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CURSO DE EXTENSÃO Módulo i - Unidade i Introdução SAFs em Regiões Semiáridas SAFs e a redução das emissões de carbono e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas: Mecanismos de redução das emissões de carbono nos SAFs Organização: Financiamento: Organização: Financiamento: Sistemas Agroflorestais em Regiões Semiáridas Rafael da Silva Teixeira 2 CURSO DE EXTENSÃO – SISTEMAS AGROFLORESTAIS EM REGIÕES SEMIÁRIDAS FICHA TÉCNICA Realização: Projeto AKSAAM – Adaptando Conhecimento para a Agricultura Sustentável e o Acesso a Mercados, Instituto de Políticas Públicas e Desenvol- vimento Sustentável - IPPDS/UFV, Fundação Arthur Bernardes - FUNARBE e Universidade Federal de Viçosa - UFV. Financiamento: Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola - FIDA Coordenador projeto AKSAAM: Marcelo José Braga Coordenadores curso: Ricardo Henrique Silva Santos e Alex Carlos Silva Pi- mentel Autor: Rafael da Silva Teixeira Layout: Adriana Helena de Almeida Freitas Diagramação: Bárbara Elen Sampaio Revisão linguística: Cinthia Maritz dos Santos Ferraz Machado Organização: Financiamento: Organização: Financiamento: Sistemas Agroflorestais em Regiões Semiáridas CURSO DE EXTENSÃO 3 Resumo 1. Introdução Aula V SAFs e a redução das emissões de carbono e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas: Mecanismos de redução das emissões de carbono nos SAFs O atual cenário de aumento das concentrações dos gases de efeito estufa (GEE) principalmente de CO2, CH4 e N2O na atmosfera, e seus consequentes efeitos no aquecimento global e nas mudanças climáticas, tem despertado a atenção para a elaboração de práticas de manejos e sistemas de produção que não apenas apresentem menores emissões de GEE, mas que também proporcionem o “sequestro de C no solo”. Entre as possibilidades estão os Sistemas Agroflorestais – SAFs, os quais apresentam um sistema de produção diversificado, com aportes distintos de materiais orgânicos, incluindo espécies vegetais com diferentes profundidades de exploração do sistema radicular e consequente menor mobilização do solo, assim se configurando uma importante estratégia de produção com expressivo potencial de mitigar e sequestrar C no solo. O último relatório intergovernamental das mudanças climáticas (IPCC, 2021) concluiu que a influência do homem nas mudanças climáticas é inequívoca, o que representa dizer que não resta dúvidas sobre a contribuição da atividade humana para os aumentos das concentrações de gases do efeito estufa (GEE) e suas consequências negativas para o clima do planeta. Em alguns cenários traçados pelo IPCC (2021), o aumento de temperatura na superfície da terra poderá chegar até 4oC se medidas protetivas e preventivas não forem tomadas a nível global. Nos piores cenários, mudanças drásticas no clima como alteração no regime de chuvas (com eventos excessivos em algumas regiões e de secas em outros), alteração da intensidade dos ventos e aumento do nível de mares e oceanos pelo derretimento de áreas polares e geleiras das montanhas impactarão grandemente na vida humana, animal e vegetal. Por isso, segundo o IPCC (2021), o melhor cenário para as condições futuras seria reduzir de 5 a 6 % as emissões ao ano de GEE a nível global, o que se constitui em um grande desafio. 4 Atualmente, o uso do solo representa 23 % das emissões globais de CO2 derivados das atividades humanas (IPCC, 2021), sendo a produção agropecuária correspondente à metade do CH4 e a dois terços do N2O emitido pelas atividades humanas (IPCC, 2021). Desta forma, a agricultura assume papel relevante para a mitigação das mudanças climáticas, dada a sua capacidade, por meio do uso do solo, de reduzir as emissões de GEE e de sequestrar carbono (C), quando o mesmo é manejado adequadamente. Neste contexto, manejos e sistemas de produção que priorizam a reduzida ou nenhuma mobilização (revolvimento) do solo, o aporte de resíduos orgânicos, e utilizam mais eficientemente as fontes de N têm ganhado destaque quanto à sua grande capacidade de agir como mitigadores das mudanças