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POLÍTICA DE SEGURIDADE SOCIAL – SAÚDE AULA 1 Prof. Rafael Muzi CONVERSA INICIAL O texto desta aula analisa o histórico das políticas de saúde no Brasil a partir das intervenções mais efetivas do Estado na área, iniciadas na década de 1930, destacando as características de atenção à saúde no país em diferentes contextos históricos até o início do século XXI. Por fim, faremos o resgate da vinculação sócio-histórica do Serviço Social com a área da saúde, apontando as principais características da intervenção profissional em cada período. TEMA 1 – ATENÇÃO À POLÍTICA DE SAÚDE NO PERÍODO DE 1930 A 1964 No Brasil, a saúde emerge como “questão social” no início do século XX, no âmbito da economia exportadora de café. A intervenção do Estado no campo da saúde se dará mais efetivamente a partir da década de 1930. Nesse período, as mudanças na sociedade brasileira são assinaladas pela industrialização e pelas reformas de Estado realizadas no governo de Getúlio Vargas. Surgem políticas sociais como resposta às reivindicações dos trabalhadores. A criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) na década de 1930 estabeleceu a medicina previdenciária como modelo de assistência à saúde. Esses órgãos garantiam atendimento a uma parcela considerável dos trabalhadores urbanos, sem nenhum gasto para a administração federal, já que eram financiados pela contribuição das empresas e dos próprios funcionários. Sob a tutela do Estado, houve a extensão da cobertura para um número maior de categorias de assalariados urbanos, antecipando reivindicações dessa população. Ao operário que não tinha Carteira de Trabalho assinada e que não contribuía para a caixa de sua categoria restava o atendimento da caridade. Era qualificado pela administração dos hospitais filantrópicos como indigente (Bertolli Filho, 2000). No período de 1930 a 1940, as alternativas adotadas para a saúde pública foram ainda enfatizadas nas campanhas sanitárias, como nas décadas iniciais do século. A partir da década de 1950 houve um aumento significativo da entrada de capital estrangeiro na economia nacional, beneficiando a proposta desenvolvimentista. Na segunda metade dessa década, com o desenvolvimento industrial e o assalariamento de parcelas crescentes da população urbana, 3 ocorre maior pressão pela assistência médica por meio dos institutos e potencializa-se o crescimento de um complexo médico hospitalar para atendimento aos previdenciários. A política de saúde brasileira desse período era organizada em dois subsetores: o de saúde pública e o de medicina previdenciária. O subsetor saúde pública, predominante até meados de 1960, centralizou-se na criação de condições sanitárias mínimas para as populações urbanas e rurais, ainda que restritas. O subsetor medicina previdenciária só viria a ultrapassar o de saúde pública a partir de 1966 (Bravo, 2009). TEMA 2 – POLÍTICA DE SAÚDE NO REGIME MILITAR Durante o regime militar, as ações governamentais foram dominadas por tecnocratas, civis e militares. Eles tiveram parcela de responsabilidade pelo “milagre econômico” que marcou o país entre 1968 e 1974, o que criou uma falsa ilusão de desenvolvimento nacional, visto que na realidade o poder de compra do salário mínimo foi reduzido, tornando ainda mais difícil a vida dos trabalhadores. O tratamento da “questão social” no período 1964-1974 pelo Estado baseou sua intervenção no binômio repressão-assistência, com a ampliação da política assistencial burocratizada e modernizada pelo aparato estatal. Visava- se, com isso, o aumento da regulação sobre a sociedade e a legitimação do regime, e de igual modo servir de mecanismo de acumulação do capital (Bravo, 2009). Em 1966 se dá a unificação da Previdência, com a junção dos IAPs, atendendo ao papel interventivo do Estado na sociedade, bem como a exclusão dos trabalhadores da gestão da previdência, restando-lhes apenas o papel de financiadores. Com o aumento do número de contribuintes e beneficiários, era impossível ao sistema médico previdenciário existente atender à demanda da população. O governo militar tinha então que decidir onde empregar os recursos públicos para atender à necessidade de ampliação do sistema, tendo ao final optado por direcioná-los à iniciativa privada. Desenvolve-se o “complexo médico- industrial”, modelo que privilegiava o produtor privado com ênfase na prática médica curativa, individual, assistencialista e especializada, por meio da 4 articulação do Estado com os interesses do capital internacional, via indústrias farmacêuticas e de equipamento hospitalar. No período de 1974 a 1979, a política social objetivou maior efetividade no enfrentamento da “questão social”, a fim de canalizar reivindicações e pressões populares. No setor da saúde foi criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), no ano de 1978, em mais uma tentativa de superar deficiências no setor que acabou levando à criação de uma estrutura própria administrativa. As reformas realizadas não conseguiram reverter a ênfase da política de saúde, caracterizada pela predominância da participação da Previdência Social, por intermédio de ações curativas, comandadas pelo setor privado. A política nacional de saúde enfrentou permanente tensão durante a ampliação dos serviços, a disponibilidade de recursos financeiros, os interesses das conexões burocráticas entre Estado e setor empresarial e a emergência do movimento sanitário. TEMA 3 – ANOS 1980 E O PROJETO DE REFORMA SANITÁRIA No final dos anos 1970 desenvolveu-se o chamado Movimento Sanitarista, a partir de instituições ligadas à formação de profissionais da saúde, que se propôs a discutir soluções para os dilemas da política de saúde no Brasil. Durante a década de 1980, a sociedade brasileira vivenciou um período de grande mobilização política. A área da saúde passou a contar com a participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população ampliando o debate que permeou a sociedade civil. As principais propostas debatidas pelo Movimento Sanitário foram a universalização do acesso, a concepção de saúde como direito social e dever do Estado e a reestruturação do setor por meio da estratégia do Sistema Unificado de Saúde. Fato marcante para a discussão da questão da saúde no Brasil ocorreu na preparação e na realização da 8.