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I N T R O D U Ç Ã O À E C O N O M I A U N I V E R S I D A D E D E B R A S Í L I A MÓ DU LO 1 Universidade de Brasília – FACE - Departamento de Economia (ECO) Introdução à Economia 1º/2017 Coordenação da disciplina: Flávio Rabelo Versiani e Andrea Felippe Cabello __________________________________________________________ PROGRAMA INTEGRADO 1. OBJETIVOS E MÉTODO O curso apresenta instrumentos de análise e conceitos básicos da Economia, visando capacitar o estudante a melhor compreender os fenômenos econômicos da realidade que o cerca. Cursada por mais de mil e quinhentos alunos a cada semestre, a disciplina é oferecida em um formato inovador, com turmas grandes — tipicamente com mais de cem alunos — provas e programa unificados, e um papel central atribuído à Equipe de Monitoria – IEMonit, formada por estudantes especialmente selecionados e treinados para essa tarefa. O conteúdo do programa será transmitido aos alunos por três vias igualmente importantes: as leituras indicadas abaixo, as aulas expositivas dos professores e as aulas de exercícios, ministradas pelos monitores. Os textos de leitura são selecionados de várias fontes. Não é uma solução ideal: há algumas superposições ou descontinuidades e o material proveniente de autores estrangeiros contém, naturalmente, poucas referências a situações e exemplos brasileiros. Mas essa deficiência é compensada por três mecanismos: aulas expositivas, onde os temas das leituras são apresentados pelos professores numa sequência coerente e com exemplos apropriados; material de leitura complementar referente à economia brasileira, disponibilizado para os alunos via internet; e exercícios, aplicações frequentemente referentes a situações concretas, conceitos e instrumentos apresentados nas leituras e nas aulas. As aulas, as leituras e os exercícios se complementam, portanto um bom rendimento no curso dependerá do conjunto desses três elementos. 2. CONTEÚDO DO CURSO O conteúdo da disciplina está dividido em sete unidades e dois módulos, sendo as unidades 1, 2 e 3 no módulo I, unidades 4, 5, 6 e 7 no módulo II. Cada módulo corresponde ao conteúdo das respectivas provas I e II. Segue abaixo uma relação simplificada dos conteúdos abordados em cada uma das sete unidades do curso. 1ª Unidade - Introdução. A teoria econômica: objeto. Economia “positiva”: a hipótese do comportamento maximizador. Alocação de recursos escassos e eficiência. Custos de Oportunidade, Curvas de Possibilidades de Produção e Linhas de Possibilidade de Consumo. Vantagens absolutas, vantagens comparativas e ganhos comerciais. Teorias do Comércio. Relações econômicas internacionais. Determinação de fluxos de comércio: vantagens comparativas. Modelos alternativos: livre comércio e protecionismo. Economia “normativa” e juízos de valor. Escolha social: decisões de mercado e decisões centralizadas. Lista de Exercícios 1. 2ª Unidade - Sistema de Preços. Teoria elementar da demanda e oferta de bens e serviços: determinantes. Funcionamento do mercado: deslocamentos e políticas de preço máximo e mínimo. Comportamento competitivo: o modelo de concorrência perfeita; determinação de preços em concorrência; o conceito de equilíbrio de mercado. Elasticidade preço e elasticidade- renda. Substituição e complementaridade. Bens normais e inferiores. Estruturas de mercado. Falhas de Mercado: a ideia de externalidades, o conceito de bem público e o governo como agente regulador. Listas de Exercícios 2A e 2B. 3ª Unidade - Contas Nacionais. A mensuração da atividade econômica. Óticas de mensuração: Produto, Renda e Despesa. A despesa global e seus componentes. Formas de medida dos agregados econômicos. Comparações internacionais de nível de renda. Comparações no tempo: o problema do deflacionamento. Índices de preços. Listas de Exercícios 3A e 3B. 4ª Unidade - Noções de Economia Monetária. Funções e história da moeda. O sistema bancário e a criação de moeda. Banco Central e controle da oferta monetária. Sistema financeiro no Brasil. Inflação: causas, consequências. Lista de Exercícios 4. 5ª Unidade - Noções de Macroeconomia. Produto potencial e produto efetivo. Crescimento econômico. A economia no curto prazo: flutuações do produto e renda. Poupança, investimento e o papel do sistema financeiro. A visão “clássica” e a keynesiana. Política anticíclica de curto prazo. Multiplicador keynesiano de despesa. Política fiscal: efeitos, instrumentos. Desemprego keynesiano. Outras causas de desemprego. Listas de Exercícios 5A e 5B. 6ª Unidade - Noções de Economia Internacional. O Balanço de Pagamentos: conceito, principais contas. Noções de macroeconomia aberta. O mercado cambial: regimes de câmbio. Taxas de câmbio real e nominal. Teoria da paridade do poder de compra. Teoria macroeconômica da economia aberta. Listas de Exercícios 6A e 6B. 7ª Unidade - Distribuição de Renda e Tópicos de Economia Brasileira. Distribuição pessoal e funcional da renda. Medidas absolutas de avaliação da pobreza: linha de pobreza e linha de miséria. Medidas relativas: desigualdade distributiva e seus indicadores. Curva de Lorenz, Índice de Gini. Distribuição de renda no Brasil: evolução, fatores que a influenciam. Evolução da economia brasileira; o processo de industrialização; transformações recentes e perspectivas atuais. A experiência inflacionária brasileira e os planos de estabilização. Lista de Exercícios 7. 3. LISTAS DE EXERCÍCIOS Listas de Exercícios, cobrindo cada unidade do programa, estarão disponíveis na página do curso na internet e nas apostilas do curso. Os exercícios são essenciais para um bom aprendizado da disciplina e devem ser resolvidos paralelamente à discussão, em classe, das unidades do programa. Os gabaritos destas listas serão divulgados na semana seguinte à sua resolução pelos monitores, ou na sexta-feira da semana anterior à prova. 4. EQUIPE DE MONITORIA – IEMonit A Equipe de Monitoria é composta por 24 monitores. Cada professor contará com um ou dois monitores referência, que se farão presentes periodicamente para levar recados, aplicar controles e também tirar eventuais dúvidas sobre o conteúdo da disciplina e sobre a equipe. Além do mais, também estarão disponíveis, em horário de atendimento semanal, a ser anunciado para cada turma, na sala da Monitoria, localizada no subsolo do ICC norte (BSS 553- 56) e também podem ser contatados por email, a ser informado em sala. Com base na experiência acumulada ao longo de trinta semestres, os monitores estarão dando continuidade a um projeto que visa maximizar o desempenho acadêmico dos alunos, e tem-se mostrado eficaz nesse propósito. A atual distribuição dos monitores por turmas é: Turma Professor Monitor A Bernardo Mueller Amilcar e Ayeska B Andrea Cabello Jonas C Andrea Cabello Francesco e M. Mariana D Michael Christian Letícia E Geovanna Bertussi Amanda e Júlia Queiroz F Rafael Terra Gabriella G Paula Goldemberg Victor H Ana Carolina Zogbhi Thaíssa I Rafael Terra Júlia Soares J Marcelo Araújo Débora K Maria Eduarda Tannuri Giovanna L Vander Lucas Beatrice e Larissa M Henrique Rogê Maria Clara N Henrique Rogê Pedro O Flávio Tósi Rafael P Andrei Cechin Alceu Além dos monitores de cada turma, a Monitoria possui quatro coordenadores responsáveis pelas tarefas administrativas da disciplina. Eles são: Bruno Rodrigues Vieira – Coordenador Geral Mariana Ribeiro Queiroz de Almeida – Coordenadora de Correções Matheus Costa de Freitas – Coordenador de Exercícios Mauro Cazzaniga – Coordenador de Informática Aulas de Exercícios – Questões das listas de exercícios serão resolvidas nas aulas de monitoria, ministradas três vezes por semana e cobrindo o mesmo conteúdo, podendo o aluno optar pelo horário que melhor lhe convier: Quarta: 12h20 às 13h20 e das 18h às 19h – A definir Quinta: 12h20 às 13h20–A definir Obs.: Durante as aulas de exercícios serão aplicados, eventualmente, controles de leitura extras, que podem valer pontos adicionais. Atendimento via e-mail – Além da página da disciplina, a IEMonit utilizará o serviço de e- mails, por meio do grupo de e-mails de cada turma, para divulgar avisos importantes, tirar dúvidas e manter os alunos informados sobre as últimas atualizações na página da disciplina. É de responsabilidade do aluno o ingresso no grupo de e-mail e este mecanismo será considerado como um dos meios de comunicação oficiais entre monitor e aluno. A inscrição poderá ser efetuada pelo website da monitoria. Informações disponibilizadas pelo grupo de emails são consideradas oficiais, logo, elas poderão não ser repetidas em sala – cuidado. 