climáticas. Dentre estes, destacam- se os Sistemas Agroflorestais – SAFs, uma vez que constitui: i) Sistemas diversificados (presença de espécies arbóreas, arbustivas e gramíneas com capacidades de fixarem quantidades expressivas de C em sua biomassa); ii) elevado aporte de resíduos orgânicos de diferentes qualidades na superfície do solo (principalmente advindos de plantas leguminosas e não-leguminosas); iii) presença de espécies possuindo diferentes profundidades de exploração radicular, que garantem grande aporte de C em subsuperfície e iv) ausência ou reduzida mobilização do solo (reduzidas perdas de CO2). Assim, para compreendermos o potencial dos SAFs de mitigar as mudanças climáticas dada a sua capacidade de não só reduzir as emissões de GEE, mas também de sequestrar o C (biomassa vegetal e solo), é necessário conhecermos quais os mecanismos envolvidos nos processos de formação da matéria orgânica do solo e os fatores que propiciam as emissões dos GEE nesses sistemas. O C na natureza está presente em formas inorgânicas e orgânicas, transitando em diferentes compartimentos do planeta (atmosfera, oceanos, solo e biosfera). A transferência desse C é o que denominamos de “Ciclagem do C”, o qual é composto de um ciclo longo e um ciclo curto. O ciclo longo do C envolve o C presente em reservatórios geológicos, processo de intemperismo e sedimentação de carbonatos em ambientes marinhos, demorando muito tempo para ser ciclado. No entanto, iremos focar no ciclo curto do C, o qual envolve a transferência do C da atmosfera 2. Ciclagem do C nos SAFs 5 para compartimentos terrestres de plantas, biota do solo e matéria orgânica do solo (MOS). Ao considerarmos um SAFs, poderemos compreender a atuação do mesmo em três pontos quanto à mitigação das emissões dos GEE e consequentes mudanças climáticas: i) Sequestro de C no ecossistema; ii) Sequestro de C no solo (na MOS) e iii) Redução das emissões dos GEE. 2.1 Sequestro de C no ecossistema Inicialmente, o C-CO2 da atmosfera é fixado no processo de fotossíntese (conversão do C-CO2 para C orgânico) e alocado nos diferentes tecidos vegetais, constituindo o que denominamos de produção primária bruta (PPB) (Figura 1). Uma fração do C é retornada para a atmosfera por meio da respiração das plantas, sendo o que permanece na biomassa das plantas denominado de produção primária líquida (PPL). Alguns microrganismos autotróficos de vida livre (ex: algas) também contribuem par a PPL. Por sua vez, a produção secundária líquida (PSL) é o consumo da PPL pela fauna e microrganismos. Assim, o estoque permanente de C em um ecossistema é denominado de produção líquida do ecossistema (PLE) e é definido por: PPB – respiração de organismos autotróficos – respiração de organismos heterotróficos (decompositores). Figura 1 - Representação esquemática de um Sistema Agroflorestal (SAF) com os componentes da produção do ecossistema e alocação de C CO2 CO2 CO2 CO2 CO2 CO2 FOTOSSÍNTESE 6CO2 + 6H2O + ENERGIA C6H12O6 + 602Produção primária bruta (PPB): C fotossintetizado Produção primária líquida (PPL): PPB - Respiração de organismos autotróficos Produção secundária líquida (PSL): PPL - Consumo pela fauna e microbiota do solo Produção líquida do ecossistema (PLE): PPB - Respiração de organismos autotróficos - Consumo pela fauna e microbiota do sol 6 Desta forma, os SAFs, por possuírem vários extratos vegetais (arbóreos, herbáceos e/ou gramíneos) e um tempo de permanência maior quando comparado a sistemas de manejo menos diversificados, participam grandemente do sequestro de C pela otimização na produção de biomassa vegetal no sistema, expressando uma maior PLE. 2.2 Sequestro de C no solo Quando nos referimos ao sequestro de C no solo em um SAF, temos que compreender os processos como uma balança, na qual o sequestro de C será alcançado (saldo positivo) quando asentradas de C no solo e sua permanência são maiores que as saídas de C (Figura 2). Figura 2 - Esquema representativo do sequestro de C no solo similar a uma “balança”, em que o sequestro de C no SAF ocorre quando as entradas de C são superiores as saídas de C do