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Inatismo e Aquisição da Linguagem

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Inatismo e Aquisição da Linguagem
Conteudista
Prof. Dr. Carlos Eduardo Borges Dias
Revisão Textual
Esp. Pérola Damasceno
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OBJETIVO DA UNIDADE
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• Abordar a proposta racionalista de Chomsky: o papel determinante 
dos princípios inatos; diferenciação entre Língua-I (competência) e Lín-
gua-E (conjunto de enunciados); a teoria dos Princípios e Parâmetros; 
Evolução da teoria de Chomsky.
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Introdução
O linguista Noam Chomsky é geralmente conhecido como o pai da chamada gra-
mática gerativa, mas nem sempre como o criador de uma teoria da aquisição da 
linguagem especial; este é frequentemente o caso, por exemplo, na Europa, onde 
ele é desprezado por muitos linguistas. No entanto, um de seus propósitos bási-
cos é explicar o fenômeno da linguagem humana, sua aquisição e obter insights 
a respeito da organização e do funcionamento do aparato cognitivo humano. Ele 
tentou provar isso com sua teoria que será descrita nessa Unidade.
Figura 1 – Noam Chomsky
Fonte: Wikimedia Commons
#ParaTodosVerem: fotografia em preto e branco de Noam Chomsky, vestindo suéter, em 1977. Fim 
da descrição.
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Com o advento da teoria de Chomsky, o interesse na aquisição da linguagem aumen-
tou acentuadamente e, atualmente, é um assunto central e relevante no interior 
da linguística moderna. No entanto, é também um dos temas mais controversos.
Qualquer teoria séria da aquisição da linguagem deve se basear, entre outras 
coisas, na seguinte observação, refletida no chamado problema lógico da aquisi-
ção da linguagem. Esse problema se reflete na seguinte questão: o que permite 
à criança, nas condições usuais, adquirir qualquer língua natural como sua língua 
materna, ou seja, como explicar que uma criança aprende a produzir um número 
infinito de enunciados a partir de um input limitado e isso em tão pouco tempo?
Uma condição certamente é que a criança seja exposta a essa língua. Esta ob-
servação parece óbvia, mas este critério por si só não deve nos satisfazer, pois é 
um fator necessário, mas não suficiente. Animais domésticos, como cães e gatos, 
também são expostos à língua diariamente. Apesar disso, eles nunca aprendem 
uma língua humana, o que, entre outras coisas, os distingue das crianças. Segue-
se que o homem deve ter uma capacidade específica para ele que o torne capaz 
de aprender uma língua natural.
O problema lógico da aprendizagem de línguas compreende, portanto, três as-
pectos que devem estar relacionados entre si:
• A estrutura do mecanismo de aprendizagem (cognitivo);
• O objeto de aprendizagem (da linguagem, no nosso caso);
• Os dados acessíveis.
A questão crucial que uma teoria da linguagem deve responder é a seguinte: que 
propriedades estruturais um mecanismo de aprendizagem ou um sistema cogni-
tivo deve possuir para tornar possível a aquisição de qualquer linguagem natural?
Pobreza de Estímulos
O ponto de partida para responder a essa pergunta foi o argumento da pobreza 
de estímulo. Ele está relacionado ao fato de que o conhecimento gramatical que 
a criança adquire durante seu desenvolvimento é subdeterminado por dados 
empíricos. Em suma, ao final do processo de aquisição, a criança sabe muito 
mais do que poderia saber se considerarmos apenas a experiência linguística de 
que ela participa. Toda criança sabe, por exemplo, construir frases múltiplas en-
caixadas, embora elas sejam muito raras na linguagem falada e, principalmente, 
na linguagem dirigida à criança.
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Figura 2 – Pobreza de Estímulo
Fonte: Getty Images
#ParaTodosVerem: fotografia de uma criança loira de olhos claros com uma blusa roxa falando com um 
telefone clássico branco no ouvido. Fim da descrição.
Existem principalmente três tipos de subdeterminação: 
• Subdeterminação quantitativa: a experiência linguística da criança 
sempre inclui apenas uma parte relativamente pequena das frases e 
estruturas de uma língua; 
• Subdeterminação qualitativa: o conhecimento a adquirir consiste 
essencialmente em regras e princípios, enquanto a experiência lin-
guística consiste em afirmações concretas que só podem servir de 
exemplo das regras e princípios a adquirir;
• Subdeterminação por dados negativos: os dados linguísticos de 
que a criança dispõe para a aquisição de seu conhecimento gramati-
cal são positivos e não negativos, pois os pais normalmente não dão 
aos filhos regras para explicar que tipo de enunciado é agramatical e 
qual não é.
É, entre outras coisas, nessas observações que se baseia a teoria de Chomsky.
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A Teoria Chomskyana: 
Princípios Básicos
Logo de início, cabe destacar que a teoria de Chomsky – a gramática gerativa 
(daqui para frente “GG”) – é baseada em um método científico e que Chomsky 
considera a linguagem como parte da biologia humana. 
Ele a define como uma abordagem da mente que considera a linguagem e fe-
nômenos semelhantes como elementos do mundo natural, a serem estudados 
por métodos comuns de investigação empírica. Ela é, portanto, uma abordagem 
naturalista dos aspectos linguísticos e mentais do mundo e, por isso, procura 
construir teorias explicativas e inteligíveis, recorrendo a inúmeras idealizações, 
como a do ambiente homogêneo em que a criança está cercada ou cercada. 
Que a linguagem deveria ser estudada dentro da estrutura das ciências naturais, 
isso já havia sido postulado por linguistas do século 19, como August Schleicher 
e Friedrich Max Müller. 
O principal objetivo de Chomsky é, portanto, dar uma explicação para o fenôme-
no da linguagem. Para isso, ele distingue entre a chamada adequação descriti-
va e a adequação explicativa.