5. PÁGINA NA INTERNET Nessa página serão disponibilizados: notas das provas; gabaritos das listas de exercícios, dos controles de leitura e das provas; o link para entrar no grupo de e-mail da turma, textos complementares, reportagens e notícias contemporâneas e avisos importantes. Aos alunos que não tiverem acesso à Internet em casa, é possível acessar a página pelos computadores disponibilizados no hall de entrada do ICC Norte, na biblioteca do campus e laboratórios de informática. >> O endereço da página é: http://introducaoaeconomia.wordpress.com/ Para facilitar ainda mais a comunicação com os alunos, o facebook da iemonit foi criado para informações rápidas e mudanças repentinas no calendário. Curta-nos também no facebook: www.facebook.com/iemonit. Fique atento a todos esses meios de comunicação (e-mails, facebook, página na internet) pois eles podem ser utilizados para divulgadas datas ou alterações de datas de controles, provas ou qualquer outros avisos adicionais aos dados em sala. É de sua responsabilidade o acompanhamento desses meios e tais informações podem não ser repetidas em sala de aula por alguma eventualidade. 6. AVALIAÇÃO Serão aplicadas duas provas escritas com a duração de duas horas e cinco controles de leitura (aplicados em sala). A primeira prova ocorrerá dia 29/04 e a segunda prova dia 24/06. As provas ocorrem aos sábados, com início ao meio dia. Em dias de prova, em casos extremos a tolerância máxima para chegada do aluno é de 30 minutos após o início de sua aplicação, portanto, caso o aluno chegue com mais de 30 minutos de atraso este não poderá realizar tal avaliação. Alunos que chegarem com atraso não terão compensação de tempo. Você poderá sair da prova somente quando essa alcançar uma hora de realização ou quando todas as assinaturas na lista de chamada dos alunos fazendo prova no seu anfiteatro forem colhidas, o que vier depois. Esse processo muitas vezes leva mais de uma hora, logo pode ser que você seja liberado somente depois das 13:00 caso esteja em um anfiteatro grande. Por favor, não insista para não perturbar seus colegas fazendo prova ainda – essa medida é para a segurança da identificação da sua prova. Caso você precise faltar uma prova, você deve entrar em contato com antecedência pelo email recurso.inteco@gmail.com – faça isso assim que você souber que você não poderá comparecer. Será exigido algum tipo de comprovação relativo ao motivo da falta, logo esteja preparado a fornecer tais documentos. Qualquer comunicação de falta por outros meios (comunicado verbal a professor, monitor e etc) não será considerada. 7. RECURSO Você tem direito a recursos em relação à correção de controles e provas. A revisão da nota de controles deve ser feita com o monitor responsável pela turma a qual o aluno está matriculado na disciplina. A revisão da nota de provas deve ser feita em até uma semana após a divulgação das notas, através da entrega do formulário de recurso disponibilizado no site da monitoria. Após análise, o aluno será informado sobre o resultado de sua solicitação. Dada a restrição de tempo do final de semestre, a revisão da nota da segunda prova só é possível por meio do pedido de revisão de menção feito na secretária do departamento de economia no período indicado pelo calendário acadêmico vigente. Quando preencher esse pedido de revisão de menção, se você precisar dele, lembre-se de colocar: a sua nota atual, a nota pretendida, os http://introducaoaeconomia.wordpress.com/ http://www.facebook.com/iemonit mailto:recurso.inteco@gmail.com motivos e justificativas que embasam seu pedido, sua turma (pedidos sem turma não serão analisados) e sua matrícula. Qualquer documento que você acredite que possa reforçar seu pedido (atestado médico, por exemplo) também deve ser anexado. Nenhum pedido de revisão de menção ou documento enviado por email para esse fim será considerado devido ao grande volume de pedidos recebidos – sua documentação/justificativa completa deve estar no seu pedido de revisão de menção, lembre-se disso. Todos os pedidos são lidos com muita atenção pela coordenação do curso, não se preocupe. MUITA ATENÇÃO PARA OS SEGUINTES PONTOS: 1. Os controles são obrigatórios e correspondem a 20% da nota final. Os cinco controles de leitura poderão ser aplicados em qualquer dia, a critério do professor da turma. Serão aplicados três controles de leitura antes de cada prova. Os controles poderão, ou não, ser avisados, ficando a critério do professor. 2. Não haverá substituição para controles perdidos pelos alunos, independente da justificativa apresentada, mas só serão consideradas, para cálculo da média, as quatro melhores notas. 3. Haverá ainda controles de leitura extras, aplicados nas aulas de exercícios, sem aviso prévio. Esses controles são opcionais; suas notas serão somadas às dos controles regulares, para cálculo da média (portanto são úteis para compensar eventual perda de um controle regular). Vale lembrar que só é permitido ao aluno fazer UM controle extra antes de cada prova. Caso faça mais que um, valerá a nota tirada no primeiro deles. 4. Tanto nas provas como nos controles, os alunos devem apresentar documento de identificação com foto. Do contrário, NÃO poderão fazê-los. 5. Os controles estarão disponíveis para consulta na Sala da Monitoria após a divulgação das notas. Ao final do semestre, o aluno pode retirar o controle com o seu monitor na Sala de Monitoria se assim desejar. 6. Todos os controles e provas devem ser feitos a caneta preta ou azul, sem o uso de calculadoras e/ou qualquer material complementar. Controles e provas entregues a lápis não serão corrigidos. 7. Para os alunos que faltarem em uma das provas da disciplina, haverá a possibilidade de realizar a Prova alternativa. A prova alternativa referente ao conteúdo da primeira prova ocorre no dia 08/05 (segunda-feira) e a referente à segunda prova ocorre no dia 28/06 (quarta-feira) em horário a ser divulgado (fique atento aos nossos meios de comunicação oficiais); PORÉM, só realizará a prova alternativa aqueles que apresentarem comprovante que justifique a falta nas provas realizadas aos sábados. Para fazer a prova, você deve mandar um email para recurso.inteco@gmail.com pedindo instruções. Qualquer dúvida, procure seu monitor. A menção final será baseada na média de três notas: as notas das duas provas e a Nota final dos controles. Ou seja, Prova 1: 40% Prova 2: 40% Controles: 20% Nota Final dos Controles = (somatório das quatro maiores notas dos controles em classe + notas dos controles extras) - não podendo a nota final ser maior que 100. mailto:recurso.inteco@gmail.com Para aprovação, a nota final do aluno deve ser maior ou igual a 50,0 (cinquenta) pontos. Arredondamentos para fixação da menção final ficarão a critério do professor e serão levados em consideração: o desempenho geral do aluno, a regularidade de suas notas e sua assiduidade. 8. É de responsabilidade do aluno solicitar participação no grupo de e-mails de sua turmaTodos os avisos enviados por este meio são considerados avisos dados , ficando a cargo do monitor responsável por cada turma outras formas de aviso. 8. Leituras Indica-se abaixo a bibliografia do curso, dividida em leituras obrigatórias e complementares. As primeiras fazem parte do conjunto de conhecimentos que será cobrado nas provas; as segundas poderão ajudar a compreender os temas estudados e sua aplicação à realidade brasileira. Bibliografia das Unidades – Parte das leituras é extraída do livro de Mankiw – tradução da 3º edição americana (MANKIW, N.G. Introdução à Economia. Trad. Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005). Além das listadas abaixo, outras leituras obrigatórias e complementares poderão ser introduzidas, ao longo do semestre; estas serão disponibilizadas na página do curso na internet, caso possível, e na Copiadora do Departamento de Economia. Textos da Ementa MÓDULO I EMENTA - LEITURAS • 1ª UNIDADE (Introdução) Leituras obrigatórias: Texto 1. Versiani, Flávio R. O Curso de Introdução à Economia. Texto 2. Introdução à 1ª Unidade Texto 3. Versiani, F. R., Bruno P. Rezende e Patrícia C. Rodrigues. Alguns Conceitos Básicos. Texto 4. Versiani, F. R., Bruno P. Rezende e Patrícia C. Rodrigues. Escolha, Custo de Oportunidade e Trocas. Texto 5. Carvalho, L. W. R. Teorias do Comércio Internacional. Leituras complementares: Versiani, F.R. Custo de Oportunidade e Preços de Energia no Brasil Mankiw, cap. 3. (“Interdependência e Ganhos Comerciais”, p. 45-57). • 2ª UNIDADE (Sistema de Preços) Leituras obrigatórias: Texto 6. Introdução à 2ª Unidade Texto 7. Carvalho, Lívio W.R. Os Dois Lados do Mercado: Oferta e Demanda Texto 8. Rezende, B. P. e F. R. Versiani. Estruturas de Mercado. Texto 9. Carvalho, Lívio W.R. de, F. R. Versiani, B. P. Rezende e Max Villela. Elasticidade e suas Aplicações. Texto 10. Sampaio de Souza, M. da Conceição e L. W.R. de Carvalho (col. Ítria A. Tonon). Externalidades, Bens Públicos e Recursos Comuns. Leituras complementares: Mankiw, cap. 4 (“As Forças de Mercado da Oferta e da Demanda”, p.63-85). • 3ª UNIDADE (Contas Nacionais) Leituras obrigatórias: Texto 11. Introdução à 3ª Unidade Texto 12. Versiani, F., L.W.R. de Carvalho e B. P. Rezende. Contabilidade Nacional. Texto 13. Rezende. B.P., Michael W.D. Lima e F.R. Versiani. Índices de