solo Nos SAFs, a fonte primária de entrada de C ao solo é via aporte de compostos orgânicos derivados de vegetais (Figura 3). A alta diversificação de espécies vegetais (principalmente leguminosas e não leguminosas, arbóreas, herbáceas e gramíneas) favorece o aporte de materiais vegetais em quantidade e qualidade distintas na superfície do solo. Devido à senescência natural de folhas, galhos e estruturas reprodutivas, associada às podas programadas no sistema, o material aportado é constante e diverso. Saída de C Entrada de C Entrada de C no solo 7 Assim, os diferentes resíduos vegetais aportados na superfície do solo, possuindo distintas relações C/N, C/P e C/S (BOX 1), teores de compostos solúveis em água, celulose, hemicelulose, pectina, lignina e compostos aromáticos irão apresentar padrões de decomposições variados (Berg, 2014), contribuindo, desse modo, de forma diferenciada para a formação da MOS (COTRUFO et al., 2013). Nesse contexto, resíduos vegetais com C/N < 20, C/P < 200 e C/S < 200 apresentam uma rápida decomposição no solo, enquanto C/N > 30, C/P > 300 e C/S > 200 decompõem mais lentamente. Figura 3 - Representação esquemática de um Sistema Agroflorestal (SAF) com os aportes de C no sistema Além do aporte da superfície do solo, grande contribuição de C via compostos orgânicos diversos ocorre mediante atividade dos sistemas radiculares no volume de solo imediatamente sobre a influência das raízes (Rizosfera; BOX 2). Os SAFs, por constituírem espécies arbóreas e herbáceas (com sistema radicular com raiz pivotante e mais profundas) e espécies gramíneas (com sistema radicular fasciculado), possibilitam que haja uma intensa exploração radicular em diferentes camadas na subsuperfície do solo. Por sua vez, a intensa atividade das raízes finas (raízes com Ø < 2,0 mm), importantes na absorção de água e nutrientes, possui também grande contribuição na liberação de compostos orgânicos com distintas finalidades no solo. CO2 CO2 CO2 CO2 CO2 CO2 FOTOSSÍNTESE 6CO2 + 6H2O + ENERGIA C6H12O6 + 602 Aporte de resíduos de parte aérea FOTOSSÍNTESE 6CO2 + 6H2O + ENERGIA C6H12O6 + 602 Rizodeposições (Exsudados, secreções, mucilagens e lisados) 8 Os compostos orgânicos liberados pelas plantas compõem parte das chamadas “rizodeposições”, as quais são constituídas principalmente por exsudados, secreções, mucilagens e lisados (BOX 2). Este aporte de C na rizosfera promove uma intensa abundância e diversidade de microrganismos nessa região, chegando a possuir quase 30 vezes mais microrganismos no solo rizosférico em relação ao não rizosférico (KUZYAKOV, 2002). BOX 1. Você sabe qual a influência da relação C/N, C/P e C/S dos resíduos aportados ao solo para a disponibilidade de N, P e S no solo? R. A “Estequiometria” dos nutrientes nos resíduos (proporção de C/nutrientes) irá direcionar os processos de “mineralização” e “imobilização” desencadeados pelos microrganismos do solo. Nesse sentido, os resíduos vegetais com relação C/N < 20, C/P < 200 e C/S < 200 (Resíduo de alta qualidade) irão favorecer o processo de mineralização por atender à demanda microbiana de C/N: 10/1 e apresentar um excedente, assim aumentando a disponibilidade dos mesmos no solo (Figura 4). No entanto, C/N > 30, WC/P > 300 e C/S > 200 (Resíduo de baixa qualidade) irão favorecer o processo de imobilização, uma vez que o fornecimento de N, P e S pelo resíduo não será suficiente para atender à demanda dos microrganismos e que os mesmos terão que absorver os nutrientes inicialmente disponíveis no solo. 9 Figura 4 - Esquema de mineralização e imobilização de N, P e K Aumentada Diminuída Célula microbiana (C/N = 10/11) O2 Respiração CO2 Resíduo de alta qualidade Resíduo de baixa qualidade NH4+, NO3-, PO42-, SO42- Monômeros Enzimas extracelulares Monômeros Enzimas extracelulares Mineralização líquida Imobilização líquida C/N<20 C/P<200 C/S<200 C/N>30 C/P>300 C/S>200 Fonte: Adaptado de Moreira e Siqueira (2002). Formação da matéria orgânica do solo (MOS) Uma vez na superfície do solo ou em subsuperfície, os resíduos vegetais e inúmeros rizodepósitos servirão como substrato para uma diversidade de organismos vivos. O solo, devido à sua heterogeneidade de “microhabitats” (poros de diferentes diâmetros com condições abióticas distintas), possibilita que toda uma cadeia trófica esteja presente, sendo a mesma alimentada pelos diferentes aportes de compostos orgânicos que chegam ao solo e que servem de substratos aos organismos vivos. 