A adequação descritiva é alcançada quando se encontra meios adequados 
para descrever (os fatos gramaticais de) uma língua, enquanto a adequação 
explicativa é alcançada quando se consegue encontrar explicações satisfató-
rias para os fenômenos da língua e sua aquisição no âmbito de uma gramáti-
ca universal. Desde a década de 1980, Chomsky tem buscado cada vez mais a 
adequação explicativa.
Além disso, para evitar mal-entendidos, Chomsky introduziu uma distinção que 
é fundamental para sua concepção de linguagem, a de línguas I (internalizadas) 
e línguas E (exteriorizadas). Uma língua I nesse sentido pode então ser definida 
como algum elemento da mente da pessoa que conhece a língua, adquirido 
pelo aprendiz e usado pelo falante-ouvinte. Uma língua E, por outro lado, é 
uma língua no sentido de que a construção é compreendida independente-
mente das propriedades da mente/cérebro. É, portanto, um objeto que está 
fora da mente do falante. Uma gramática no sentido de Chomsky é, portanto, 
uma teoria da língua I e ela pode assim ser refutada. O termo língua I foi intro-
duzido para superar mal-entendidos gerados pela ambiguidade sistemática do 
termo 'gramática', usado tanto para se referir a uma língua I quanto à teoria do 
linguista sobre ela.
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A faculdade da linguagem, a qual Chomsky se refere, metaforicamente, como 
um “órgão”, tem um "estado inicial" geneticamente fixado. É esse estado que 
Chomsky tenta explicitar em sua teoria e é isso que ele chama de Gramática 
Universal (daqui para frente GU).
Se o sistema cognitivo da faculdade da linguagem está no estado L, ele tem a 
linguagem I do nome L na terminologia gerativista. Uma língua I pode ser consi-
derada como um “modo de falar”.
Para desenvolver suas teorias, Chomsky não utiliza um corpus, mas dados in-
trospectivos, o “conhecimento tácito do falante nativo” na forma de sentenças 
gramaticais, o que ele chama de competência do falante. Ele a contrasta com o 
desempenho de um falante, que é o uso real que uma pessoa faz de sua língua. 
A competência é, assim, o conhecimentodo falante de sua língua, enquanto o 
desempenho é o uso da língua em uma situação concreta. Chomsky está inte-
ressado principalmente em explicar a competência, e foi isso que, entre outras 
coisas, tornou sua teoria tão revolucionária.
Em suma, Chomsky é de opinião que, se a linguística é uma ciência, devemos 
admitir também os métodos de pesquisa científica e que a simples apresentação 
dos fatos não é suficiente para dar conta da aquisição da linguagem.
Com suas pesquisas e teorias, Chomsky procura responder, sobretudo, a três 
questões:
• O que constitui o conhecimento de uma língua?
• Como esse conhecimento é adquirido?
• Como esse conhecimento é usado?
Além disso, a questão de onde se localiza a faculdade da linguagem no aparato 
cognitivo despertou interesse de Chomsky. Ele procura explicar por que e como 
um sistema como a linguagem humana pode aparecer do ponto de vista ontoge-
nético e filogenético, até porque não há nada que se assemelhe a essa capacida-
de especificamente humana no mundo orgânico.
Para Chomsky, a linguagem é, portanto, parte do equipamento genético do 
homem e, portanto, representa um aspecto da genética humana. GU é, portan-
to, parte do genótipo.
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A Faculdade da Linguagem
Chomsky parte do princípio de que existe um órgão distinto em nosso aparato cog-
nitivo, a chamada faculdade da linguagem, que nos permite aprender uma língua 
humana e que produz as propriedades sintáticas. Desde o estabelecimento da gra-
mática gerativa na década de 1950, Chomsky buscou conciliar, entre outras coisas, 
o empreendimento de construir um modelo explícito e preciso dessa faculdade da 
linguagem. Ele estabeleceu paralelos com o desenvolvimento de outros órgãos, 
como o olho e a percepção visual. O desenvolvimento destes é geneticamente pré-
-programado e desencadeado uma vez que as condições ambientais necessárias 
estejam presentes e o mesmo deveria acontecer com a faculdade da linguagem e, 
portanto, com a língua. Ela se desenvolve segundo regularidades biológicas, tendo 
o input linguístico apenas a função de gatilho. É, portanto, uma continuação extre-
ma de uma teoria da maturação orientada para a biologia.
Chomsky criou uma teoria linguística que pretende permitir a possibilidade de 
aprender algo, a partir do estudo da linguagem, que deve trazer à luz proprie-
dades inerentes à mente humana. Por esta razão, a análise linguística gerativa 
não é um fim em si mesma, mas é principalmente um meio para se obter insights 
sobre a construção e o funcionamento do aparato cognitivo humano. O GG pre-
tende ser uma espécie de confluência de propósito de estudo sobre a linguagem 
e estudo da mente/cérebro há muito esquecida, e tudo isso com dados disponi-
bilizados pelas ciências formais.
Duas teses chomskyanas, as principais sobre cognição, autonomia e modularida-
de, serão apresentadas nas seções seguintes.
A Autonomia
Segundo os gerativistas, as pesquisas nas últimas quatro décadas mostraram 
que pelo menos duas áreas de nossas habilidades cognitivas, a fonologia e a 
sintaxe, formam um sistema autônomo, ou seja, um sistema fechado de estru-
turas cognitivas. São esses dois domínios que eles chamam de gramática ou 
sistema conceitual.