Preços. Leituras complementares: Macedo, Roberto. O Desastroso IGP da FGV. MÓDULO II • 4ª UNIDADE (Economia Monetária) Leituras obrigatórias: Texto 14. Introdução à 4ª Unidade Texto 15. Versiani, F. R. (col. B. P. Rezende e P. C. Rodrigues). Economia Monetária. Texto 16. Carvalho, L.W.R. et al. Inflação: Teorias, Efeitos e Políticas Anti-inflacionárias Leituras complementares: BACEN. Copom. • 5ª UNIDADE (Noções de Macroeconomia) Leituras obrigatórias: Texto 17. Introdução à 5ª Unidade Texto 18. Carvalho, L.W. R. Poupança, Investimento e Crescimento Texto 19. Versiani, F.R. Visão clássica e visão keynesiana. Texto 20. Ellery Jr., Roberto G. Macroeconomia . Anexo: Introdução à Curva de Phillips. Leituras complementares: Krugman, Paul. Como Puderam os Economistas Errar Tanto? Fortuna, Eduardo. Mercado Financeiro, cap. 3. • 6ª UNIDADE (Economia Internacional) Leituras obrigatórias: Texto 21. Introdução à 6ª Unidade Texto 22. Versiani, F. R. e P. C .Rodrigues. Balanço de Pagamentos. Texto 23: Gonçalves, Flávio de O. e F. R. Versiani. Notas sobre Taxas de Câmbio e Mercado Cambial. Texto 24: Sampaio de Souza. M. C., L. W. R. Carvalho e F. R. Versiani. Teoria Macroeconômica da Economia Aberta. Leituras complementares: BACEN. Risco-País. Mankiw, cap. 31 (“Macroeconomia das Economias Abertas: Conceitos Básicos”, p. 676-694). • 7ª UNIDADE (Distribuição de Renda) Leituras obrigatórias: Texto 25. Introdução à 7ª Unidade Texto 26. Versiani, F. R. e L. W. R. Carvalho (col. Marcus V. P. Pereira, B. P. Rezende e Augusto Sticca). Desenvolvimento Econômico e Desigualdade Social. Texto 27. Ferreira, Sérgio F. e Fernando A. Veloso. “A Escassez de Educação”. Em: F. Giambiagi et al. (orgs.). Economia Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. Texto 28. Versiani, F.R. A Economia Brasileira nas Últimas Décadas: Avanços e Problemas. Leituras Complementares: Barros, R.P. e R. Mendonça. “Geração e Reprodução da Desigualdade de Renda no Brasil". Em: IPEA. Perspectivas da Economia Brasileira – 1994. 2v. Brasília, 1993 (p. 471- 490). Ferreira, S. F. e F. A. Veloso. “A Reforma da Educação”. Em: Pinheiro, A.C. & F. Giambiagi (orgs.). Rompendo o Marasmo; a Retomada do Desenvolvimento no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. Ramos, L. e R. Mendonça. “Pobreza e Desigualdade de Renda no Brasil”. Em: F. Giambiagi et al. . (orgs.). Economia Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Elsevier & Campus,2005. EUA, Conselho de Relações Externas. O Brasil em Perspectiva Global e suas Relações com os Estados Unidos. 1 Flávio R. Versiani Com a colaboração de Bruno P. Rezende e Patrícia C. Rodrigues Você está iniciando agora o curso de Introdução à Economia. O objetivo da disciplina é apresentar alguns conceitos e instrumentos de análise que facilitem o entendimento de fenômenos econômicos, na realidade que nos cerca. Entendendo a economia. Questões econômicas têm importância evidente na vida de todos nós. Por exemplo: a probabilidade de que boa parte de uma turma de formandos na Universidade obtenha um bom emprego depende, essencialmente, do ritmo de expansão da atividade produtiva no País — ou seja, da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (o PIB, cuja definição e forma de medida vamos estudar). Quando a produção aumenta, as empresas necessitam de mais operários, mais técnicos, mais funcionários administrativos, etc., o que incrementa a criação de novos postos de trabalho. O crescimento do PIB em geral aumenta também a demanda por serviços do governo, assim como a receita de impostos, o que facilitará a abertura de concursos para o preenchimento de posições no serviço público. Num mundo crescentemente globalizado, o crescimento econômico de outros países também nos afeta. Por exemplo: o extraordinário desenvolvimento da economia chinesa, no período recente, tem produzido vários efeitos sobre a economia brasileira, uns favoráveis, outros não. No lado positivo, a demanda chinesa por vários de nossos produtos induziu aumentos de produção, de emprego e de lucros em setores como o de minério de ferro: a Vale do Rio Doce, maior exportadora mundial desse produto, cresceu muito nos últimos anos — gerando empregos e divisas —, em boa parte devido à expansão do mercado chinês, e vai-se tornando uma das maiores empresas mundiais no setor mineral. No lado negativo, indústrias como a de calçados têm sido prejudicadas pela concorrência da produção chinesa, especialmente no caso de artigos mais baratos; em regiões como Franca, no estado de São Paulo, onde se localizam muitas fábricas de calçados, isso se reflete em redução do emprego. Variações de preços podem também, claramente, influenciar o bem-estar de cada um, de formas diferentes: aumentos de preço em geral são ruins para quem compra, mas bons para quem 2 vende. A alta do petróleo, até recentemente (o preço internacional do produto mais do que quadruplicou, entre o início de 2004 e meados de 2008), penalizou consideravelmente os consumidores, ao mesmo tempo em que trouxe grandes ganhos para os países exportadores e as empresas exploradoras. Outra alteração importante de preços, nos últimos anos, resultou da queda no valor do dólar em reais (a taxa de câmbio). Isso tem dificultado a vida dos exportadores brasileiros (já que suas vendas externas valem menos, em reais), mas favorecidoos consumidores de produtos importados, como computadores ou equipamento industrial (o que tem, aliás, facilitado a modernização de empresas nacionais), assim como o turismo no exterior. Entender melhor o que se passa na economia é, assim, um objetivo importante. É bom sabermos o que está por trás de uma conjuntura benéfica — empregos abundantes, ausência de inflação, redução na desigualdade e na pobreza, etc. — ou de uma situação desfavorável. Não só por uma curiosidade natural — a curiosidade intelectual é um poderoso incentivo à busca do conhecimento, como sabemos — mas principalmente por que, como cidadãos, temos a possibilidade de influir na determinação de políticas governamentais relacionadas ao campo econômico. O Estado tem uma influência decisiva sobre muitos aspectos da economia de um país. Se entendermos um pouco melhor os fenômenos econômicos, estaremos mais bem armados para exercer nossas escolhas quanto às formas de ação do Estado sobre o sistema econômico (por exemplo: o processo de privatização deve continuar? o que fazer com o déficit da previdência social? como distribuir os gastos do governo?). E procurar fazer valer tais escolhas pelo voto, nas eleições. O Estado e a economia. O Estado intervém de várias formas na economia. Por exemplo: as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) captam, atualmente, quase 40% do total de rendimentos recebidos pelos brasileiros, sob a forma de impostos. O modo como o governo gasta essa parcela tão substancial dos recursos disponíveis tem efeito direto sobre o crescimento da economia: se uma parte importante é aplicada em investimentos (ou seja, no aumento da capacidade de produção: expansão ou melhoria da infraestrutura de transportes, da geração e distribuição de energia, da oferta de serviços básicos de educação e saúde, etc.), isso criará condições favoráveis ao crescimento; ao contrário, se houver má alocação dos recursos governamentais, assim como ineficiência e desperdício nos gastos públicos, o efeito será desfavorável. O tamanho da fatia apropriada pelo governo é também uma questão relevante; uma redução na carga de impostos (pelo aumento de eficiência no dispêndio governamental, por exemplo) poderá estimular a demanda dos consumidores e o investimento privado. Outras políticas governamentais também afetam diretamente a economia, como a política monetária — fixação da taxa básica de juros, regulação do sistema financeiro, etc. —, a política de 3 relações com o resto do mundo — envolvendo a forma de determinação da taxa de câmbio, o lançamento de impostos sobre o comércio exterior, etc. —, e assim por diante. Ademais, instituições do Estado têm grande influência sobre os agentes econômicos. O Judiciário, por exemplo, intervém de várias formas nas relações econômicas — quando, por exemplo, arbitra conflitos entre credores e devedores, empregados e patrões, contribuintes e o fisco —, e a eficiência ou não da prestação de justiça pode ter efeito favorável ou desfavorável para o funcionamento do sistema econômico. Analogamente, instituições relativas à regulação de certas atividades produtivas, ao aparelho tributário, a normas administrativas variadas — sobre a abertura e fechamento de empresas, por exemplo —, tudo isso pode ou favorecer ou interpor obstáculos a iniciativas dos agentes econômicos privados. Nas últimas décadas, a importância econômica do bom funcionamento de instituições, como as mencionadas acima, tem sido destacada por vários economistas influentes: para alguns autores, por exemplo, esse é um elemento central na explicação do crescimento econômico diferenciado dos países