10 BOX 2. Você sabe o que Rizosfera? R. Rizosfera refere-se ao volume de solo adjacente às raízes com diferentes propriedades físicas, químicas e biológicas e relação ao solo não explorado pelas raízes (Figura 5) (FAGERIA; STONE, 2006). Nesse volume de solo, inúmeros compostos orgânicos são liberados pelas raízes, como exsudados (substâncias de baixo peso molecular, principalmente açucares e ácidos orgânicos moleculares), secreções (substâncias de elevado peso molecular, principalmente carboidratos, lipídios e proteínas), mucilagens (recobrem as raízes e são compostos principalmente de polissacarídeos e ácidos poligalacturônicos de alto peso molecular) e lisados (liberados das células após a autólise, composta de descartes celulares). Figura 5 - Esquema de uma Rizosfera Fungo Micorrizo Arbuscular Rizosfera Nódulo de bactéria Mucilagem Ponta da raiz Células da borda da raiz Pelo radicular Fonte: Adaptado de Philippot et al. (2013). 11 Esses indivíduos da fauna do solo atuam principalmente realizando um processamento inicial dos resíduos, o qual promove, principalmente, a fragmentação física e a redistribuição do C presentes no solo, de maneira vertical e horizontal. Posteriormente, a decomposição química/molecular será processada pelos microrganismos do solo (comunidades de fungos, bactérias e actinobactérias) (Figura 6). Assim, uma fração do C presente nos compostos orgânicos no solo segue diferentes trajetórias ao ser metabolizada por vias anabólicas, de construção de biomoléculas ou por vias catabólicas, transformando o componente em produtos finais de CO2 e/ou compostos orgânicos alterados, os quais serão excretados pelos organismos. Adicionalmente, uma fração dos resíduos orgânicos permanece inalterada ou parcialmente decomposta no solo. Figura 6 - Representação esquemática da diversidade biológica do solo CentopéiaColêmboloÁcaroAmebaFungoBactéria Matéria Orgânica Nematoide Ameba Nematoide Bactéria Ácaro 400 µm 15 µm 100 µm 2 µm 5 mm 500 µm 0.2 µm 2-3 µm 30 µm Fonte: Adaptado de Erktan et al. (2020). 12 Estudos recentes têm demonstrado que sistemas agrícolas que apresentam um aporte diversificado de resíduos vegetais (principalmente, com diferentes relações C/N e teores de lignina) possuem uma maior eficiência de formação da MOS (COTRUFO et al., 2015). Assim, a MOS (BOX 3) apresenta duas vias de formação: i) via resíduos microbianos, nos quais resíduos de alta qualidade são rapidamente decompostos e o C presente nos mesmos é incorporado na biomassa de microrganismos; após a sua morte, o C presente nesses “resíduos microbianos” é incorporado na MOS (principalmente, na MOS associada aos minerais do solo) e ii) via de transferência física, no qual resíduos de lenta decomposição (baixa qualidade) tendem a permanecer no sistema por mais tempo e gradualmente; ao serem fragmentados, são incorporados à MOS como parte da matéria orgânica particulada no solo (COTRUFO et al., 2015). Desta forma, os SAFs apresentam grande aporte de resíduos diversificados quanto à qualidade, assim desempenhando grande eficiência de formação da MOS comparativamente aos sistemasmenos diversificados. Figura 7 - Representação esquemática de um Sistema Agroflorestal (SAF) com os aportes de C no sistema, decomposição dos resíduos vegetais, rizodeposições e matéria orgânica do solo (MOS) CO2 CO2 CO2 CO2 CO2 CO2 Aporte de resíduos de parte aérea Rizodeposições (Exsudados, secreções, mucilagens e lisados) N20 CH4 CO2 CO2 CO2 N20 CH4 CO2 CO2 CH4 CO2 N20 Decomposição da MOS Microrganismos do solo (Fungos, bactéria, actinobactérias)P S Ca Mg N Ciclagem de nutrientes Emissão de GEE para a atmosfera 13 Os diferentes compostos orgânicos presentes na MOS (particulados e moleculares) não estão totalmente dissolvidos