Diferentemente do que se observa, por exemplo, na pragmática, parece haver 
regularidades na sintaxe e na fonologia, que não são encontradas em nenhum 
outro campo do conhecimento, e que, portanto, não podem ser reduzidas a 
outras estruturas cognitivas. Em outras palavras, essas regularidades são espe-
cíficas de nosso conhecimento gramatical e devem, portanto, pertencer a um 
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sistema autônomo de representações mentais. A linguagem é para Chomsky o 
resultado de uma interação de vários fatores e vários sistemas cognitivos dos 
quais o módulo gramatical (faculdade da linguagem) é o único componente intei-
ramente específico a ela. 
De acordo com os gerativistas, precisamos de um componente que seja autôno-
mo dentro de nosso aparato cognitivo, o que resulta na propriedade descrita na 
seção seguinte. 
Modularidade
A questão central para os esforços gerativistas é a de entender como nosso co-
nhecimento linguístico ou gramatical é mentalmente representado e como deve 
ser organizada a estrutura de um organismo capaz de adquirir tal conhecimento 
a partir de dados linguísticos restritos.
Um dos postulados chomskyanos nesse contexto é o da autonomia (como vimos), 
mas também existem outros como o da modularidade que está diretamente li-
gado à autonomia. A tese da modularidade afirma que o sistema cognitivo dos 
humanos é modular, ou seja, acredita-se que compreende um número finito de 
subsistemas originais e independentes.
Cada um desses módulos tem uma estrutura específica e habilidades específi-
cas. A tese da modularidade, portanto, contrasta fortemente com a ideia de que 
a cognição humana consiste em um sistema homogêneo de mecanismos e es-
tratégias com os quais todas as nossas tarefas cognitivas são processadas. Ela é 
contrária à ideia de um mecanismo geral multifuncional ou de uma teoria geral 
de aprendizagem.
A tese da autonomia introduzida postula que os diferentes módulos são autôno-
mos, ou seja, independentes. Isso significa que a estrutura interna de um módulo 
não pode ser reduzida à estrutura de outro módulo enquanto houver um super-
módulo em relação ao qual os princípios das estruturas internas dos diferentes 
módulos possam ser deduzidas. As capacidades cognitivas do humano advêm, 
segundo os gerativistas, de uma interação de vários módulos que ocorre ao nível 
do input e do output e não ao nível do processamento intramodular. A estrutura 
interna do módulo de gramática ainda é modular. 
De acordo com esta hipótese, a gramática, que nos permite adquirir uma língua, 
é um dos vários módulos. Supõe-se que existam também módulos para a per-
cepção visual e linguística, bem como para a produção linguística. 
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A modularidade é, portanto, uma hipótese de trabalho de Chomsky e ele pensa 
que ela deve ser abandonada se e somente se alguém demonstrar que os vários 
componentes do aparato cognitivo postulado não podem de fato ser analisados 
isoladamente ou se essa suposição se revelar errada. 
Depois de ver as principais suposições dos gerativistas em relação ao nosso apa-
rato cognitivo, seria sensato analisar as bases filosóficas da teoria chomskyana 
e ver onde Chomsky se posiciona na filosofia para entender melhor o escopo e 
a relevância de sua teoria. Afinal, ele não só fez contribuições para a linguística, 
mas também para a Filosofia. Por isso, parece-nos importante mostrar onde se 
situa a sua posição na Filosofia, o que permitirá, ao mesmo tempo, uma melhor 
compreensão da sua teoria linguística e dos porquês dela.
Bases Filosóficas
Essa seção consistirá em um esboço dos fundamentos filosóficos de Chomsky, 
para dar uma ideia de sua posição na Filosofia. No entanto, essas bases são 
múltiplas e isso não é surpreendente porque Chomsky, enquanto lecionava em 
Harvard, teve discussões com muitos grandes pesquisadores e pensadores como 
John Austin, Willard Quine, Morris Halle, Eric Lenneberg e Roman Jakobson.
No contexto dos fundamentos do gerativismo, Chomsky observou que a gramá-
tica gerativa moderna, de fato, pode ser considerada em parte como a confluên-
cia das ferramentas conceituais da lógica e da matemática modernas e a ideia 
tradicional, inevitavelmente deixada vaga e informe, de que a linguagem é um 
sistema que faz uso infinito de meios finitos.
A ideia de que a linguagem faz uso infinito de meios finitos é atribuída ao filósofo 
alemão Wilhelm von Humboldt, um dos racionalistas. Mas este está longe de ser 
o único a ter influenciado Chomsky. Outras pessoas e escolas que o influencia-
ram serão discutidas a seguir.
Indução e Abdução
Bem no início de seu trabalho em linguística, a partir de 1947, Chomsky traba-
lhou no âmbito do estruturalismo sob a direção do professor Zellig Harris, na 
Universidade da Pensilvânia. Ao trabalhar dessa forma, ele percebeu que os méto-
dos do estruturalismoeram insuficientes para explicar os fenômenos que descre-
via e, portanto, elaborou uma nova teoria. Chomsky também encontrou um prece-
dente na Filosofia para esta nova teoria: Charles Sanders Pierce, um matemático, 
cientista e semioticista, que opunha o método de abdução ao de indução.
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O método indutivo consiste em extrair dados, se possível de um informante, e 
estabelecer taxonomias. Geralmente, isso é feito por meio de um teste de subs-
tituição, por exemplo, para isolar dois fonemas. Então, esse procedimento, no 
qual se baseia o estruturalismo, é from the bottom up, de baixo para cima. 
Outro professor de Chomsky, Nelson Goodman, que lhe ensinou filosofia, in-
fluenciou o trabalho de Chomsky sugerindo uma crítica da indução. 
Entre os problemas que Chomsky viu para a abordagem de indução estava o 
fato de que as gramáticas taxonômicas não descreviam a "realidade psicológica", 
ou seja, não se obtinha uma teoria que explicasse o funcionamento do sistema 
linguístico, mas sim um esquema de classificação simples. Isso não significa que 
tais esquemas não possam ser úteis, muito pelo contrário, mas nada dizem sobre 
o funcionamento de nosso aparato cognitivo e a relação entre ele e a linguagem. 
