), com grande aceitação entre os terapeutas comportamentais da atualidade. O responder contingente do terapeuta aos comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) (do inglês, Clinically Relevant Behaviors) do cliente na clínica da FAP consiste no mais importante mecanismo de mudança comportamental. Apesar de avanços expressivos, ainda há pouca especificação do que constitui esse responder contingente. Em geral, a descrição de como o terapeuta pode responder aos comportamentos clinicamente relevantes resume-se a orientações em constante processo de refinamento31. De acordo com Tourinho32, os comportamentos complexos (como os relacionados à dependência química) deixam de ser considerados meras reações ao meio, descritas pelo paradigma respondente, passando a ser vistos como um conjunto de relações, do indivíduo com o ambiente, descrito pelo paradigma operante. Através desse direcionamento proposto pelo autor, os modelos respondentes que justificam o comportamentoaditivo de um dependente químico seriam observados na clínica da FAP de maneira secundária, ampliando o olhar sobre um indivíduo complexo e em constante relação com o ambiente que o cerca. Nesse caso, modelos de tratamento de orientação tecnicista, como, por exemplo, a Prevenção de Recaída (PR), elaborada por Marlatt e Gordon33 na década de 1980 e bastante familiar aos leitores de trabalhos voltados ao tratamento das dependências, seriam recursos utilizados em segundo plano para abordar os usuários de álcool e drogas. Não se trata, aqui, de invalidar a técnica, uma vez de sua importância em casos de clientes mais angustiados ou em início de tratamento, porém seu modelo de atuação ainda preserva uma condução que “ensina” o cliente a identificar e lidar com situações de alto risco, focando suas intervenções em técnicas específicas para drogas específicas33. Na clínica da FAP, seriam o indivíduo, sua história e a relação funcional que aquele estabeleceu com a substância, seja ela qual for, que deveriam emergir enquanto foco do tratamento e de mudança clínica. O breve trecho a seguir demonstra uma sequência de interação na qual o terapeuta tenta desmistificar o discurso da droga enquanto problema e orientar o cliente a uma elaboração mais funcional estabelecida com as substâncias: 71A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL: UM DIÁLOGO CONTINGENTE REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 C: Eu estou bem, quer dizer, acho que estou conseguindo vencer a droga. O remédio ajuda muito. Também estou evitando frequentar lugares onde sei que posso encontrar pessoas usando cocaína e álcool. Acho que não posso estar na presença delas. Tenho ficado mais dentro de casa, com minha família, assim não encontro droga na rua. Também procuro não conversar muito com minha irmã, assim ela fica longe de mim, nunca nos damos bem. Sempre brigamos e isso me deixa nervoso, e quando fico nervoso, logo quero beber e usar droga para ficar mais calmo. [Cliente refere a fuga de gatilhos ambientais e afetivos enquanto mecanismo da abstinência. Vale-se de técnicas de Prevenção de Recaída importantes, porém ainda permanece agarrado à topografia do comportamento (ao consumo ou não de substâncias), e não à sua função, como propõe o behaviorismo radical de Skinner e a clínica da FAP.] T: Acredito ser realmente muito importante você estar se preocupando mais em deixar de frequentar os locais que antes frequentava, e que eram vulneráveis ao uso de drogas e bebidas, além de querer estar mais perto da família neste momento. Mas eu gostaria que você me falasse um pouco mais sobre a sua relação com esta irmã. Por que não se entendem? Aliás, fale-me um pouco sobre a sua história e sua relação com as drogas. Quando começou a beber e fazer uso de cocaína? Em que momentos de sua vida você sentiu que o consumo aumentou? [Terapeuta reforça positivamente o movimento do cliente em conseguir abster-se das substâncias, reconhecendo a importância das habilidades tecnicistas apresentadas, ao mesmo tempo em que tenta implicá-lo de modo mais pessoal nas relações funcionais estabelecidas com o álcool e a cocaína ao longo de sua experiência vital.] Bush et al.34 nos orientam que, para visualizar a aplicação clínica da FAP, propõe-se a formulação de caso em termos de comportamentos-problema e classes de respostas concorrentes, dentro e fora da sessão. Garcia35 afirma que essa conceituação é essencial para o trabalho clínico, uma vez que o estabelecimento de metas terapêuticas depende do entendimento de quais respostas serão alvo de intervenção, visando tanto à sua redução quanto à modelagem de respostas concorrentes. Na clínica da dependência química, esse entendimento pode ficar bastante claro, uma vez que o comportamento de consumo de álcool e drogas pode ser elegido como resposta-alvo da intervenção, visando à sua redução, e respostas concorrentes seriam aquelas construídas enquanto outras possibilidades possíveis para lidar com a idiossincrasia dos problemas vitais apresentados pelos clientes. A FAP introduz o conceito de CRBs, definindo-os como comportamentos-alvo que