ou dispersos na solução do solo. Na realidade, a maior parte deles está associada aos minerais do solo ou oclusa (dentro) dos agregados de diferentes diâmetros do solo. Assim, a MOS se acumula (e, consequentemente, o C é estocado no solo) devido à atuação dos diferentes “mecanismos de proteção”, como a decomposição microbiana (acesso pelos microrganismos). Dentre eles, existe a: i) proteção bioquímica, referente à própria dificuldade dos microrganismos degradarem os compostos orgânicos de difícil decomposição (baixa relação C/N e altos teores de lignina) eu se acumulam no solo; ii) proteção química, devido à interação química dos diferentes compostos orgânicos moleculares com superfície dos minerais na fração argila do solo (Figura 8) e iii) proteção física, quando os compostos orgânicos (principalmente os particulados) se apresentam no interior dos agregados do solo, restringindo fisicamente o acesso dos microrganismos. Figura 8 - Representação da proteção química da matéria orgânica do solo, no qual compostos orgânicos interagem quimicamente com os minerais na fração argila Fonte: Adaptado de Leinweber e Schulten (1999). 14 O entendimento desses mecanismos de proteção é extremamente importante quando desejamos estocar o C no solo. Em solos arenosos, onde os teores de argila no são menores, naturalmente apresentam baixa capacidade de estocar C por possuírem limitada capacidade de proteger quimicamente a MOS. Consequentemente, também possuem limitada capacidade de proteger fisicamente a MOS, pois os teores de argilas são essenciais para a formação de agregados juntamente com a própria MOS. BOX 3. O que é matéria orgânica do solo? R. A matéria orgânica do solo (MOS) consiste em um continuum de compostos orgânicos em diferentes estágios das reações de decomposição, desde uma matéria orgânica particulada até os compostos moleculares. As moléculas mais simples podem formar conjuntos aleatórios, que chamamos de “estruturas supramoleculares” (LEHMANN; KLEBER, 2015). Figura 9 - Esquema representativo dos componentes da matéria orgânica do solo 15 Saídas de C do solo Uma vez presente no solo na forma de MOS, o C poderá ser perdido e retornar novamente à atmosfera pelos diferentes estímulos à decomposição (Figura 9). O principal fator que favorece a perda de C do solo deve-se às práticas de manejo que promovem a mobilização do solo e a consequente quebra dos agregados (remoção da proteção física da MOS). Este fato possibilita a exposição da MOS incialmente protegida no interior dos agregados a condições que favorecem a decomposição microbiana. Assim, devido aos SAFs não incluírem práticas de manejo do solo que promovam a mobilização do mesmo, eles atuam reduzindo grandemente as perdas de MOS. Ocasionalmente, devido às raízes, microrganismos e animais do solo consumirem O2, somados às restrições físicas no solo para a difusão do O2, é comum encontrar concentrações de O2 no solo variando de completamente aeróbio (oxic), com baixos níveis (hypoxic), a completamente anaeróbio (anoxic) em distâncias de < 1 mm. Nesse sentido, é importante lembrarmos que o solo possui agregados de diferentes tamanhos que pode também apresentar “microsítios” preenchidos por ar ou água, e, portando, com diferentes concentrações de O2; este fato explica encontrarmos, muitas vezes, bactérias produzindo N2O e CH4 de forma anaeróbia em um solo bem aerado (oxic). No entanto, solos, quando manejados de forma inadequada, podem proporcionar a degradação do mesmo com variados níveis de compactação. Neste caso, a restrição de oxigenação, somada à baixa permeabilidade da água no perfil do solo, intensifica a produção de N2O e CH4 quando há disponibilidade do acesso microbiano à MOS. Nos SAFs, no entanto, esse processo é drasticamente reduzido devido ao manejo favorecer uma maior estruturação e aeração ao solo dada a não mobilização, que é associada ao elevado aporte de resíduos orgânicos diversos que favorecem a formação da MOS. Adicionalmente, a inclusão de espécies leguminosas nos SAFs com o manejo dos resíduos e de podas programadas garante um uso mais eficiente