ª Conferência Nacional de Saúde, no ano de 1986. A questão da Saúde ultrapassou a esfera setorial, estendendo-se à sociedade como um todo, propondo-se não somente o Sistema Único, mas a Reforma Sanitária. Esses fatos ocorreram concomitantemente com a eleição da Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, e a promulgação da nova Constituição, em 1988. 5 O texto constitucional absorveu proposições defendidas pelo Movimento Sanitário, ainda que não tenha atendido todas as demandas que se confrontavam com interesses empresariais ou de setores do próprio governo (Bravo; Matos, 2009). TEMA 4 – ANOS 1990 E INÍCIO DO SÉCULO XXI: PROJETO PRIVATISTA DE SAÚDE Mesmo com um cenário promissor para a política de saúde, a partir da instituição do Sistema Único de Saúde (SUS) e de sua regulamentação legal, o início dos anos 1990 é marcado pela retração da proposta da Reforma Sanitária e o redirecionamento do papel do Estado, influenciado pelo ajuste neoliberal que dominou as ações governamentais na década. Nessa perspectiva, o Estado deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento socioeconômico para se tornar promotor e regulador, transferindo ao setor privado atividades que anteriormente eram suas, garantindo apenas o mínimo aos que não podem pagar pelos serviços. Nos governos do início do século XXI, observou-se aspectos de continuidade das políticas dos anos 1990, com consequências que permanecem até o presente momento. Nessequadro, convivemos com dois projetos em tensão: o projeto de reforma sanitária, inscrito na Constituição brasileira de 1988, e o projeto de saúde privatista, hegemônico na segunda metade da década de 1990 (Bravo, 2009). TEMA 5 – SERVIÇO SOCIAL E A POLÍTICA DE SAÚDE A inserção do Serviço Social na esfera da política de saúde no Brasil se dá na década de 1940. A prática inicialmente era voltada para a triagem socioeconômica dos usuários, tendo como locais de trabalho os hospitais e ambulatórios (Sposati, 2013). Nas décadas de 1950 e 1960, o Serviço Social na saúde recebe as influências da modernização conservadora e consolida sua prática na assistência médica previdenciária, intermediando a demanda e o caráter seletivo dos benefícios. No final dos anos 1960, inicia-se um debate na profissão questionando o seu conservadorismo. Esse processo de crítica foi interrompido pelo golpe militar de 1964. 6 Na saúde, a prática de cunho psicologizante do Serviço Social não se alterou até meados da década de 1980, apesar das propostas de outras direções para a profissão, do aprofundamento teórico dos docentes e do movimento mais geral da sociedade. Na década de 1980, há grande mobilização política no país e um movimento expressivo na saúde coletiva, que também ocorre no Serviço Social, de ampliação do debate teórico, e a incorporação de algumas temáticas como o Estado e as políticas sociais fundamentadas na base marxista. O Movimento Sanitário não teve inicialmente repercussões no grupo de assistente sociais vinculados à área e as mudanças mais significativas na profissão só se efetivaram na década posterior. No movimento da política neoliberal do início dos anos 1990 se consolida o projeto profissional do Serviço Social, com avanços significativos obtidos nesse período. O projeto hegemônico da categoria se baseia no aparato político- jurídico construído ao longo da década, expresso na Lei de Regulamentação profissional (1993) e nas novas Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social (1996). NA PRÁTICA No âmbito da saúde identificou-se, desde os anos 1990, dois projetos políticos em disputa: o projeto privatista e o projeto da reforma sanitária. Na prática, para o Serviço Social desde então se apresentam diferentes requisições para a profissão. De um lado, o projeto privatista requisita, entre outras demandas, seleção socioeconômica dos usuários e atuação psicossocial, desvinculando a atuação profissional das ações de mobilização dos trabalhadores na busca por melhores condições de vida. Por outro, o projeto da reforma sanitária apresenta como demandas a busca de democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde; acesso às informações e estímulo à participação social. Há, então, um confronto entre o projeto neoliberal e projeto profissional hegemônico no Serviço Social. Cabe ao profissional contribuir para a retomada da proposta original da Reforma Sanitária. 7 FINALIZANDO Ao término da análise, apreendemos elementos para ter um panorama geral da política de saúde no Brasil e seus movimentos sócio-históricos, e também do Serviço Social e sua vinculação ao campo da saúde. Reforça-se que esse entendimento é fundamental para as aproximações com os aspectos que moldam a atual configuração da política nacional da saúde, fazendo-se necessário para a leitura de totalidade do complexo campo da saúde. 8 REFERÊNCIAS BERTOLLI FILHO, C. História da Saúde Pública no Brasil. Ática, Rio de Janeiro, 2000. BRAVO, M. I. S. Política de Saúde no Brasil. In: MOTA, A. E. (Org.). Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009. BRAVO, M. I. S.; MATOS, M. C. Projeto Ético-Político do Serviço Social e sua relação com a Reforma Sanitária: elementos para o debate. In: MOTA, A. E. (Org.). Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009. SPOSATI, A. Proteção social e seguridade social no Brasil: pautas para o trabalho do assistente social. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 116, p. 652-674, dez. 2013.
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