ocorrem durante a sessão. Kohlenberg e Tsai30 sugerem três tipos de CRBs, classificando-os como CRBs 1, 2 e 3. Os autores explicam que os CRBs 1 são os comportamentos que se referem ao problema do cliente e cuja intervenção clínica objetiva reduzir a frequência; CRBs 2 relacionam-se com a melhora clínica, ou seja, são os progressos do cliente, aqueles comportamentos cuja frequência deve aumentar com a terapia; ao passo que os CRBs 3 são as respostas verbais dos clientes sob controle discriminativo do seu comportamento e das suas variáveis controladoras. Em outras palavras, CRBs 3 são explicações oferecidas pelo cliente ao seu próprio comportamento, e desejáveis na medida em que se espera que o cliente consiga por si só realizar autoanálises funcionais de seus próprios comportamentos e dos comportamentos das pessoas com quem 72 REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 MARCELO MORANDI convive. Em termos comportamentais, CRBs 3 são descritas com o termo “autoconhecimento”. Como exemplo de CRB 1 de um dependente químico, o cliente consumiria cocaína para ser positivamente reforçado com sensações de euforia e alívio de tensão frente a uma realidade psicossocial fragilizada. Mesmo produzindo reforçadores positivos em curto prazo, essa resposta pode representar uma punição em longo prazo e provocar a perda de reforçadores, como a não resolução de suas questões e o distanciamento gradativo das pessoas de seu convívio. Como exemplo de um CRB 2, esse mesmo cliente, diante de uma situação de conflito e geradora de craving, emitiria um comando direto a si mesmo no sentido de tentar construir estratégias mais adaptativas de resolução de problemas e manejo da fissura. Um CRB 3 aconteceria quando o próprio cliente verbalizasse relações funcionais que estabelece com a droga não só em seu contexto atual, mas também em contextos históricos, promovendo a si mesmo um autoconhecimento profundo e orientador de um estilo de vida mais saudável e adaptativo, conforme ilustrado no diálogo terapeuta-cliente a seguir: [Cliente Felipe (nome fictício, alterado para resguardar a privacidade e o sigilo), de 25 anos, relata ao terapeuta sua dificuldade em interromper o consumo do crack, mesmo desejando fazê-lo. Na formulação do caso, identificou-se que o cliente tem dificuldades em estabelecer vínculos afetivos e manter-se por muito tempo em algum emprego. O pai, falecido, era alcoolista, e a mãe, bastante repressora.] C: Eu não sei o que acontece comigo. Sou muito ansioso. Só o crack para me aliviar. Cada vez que tento parar com ele eu fico mais ansioso ainda. Não sei o que acontece. Preciso dele. [Cliente engaja-se em CRB 1.] T: Precisa dele de que forma? De que modo ele te ajuda? [Terapeuta tenta investigar a relação que Felipe estabelece com a droga.] C: Quando eu fumo o crack ele me deixa mais desinibido, mais tranquilo. É só eu fumar que parece que me sinto leve, esqueço de meus problemas e minha timidez desaparece, mas tudo isso só por um momento, depois fico pior. [Cliente engaja-se em mais um CRB 1.] T: Fica pior! E o que você pensa sobre isso? [Terapeuta responde ao CRB 1, pedindo para o cliente descrever o comportamento em curso.] 73A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL: UM DIÁLOGO CONTINGENTE REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 C: Penso que preciso encontrar um jeito diferente de lidar com essas minhas emoções e meus problemas. Sempre fui assim, desde pequeno. Um dia eu fumei essa porcaria e parece que me senti bem. Esqueço de tudo. Aí toda vez que eu me sinto triste, ansioso, ou com alguma coisa me incomodando, eu lembro do crack. No fundo eu sei que ele não me ajuda, mas também eu não sei o que eu posso fazer. Sei que de algum jeito eu preciso parar com isso, senão eu vou acabar morrendo. Tenho que voltar a trabalhar, estudar, estar com meusamigos, reconquistar a confiança da minha família. [Cliente responde com CRB 2, enfraquecendo o comportamento de consumo e fortalecendo comportamentos concorrentes e mais adaptativos. Como o CRB 1, na clínica da dependência química, tende a ocorrer com mais frequência que o CRB 2, em alguns casos, mesmo que o terapeuta ignore o CRB 1 e busque evocar o CRB 2, a emissão deste último pode demorar demasiadamente.] T: Pelo que entendi, parece-me que de alguma forma você aprendeu que o crack te ajuda em algumas situações específicas, como te confortar em momentos de tristeza ou ansiedade, e ainda te faz esquecer alguns problemas. Você não quer falar um pouco sobre esses problemas? São eles que te deixam triste ou ansioso? [Terapeuta interpreta a fala do cliente e tenta convidá-lo a uma implicação mais histórica diante de seu consumo de droga.] C: Como eu disse, desde pequeno eu sou assim. Minha vida foi muito difícil. Meu pai bebia, batia na minha mãe, mas ele já morreu. E minha mãe sempre foi muito rígida comigo, me prendia muito dentro de casa. Aí parece que eu me transformei num cara assim... sei lá... T: Interessante! Você falava há pouco sobre o consumo de droga, e agora fala de uma infância e adolescência um pouco mais conturbada. Você acha que pode existir alguma relação entre isso tudo? [Terapeuta provoca a produção de CRB 3.] C: Pode ser que sim... não sei... (pausa) Quando eu conheci esse crack parece que ele me tirava da cabeça as lembranças dessa minha história. Não foi fácil... na escola... tudo isso sempre me atormentou. Não tive uma criação legal. Parece que eu não sei lidar com meus próprios problemas. Sempre achei que a droga me ajudava. [Cliente engaja-se em CRB 3, começa a realizar análises funcionais de seu próprio comportamento aditivo.] 