da América do Norte e Europa Ocidental, ao longo dos últimos séculos. Não menos importantes são as ações governamentais visando reduzir a desigualdade na distribuição de renda e prestar assistência à parcela mais desfavorecida da população, especialmente num país tão desigual como o nosso. Assim sendo, é importante procurar entender essas influências de medidas do Estado sobre a economia, para que possamos nos posicionar sobre elas. Pode-se aprender algo relevante em um semestre? Alguns de vocês, em particular os futuros economistas, vão cursar depois outras disciplinas de Economia, e terão acesso a instrumentos de análise mais elaborados do que os vistos nesta disciplina. Mas são uma minoria: para os demais, Introdução à Economia será a única exposição sistemática à teoria econômica, em seu curso de graduação. Pode-se esperar que, para essa maioria de alunos, o nível de entendimento das questões postas acima (ou de outras igualmente relevantes) tenha um acréscimo significativo, com uma disciplina apenas? É uma dúvida razoável. Pode-se dizer que a resposta à questão acima é positiva — num certo sentido. Não que o curso de Introdução à Economia possa fornecer uma explicação bem definida sobre, por exemplo, por que a economia brasileira tem crescido pouco, nos últimos vinte anos, depois de ter tido uma das taxas de crescimento mais altas do mundo, na maior parte do século XX; ou por que o preço do petróleo cresceu tanto, até 2008. De fato, nem em cursos mais avançados seria possível obter respostas nítidas a essas perguntas. Em Economia, como em geral nas ciências sociais, não há certezas matemáticas sobre as causas dos fenômenos estudados; geralmente existem diversos fatores 4 causais, e não é fácil determinar quais os predominantes, especialmente no caso de fenômenos mais complexos. Nos casos acima, especificamente, pode-se dizer que não há consenso entre economistas sobre o que tenha sido a causa principal dos fenômenos indicados. Por outro lado, há importantes mensagens relacionadas à abordagem analítica adotada em Economia que podem ser transmitidas, e bem absorvidas, mesmo num curso introdutório. Três merecem destaque especial. A busca do maior ganho. A primeira se refere à forma como a teoria econômica estiliza o comportamento dos agentes econômicos (ou seja, de quem produz, vende, compra, consome — indivíduos, organizações, empresas produtivas). A hipótese básica adotada é a de que esses agentes têm o que se pode chamar de comportamento maximizador; suas ações são, em essência, determinadas pela busca de uma maximização do ganho: maior lucro, maior renda, maior quantidade de bens para consumo, maior satisfação derivada desse consumo, etc., com o menor custo possível. Os trabalhadores preferem maiores salários a salários pequenos, e os capitalistas maiores lucros a lucros menores. Todos buscam maximizar seus ganhos — levadas em conta, naturalmente, as restrições dadas pelos recursos disponíveis, pelas oportunidades abertas a esses agentes, e pelas informações de que estes dispõem com relação a tais oportunidades. Essa ideia tem, sem dúvida, severas limitações como uma explicação geral do comportamento humano: é fácil pensar em indivíduos, ou coletividades, cujas ações derivam primordialmente de outros tipos de motivação, que não o maior ganho individual. Há, evidentemente, ações altruístas, ou motivadas primordialmente por considerações éticas ou religiosas, ou culturalmente determinadas. Nem tudo pode ser explicado por uma simples busca de ganho econômico. De fato há uma ampla literatura crítica dessa noção de um “homem econômico” (homo œconomicus é a expressão latina que se costuma usar nesse contexto), ou seja, de pessoas (ou empresas) que agissem sempre racionalmente, buscando seu maior ganho individual. Sociólogos argumentam com a complexidade do comportamento humano, que não poderia ser reduzido ao de um “autômato” respondendo a incentivos econômicos. Outros sustentam que seria inviável supor que os indivíduos (ou, em geral, os agentes econômicos) se comportassem sempre de acordo com uma racionalidade econômica, quando se reconhece que muitos fazem uma série de coisas irracionais. Por exemplo: jogar na loteriapode ser visto como algo economicamente irracional, considerando a quase nula probabilidade de ganho de cada apostador. E alguns experimentos recentes têm verificado um comportamento diverso do que seria esperado pela hipótese de maximização racional de ganhos, em certas circunstâncias — o que tem atraído o interesse de muitos economistas para o estudo de aspectos psicológicos da 5 escolha econômica (um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia em 2002 foi um especialista em Psicologia com pesquisas na área de escolha econômica). Mas o que os economistas em geral sustentam é que, sem ignorar que o comportamento humano tenha determinações complexas, e que, em várias circunstâncias, pessoas possam agir de forma economicamente “irracional”, a hipótese da maximização do ganho como determinante básico das ações dos agentes econômicos tem grande valor explicativo, principalmente nas modernas economias de mercado, levando a conclusões que se ajustam razoavelmente bem à realidade. É importante ressaltar que a hipótese não pressupõe autômatos dedicados unicamente à busca de maiores lucros, máximas vantagens monetárias. O altruísmo pode também mostrar racionalidade, por exemplo. Se você pretende doar para uma instituição de caridade, e procura antes saber como essa instituição aplica o dinheiro, quais os projetos envolvidos, quantas pessoas são atendidas — você estará buscando, de forma “racional”, garantir que sua doação seja bem aplicada e cumpra, da melhor maneira possível, suas intenções filantrópicas. Avaliando as possibilidades (as várias instituições que poderiam ser objeto de sua doação), você escolherá aquela que propicie a maximização dos efeitos benéficos de sua iniciativa. É o que chamamos acima de comportamento maximizador. A regularidade empírica é, pode-se dizer, o principal argumento a favor da hipótese de um comportamento voltado à maximização de ganhos: ao longo de décadas, acumulou-se uma vastíssima literatura empírica que, partindo desse pressuposto, obtém bons resultados, do ponto de vista de sua adequação ao mundo real e ao senso comum. Ora, isso tem grande relevância prática. Se as pessoas costumam em geral agir buscando o maior ganho individual, daí decorre que elas responderão a incentivos econômicos. Por exemplo: se o preço de um bem sobe, o custo de seu uso aumenta, e, portanto pode-se esperar que seu consumo diminua. E o contrário, se o preço cai. Essas relações simples de causa e efeito abrem caminho para o entendimento de um amplo conjunto de fenômenos (e não apenas fenômenos econômicos) e podem, também, informar medidas de política. Dois exemplos tópicos podem ilustrar o alcance abrangente dessa relação entre a introdução de um incentivo (ou desincentivo) econômico e uma reação subsequente. O primeiro se refere ao comportamento de professores de ensino fundamental nos Estados Unidos, diante da introdução de um sistema de testes (adotados em vários estados daquele país) que previa recompensas para as escolas cujos alunos se saíssem bem, e penalidades para aquelas onde os resultados fossem maus. Esses incentivos (positivos ou negativos) atingiam também os professores de turmas individuais: em casos extremos, eles poderiam ser demitidos. Um estudo estatístico feito em escolas públicas de Chicago revelou que cerca de 5% dos professores responderam a esses incentivos de forma um tanto inesperada: “corrigindo” uma parte dos testes de suas turmas, antes que os resultados fossem 6 apurados. Há evidência de que esse tipo de adulteração ocorreu também em outros estados que adotaram prática similar. Vê-se, nesse caso, que um incentivo econômico fez com que certo número de professores (logo quem!) adotasse um comportamento ditado apenas por seu interesse pessoal, ainda que ferindo diretamente a ética. Apesar de o grupo de fraudadores ter sido proporcionalmente pequeno, isso teve consequências: pelo menos um estado americano foi levado a rever o sistema de incentivos, em parte para evitar que fossem apropriados por meio de expedientes ilícitos. 