Por esta razão, deve-se, de acordo com Chomsky, fazer hipóteses que podem ser 
confirmadas ou falsificadas e elas devem ser hipóteses empíricas sobre a relação 
entre mente, cérebro e linguagem. As hipóteses em questão devem representar, 
pelo menos em princípio, o sistema cognitivo pelo qual a linguagem é inicialmen-
te realizada nas mentes de falantes nativos normais. Ao fazer isso, por outro 
lado, adota-se um método de trabalho não indutivo, mas abdutivo. Abdução é o 
recurso da mente a uma faculdade biologicamente inata altamente especializada 
a fim de descobrir alguma hipótese que dê sentido à evidência apresentada a ela 
- evidência que muitas vezes é caótica, contraditória, degradada ou empobreci-
da. O linguista tem a mesma tarefa que a criança; assim, ele também deve extrair 
as regras da língua dos dados linguísticos empobrecidos e muitas vezes caóticos 
que lhe são apresentados; pelo menos, isso foi postulado por Chomsky no início 
do GG. O procedimento abdutivo é, portanto, from the bottom down, como tam-
bém é chamado na literatura. 
Propor um procedimento tão inovador na década de 1950 sugeria um afasta-
mento considerável do que era considerado ciência linguística na época e, por 
esse motivo, não é de admirar que as ideias de Chomsky tenham sido inicialmen-
te desaprovadas, especialmente porque Chomsky era um matemático e não um 
linguista. 
Além disso, a faculdade abdutiva não constitui uma inteligência geral e nem uma 
intuição especial; isto é, ela não tem nada de místico. Como Pierce, Chomsky 
afirma que qualquer faculdade abdutiva é apenas a função de certos limites bio-
logicamente fixados. Esses são os limites que definem os instintos específicos de 
cada espécie. As aranhas não descobrem ou aprendem a tecer suas teias e os 
pássaros também não precisam aprender a construir seus ninhos, eles sabem 
disso instintivamente. Tudo isso apesar do fato de que às vezes é necessária 
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uma exposição mínima a “modelos” adultos para desencadear o instinto, e quase 
sempre é necessário um pouco de tentativa e erro. Mas o processo de descober-
ta é surpreendentemente rápido, eficiente e uniforme dentro de uma determi-
nada espécie, um fato que, obviamente, se deve principalmente às estruturas 
anatômicas e neurológicas especiais que são inatas a espécie.
Chomsky e Pierce acreditam que a situação é semelhante nos humanos no que 
diz respeito à aquisição da linguagem e que a linguagem também é como um 
instinto nos humanos. 
Com essa metodologia, Chomsky também estabelece uma correspondência 
entre a aquisição de uma língua e a construção de uma teoria da forma mais 
abstrata. No entanto, a opinião compartilhada por Chomsky e Pierce é que a 
lógica humana não se deve à inteligência geral ou à razão indutiva, mas a certas 
faculdades abdutivas altamente especializadas da biologia humana, o que é for-
temente contestado por muitos linguistas e outros cientistas. 
Outra distinção importante em relação à teoria chomskyana é aquela entre ra-
cionalismo e empirismo.
Racionalismo e Empirismo
Assim como Gottfried Wilhelm von Leibniz, Rene Descartes, os gramáticos 
de Port Royal, Johann Gottfried Herder, Lord Herbert de Cherbury, Ralph 
Cudwarth, Immanuel Kant e Wilhelm von Humboldt, Chomsky está entre os 
racionalistas. Eles acreditam no inatismo e no fato de que a linguagem cons-
titui uma capacidade humana específica e que, portanto, existem elementos 
comuns a todas as línguas humanas. Estes são mais ou menos opostos aos 
empiristas como John Locke, David Hume, Ludwig Wittgenstein, W.V.O. Quine 
e B. F. Skinner.
Para ilustrar esse debate, talvez seja suficiente expor as visões opostas de 
Descartes e Locke. Locke era da opinião de que o ser humano é uma tábula rasa 
no momento de seu nascimento, ou seja, que o espírito é moldado exclusiva-
mente pela experiência e que a experiência é a fonte de todas as nossas ideias. 
Descartes, por outro lado, afirma que todas as ideias são inatas e que formas 
cognitivas e princípios de todos os tipos já aparecem na mente/cérebro, a priori, 
em toda experiência, pelo menos como possibilidades. 
No entanto, isso não significa que os empiristas não aceitem a ideia de que 
existe algo inato, mas para eles o raciocínio experimental é crucial e eles pen-
sam que é apenas uma estratégia de aprendizagem geral, o que permite ao 
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homem adquirir a sua língua. Para os racionalistas, por outro lado, é uma facul-
dade altamente especializada que faz com que a mente tenha, desde o início, 
conhecimento estruturado único de uma forma ou de outra.
Para melhor ilustrar a posição racionalista, há uma interessante analogia de 
Leibniz, que é a conhecida analogia de Hércules no mármore. Digamos que haja 
dois blocos de mármore: em um deles haveria "veias", partes com textura di-
ferente, e o outro não, ou seja, sendo uniforme. Quando um escultor trabalha 
o último bloco, ele fica livre para transformar esse bloco em qualquer estátua, 
enquanto aquele que trabalha o outro bloco, o das veias, terá menos liberdade. 
Este escultor é obrigado a respeitar os limites impostos pelas veias; pode ser que 
as veias do mármore ditem mais ou menos a forma da estátua, por exemplo a 
de Hércules. O papel do escultor seria, portanto, “descobrir essas veias, limpá-las 
mediante polimento e livrá-las de tudo aquilo que impede que apareçam clara-
mente”. Segundo Leibniz, ideias e verdades são assim inatas como inclinações, 
disposições, potencialidades naturais ou hábitos.