74 REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 MARCELO MORANDI T: Acredito ser muito importante continuarmos falando sobre tudo isso. Se estiver disposto, podemos agendar um novo encontro. Tenho muito interesse em conhecer mais de sua história. Quem sabe juntos conseguiremos encontrar maneiras mais saudáveis de lidar com suas questões e seus traumas! [Terapeuta fortalece o vínculo terapêutico e convida o cliente à contínua construção do autoconhecimento.] C: Claro que sim! Você não sabe o quanto me fez bem falar um pouco disso. Eu acho que já passou da hora de cuidar mais de mim mesmo, parar de fugir dos meus problemas, e ficar me escondendo atrás de uma porcaria de pedra de crack. [Felipe continuou frequentando as sessões de psicoterapia semanalmente. Pôde elaborar melhor comportamentos privados que antes o incomodavam, e o consumo da droga foi ficando cada vez menos frequente. Com períodos cada vez mais longos entre um episódio de consumo e outro, Felipe conseguiu matricular-se em uma faculdade no período noturno, trabalha junto à mãe no período da manhã num comércio que esta possui, e a relação entre ambos é a melhor possível. O progresso clínico na FAP acontece apenas quando, como neste caso, o cliente passa a engajar-se em CRBs 2 e CRBs 3.] Como verificado no diálogo acima, a intervenção na FAP envolve a modelagem direta das respostas do cliente no aqui e agora da sessão, presumindo-se que sua eficácia dependa da resposta do terapeuta ao CRB. Assim, quanto mais próxima a resposta do terapeuta ao CRB, mas eficaz tende a ser a intervenção31. Kohlenberg e Tsai36 nos revelam as cinco regras da FAP que orientam o trabalho clínico, de modo que as sessões sejam propícias à emissão e modelagem de comportamentos clinicamente relevantes. Elas orientam o terapeuta a: 1) estar atento aos CRBs; 2) evocá-los; 3) responder a eles; 4) avaliar o efeito de seu responder no cliente; 5) fornecer interpretações e estratégias de generalização. Em geral, a recomendação é que se reforce naturalmente o CRB 2 e que se responda ao CRB 1 com cautela37. Com o objetivo de especificar o que o terapeuta pode fazer para responder ao CRB 1, deve-se inicialmente descrever o que este constitui. No geral, um CRB 1 é uma classe de respostas de fuga ou esquiva de eventos aversivos34, e sua emissão frequente restringe o acesso do organismo a novas fontes de reforço38. No fenômeno da dependência de substâncias, o comportamento de consumo representaria uma fuga ou esquiva diante das adversidades impostas por sua experiência atual e/ou pregressa (CRB 1), na qual o acesso a novas possibilidades resolutivas ficaria bloqueado diante de um repertório de adição já aprendido, cronificado e reforçado positivamente. O desafio dessa clínica seria justamente construir junto ao cliente novas fontes de reforço e modelos mais adaptativos de resolução de problemas (CRB 2 e CRB 3), sem perder de vista a vulnerabilidade crônica a novos comportamentos de consumo. A fim de orientar o cliente na identificação de variáveis mantenedoras e facilitar a generalização e discriminação de respostas modeladas durante a sessão, sugere-se que o terapeuta forneça análises de contingências de reforço dos comportamentos do cliente. Uma breve explicação funcional já auxilia o cliente a responder 75A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL: UM DIÁLOGO CONTINGENTE REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 perguntas sobre a razão que o leva a se comportar de determinada maneira, colocando ênfase na história e na funcionalidade do comportamento39,40, como no exemplo a seguir: T: Você dizia há pouco que precisa tomar algumas doses de cachaça sempre depois de um dia de trabalho, pois não suporta muito a pressão do chefe, pois o considera exigente demais e um tanto quanto arrogante ao te delegar alguma tarefa. Ao mesmo tempo fico pensando na imagem de seu pai, que, no encontro passado, você disse sempre ter sido autoritário e também muito exigente. Foi isso mesmo que disse? C: Sim. T: No que eu te convido a pensar, é justamente nessas relações que você estabelece com a bebida. Lembro-me de ter dito que conheceu o álcool em festas com amigos, e nos momentos de bebedeira percebia que a substância te “transportava a outro mundo”, como você mesmo definiu. Você ainda disse que, quando se sentia estressado com as reclamações e exigências de seu pai, você saía para tomar algumas doses de cachaça e, com isso, se sentia menos nervoso. Com o passar do tempo você foi relacionando o álcool a situações de estresse. T: Você tem razão. Não sei