1 O outro exemplo aponta para uma possível utilização daquelas relações de causa e efeito no desenho de políticas públicas. Diminuir a propagação de doenças sexualmente transmissíveis é certamente um objetivo importante de política — inclusive de política econômica, pois tais moléstias impõem um custo elevado à sociedade. Tem sido observado que o consumo de bebidas alcoólicas por jovens favorece tal propagação, na medida em que está associado a uma maior incidência de relações sexuais sem proteção. Nesse sentido, poder-se-ia supor que um aumento no preço de bebidas, desestimulando seu consumo, pudesse influir na difusão daquelas moléstias. Pois um estudo cuidadoso, com técnicas estatísticas que controlam o efeito de outros possíveis fatores causais, chegou exatamente a essa conclusão: a maior incidência de impostos sobre cerveja está relacionada a uma menor ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis.2 Esses exemplos sugerem que a hipótese comportamental básica da análise econômica não só tem relevância empírica, e em situações as mais variadas, como pode indicar instrumentos para a consecução de objetivos de política. Para dar outro exemplo: muitos lamentam a prática, tão disseminada em nossas grandes cidades, da pichação de paredes com iniciais ou símbolos, às vezes como forma de competição entre turmas de adolescentes. Se se julga necessário combater esse hábito, isso poderá ser feito com campanhas educativas (como a caracterizada pela frase “Picasso não pichava”, adotada em Brasília); mas um economista certamente sugeriria, também, a adoção de uma alíquota mais alta no imposto sobre a venda de tubos de tinta sob pressão. Isso com certeza reduziria o ânimo dos pichadores em prosseguir com essa forma tão pouco recomendável de expressão pessoal. A ideia do “custo de oportunidade”. Outro elemento importante do instrumental analítico de economistas relaciona-se à noção de custo de oportunidade. Essa expressão originalmente se empregou em relação a oportunidades de investimento: se aplico meu dinheiro de uma certa forma, 1 Levitt, S.D & Dubner, S.J. Freakonomics. New York: HarperCollins, 2005. pp. 26 e ss. (Há uma tradução brasileira desse livro, que apresenta vários exemplos surpreendentes de aplicação da teoria econômica a situações concretas). 2Markowitz, S., R. Kaestner & M. Grossman. An Investigation of the Effects of Alcohol Consumption and Alcohol Policies on Youth Risky Sexual Behaviors. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, May 2005 (Working Paper 11378). 7 obviamente deixo de aplicá-lo em investimentos alternativos: o rendimento destes (ou melhor, da alternativa mais lucrativa, entre as não adotadas) indica o “custo de oportunidade” de minha decisão. Ou seja, é o custo medido em termos de um uso alternativo dos recursos disponíveis. O ganho que obterei em minha aplicação é a diferença entre o rendimento desta e meu custo de oportunidade. É uma noção simples, e que pode ser aplicada em várias circunstâncias: horas de estudo na sexta-feira à noite provavelmente terão um custo de oportunidade maior do que na segunda-feira, pois as chances de fazer coisa mais agradável costumam ser maiores no primeiro caso. A relevância desse conceito em Economia decorre do fato de que as decisões dos agentes econômicos frequentemente envolvem escolhas, e, portanto comparações entre alternativas. Se só tenho R$15,00 no bolso e considero as possibilidades de ir ao cinema (sendo esse o preço da entrada) ou tomar cerveja com os amigos, a ida ao cinema é o custo de oportunidade de minha escolha de ir ao bar. O orçamento anual da União define uma importância global que deve cobrir todos os gastos do governo federal naquele ano: se a decisão de construir um hospital adicionalimplicar, suponhamos, a não pavimentação de uma rodovia de 30 km, esse é o custo de oportunidade da decisão pelo hospital. Colocado dessa forma, o conceito pode parece trivial, sem grande substância analítica. No entanto, vemos, com frequência, ser deixada de lado a ideia básica, aí expressa, de que para fazer uma coisa é preciso, quase sempre, deixar de fazer outra, o que envolve necessariamente um confronto entre alternativas. Quantas vezes não ouvimos políticos afirmarem que todas as suas propostas de gasto público são absolutamente necessárias, nada é dispensável, “a importância de um hospital não pode ser avaliada em dinheiro, pois vidas não têm preço” — e ideias que tais? E isso não é apenas retórica: muitas decisões sobre o orçamento do governo são tomadas sem consideração de seu custo, em termos dos gastos que deixam de ser efetuados. Dispêndios chamados “sociais” são obviamente necessários; o programa “Bolsa-Família”, por exemplo, beneficia grande número de pessoas de poucos recursos, e tem tido um efeito significativo na redução do nível de pobreza, nos últimos anos. Mas não se pode esquecer um fato fundamental: os recursos são finitos, e, portanto é indispensável que, ao se contemplar um aumento nos gastos sociais, o custo de oportunidade dessa decisão seja levado em conta. A votação do orçamento do governo deve (ou deveria) ser o momento de considerar esses custos de oportunidade. A importância, para a sociedade, do último real gasto na área de saúde deve equivaler à do último real gasto na área de educação, ou de transportes, ou se segurança. Ou seja: “na margem”, os benefícios trazidos pelos dispêndios nos vários setores deveriam ter a mesma relevância. 8 Na prática, esse processo é dificultado por vários fatores, entre os quais ressalta a existência das chamadas vinculações orçamentárias. Nossa Constituição estabelece que certas proporções do orçamento sejam necessariamente vinculadas a determinadas áreas: gastos relativos ao ensino, por exemplo, devem corresponder a pelo menos 18% da receita de impostos da União, e a 25%, nos Estados e Municípios. Gastos de saúde têm, igualmente, uma fatia garantida dos orçamentos. As intenções dessas medidas são as melhores possíveis: trata-se de assegurar um mínimo de verbas para atividades de importância evidente. No entanto, é concebível que a necessidade de gastos com a educação, por exemplo, possa variar, de ano para ano. Num dado exercício, a deficiência de instalações escolares adequadas pode indicar a necessidade de construir muitas escolas novas; no ano seguinte, já minoradas aquelas deficiências, investimentos em hospitais ou centros de saúde teriam maior prioridade. Mas a fixação de percentuais mínimos de gastos em rubricas específicas pode dificultar, ou mesmo impedir que se desloquem recursos de uma área para outra. A correta avaliação de custos de oportunidade fica impossibilitada. Nesse sentido, as vinculações, apesar de seus bons propósitos, em geral tendem a reduzir a eficiência da alocação de recursos orçamentários, do ponto de vista dos interesses e necessidades da sociedade. E isso decorre, essencialmente, de uma não consideração do conceito de custo de oportunidade. O engano de iniciativas bem-intencionadas de dar prioridade absoluta a certos gastos, como os de saúde, decorre, no jargão dos economistas, de considerar-se a “utilidade total” de serviços de saúde, em lugar da “utilidade marginal” de uma oferta adicional desses serviços. A questão é análoga a um velho paradoxo econômico: por que a água, que é indispensável à vida, tem preço menor do que os diamantes, que atendem a uma necessidade tão secundária, e para muitos frívola? O paradoxo é resolvido quando se raciocina “na margem”: se a opção for entre ficar sem água ou sem diamantes, é claro que mesmo os mais frívolos prefeririam a segunda hipótese, pois a utilidade total da água é evidentemente maior. Mas, em situações correntes, a comparação que se coloca é, digamos, entre a utilidade de um litro marginal de água (adicional a toda a água já disponível), e a de um diamante marginal, raro e muito demandado por pessoas de posses. Nesse contexto, é claro que o diamante terá preço alto, e a água não. Da mesma forma, a questão de ter ou não ter serviços de saúde não se discute; a decisão relevante é, por exemplo, a de gastar, ou não, R$1 milhão adicional nessa área, em confronto com outras necessidades — educação, segurança, infraestrutura de transportes, etc. — e considerando a escassez de recursos disponíveis. A comparação marginal é a que importa. O raciocínio marginal. A argumentação a partir de variações marginais é um componente básico da análise econômica. Sua significação pode ser ilustrada por um exemplo. Há alguns anos, uma companhia aérea pôs à venda, como promoção temporária, passagens a R$50,00 para qualquer 9 cidade brasileira. A procura foi enorme, mas durou pouco, pois a promoção foi logo proibida pelo governo. A justificativa foi de que se tratava de venda abaixo do custo, caracterizando concorrência desleal. Seria correta essa justificativa? Certamente o custo médio de transportar um passageiro em viagem aérea é muito superior a cinquenta reais; mas o que as autoridades envolvidas não perceberam foi o fato de que o custo médio não é relevante, nesse contexto, mas sim o custo marginal. Dado que existam assentos não ocupados (e a ocupação média raramente ultrapassa 80%, nas companhias aéreas), a inclusão de um passageiro adicional, em aviões com duzentos ou mais lugares, acrescenta muito pouco ao custo total da viagem (e, por outro lado, traz ganhos de propaganda para a transportadora). Levando em conta, como é correto, o custo marginal, não se poderia acusar a empresa de uma prática comercial contrária às normas de concorrência. (A proibição foi depois suspensa, e de fato tem havido oferta de passagens até por R$1,00, ultimamente). A generalização