Chomsky endossou essa posição e, dessa forma, acredita que a "forma geral" do 
conhecimento linguístico é "fixada antecipadamente como uma disposição da 
mente" e que a experiência apenas desencadeia e diferencia estruturas inatas.
Para tornar essas duas posições, mais ou menos contrárias, relevantes para 
nossa discussão, talvez seja necessário reformulá-las, transformando-as na se-
guinte questão: as crianças nascem com conhecimentos linguísticos que só per-
mitem modelar línguas de modo bastante restrito (racionalismo)? Ou elas nas-
ceram sem nenhum conhecimento desse tipo e seus conhecimentos linguísticos 
foram adquiridos apenas com a experiência (empirismo)? 
Um ponto de vista oposto ao de Chomsky é o de Wittgenstein, que figura entre 
os empiristas. Ele não acredita que a linguagem seja um órgão, mas sim que ela 
é constituída pela comunidade dos homens e se adquire por treinamento, o que 
lembra um pouco a posição skinneriana.
Chomsky e Wittgenstein
Outro ponto de desacordo entre os dois autores é o chamado problema da 
linguagem privada de Wittgenstein, pelo qual surge a questão de saber se uma 
linguagem que pode ser primariamente compreendida apenas por uma pessoa 
é pensável. Chomsky acredita que tal linguagem privada deveria ser possível, 
enquanto Wittgenstein a nega. Noentanto, de acordo com as reconstruções 
de Saul Kripke, de 1982, esse argumento da linguagem privada, que, na verda-
de, nunca havia sido totalmente claro e o sobre o qual não se tinha certeza se 
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era realmente relevante, acabou sendo apenas um corolário de um argumento 
mais fundamental: o paradoxo cético. De acordo com ele, não se pode deter-
minar uma maneira de agir porque cada maneira de agir deve ser colocada de 
acordo com a regra.
Figura 3 – Wittgenstein
Fonte: Wikimedia Commons
#ParaTodosVerem: fotografia, em preto e branco, do Wittgenstein de terno em frente a uma lousa. Fim 
da descrição.
Chomsky e Wittgenstein têm cada uma solução para esse problema. A solução 
do último é propor que a linguagem é determinada pelo nosso modo de vida, a 
do primeiro é o inatismo. De acordo com Chomsky, deve existir uma linguagem 
privada e deve ser possível seguir uma regra privada. Deste ponto de vista, se-
gue-se que um paradoxo cético não existe e que este é apenas a consequência 
de uma falsa suposição. Essa suposição leva em consideração que a aquisição de 
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uma língua materna implica em um processo de aprendizagem. Por esta razão, 
Chomsky é de opinião que a aquisição é antes uma espécie de processo de matu-
ração e a linguagem um "órgão" e que a linguagem humana constitui, assim, um 
fenômeno biológico. Desta forma, ele desafia a perspectiva filosófica tradicional 
que considera a linguagem humana como um fenômeno social. Para apoiar suas 
hipóteses, Chomsky usa dados empíricos. 
Ele aborda um dos maiores problemas da Filosofia, mas também dá uma respos-
ta ao problema lógico da aquisição da linguagem. Assim, porque Chomsky chega 
a tal conclusão não é apenas uma resposta possível ao problema da linguagem 
privada, mas também ao problema de Platão.
Estilo Galileano
Chomsky adota uma metodologia galileana que se opõe à metodologia analítica 
de Wittgenstein, cujo único objetivo é a descrição de fatos linguísticos. Chomsky 
busca construir sistemas que sirvam para explicar esses fatos. O estilo galileano, 
cujo nome remonta a Edmund Husserl, é a metodologia utilizada nas ciências na-
turais. Nesse caso, o uso de termos teóricos na formulação de regras e princípios 
para domínios cognitivos tem o mesmo valor explicativo que no caso de teorias 
nas ciências naturais em geral. Para ele, também é óbvio que a suposição de en-
tidades teóricas deve ser justificada empiricamente.
Como se sabe, desde Thomas Samuel Kuhn, que a questão de saber se uma 
teoria nas ciências naturais é verdadeira ou falsa resulta de uma compreensão 
ingênua da natureza da pesquisa empírica, não se pode esperar que tal teoria 
caracterize em um nível razoável de abstração as propriedades dos elementos 
do mundo real. É por isso que é necessário fazer numerosas abstrações, por 
exemplo, do falante competente ou do meio homogêneo. 
Impacto de Jespersen
Chomsky distingue entre adequação descritiva e adequação explicativa e são 
essas duas que estão entre os principais objetivos que ele busca atingir com 
a GG. Isso remonta a uma rica tradição da qual Otto Jespersen foi, talvez, um 
dos últimos grandes representantes. Chomsky afirma que Jespersen reconhe-
ceu que as estruturas da linguagem passam a existir na mente de um falan-
te por abstração da experiência com enunciados, produzindo uma 'noção de 
sua estrutura' que é 'definida o suficiente para guiá-lo no enquadramento de 
suas próprias sentenças, 'crucialmente 'expressões livres' que são tipicamente 
novas para falante e ouvinte".
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Figura 4 – Jespersen
Fonte: Wikimedia Commons
#ParaTodosVerem: fotografia, em preto e branco, de Otto Jespersen vestindo terno. Fim da descrição.
Foi também Jespersen quem argumentou que é apenas na sintaxe que existem 
elementos comuns a todas as línguas e que é possível que exista uma gramática 
universal ou geral. 
O Problema Mente/Corpo
O problema básico da filosofia abordado pela obra de Chomsky é o problema 
mente-corpo. Descartes argumentou que alguns aspectos do mundo, e em parti-
cular o uso normal da linguagem, não podem ser explicados dentro da estrutura 
de uma teoria mecânica e que havia, portanto, um problema em explicar esse 
fenômeno. Seria, de fato, impossível explicar a relação entre o que diz respeito 
ao corpo e o que diz respeito à mente. No entanto, ao contrário de Descartes, 
Chomsky é da opinião de que esse problema é apenas de unificação de diferen-
tes abordagens científicas, que é o procedimento usual na ciência.