lidar com situações de estresse. Parece que logo vem a lembrança daquela época e eu me sinto nervoso. Até hoje não suporto muito quando alguém fala mais sério comigo. Meu pai, hoje em dia, está mais tranquilo, e meu chefe não é uma má pessoa. Talvez seja o jeito dele de falar. Preciso pensar mais sobre isso e tentar não me incomodar tanto quando meu chefe me exigir... quer dizer... quando me pedir algo. [Essa passagem ilustra como o terapeuta fornece ao cliente análises de seu próprio comportamento. Esse artifício deve ser usado quando o indivíduo tem mais dificuldade em estabelecer essas relações, pois o ideal seria que o próprio cliente evocasse esse CRB 3. Desse modo, a produção desse autoconhecimento veio acompanhada de uma mudança comportamental significativa quando do retorno do cliente na sessão seguinte.] T: Parece-me que hoje você está mais animado. Quer me contar algo? 76 REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 MARCELO MORANDI C: Bem... a depender de meu chefe, ele continua o mesmo (risos), mas na semana passada eu só bebi uma vez. Foi na sexta-feira. Na verdade um colega de trabalho me convidou, aí eu não resisti. Confesso que ainda é um pouco difícil parar de beber de uma vez só, mas eu sinto que estou melhorando. Não sinto mais tanta vontade de beber depois do trabalho. Confesso que ainda vem uma vontade pequena, mas eu reflito sobre os nossos encontros e a vontade logo passa. Retomando a interação lógica da FAP, pode-se começar a especificar o que constitui o responder contingente do terapeuta aos CRBs. Catania2 explica que, ao responder de formacontingente a um CRB 1, o terapeuta promove um importante ponto de transição de um comportamento problema a um comportamento de melhora. Porém, a autora adverte quanto ao reforço de um CRB 1 enquanto um manejo inadequado segundo as regras da FAP, uma vez que isso significaria fortalecer uma resposta relacionada ao problema do cliente, que teria como proposta ser reduzida ou extinguida. Nesse caso o curso de um CRB 1 é permitido até que uma resposta concorrente apareça e seja imediatamente reforçada, no caso, um CRB 2 ou CRB 3. Esse processo é nomeado pela clínica analítico-funcional como “reforço diferencial”, que em outras palavras implica ações como ignorar a emissão de CRB 1 e reforçar CRBs 2 e 3 ou relatos de problemas e melhoras em relação a eventos que ocorrem, também, fora da sessão31. Considerações finais O fenômeno da dependência química sob o olhar da FAP deve emergir para desmistificar as ideias errôneas das terapias comportamentais enquanto processos que focam em comportamentos específicos e que se baseiam em técnicas específicas para mudanças de comportamento enquanto orientadoras de seu trabalho, como considerado pelos condicionamentos reflexos e respondentes. Em contrapartida, não cabe aqui invalidar o discurso do behaviorismo metodológico de Pavlov e Watson, uma vez de sua importância reconhecida no cenário de estudos sobre análises de comportamentos específicos, e de sua imprescindível aplicação prática no tratamento de diversos transtornos, como nas esquizofrenias, retardos mentais7,8 ou outras complicações em que o prejuízo cognitivo impossibilite a auto-observação ou produção de autoconhecimento, como proposto pelo condicionamento operante de Skinner, e que sustentam os conceitos da FAP. Um terapeuta comportamental não deve se interessar pelo comportamento aditivo em si, em sua forma ou topografia, mas nas condições em que ele ocorre, seus antecedentes e consequentes, sua história de reforçamento e punição e os efeitos destes sobre esse comportamento. Skinner41 já orientava que o analista do comportamento não deve se prender à topografia da resposta, e sim à sua função, ou seja, qual reforçador essa resposta produziu no passado, pois é devido a essa história de reforçamento que a resposta continua sendo emitida. 77A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL: UM DIÁLOGO CONTINGENTE REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 O objetivo deste trabalho foi apresentar um elo cientificamente embasado entre as teorias comportamentais e o fenômeno da dependência química, confirmando o lugar privilegiado que o behaviorismo radical ocupa no direcionamento da prática clínica de clientes portadores de transtornos por uso de substâncias e adição. Para mais além, o presente trabalho constitui um esforço útil para a especificação do responder contingente do terapeuta na clínica da dependência química sob orientação da abordagem analítico-funcional. Conclui-se que cabe ao terapeuta ter o maior número possível de informações a respeito das práticas de atuação da FAP, das ideias e propostas de diversos autores da área, até mesmo para criticá-los, além de muita resistência e resiliência à frustração para lidar com a unicidade e a variabilidade das dificuldades apresentadas por clientes usuários de álcool e drogas. É imprescindível o desenvolvimento de propostas comparativas mais extensas entre as técnicas e os princípios analítico-comportamentais de atuação terapêutica na clínica da dependência química orientada pela FAP. Afinal, tais comparações podem enriquecer as discussões entre diferentes teorias e suscitar o diálogo de temas e práticas, comuns ou não, bastante relevantes no auxílio do manejo de comportamentos aditivos que são, no mínimo, desafiadores. Referências 1. Moreira MB, Medeiros CA. Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed; 2008. 2. Catania AC. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artmed; 1999. 3. Millenson JR. Princípios de análise do comportamento. Brasília: Coordenada; 1975. 4. Hall CS, Lindzey G, Campbell JB. Teorias da personalidade. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. 5. Baum WM. Compreender o behaviorismo: comportamento, história e evolução. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. 6. Skinner BF. Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix; 1974. 7. de-Farias AKCR, organizador. Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. Porto Alegre: Artmed; 2010. 8. Castanheira SS. Intervenção comportamental na clínica. In: Teixeira MAS, organizador. Ciência do comportamento: conhecer e avançar. Santo André: ESETec; 2002. p. 88-95. 9. Skinner BF. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes; 1953. 10. Organização Mundial de Saúde. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed; 1993. 78 REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 MARCELO MORANDI 11. Silva IR. Alcoolismo e abuso de substâncias psicoativas: tratamento, prevenção e educação. São Paulo: Vetor; 2000. 12. O‘Brian CP. Drug addiction and drug abuse. In: Hardman JG, Limbird LE, Goodman GA. Pharmacological basis of therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. p. 621-42. 13. Fonseca VAS, Lemos T. Farmacologia na dependência química. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R, organizadores. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. Porto Alegre: Artmed; 2011. p. 346-356. 14. Boening JA. Neurobiology of an addiction memory. J Neural Transm. 2001;108(6):755-65. 15. Nestler EJ. From neurobiology to treatment: progress against addiction. Nat Neurosci. 2002;5 Suppl:1076- 9. 16. Bear MF, organizador. Neurociência: explorando el cerebro. Barcelona: Masson-Williams & Wilkins; 1998. 17. McLellan AT. Have we evaluated addiction treatment correctly? Implications from a chronic care perspective. Addiction. 2002;97(3):249-52. 18. Volkow ND, Fowler JS. Addiction, a disease of compulsion and drive: involvement of the orbitofrontal cortex. Cereb Cortex. 2000;10(3):318-25. 19. Americam Psychiatry Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014. 20. Americam Psychiatry Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV- TR. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. 21. Cordeiro DC. Dependência química: conceituação e modelos teóricos. In: Zanelatto NA, Laranjeira R, organizadores. O tratamento da dependência química e as terapias cognitivo-comportamentais: um guia para terapeutas. Porto Alegre: Artes Médicas; 2013. p. 25-32. 22. Laranjeira R, Ribeiro M. A evolução do conceito de dependência química. In: Gigliotti A, Guimarães A, organizadores. Dependência, compulsão e impulsividade. Rio de Janeiro: Rubio; 2007. p. 9-18. 23. Carroll KM; Onken, LS. Behavioral therapies for drug abuse. Am J Psychiatry. 2005; 162(8):1452-60. 24. Elkin I et al. Conceptual and methodological issues in comparative studies of psychotherapy and pharmacotherapy, I: active ingredients and mechanisms of change. Am J Psychiatry. 1988;145(8):909- 17. 25. Siegel S. The role of conditioning in drug tolerance and addiction. In: Keehn JD. Psychopathology in animals: research and clinical implications. New York: Academc Press; 1979. p. 143-68. 26. Banaco RA. Teoria comportamental. In: Zanelatto NA, Laranjeira R, organizadores. O tratamento da dependência química e as terapias cognitivo-comportamentais: um guia para terapeutas. Porto Alegre: Artes Médicas; 2013. p. 135-151. 27. Pavlov IP. Conditioned reflexes. New York: Dover; 1960. 79 28. Cunningham CL. Drug conditioning and drug-seeking behavior. In: O’Donohue W. Learning and behavior therapy. Boston: Allyn & Bacon; 1998. p. 518-44. 29. Fester CB. An experimental analysis of clinical phenomena. The Psychological Record. 1972;22:1-16. 30. Kohlenberg RJ, Tsai M. Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas e curativas. Santo André:ESETec; 1991/2001. 31. Popovitz JMB, Silveira JM. A especificação do responder contingente do terapeuta na psicoterapia analítica funcional. Rev Bras Ter Comport Cogn. 2014;16(1):5-20. 32. Tourinho EZ. A produção de conhecimento em psicologia: a análise do comportamento. Psicologia Ciência e Profissão. 2003;23:30-41. 33. Marlatt GA, Donovan DM. Prevenção de recaída: estratégias de manutenção no tratamento de comportamentos adictivos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009. 34. Bush AM et al. A micro-process analysis of functional analytic psychotherapy’s mechanism of change. Behavior Therapy; 2009;40(3):280-90. 35. Garcia RF. La conceptualización de casos clínicos desde la psicoterapia analítica. Papeles del Psicólogo. 