do raciocínio marginal, a partir da segunda metade do século XIX, possibilitou grande avanço à teoria econômica, inclusive pela introdução de modelos formais, com utilização de métodos matemáticos. Algumas falácias. Armado dos conceitos acima, você poderá identificar algumas afirmativas ou crenças bastante comuns — você já deve ter se defrontado com alguma delas — mas que são de fato economicamente incorretas, e podem levar a decisões inadequadas, contrárias ao interesse social (como no caso das passagens aéreas). Despoluição. Poluição é algo ruim, e é desejável eliminá-la. Mas muitas vezes são apresentadas e defendidas propostas de uma despoluição radical — por exemplo, a ponto de tornar potável a água do Lago Paranoá. A questão é que o custo de oportunidade de tais empreendimentos seria, muito provavelmente, desproporcional aos benefícios daí advindos. Em situações desse tipo, o objetivo mais racional será uma despoluição parcial, que leve a uma situação com a qual se possa conviver, a um custo razoável, em cotejo com demais demandas da sociedade e os recursos disponíveis. Gastos passados. Há um debate sobre a construção, ou não, de outra usina nuclear para produção de energia elétrica, em Angra dos Reis. Centenas de milhões de dólares já foram investidos no projeto, e alguns defendem que, dado que já se gastou tanto, mais vale completar a obra, ou haverá um enorme desperdício dos recursos já despendidos. Ora, dirá você, isso é um argumento economicamente falho. O que está gasto está gasto; isso não deve influir na decisão de finalizar ou não o projeto. O que se deve indagar é se os benefícios derivados do investimento adicional que será necessário para finalizar o reator compensarão os custos respectivos, em confronto com outras 10 formas de geração de energia (ou seja, uma comparação desse investimento marginal com seu custo de oportunidade). Se isso não for verdade, o certo é abandonaro projeto, e investir em outro. Poder- se-á culpar quem tomou decisões erradas no passado, mas isso não deve servir de motivo para outra decisão errada, no presente. O raciocínio vale tanto para investimentos estatais (como é o caso de Angra) como para um investidor privado, movido pelo lucro. Energia “velha”. Outro argumento que às vezes se ouve com relação a investimentos feitos no passado refere-se a usinas hidroelétricas construídas anos atrás: argumenta-se que, como o investimento “já foi pago” (por exemplo: houve um financiamento internacional já amortizado), então essa energia “velha” é mais barata, e a tarifa cobrada por tais usinas deveria ser mais baixa do que no caso de uma usina recém-construída. Ora, a usina antiga produz energia, gera um fluxo de renda, e poderá ser vendida (e o eventual comprador vai querer tirar dela um rendimento compensador para seu investimento, tal como se construísse uma usina nova). Não fará sentido econômico forçar o dono da usina velha (muitas vezes o próprio governo) a ter um retorno mais baixo sobre o seu patrimônio. Se o governo decidir cobrar menos pela energia de suas hidroelétricas antigas, deverá deixar claro que está concedendo um subsídio aos compradores (grandes compradores são, por exemplo, indústrias que consomem muita eletricidade, como a de alumínio), à custa dos contribuintes. “O melhor possível”. Engenheiros e técnicos muitas vezes insistem que o equipamento a ser instalado numa fábrica, ou unidade de prestação de serviços (como um hospital) seja o mais moderno e tecnicamente avançado que for possível. “Já que se vai fazer, que se faça o melhor”. Mas, à luz do que vimos acima, nem sempre essa regra deve ser seguida: é necessário comparar os custos do “melhor possível” com os benefícios derivados dessa escolha. Pode ser que um equipamento que não seja a última palavra, mas tenha um custo menor, seja a opção mais adequada. Eficiência, do ponto de vista econômico, necessariamente envolve a consideração de custos. Uma situação comum, nesse contexto, decorre de avaliações técnicas das condições de operação de fábricas instaladas no passado. É frequente, especialmente no caso de indústrias tradicionais, como a de tecidos, que avaliações desse tipo, feitas por engenheiros ou técnicos especializados, produzam relatórios muito críticos, mencionando equipamentos “obsoletos”, instalações “ultrapassadas”, e aconselhando um reequipamento radical. Esses relatórios costumam servir de base a iniciativas governamentais no sentido de estimular melhorias técnicas nessas indústrias, como a abertura de uma linha de crédito (frequentemente subsidiada) para financiar o reequipamento. No entanto, muitas vezes a maquinaria existente, embora de fato tecnicamente obsoleta, pode ainda produzir uma receita acima de seu custo de operação. Ou seja: gera lucro para o dono da fábrica. Faz sentido substituir essas máquinas? Pode ser que o custo de oportunidade desse 11 investimento seja excessivo: a firma faria melhor aplicando seus recursos disponíveis de outra forma. A não ser que os subsídios oferecidos pelo governo tornem o reequipamento atraente, para o empresário; mas nesse caso são outra vez os contribuintes que estarão assumindo o ônus — nesse caso, o ônus de um investimento economicamente injustificado. Em suma: há princípios gerais da Economia que podem certamente ser absorvidos num curso introdutório, como o nosso, e que sem dúvida podem nos ajudar no entendimento do mundo real — e eventualmente na identificação de afirmativas ou proposições falaciosas. Esse é, talvez, o principal benefício que um curso introdutório de Economia pode proporcionar, para um não economista: dar- lhe elementos que contribuam para que ele/ela identifique ideias econômicas erradas, e não se deixe iludir por propostas de política atraentes, mas inviáveis, ou de efeitos indesejáveis. O programa de Introdução à Economia. O programa da disciplina se organiza em sete unidades. A Primeira Unidade trata dos conceitos básicos da teoria econômica. A Segunda estuda as relações entre os agentes econômicos (produtores, consumidores e governo) no mercado, com foco na determinação de preços. Na Terceira Unidade, apresentam-se as metodologias de mensuração da atividade econômica (o PIB) e do cálculo de índices de preços. A Quarta Unidade trata de noções de economia monetária: funções da moeda e fenômenos monetários, especialmente a inflação. A Quinta Unidade apresenta noções básicas de macroeconomia, tratando do crescimento econômico, de relações entre os agregados econômicos, e do desemprego. A Sexta Unidade volta-se para as relações econômicas com o exterior, estudando o registro das transações com o exterior (balanço de pagamentos), a determinação da taxa de câmbio e noções de macroeconomia aberta. Finalmente, a Sétima Unidade traça um breve panorama da evolução recente da economia brasileira, incluindo uma visão sobre a desigualdade distributiva e seus indicadores. 12 Na Unidade 1, serão discutidos alguns conceitos iniciais do estudo de Economia. São conceitos simples, mas importantes para a compreensão do que será desenvolvido nas unidades posteriores, visto que dão fundamento ao raciocínio econômico em várias aplicações. O enfoque da Unidade está na definição do que é a Economia, o que ela estuda e quais são alguns pressupostos adotados na teoria econômica. Um desses pressupostos é o de que os agentes econômicos — consumidores e produtores — têm um “comportamento maximizador”, ou seja, buscam sempre maximizar seus benefícios e minimizar seus prejuízos, levadas em conta, naturalmente, as restrições que enfrentam. A restrição mais óbvia são os recursos disponíveis, a renda, no caso dos consumidores. Relacionada a esse pressuposto comportamental está a ideia do “homem econômico”, que agiria, em todas as circunstâncias, de forma inteiramente “racional”, buscando tão-somente a maior utilidade ou o maior lucro. Esse conceito já deu origem a muita discussão, sendo os economistas acusados de adotar uma estilização excessivamente simplista do comportamento humano, que obedece a impulsos mais variados e complexos do que apenas a busca de ganhos. Mas essa discussão envolve, em boa parte, um mal-entendido. Primeiro porque, embora a noção de homem econômico seja certamente uma abstração, quase uma caricatura, é certo que há um elemento suficiente de “comportamento maximizador” no indivíduo médio para tornar relevantes, no mundo real, modelos econômicos que se baseiam naquela noção. Afinal, a maioria das pessoas, especialmente nas sociedades modernas, quer ganhar mais, consumir mais, ter mais lucros. Segundo, porque a teoria econômica tem, crescentemente, buscando incorporar em seus modelos outras variáveis que podem influir no comportamento dos agentes econômicos, como a informação imperfeita, ou características psicológicas. Com isso, é possível construir modelos que permitem analisar de forma mais adequada diversas situações específicas. Ou seja, a teoria econômica tem evoluído no sentido de adotar