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Evolução da Teoria 
Chomskyana
De “Estruturas Sintáticas” aos “Aspectos da 
Teoria da Sintaxe”
Chomsky percebeu que os métodos do estruturalismo eram inadequados, 
então começou a trabalhar no GG em 1952, um ano depois de chegar a 
Harvard. Mas foi apenas em 1957 que seu primeiro livro “Syntactic Structures” 
(daqui para frente, SS) foi publicado. No entanto, esta primeira monografia de 
Chomsky estabeleceu claramente a noção de GG na linguística contemporâ-
nea e é considerada como o gatilho de uma revolução na linguística. 
É uma mudança de paradigma no sentido de Kuhn na linguística e, também, 
se diz que foi com SS que começou a revolução cognitiva. O que é surpreen-
dente é que, apesar de todas as mudanças pelas quais essa teoria passou, os 
conceitos básicos de SS ainda são válidos. Com SS, Chomsky introduziu uma 
teoria baseada na teoria da função recursiva, que faz uso de um modo de 
expressão quase matemático para regras linguísticas, reescrevendo regras 
como sentença: SN + SV (sintagma nominal + sintagma verbal). Ao mesmo 
tempo, Chomsky afirma que tal abordagem é compatível com a criatividade 
da linguagem, dizendo que a criatividade se baseia em um sistema de regras 
e formas, em parte determinado pelas capacidades humanas intrínsecas. 
Sem tais restrições, temos um comportamento arbitrário e aleatório, não 
atos criativos.
A princípio, portanto, Chomsky simplesmente queria encontrar regras para 
a "produção" ou "geração" de sentenças. Isso o distinguia dos estruturalis-
tas, pois usava a álgebra natural para as transformações.
No entanto, já em 1965, Chomsky publicou “Aspects of the Theory of Syntax”, 
que ele havia elaborado com a ajuda de alguns alunos do M.I.T. e que tinha 
um alcance maior do que SS. O modelo do Aspects..., também conhecido como 
“Standard Theory”, era mais abrangente e construído sobre as descobertas 
quase puramente sintáticas da SS, alterando alguns detalhes técnicos de seus 
dispositivos formais enquanto preservava intactos seus fundamentos teóri-
cos. Desde Aspects..., os gerativistas distinguem entre competência e desem-
penho, e é a partir desse modelo que surge uma teoria sobre a natureza da 
mente humana.
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De acordo com esse modelo, existe uma estrutura profunda e uma estrutura 
superficial. A estrutura profunda inclui as estruturas geradas pelo componen-
te básico. O componente básico é composto por dois subcomponentes, as re-
gras básicas que mais ou menos correspondem às regras de reescrita e o léxico, 
as palavras a serem inseridas na árvore gerada pelas regras básicas. Deve-se 
notar, no entanto, que Chomsky não faz nenhuma afirmação sobre a sequência 
de procedimentos na mente do homem ao construir ou interpretar uma frase. 
Trata-se apenas de prioridades lógicas e não cronológicas. No entanto, com isso, 
Chomsky não desejava construir uma teoria linguística mecânica.
De acordo com a Teoria Standart, a interpretação semântica formal ocorre no 
nível da estrutura profunda. Assim, a mesma estrutura profunda pode ter duas 
estruturas de superfície diferentes: “eu esperava que John fosse examinado por 
um especialista” e “eu esperava que um especialista examinasse John”. 
Da Teoria Padrão (Standart) à Teoria Padrão 
Estendida
Chomsky tinha dois jovens colegas no MIT, Jerry Fodor e Jerrold Katz, que sugeriram 
a introdução de um componente semântico no modelo geral da GG. Desta sugestão, 
é derivada a Teoria Padrão Estendida (daqui para frente TPE). Esta é a versão do GG 
onde toda a interpretação semânticaocorre no nível entre a estrutura superficial e 
a estrutura profunda. Este nível é chamado estrutura-S. A estrutura profunda agora 
é chamada de estrutura-D porque era o nível onde toda a interpretação semântica 
ocorria, o que não é mais o caso na TPE. No entanto, as outras relações subjacentes 
à antiga estrutura profunda ainda são postuladas e preservadas. Além disso, o léxico 
desempenha um papel cada vez mais importante no GG no TPE.
Princípios e Parâmetros
No início dos anos 1980, foi desenvolvida a Teoria dos Princípios e Parâmetros de 
GU (também conhecida como Teoria da Regência e da Ligação, um termo menos 
favorecido por Chomsky). Esta é uma hipótese empírica que especifica o conteúdo 
de uma série de princípios sintáticos inatos que restringem a forma e a direção do 
desenvolvimento da linguagem infantil. Foi desenvolvido para atender aos requisi-
tos de uma teoria que se pretendia, ao mesmo tempo, ser flexível o suficiente para 
dar conta da enorme variabilidade das línguas humanas e restritiva o suficiente 
para permitir a explicação de como elas são adquiridas do ponto de vista inatis-
ta. Na verdade, pode ser considerada como uma segunda revolução e talvez seja 
ainda mais importante do que a primeira revolução na linguística.
 19
Essa modificação de sua teoria provou ser necessária para Chomsky porque a 
Teoria Padrão (Estendida) era apenas uma gramática descritiva. Embora tenha-
mos alcançado um nível bastante alto de adequação descritiva, não avançamos 
no que diz respeito à adequação explicativa. No entanto, este último foi um dos 
principais objetivos do GG desde o início. Além disso, de acordo com a Teoria 
Padrão (Estendida), a criança tinha a tarefa de extrair regras de dados acessíveis, 
o que não permitiria que a criança aprendesse uma linguagem humana em tão 
pouco tempo, já que normalmente ela não tem acesso a evidências negativas. 