2009;30(3):3-10. Correspondência Marcelo Morandi Mathias Martins Alameda Vereador Álvaro Celso, 100, Santa Efigênia. 30.150-260 Belo Horizonte-MG psicologomarcelomorandi@gmail.com Submetido em: 08/02/2015. Aceito em: 18/04/2015 A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL: UM DIÁLOGO CONTINGENTE REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2016;17(3):63-79 << /ASCII85EncodePages false /AllowTransparency false /AutoPositionEPSFiles true /AutoRotatePages /All /Binding /Left /CalGrayProfile (Dot Gain 20%) /CalRGBProfile (sRGB IEC61966-2.1) /CalCMYKProfile (U.S. Web Coated \050SWOP\051 v2) /sRGBProfile (sRGB IEC61966-2.1) /CannotEmbedFontPolicy /Warning /CompatibilityLevel 1.4 /CompressObjects /Tags /CompressPages true /ConvertImagesToIndexed true /PassThroughJPEGImages true /CreateJDFFile false /CreateJobTicket false /DefaultRenderingIntent /Default /DetectBlends true /DetectCurves 0.0000 /ColorConversionStrategy /LeaveColorUnchanged /DoThumbnails false /EmbedAllFonts true /EmbedOpenType false /ParseICCProfilesInComments true /EmbedJobOptions true /DSCReportingLevel 0 /EmitDSCWarnings false /EndPage -1 /ImageMemory 1048576 /LockDistillerParams false /MaxSubsetPct 100 /Optimize true /OPM 1 /ParseDSCComments true /ParseDSCCommentsForDocInfo true /PreserveCopyPage true /PreserveDICMYKValues true /PreserveEPSInfo true /PreserveFlatness true /PreserveHalftoneInfo false /PreserveOPIComments false /PreserveOverprintSettings true /StartPage 1 /SubsetFonts true /TransferFunctionInfo /Apply /UCRandBGInfo /Preserve /UsePrologue false /ColorSettingsFile () /AlwaysEmbed [ true ] /NeverEmbed [ true ] /AntiAliasColorImages false /CropColorImages true /ColorImageMinResolution 300 /ColorImageMinResolutionPolicy /OK /DownsampleColorImages true /ColorImageDownsampleType /Bicubic /ColorImageResolution 300 /ColorImageDepth -1 /ColorImageMinDownsampleDepth 1 /ColorImageDownsampleThreshold 1.50000 /EncodeColorImages true /ColorImageFilter /DCTEncode /AutoFilterColorImages true /ColorImageAutoFilterStrategy /JPEG /ColorACSImageDict << /QFactor 0.15 /HSamples [1 1 1 1] /VSamples [1 1 1 1] >> /ColorImageDict << /QFactor 0.15 /HSamples [1 1 1 1] /VSamples [1 1 1 1] >> /JPEG2000ColorACSImageDict << /TileWidth 256 /TileHeight 256 /Quality 30 >> /JPEG2000ColorImageDict << /TileWidth 256 /TileHeight 256 /Quality 30 >> /AntiAliasGrayImages false /CropGrayImages true /GrayImageMinResolution 300 /GrayImageMinResolutionPolicy /OK /DownsampleGrayImages true /GrayImageDownsampleType /Bicubic /GrayImageResolution 300 /GrayImageDepth -1 /GrayImageMinDownsampleDepth 2 /GrayImageDownsampleThreshold 1.50000 /EncodeGrayImages true /GrayImageFilter /DCTEncode /AutoFilterGrayImages true /GrayImageAutoFilterStrategy /JPEG /GrayACSImageDict << /QFactor 0.15 /HSamples [1 1 1 1] /VSamples [1 1 1 1] >> /GrayImageDict << /QFactor 0.15 /HSamples [1 1 1 1] /VSamples [1 1 1 1] >> /JPEG2000GrayACSImageDict << /TileWidth 256 /TileHeight 256 /Quality 30 >> /JPEG2000GrayImageDict << /TileWidth 256 /TileHeight 256 /Quality 30 >> /AntiAliasMonoImages false /CropMonoImages true /MonoImageMinResolution 1200 /MonoImageMinResolutionPolicy /OK /DownsampleMonoImages true /MonoImageDownsampleType /Bicubic /MonoImageResolution 1200 /MonoImageDepth -1 /MonoImageDownsampleThreshold 1.50000 /EncodeMonoImages true /MonoImageFilter /CCITTFaxEncode /MonoImageDict << /K -1 >> /AllowPSXObjects false /CheckCompliance [ /None ] /PDFX1aCheck false /PDFX3Check false /PDFXCompliantPDFOnly false /PDFXNoTrimBoxError true /PDFXTrimBoxToMediaBoxOffset [ 0.00000 0.00000 0.00000 0.00000 ] /PDFXSetBleedBoxToMediaBox true /PDFXBleedBoxToTrimBoxOffset [ 0.00000 0.00000 0.00000 0.00000 ] /PDFXOutputIntentProfile () /PDFXOutputConditionIdentifier () /PDFXOutputCondition () /PDFXRegistryName () /PDFXTrapped /False /Description << /CHS <FEFF4f7f75288fd94e9b8bbe5b9a521b5efa7684002000500044004600206587686353ef901a8fc7684c976262535370673a548c002000700072006f006f00660065007200208fdb884c9ad88d2891cf62535370300260a853ef4ee54f7f75280020004100630072006f0062006100740020548c002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e003000204ee553ca66f49ad87248672c676562535f00521b5efa768400200050004400460020658768633002> /CHT <FEFF4f7f752890194e9b8a2d7f6e5efa7acb7684002000410064006f006200650020005000440046002065874ef653ef5728684c9762537088686a5f548c002000700072006f006f00660065007200204e0a73725f979ad854c18cea7684521753706548679c300260a853ef4ee54f7f75280020004100630072006f0062006100740020548c002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e003000204ee553ca66f49ad87248672c4f86958b555f5df25efa7acb76840020005000440046002065874ef63002> /DAN <FEFF004200720075006700200069006e0064007300740069006c006c0069006e006700650072006e0065002000740069006c0020006100740020006f007000720065007400740065002000410064006f006200650020005000440046002d0064006f006b0075006d0065006e007400650072002000740069006c0020006b00760061006c00690074006500740073007500640073006b007200690076006e0069006e006700200065006c006c006500720020006b006f007200720065006b007400750072006c00e60073006e0069006e0067002e0020004400650020006f007000720065007400740065006400650020005000440046002d0064006f006b0075006d0065006e0074006500720020006b0061006e002000e50062006e00650073002000690020004100630072006f00620061007400200065006c006c006500720020004100630072006f006200610074002000520065006100640065007200200035002e00300020006f00670020006e0079006500720065002e> /DEU <FEFF00560065007200770065006e00640065006e0020005300690065002000640069006500730065002000450069006e007300740065006c006c0075006e00670065006e0020007a0075006d002000450072007300740065006c006c0065006e00200076006f006e002000410064006f006200650020005000440046002d0044006f006b0075006d0065006e00740065006e002c00200076006f006e002000640065006e0065006e002000530069006500200068006f00630068007700650072007400690067006500200044007200750063006b006500200061007500660020004400650073006b0074006f0070002d0044007200750063006b00650072006e00200075006e0064002000500072006f006f0066002d00470065007200e400740065006e002000650072007a0065007500670065006e0020006d00f60063006800740065006e002e002000450072007300740065006c006c007400650020005000440046002d0044006f006b0075006d0065006e007400650020006b00f6006e006e0065006e0020006d006900740020004100630072006f00620061007400200075006e0064002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e00300020006f0064006500720020006800f600680065007200200067006500f600660066006e00650074002000770065007200640065006e002e> /ESP <FEFF005500740069006c0069006300650020006500730074006100200063006f006e0066006900670075007200610063006900f3006e0020007000610072006100200063007200650061007200200064006f00630075006d0065006e0074006f0073002000640065002000410064006f0062006500200050004400460020007000610072006100200063006f006e00730065006700750069007200200069006d0070007200650073006900f3006e002000640065002000630061006c006900640061006400200065006e00200069006d0070007200650073006f0072006100730020006400650020006500730063007200690074006f00720069006f00200079002000680065007200720061006d00690065006e00740061007300200064006500200063006f00720072006500630063006900f3006e002e002000530065002000700075006500640065006e00200061006200720069007200200064006f00630075006d0065006e0074006f00730020005000440046002000630072006500610064006f007300200063006f006e0020004100630072006f006200610074002c002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e003000200079002000760065007200730069006f006e0065007300200070006f00730074006500720069006f007200650073002e>/FRA <FEFF005500740069006c006900730065007a00200063006500730020006f007000740069006f006e00730020006100660069006e00200064006500200063007200e900650072002000640065007300200064006f00630075006d0065006e00740073002000410064006f00620065002000500044004600200070006f007500720020006400650073002000e90070007200650075007600650073002000650074002000640065007300200069006d007000720065007300730069006f006e00730020006400650020006800610075007400650020007100750061006c0069007400e90020007300750072002000640065007300200069006d007000720069006d0061006e0074006500730020006400650020006200750072006500610075002e0020004c0065007300200064006f00630075006d0065006e00740073002000500044004600200063007200e900e90073002000700065007500760065006e0074002000ea0074007200650020006f007500760065007200740073002000640061006e00730020004100630072006f006200610074002c002000610069006e00730069002000710075002700410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e0030002000650074002000760065007200730069006f006e007300200075006c007400e90072006900650075007200650073002e> /ITA <FEFF005500740069006c0069007a007a006100720065002000710075006500730074006500200069006d0070006f007300740061007a0069006f006e00690020007000650072002000630072006500610072006500200064006f00630075006d0065006e00740069002000410064006f006200650020005000440046002000700065007200200075006e00610020007300740061006d007000610020006400690020007100750061006c0069007400e00020007300750020007300740061006d00700061006e0074006900200065002000700072006f006f0066006500720020006400650073006b0074006f0070002e0020004900200064006f00630075006d0065006e007400690020005000440046002000630072006500610074006900200070006f00730073006f006e006f0020006500730073006500720065002000610070006500720074006900200063006f006e0020004100630072006f00620061007400200065002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e003000200065002000760065007200730069006f006e006900200073007500630063006500730073006900760065002e> /JPN <FEFF9ad854c18cea51fa529b7528002000410064006f0062006500200050004400460020658766f8306e4f5c6210306b4f7f75283057307e30593002537052376642306e753b8cea3092670059279650306b4fdd306430533068304c3067304d307e3059300230c730b930af30c830c330d730d730ea30f330bf3067306e53705237307e305f306f30d730eb30fc30d57528306b9069305730663044307e305930023053306e8a2d5b9a30674f5c62103055308c305f0020005000440046002030d530a130a430eb306f3001004100630072006f0062006100740020304a30883073002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e003000204ee5964d3067958b304f30533068304c3067304d307e30593002> /KOR <FEFFc7740020c124c815c7440020c0acc6a9d558c5ec0020b370c2a4d06cd0d10020d504b9b0d1300020bc0f0020ad50c815ae30c5d0c11c0020ace0d488c9c8b85c0020c778c1c4d560002000410064006f0062006500200050004400460020bb38c11cb97c0020c791c131d569b2c8b2e4002e0020c774b807ac8c0020c791c131b41c00200050004400460020bb38c11cb2940020004100630072006f0062006100740020bc0f002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e00300020c774c0c1c5d0c11c0020c5f40020c2180020c788c2b5b2c8b2e4002e> /NLD (Gebruik deze instellingen om Adobe PDF-documenten te maken voor kwaliteitsafdrukken op desktopprinters en proofers. De gemaakte PDF-documenten kunnen worden geopend met Acrobat en Adobe Reader 5.0 en hoger.) /NOR <FEFF004200720075006b00200064006900730073006500200069006e006e007300740069006c006c0069006e00670065006e0065002000740069006c002000e50020006f0070007000720065007400740065002000410064006f006200650020005000440046002d0064006f006b0075006d0065006e00740065007200200066006f00720020007500740073006b00720069006600740020006100760020006800f800790020006b00760061006c00690074006500740020007000e500200062006f007200640073006b0072006900760065007200200065006c006c00650072002000700072006f006f006600650072002e0020005000440046002d0064006f006b0075006d0065006e00740065006e00650020006b0061006e002000e50070006e00650073002000690020004100630072006f00620061007400200065006c006c00650072002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e003000200065006c006c00650072002000730065006e006500720065002e> /PTB <FEFF005500740069006c0069007a006500200065007300730061007300200063006f006e00660069006700750072006100e700f50065007300200064006500200066006f0072006d00610020006100200063007200690061007200200064006f00630075006d0065006e0074006f0073002000410064006f0062006500200050004400460020007000610072006100200069006d0070007200650073007300f5006500730020006400650020007100750061006c0069006400610064006500200065006d00200069006d00700072006500730073006f0072006100730020006400650073006b0074006f00700020006500200064006900730070006f00730069007400690076006f0073002000640065002000700072006f00760061002e0020004f007300200064006f00630075006d0065006e0074006f00730020005000440046002000630072006900610064006f007300200070006f00640065006d0020007300650072002000610062006500720074006f007300200063006f006d0020006f0020004100630072006f006200610074002000650020006f002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e0030002000650020007600650072007300f50065007300200070006f00730074006500720069006f007200650073002e> /SUO <FEFF004b00e40079007400e40020006e00e40069007400e4002000610073006500740075006b007300690061002c0020006b0075006e0020006c0075006f0074002000410064006f0062006500200050004400460020002d0064006f006b0075006d0065006e007400740065006a00610020006c0061006100640075006b006100730074006100200074007900f6007000f60079007400e400740075006c006f0073007400750073007400610020006a00610020007600650064006f007300740075007300740061002000760061007200740065006e002e00200020004c0075006f0064007500740020005000440046002d0064006f006b0075006d0065006e00740069007400200076006f0069006400610061006e0020006100760061007400610020004100630072006f0062006100740069006c006c00610020006a0061002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e0030003a006c006c00610020006a006100200075007500640065006d006d0069006c006c0061002e> /SVE <FEFF0041006e007600e4006e00640020006400650020006800e4007200200069006e0073007400e4006c006c006e0069006e006700610072006e00610020006f006d002000640075002000760069006c006c00200073006b006100700061002000410064006f006200650020005000440046002d0064006f006b0075006d0065006e00740020006600f600720020006b00760061006c00690074006500740073007500740073006b0072006900660074006500720020007000e5002000760061006e006c00690067006100200073006b0072006900760061007200650020006f006300680020006600f600720020006b006f007200720065006b007400750072002e002000200053006b006100700061006400650020005000440046002d0064006f006b0075006d0065006e00740020006b0061006e002000f600700070006e00610073002000690020004100630072006f0062006100740020006f00630068002000410064006f00620065002000520065006100640065007200200035002e00300020006f00630068002000730065006e006100720065002e> /ENU (Use these settings to create Adobe PDF documents for quality printing on desktop printers and proofers. Created PDF documents can be opened with Acrobat and Adobe Reader 5.0 and later.) >> /Namespace [ (Adobe) (Common) (1.0) ] /OtherNamespaces [ << /AsReaderSpreads false /CropImagesToFrames true /ErrorControl /WarnAndContinue /FlattenerIgnoreSpreadOverrides false /IncludeGuidesGrids false /IncludeNonPrinting false /IncludeSlug false /Namespace [ (Adobe) (InDesign) (4.0) ] /OmitPlacedBitmaps false /OmitPlacedEPS false /OmitPlacedPDF false /SimulateOverprint /Legacy >> << /AddBleedMarks false /AddColorBars false /AddCropMarks false /AddPageInfo false /AddRegMarks false /ConvertColors /NoConversion /DestinationProfileName () /DestinationProfileSelector /NA /Downsample16BitImages true /FlattenerPreset << /PresetSelector /MediumResolution >> /FormElements false /GenerateStructure true /IncludeBookmarks false /IncludeHyperlinks false /IncludeInteractive false /IncludeLayers false /IncludeProfiles true /MultimediaHandling /UseObjectSettings /Namespace [ (Adobe) (CreativeSuite) (2.0) ] /PDFXOutputIntentProfileSelector /NA/PreserveEditing true /UntaggedCMYKHandling /LeaveUntagged /UntaggedRGBHandling /LeaveUntagged /UseDocumentBleed false >> ] >> setdistillerparams << /HWResolution [2400 2400] /PageSize [612.000 792.000] >> setpagedevice
Compartilhar