pressupostos mais complexos. É significativo que vários pesquisadores nessas novas áreas tenham recebido, em anos recentes, o Prêmio Nobel de Economia. Outro elemento básico do conhecimento econômico decorre do fato de que os recursos à disposição dos agentes são limitados, em relação às suas necessidades ou desejos, de tal forma que é sempre preciso fazer uma escolha entre alternativas. A escolha envolve frequentemente uma avaliação das vantagens e desvantagens das alternativas existentes, a fim de se atingir um ponto 13 preferido; nesse contexto, falaremos nos conceitos de trade-off (um termo um tanto difícil de traduzir por uma só palavra) e de “custo de oportunidade”. Uma aplicação importante desses conceitos é a caracterização de situações em que a trocade mercadorias entre indivíduos pode ser mutuamente vantajosa. Como veremos mais adiante na Unidade VI, que trata de Economia Internacional, essa análise se aplica também ao caso da troca entre países. Você verá que o entendimento das noções de escolha e de troca pode ser facilitado pela representação gráfica das possibilidades de consumo e das possibilidades de produção, no caso simplificado em que haja duas mercadorias apenas. O uso de gráficos com esse objetivo de ilustrar argumentos e facilitar seu entendimento é comum em Economia, como ficará claro ao longo do curso. Nesta 1ª Unidade serão também introduzidas algumas definições e distinções importantes, como entre as diversas categorias de bens; ou entre economia “positiva” e economia “normativa”. Ao término de seus estudos, faça os exercícios da Lista de Exercícios número 1, para fixar a matéria, aprofundar um pouco o conteúdo e conferir se você entendeu bem os conceitos. Bons estudos! 14 Flávio Rabelo Versiani, Bruno Pereira Rezende e Patrícia Costa Rodrigues “A moral, pode-se dizer, representa o modo como as pessoas gostariam que o mundo funcionasse – enquanto a Economia [representa o modo] como ele realmente funciona.” LEVITT, Steven D. DUBNER, Stephen J. Freakonomics. New York: HarperTorch, 2006. O que é Economia? Você está iniciando seus estudos de Economia, e talvez já tenha se perguntado: o que é Economia? A Economia é uma ciência que surge a partir de uma questão aparentemente muito simples: a alocação de recursos escassos. Por recursos, entende-se não apenas dinheiro e recursos financeiros, mas também disponibilidade de matéria-prima, trabalhadores, terrenos etc. E, como bem se sabe, os recursos são limitados. Ainda que você seja a pessoa mais rica do mundo, sua conta bancária tem um valor que indica a quantidade máxima de recursos que você pode comprar (mesmo que ela seja, nesse caso, enorme). Como é possível, portanto, viver em um mundo com recursos escassos? Escassez não diz respeito apenas à potencial falta de algo, mas simplesmente à sua limitação, ou seja, ao fato de que esse “algo” não pode ser utilizado irrestritamente, é finito. É verdade que existem alguns bens indispensáveis a todos nós, e dos quais se pode dispor à vontade, sem que se chegue a uma situação de escassez: os chamados “bens livres”. Exemplos possíveis são: o ar que respiramos, a luz do sol, etc. Para os povos primitivos, os bens livres eram muito mais numerosos: nossos índios, antes de Cabral, tinham ampla provisão natural de água ou de produtos de coleta ou de caça, sem temor de exaustão. Com o crescimento da população, os bens livres vão rareando; hoje em dia, mesmo o ar puro vai se tornando cada vez mais escasso. Os bens não livres, caracterizados pela escassez, são chamados de “bens econômicos”; em geral são objetos de troca, e têm um preço no mercado. Aí se inserem todos os tipos de bens que você puder imaginar: laranjas, smartphones, biquínis, DVDs etc. A palavra “economia” tem sua origem nas palavras gregas “oikos” (fortuna, riqueza, propriedade) e “nomos” (regra, lei, administração), ou seja, envolve a administração, ou forma de exercício de atividades relacionadas à riqueza, ou seja, à produção e distribuição de bens e serviços necessários aos diversos aspectos da vida humana em sociedade. Na linguagem moderna, a palavra tem duas acepções distintas, que em português representamos por Economia, com “E” maiúsculo, e 15 economia, com “e” minúsculo. (Em línguas como o inglês, há uma palavra diferente para cada uma delas: economics, para Economia, e economy, para economia). Com letra minúscula, economia (“uso eficiente de recursos materiais”, como no dicionário) é justamente o objeto de estudos da Economia com “E” maiúsculo; está é a ciência, o campo de estudos que se preocupa com o funcionamento da “economia”. Costuma-se definir a Economia, em princípio, como a ciência que estuda a alocação de recursos escassos. Ou seja, que estuda como as sociedades dispõem dos recursos existentes, evidentemente limitados, para tornar disponíveis os bens e serviços necessários à satisfação das necessidades e desejos das pessoas. Se há escassez, se os recursos são finitos — enquanto as necessidades e desejos são ilimitados —, então é preciso escolher. Isso fica claro em caráter individual: se você tem um salário e vai ao supermercado para gastá-lo, você tem que decidir o que comprar, pois não pode levar tudo o que gostaria; terá que escolher quais as necessidades ou desejos irá satisfazer com suas compras. Da mesma forma, se você é um empresário, terá que escolher a melhor maneira de aplicar seus recursos escassos: o que produzir, como produzir, etc. Também as coletividades fazem escolhas, a todo momento, explícita ou implicitamente. Uma escolha básica é a que se faz entre presente e futuro. Por exemplo: deve-se investir mais em aumento de capacidade produtiva (o que possibilitará crescimento do consumo mais tarde, beneficiando gerações futuras), ou favorecer o consumo atual, da geração presente? O governo deve construir mais estradas, ou conceder aumentos ao funcionalismo? O objeto da Economia é, em grande parte, o estudo de processos de escolha como os referidos acima. Economia positiva e economia normativa. A tomada efetiva de decisões de escolha nem sempre é fácil, como sabemos, especialmente quando envolve coletividades. Diferentes pessoas têm opiniões e interesses distintos; a escolha nesse caso envolve uma compatibilização de diferentes objetivos ou distintos juízos de valor (ou juízos morais, como na citação presente na epígrafe deste texto). Isso pertence ao campo da chamada Economia “normativa”. Por outro lado, enquanto fazem teorias para explicar a realidade, analisar e explicar os fenômenos econômicos tais como são, os economistas estão no campo da chamada Economia “positiva”. Vamos dar um exemplo. Imagine que você leia uma notícia que diz: “o preço do feijão subiu 15% nos últimos três meses, o que pode ser atribuído à redução da produção pela escassez de chuvas nas áreas produtoras”. É uma afirmativa sobre uma questão de fato: houve um aumento de preços, e se oferece uma explicação para ele. É possível que haja divergência sobre essa explicação — outros analistas podem julgar que a causa da alta de preços foi um aumento no preço do óleo diesel, por exemplo, onerando o custo de transporte. Essa divergência poderá, em princípio, ser dirimida por uma análise cuidadosa dos dados, resolvendo a questão de forma objetiva. Ou não: poderão persistir 16 interpretações distintas se os analistas não chegam a um consenso. De qualquer forma, estamos no campo da Economia positiva, da análise das coisas como são. Mas se consta da notícia a opinião do jornalista de que, diante da subida de preços, o governo deveria subsidiar o preço do feijão para as famílias mais pobres, isso é uma prescrição de política; uma proposição de Economia normativa, portanto. Trata-se agora das coisas como devem ser, e não como são. Em princípio, as análises da Economia positiva devem pautar-se pela objetividade científica; elaboram-se teorias e modelos explicativos, a partir de certos pressupostos, e esses modelos e teorias são submetidos à validação empírica, pelo confronto de suas conclusões com a realidade concreta — por meio da coleta e análise de dados estatísticos, por exemplo. Se validados, revelam-se corretos; se não, será necessário buscar novos modelos ou teorias explicativas. Tudo sem a intromissão de juízos de valor. (É necessário atentar, no entanto, para o fato de que o economista, e de modo geral o cientista social, dificilmente pode ser tão objetivo e neutro quanto o físico, por exemplo, quanto este analisa a estrutura da matéria. O cientista social pertence à realidade que analisa, tem, em relação a ela,opiniões, juízos de valor e interesses, como qualquer outro agente econômico. Sendo humano, pode, eventualmente, ser influenciado por essas suas posições — ainda que inconscientemente — quando faz uma análise que se pretende científica e objetiva.) Quando estão envolvidos no desenho e aplicação de políticas econômicas — ou seja, em ações do Governo na área econômica — os economistas estarão, tipicamente, praticando Economia normativa, buscando agir sobre a realidade, impulsionando-a em determinada direção. Em que direção? Quais as metas e objetivos pretende atingir? Na maioria das vezes, haverá posições divergentes a esse respeito. Por exemplo: vimos que o valor do dólar em reais (a taxa de câmbio) reduziu-se significativamente, nos últimos anos: a cotação da moeda norte-americana caiu de uma média de R$ 3,40 / US$ 1, no segundo semestre de 2002, para metade desse valor (R$ 1,70 / US$1), no primeiro semestre de 2008. Isso trouxe grandes perdas para alguns (como exportadores ou produtores nacionais de artigos importados) e ganhos para outros (consumidores de produtos importados, turistas no exterior). Supondo que o governo pudesse adotar medidas para conter essa queda (uma suposição duvidosa, cabe notar), certamente haveria interesses e posições diametralmente opostos em relação a tal política. É nesse sentido que se costuma dizer que a política econômica é uma arte: a arte de conciliar interesses e posições muitas vezes conflitantes, compondo uma resultante que seja aceitável pela maioria, e vantajosa para a coletividade. 