Era, portanto, necessário modificar a teoria para progredir.
Com a Teoria dos Princípios e Parâmetros, Chomsky buscou dar conta das va-
riações entre diversas línguas definindo alguns parâmetros cujos valores são fi-
xados uma vez que a criança é exposta aos dados de uma determinada língua, 
como o chamado parâmetro de assuntos vazios (“pro-drop”). A criança estaria, 
assim, equipada com “ferramentas prontas para serem usadas” desde o momen-
to do nascimento. Com tal dispositivo genético, a linguagem a qual a criança é 
exposta serviria de gatilho para estabelecer os parâmetros. Este princípio é ilus-
trado na seguinte configuração: [L] > [S0] > S0 (L).
De acordo com este esquema, no estado de S0, o GU projeta diretamente os dados 
de uma língua particular L no estado estacionário S0 (L). O estado estacionário é a 
gramática de L e, portanto, a aplicação dos princípios de S0 sobre L. Trata-se de um 
modelo idealizado conhecido como modelo instantâneo de aquisição da linguagem. 
No entanto, este modelo não leva em conta a dimensão do tempo quando represen-
ta apenas dois estados, o estado inicial (S0) e o estado final da aquisição e por isso 
não pode dar conta do fato de que certos aspectos da linguagem são adquiridos 
gradualmente. Para remediar isso, várias hipóteses foram formuladas, em particular 
a hipótese da invariância de GU e a hipótese do amadurecimento dos princípios de 
GU. Ainda não está claro qual dos dois serve melhor para explicar a realidade. 
A teoria dos parâmetros é uma versão de uma teoria da GU e ela ajuda a expli-
car a enorme variedade entre diferentes línguas de um ponto de vista inatista. 
De acordo com esse modelo, a principal tarefa da criança é determinar o valor 
de cada um dos parâmetros exigidos por sua língua materna. Isso diz respeito 
apenas aos aspectos de uma língua que a distinguem das outras. Para ajustar um 
parâmetro, a criança deve ser capaz de detectar um determinado gatilho em seu 
input linguístico, ou seja, a linguagem ambiente.
Quanto ao modelo cognitivo de Princípios e Parâmetros, existe o modelo T que é 
o modelo clássico neste contexto. Aqui, ainda existem as estruturas-D e -S, mas 
também dois novos níveis, a forma lógica (FL) e a forma fonética (FF). A forma ló-
gica é o nível onde, por exemplo, os quantificadores são representados. A forma 
fonética é a realização aberta de uma frase (“spell-out”).
 20
Minimalismo
O modelo de Princípios e Parâmetros foi ultrapassado porque, em 1991, Chomsky 
apresentou seu Programa Minimalista, que se baseia no princípio da economia. 
Este programa de pesquisa propõe mudanças profundas. Entre outras coisas, 
abandona as estruturas-D e -S. Além disso, dentro da estrutura do minimalismo, 
os níveis de forma lógica e fonética são chamados de níveis de interface. Eles são 
as interfaces entre os módulos articulatório-perceptivos, bem como os módulos 
conceituais-cognitivos.
Mantemos a ideia de parâmetros no programa minimalista cujo impacto na 
questão da aquisição da linguagem ainda não é previsível. Afinal, é um programa 
de pesquisa e ainda não uma teoria propriamente dita.
Considerações Finais 
Sobre a Evolução da Teoria 
Chomskyana
A teoria chomskyana evoluiu muito desde os primórdios do GG, mas seus pon-
tos centrais ainda são os mesmos, ou seja, não se transformou completamente. 
Parece que os saltos quânticos de Chomsky, embora frequentemente abandonem 
partes substanciais do velho aparato teórico em favor de designs drasticamente 
novos, sempre parecem chegar a uma reconfiguração (geralmente em um nível 
mais amplo ou mais abstrato) de alguma essência primária do projeto original. 
Agora, isso leva diretamente à questão de saber se a evolução da teoria chomskya-
na é legítima do ponto de vista epistemológico. 
Vamos agora abordar brevemente a questão de saber se as mudanças que a teo-
ria chomskyana sofreu são legítimas do ponto de vista epistemológico. Chomsky 
sempre sustentou que uma teoria linguística mentalista deveria ser empírica e 
que gramáticas particulares e a teoria da gramática deveriam, portanto, ser pri-
mariamente refutáveis.
Também não deve haver dogmatismo ou doutrina a priori. Chomsky insiste que 
as afirmações que fez são hipóteses refutáveis. No entanto, não deve ser possível 
argumentar que tudo parece ser possível na ciência. Ainda deveria haver critérios 
para verificar a validade de um programa de pesquisa e, portanto, do programa 
chomskyano, principalmente no que diz respeito à sua evolução ao longo do tempo. 
 21
Karl Popper apresentou uma filosofia falsificacionista da ciência em The Logic of 
Scientific Discovery, em 1934. Seu ponto de partida foi uma crítica ao indutivismo 
de que a experiência pode mostrar se as hipóteses científicas são verdadeiras ou 
altamente prováveis. A experiência só pode refutar uma hipótese, mas não a justi-
ficar. De acordo com esse ponto de vista, os compromissos ontológicos capazes de 
canalizar um programa de pesquisa científica devem preencher duas condições:
• Ser, a priori, plausíveis o suficiente para que o programa em questão não 
se torne muito instável e não implique muitos reajustes (que cientista 
digno desse nome concordaria em apelar constantemente para hipóte-
ses ad hoc?);
• Ter autoridade suficiente para reivindicar o controle de uma vasta pro-
liferação de dados empíricos por meio de uma regulamentação estrita-
mente articulada e não autoevidente.
