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FISIOLOGIA DO CICLO SONO-VIGÍLIA O sono é um estado comportamental complexo e um dos grandes mistérios da neurociência moderna. A identificação do sono com movimentos oculares rápidos (REM), em 1953, por Aserinsky e Kleitman, inaugurou o entendimento do sono. A descoberta, em 1998, dos peptídeos hipotalâmicos hipocretinas e seus papeis no ciclo vigília- sono e na fisiopatologia da narcolepsia (sono súbito e incontrolável, aparentemente sem motivo, que ocorre várias vezes ao dia e corresponde a uma entrada direta no sono paradoxal sem passar pelo sono lento) - cataplexia (perda repentina do tono muscular provocada por emoção forte, às vezes associada a um irresistível desejo de dormir) redimensionou o hipotálamo no controle do ciclo sono-vigília, anteriormente atribuído apenas a estruturas localizadas no tronco cerebral e tálamo.3-6 Atualmente, atribui-se aos sistemas hipotalâmicos e suas respectivas interações funcionais com o sistema de 2 controle temporizador circadiano o controle deste ciclo.6-7 Descrevemos a seguir avanços recentes da neurobiologia do sono. O sono é necessário para o nosso bem estar e para o funcionamento básico do nosso organismo. Ele é essencial para a qualidade de vida de todos os seres humanos. Um terço de nossas vidas é utilizado para dormirmos e um quarto dessa parte para sonharmos. Nas crianças e nos adolescentes o sono é altamente importante, pois é durante o sono que ocorre a liberação do hormônio do crescimento. O sono é um estado de consciência onde há aumento do limiar de excitabilidade cortical com perda reversível das interações com o meio ambiente, e obedece a um ritmo circadiano (cerca de um dia) de aproximadamente 24 horas. Durante este período, experimentamos dois tipos de comportamento: vigília (alerta) e sono; sendo aproximadamente cerca de 16 horas em vigília e 8 horas de sono no adulto. O sono e a vigília se modificam de acordo com a idade (Figura a seguir sobre a arquitetura do sono). Nos 3 recém-nascidos ocorrem curtos períodos de sono várias vezes ao dia, num total de 18 horas de sono por dia. A partir dos três meses de vida os bebês passam a concentrar o sono no período da noite. A partir de seis meses, a duração do sono cai para 14 horas. A partir de dois anos, cai para 12 horas (duas horas de cochilo durante o dia e 10 horas à noite). A partir dos 6 anos a maioria das crianças já não dormem de dia e a duração do sono reduz para 10 horas aos 10 anos de idade. Na adolescência, a duração do sono varia de 7 a 8 horas por noite. No idoso, a duração do sono é em torno de 6,5 horas por noite. O processo de envelhecimento – normal ou usual – ocasiona modificações na quantidade e qualidade do sono, as quais afetam mais da metade dos adultos acima de 65 anos de idade, que vivem em casa e 70% dos institucionalizados, com impacto negativo na sua qualidade de vida. Essas modificações no padrão de sono e repouso alteram o balanço homeostático, com repercussões sobre a 4 função psicológica, sistema imunológico, performance, resposta comportamental, humor e habilidade de adaptação. Os fatores que contribuem para os problemas de sono na velhice podem ser agrupados nas seguintes categorias: 1) dor ou desconforto físico; 2) fatores ambientais; 3) desconfortos emocionais e 4) alterações no padrão do sono. Nessa última categoria, incluem-se as queixas referentes ao tempo dispendido na cama sem dormir, dificuldade para reiniciar o sono, menor duração do sono noturno, maior latência de sono e despertar pela manhã mais cedo do que o desejado. Além dessas queixas, são também prevalentes a sonolência e a fadiga diurna, com aumento de cochilos, o comprometimento cognitivo e do desempenho diurno, e vários outros problemas, que, embora não sejam específicos do envelhecimento, têm um grande impacto sobre os idosos em decorrência de seus efeitos sobre o sono: falta de adaptação às perturbações emocionais, hábitos inadequados de sono, transtornos orgânicos e afetivos, uso de drogas (psicotrópicas ou outras), agitação noturna e quedas. Essa sintomatologia permite afirmar que sono e repouso são funções restauradoras necessárias 5 para a preservação da vida, o que por si só justifica a necessidade dos profissionais de saúde atualizarem seus conhecimentos acerca das alterações fisiológicas que ocorrem no sono com a velhice, assim como sobre os fatores que interferem no sono saudável, tais como doenças clínicas, co-morbidades psiquiátricas e eventos psicossociais. A arquitetura de uma noite de sono é constituída por ciclos com duração média de 90 a 120 minutos, que se repetem de 4 a 5 vezes. Um ciclo típico é constituído dos estágios I (N1), II (N2), III e IV (N3) do sono NREM seguidos por um período de sono REM (5 a 10 minutos). Da vigília passamos obrigatoriamente ao sono de onda lenta; da vigília não se entra direto no sono REM. O sono NREM é caracterizado pela presença de ondas sincronizadas no eletroencefalograma enquanto o sono REM é caracterizado por ondas dessincronizadas e de baixa amplitude. Na primeira metade da noite, o sono é mais profundo, havendo predomínio da fase NREM, enquanto na segunda metade da noite ocorre predomínio das fases mais superficiais (I e II) do sono NREM e de sono REM. A duração do 6 tempo de sono varia conforme a idade, diminuindo progressivamente de 19 -20 horas no recém-nascido para 10 horas até os 10 anos de idade, 8 horas no adolescente, 7,5 horas no adulto e 6 horas a partir dos 60 anos de idade. O inverso ocorre com os despertares noturnos: de 1 despertar na faixa de 5 -10 anos, passa para 2 entre 20 e 30 anos, 4 entre 40 e 50 anos, chegando a 8 entre os 70 e 80 anos. A sincronização-dessincronização das ondas do EEG do sono NREM-REM e vigília é consequência da atividade neural nos circuitos tálamo-corticais (núcleos reticulares do tálamo e córtex cerebral), decorrentes da interação entre os núcleos monoaminérgicos e colinérgicos do tronco encefálico. O sistema monoaminérgico reticular ativador ascendente é constituído pelos núcleos dorsais da rafe (NDR serotoninérgico), locus ceruleus (LC noradrenérgico) do tronco cerebral e núcleo tuberomamilar (NTM histaminérgico) do hipotálamo posterior, que se projetam difusamente para o córtex e núcleos reticulares do tálamo. O circuito tálamo-cortical e projeções aminérgicas-colinérgicas são responsáveis pela dessincronização do 7 eletroencefalograma na vigília. Três sub-divisões hipotalâmicas são importantes no ciclo sono-vigília (figura abaixo): o hipotálamo anterior (núcleos gabaérgicos e núcleos supraquiasmáticos), o hipotálamo posterior (núcleo túbero-mamilar histaminérgico) e o hipotálamo lateral (sistema hipocretinas). O sistema gabaérgico inibitório do núcleo pré-óptico ventro-lateral (VLPO) do hipotálamo anterior é responsável pelo início e manutenção do sono NREM. Os neurônios supraquiasmáticos (NSQs) do hipotálamo anterior são responsáveis pelo ritmo circadiano do ciclo sono-vigília. Os núcleos aminérgicos, histaminérgicos, as hipocretinas e núcleos colinérgicos do prosencéfalo basal apresentam-se ativos durante a vigília, inibindo o núcleo pré-óptico ventro-lateral, promovendo assim a vigília.
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