do N no sistema. Cumpre lembrar que os processos de nitrificação e desnitrificação são os principais responsáveis pelas emissões de N2O na agricultura, os quais são altamente dependentes da disponibilidade de nitrogênio (N), oxigênio (O2), umidade, temperatura do solo e do ar. A nitrificação ocorre em condições aeróbias e a desnitrificação em condições anaeróbias ( JANTALIA et al., 2006). Nesse âmbito, fontes minerais de fertilizantes nitrogenados utilizados na agricultura contribuem fortemente 16 para as emissões de N2O para a atmosfera, sendo suas contribuições variáveis de acordo com as fontes, doses, épocas e forma de aplicação ao solo. No entanto, ao utilizarmos o manejo de resíduos de plantas leguminosas, conseguimos reduzir a utilização de fertilizantes nitrogenados minerais de forma que a disponibilização do N pelos resíduos irá ocorrer de forma mais gradual, assim promovendo uma potencial redução das emissões de N2O. No entanto, alguns estudos demonstram que solos manejados com culturas de leguminosas podem apresentar maiores emissões de N2O comparativamente aos solos manejados com culturas de não-leguminosas devido à maior disponibilidade de N no sistema quando há disponibilidade ótima de umidade e temperatura (GOMES et al., 2009). Entretanto, os mesmos autores sinalizam a necessidade de sincronização da decomposição dos resíduos de leguminosas (com consequente mineralização do N) com a demanda da planta ao longo do seu crescimento, o que se constitui estratégia primordial nos SAFs como nos sistemas de árvores com culturas anuais (Figura 10). Figura 10 - Representação esquemática de um SAF composto por árvores leguminosas (Leucena) em faixas e culturas anuais Fonte: Adaptado de Franco et al. (2015). 17 Adicionalmente, os SAFs, comparados a outros sistemas de manejos, privilegiam a deposição de resíduos sobre a superfície do solo, enquanto outros sistemas que utilizam plantas de cobertura tendem a incorporar os materiais ou também a deixa-los sobre a superfície do mesmo. No entanto, ao incorporar os resíduos de leguminosas há um expressivo aumento na decomposição e nas emissões de N2O para a atmosfera (ZSCHORNACK et al., 2011), fato pouco observado ou, pelo menos, observado em menor intensidade nos SAFs. Considerações finais Por que os Sistemas Agroflorestais (SAFs) possuem um grande potencial de redução das emissões de GEE e, consequente, ação mitigadora das mudanças climáticas? i) Promovem o sequestro (estocagem) de C na biomassa vegetal altamente otimizada no sistema; ii) Promovem o sequestro (estocagem) de C no solo devido ao alto aporte de C advindo de resíduos vegetais, associado a uma diversificação de resíduos (baixa e alta qualidade) que garante uma elevada atividade biológica, além de mais eficiente formação de matéria orgânica do solo em superfície e subsuperfície; iii) Reduzem as emissões dos GEE (CO2, CH4 e N2O) devido à baixa mobilização do solo e utilização de fontes nitrogenadas minerais. 18 Referências BERG, B. Decomposition patterns for foliar litter - A theory for influencing factors. Soil Biol. Biochem, v. 78, p. 222–232, 2014. COTRUFO, M. F. et al. The MicrobialEfficiency-Matrix Stabilization (MEMS) framework integrates plant litter decomposition with soil organic matter stabilization: Do labile plant inputs form stable soil organic matter? Global Change Biology, v. 19, n. 4, p. 988-95, 2013. COTRUFO, M. F. et al. Formation of soil organic matter via biochemical and physical pathways of litter mass loss. Nature Geoscience, v. 8, p. 776– 779, 2015. ERKTAN, A.; OR, D.; SCHEU, S. The physical structure of soil: Determinant and consequence of trophic interactions. Soil Biology and Biochemistry, 148, e107876, 2020. FAGERIA, N. K.; STONE, L. F. Physical, chemical, and biological changes in the rhizosphere and nutrient availability. Journal of Plant Nutrition, New York, v. 29, n. 7, p. 1327-135, 2006. FRANCO, F. S.; TONELLO, K.C.; SILVA, F. N. Bate papo com os produtores: Sistemas Agroflorestais. Sorocaba: edição do autor, 2015. 27p. GOMES, J. et al. 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