Além disso, foram feitas tentativas de falsificar teorias por meio de declarações de 
observação e teste. Neste contexto, no entanto, dois tipos de falseacionismo devem 
ser distinguidos: falseacionismo metodológico ingênuo e falseacionismo metodoló-
gico sofisticado. No primeiro caso, as teorias refutadas são imediatamente rejeita-
das, enquanto no segundo, uma teoria só é abandonada se determinados critérios 
forem atendidos.
Segundo Popper, uma teoria deve ser rejeitada quando existe uma teoria melhor que 
constitua um crescimento objetivo do conhecimento. Chomsky é um fã do falseacio-
nismo metodológico sofisticado. No entanto, esta concepção falseacionista da ciência 
foi criticada, entre outros,por Thomas Kuhn e Imre Lakatos. Entre outras coisas, eles 
descobriram que as afirmações de observação e teste nunca podem ser objetivas, 
mas sempre estão imbuídas da teoria sob exame. Por isso, seria impossível refutar 
uma teoria ou uma hipótese dessa maneira. Além disso, como não há definição para o 
termo ad hoc, é impossível dizer quando uma modificação é legítima e quando não é. 
No entanto, Gunnar Andersson demonstrou de forma muito convincente que é pos-
sível adotar a metodologia falseacionista evitando esses problemas. Ele desenvol-
veu uma concepção crítica da experiência, segundo a qual uma discussão crítica das 
afirmações de teste é possível, embora essas afirmações sejam falíveis e embebidas 
em teorias. Por esta razão, os cientistas não precisam de propaganda ou persuasão 
como afirma Feyerabend.
Afinal, é somente adotando um ponto de vista como o de Andersson que se faz 
tal comparação entre diferentes teorias de aquisição da linguagem é possível. 
Caso contrário, ao adotar as teses de Feyerabend, Lakatos e Kuhn, estas seriam 
simplesmente incomensuráveis e tal análise não faria sentido. Ao mesmo tempo, 
 22
a abordagem de Andersson resolve o problema das suposições ad hoc. Isso é 
importante porque Chomsky é frequentemente criticado por recorrer excessiva-
mente a hipóteses ad hoc.
Deste ponto de vista, elas não são introduzidas para proteger um sistema teóri-
co, mas servem para criticar as afirmações do teste. Andersson argumenta que 
tal crítica pode ser levantada por boas razões ou simplesmente para imunizar as 
teorias contra a crítica. Se as declarações de teste são criticadas sem quaisquer 
razões empíricas ou teóricas para evitar falsificações, então as hipóteses introdu-
zidas por esse motivo podem ser rejeitadas como ad hoc.
Em geral, a história da ciência na qual se baseia o trabalho de Andersson mostrou 
que as teorias falsificadas raramente são abandonadas e, geralmente, modifica-
das. Tais modificações não são tentativas de imunizar a teoria contra a crítica, mas 
tentativas de aprender com a experiência, o que permite o progresso da ciência.
Chomsky é frequentemente criticado por confiar demais em suposições ad hoc. 
No entanto, quando analisamos as principais características como autonomia, 
parâmetros, modularidade de sua teoria de aquisição da linguagem, segundo a 
posição de Andersson, podemos argumentar com razão que essas modificações 
foram necessárias devido ao conhecimento obtido com a experiência e ao fato 
de que os requisitos de adequação explicativa deveriam ser atendidos, o que 
estava entre os principais objetivos desde o início do GG. 
Os objetivos da teoria chomskyana parecem ter mudado pouco ao longo do 
tempo e, acima de tudo, o núcleo duro permaneceu intacto, ao contrário da pe-
riferia que foi modificada em maior ou menor grau. Chomsky já havia formulado 
seus objetivos na SS e modificações foram necessárias para alcançá-los.
Em suma, os desenvolvimentos em GG lembram um pouco as modificações da teo-
ria atômica; também o modelo atual tem pouca semelhança com o modelo anterior. 
Como sabemos, nosso sistema cognitivo na maioria das vezes representa apenas 
uma caixa preta da qual não sabemos muito, por falta de acessibilidade direta. Isso 
porque é impossível realizar pesquisas diretamente no cérebro do homem vivo. Esta 
é uma situação muito menos favorável para a realização de pesquisas, em compa-
ração com o átomo, que é de livre acesso para os experimentos dos pesquisadores. 
Não seria, portanto, surpreendente que uma teoria relativa a um assunto tão inaces-
sível tivesse de ser modificada com mais frequência do que uma relativa ao átomo.
A rápida evolução da teoria de Chomsky é um fenômeno normal de se esperar. 
Quase todas as teorias nas ciências naturais são assim testadas e regularmente 
modificadas. Seria, portanto, muito surpreendente se este não fosse também o 
caso da teoria de GG.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Vídeos
Noam Chomsky – O Conceito de Linguagem
https://youtu.be/W53UvJoLAwI 
Chomsky Vs Skinner Debate of the Century
https://youtu.be/Bc-j1PQBZvU
Leituras
Aquisição da Linguagem na Perspectiva Minimalista
https://bit.ly/3QFH36D
Aquisição da Linguagem: Uma Retrospectiva dos Últimos Trinta Anos
https://bit.ly/3DYBjNZ
https://youtu.be/W53UvJoLAwI
https://youtu.be/Bc-j1PQBZvU
https://bit.ly/3QFH36D
https://bit.ly/3DYBjNZ
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLITMAN, D. Chomsky et l'empirisme: de la critique de l’empirisme au sens de l'innéisme 
et du rationalisme chomskyens. Histoire Épistémologie Langage, v. 32, n. 1, p. 139-167, 
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crianças. 2003.
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MURWALD, C. T. Theories de l'acquisition du langage: une analyse des theories de 
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