17 Alguns princípios básicos. O manual introdutório de Gregory Mankiw enuncia, em seu primeiro capítulo, o que o autor chama de dez princípios básicos de Economia. Comentaremos aqui os oito primeiros desses pontos, particularmente relevantes para o nosso contexto. 1. Escolhas e trade-offs. Dado que os recursos são escassos, como vimos, é necessário escolher. No processo de escolha, os agentes econômicos — indivíduos, empresas, etc. — enfrentam trade-offs (um termo um tanto difícil de traduzir por uma só palavra). Ou seja: enfrentam a necessidade de um cotejo entre fatores que de alguma forma se opõem (sendo necessário sacrificar um em prol de outro), a fim de atingir a melhor combinação. Um arquiteto, por exemplo, frequentemente enfrenta um trade-off entre a funcionalidade e a beleza de uma edificação. E todos nós, em nossas decisões diárias de consumo, nos defrontamos com trade-offs de várias naturezas: juntar dinheiro ou gastar já? Gastar mais em pizzas ou em idas ao cinema? Empresários, em suas decisões relativas à produção, deparam-se também com inúmeros trade-offs. Digamos que um produtor rural contempla fazer um investimento para expandir a produção. Seus recursos para esse investimento são limitados, pois ele dispõe de certa quantia de dinheiro. Contudo, sua fazenda demanda gastos diversos, tais como a compra de novas máquinas colheitadeiras; contratação e capacitação de empregados adicionais; mais insumos, como fertilizantes e sementes, tudo visando aumentos de produtividade, etc. Isso indica que suas necessidades são, se não ilimitadas, muito amplas. Desse modo, ele deve realizar a escolha da melhor alternativa possível para aplicar o capital disponível no momento, levando em conta as possibilidades existentes, sua informação a respeito delas, e a disponibilidade de recursos.1 E é claro que a opção por uma alternativa — determinada aplicação de recursos — significa a não adoção de outras. Há um trade- off envolvido. A escolha é uma questão básica em Economia; e trade-offs são características intrínsecas ao processo de escolha. 2. Trade-offs e o “custo de oportunidade”. As escolhas dos agentes econômicos envolvem trade-offs; em geral, é necessário sacrificar uma alternativa para obter o que foi escolhido. Nesse sentido, pode-se dizer que, do ponto de vista econômico, o custo da alternativa escolhida é dado pelo valor da alternativa que foi preterida. “Custo 1 Com respeito à informação, cabe mencionar aqui um aspecto importante, que será ressaltado mais tarde: a obtenção de informação envolve custos; e muitas decisões são tomadas com informações incompletas, ou assimétricas — alguns agentes detêm mais informações do que outros. Nos últimos anos, muitos economistas têm-se dedicado a analisar os efeitos dessas assimetrias de informação sobre o funcionamento dos mercados. 18 de oportunidade” é, como vimos em texto anterior, a expressão que se usa para indicar tal forma de definir o custo de uma ação. Se você considera a opção de ficar em casa estudando ou sair com os amigos, o custo de oportunidade de sua saída serão as horas de estudo que você vai perder (e os benefícios que tiraria disso). É, portanto, o que se “perde” (ou se deixa de ganhar) ao fazer uma escolha qualquer. O custo de oportunidade é um dos conceitos mais fundamentais da teoria econômica (e às vezes ignorado na prática dando origem a decisões incorretas, como vimos antes). “Custo”, em Economia, significa, essencialmente, custo de oportunidade. É uma visão distinta da do contador, por exemplo, para quem custos são, em princípio, os de natureza monetária. Num investimento, por exemplo, os custos apurados na contabilidade sãos os dispêndios incorridos pelo empresário — compra de máquinas e equipamentos, juros de financiamentos, etc. Já o economista procurará analisar, por exemplo, os lucros que o empresário deixou de ganhar em oportunidades alternativas de investimento. Ou, numa perspectiva mais ampla, os custos sociais do investimento, que incluirão, por exemplo, os danos ao meio ambiente trazidos pelo estabelecimento e a operação de uma nova instalação produtiva. 3. Escolha e decisão “na margem”. Esse é outro conceito da maior importância em Economia: muitas escolhas e decisões econômicas só têm sentido se feitas na margem, ou seja, considerando não grandezas totais (como custos ou receitas), mas os acréscimos a esses valores associados à decisão considerada. Um exemplo, já referido antes, torna a ideia mais clara. É o caso de viagens aéreas quando a venda de passagens, ao preço normal, deixa lugares vagos nos aviões. Nesse caso, o custo de transportar uma pessoa adicional — ou seja, o custo marginal — é irrelevante para a companhia aérea. Valerá a pena, então, oferecer os assentos que ficariam vagos a preços muito inferiores ao normal, o que traz para a companhia ganhos de publicidade e de conquista de novos passageiros. A venda de passagens a preços simbólicos é, nesse caso, uma decisão economicamente racional, que não traz prejuízo ao empresário, e não deve, assim, ser vista como uma prática de concorrência desleal (como o dumping, que é uma venda a preços abaixo do custo). Podem-se racionalizar muitas decisões empresariais a partir de uma comparação entre o custo marginal e a receita marginal. Suponhamos, por exemplo, que uma montadora produza, em suas fábricas, 200.000 carros por ano. Com um aumento de demanda, considera-se a possibilidade de aumentar a produção, no curto prazo, para 220.000, sem expandir as instalações produtivas. A decisão racional sobre isso levará em conta o custo marginal desse aumento de produção (que poderia envolver, por exemplo, turnos extras) e a receita marginal que o produtor poderá ter com o 19 aumento de vendas. Quem estudar Microeconomia verá a importância do cálculo marginal em várias questões importantes, como na determinação de preços. Voltando ao exemplo anterior de água e diamantes. Quando consideramos o benefício trazido por um balde de diamantes e um balde de água, o relevante é considerar o benefício marginal de cada um. Qual traz maior benefício marginal? Depende. Se uma pessoa estiver morrendo de sede num deserto, e não for possível trocar imediatamenteos diamantes por água, o que ela escolheria? Certamente a água — que, portanto, tem para esse indivíduo um benefício marginal superior ao das pedras preciosas. Mas, à medida que for saciando sua sede, o benefício trazido pela água irá diminuindo, e o interesse nos diamantes passará a ser maior. O benefício marginal da água é, portanto, decrescente. E o processo de escolha é, como fica claro nesse exemplo, afetado pelo fato de o benefício marginal ser decrescente. Essa é outra ideia importante em Microeconomia: o ganho marginal derivado do consumo de um dado bem (ou a utilidade marginal, como se diz em Microeconomia) decresce, em geral, com a quantidade consumida. 4. Decisões e incentivos Este é um princípio importante do raciocínio em Economia: os agentes econômicos respondem a incentivos. É uma decorrência do pressuposto da racionalidade dos agentes, como vimos, e também uma implicação do ponto 2, acima. Uma vez que as pessoas analisam e comparam custos e benefícios ao tomar decisões, seu comportamento e suas escolhas podem mudar quando mudam os custos ou os benefícios envolvidos. Ou seja, quando se altera o sistema de incentivos. Se o preço das bananas sobe, há um incentivo maior para que as pessoas comprem outras frutas, já que aumentou o custo de comprar bananas. Por outro lado, o preço mais alto das bananas trará estímulo aos que cultivam a fruta, os quais tenderão a aumentar sua produção, possivelmente investindo na expansão da plantação, contratando mais mão-de-obra e buscando ganhar mais com suas vendas. Haverá, assim, tanto incentivos ao consumo quanto à produção. Não existem apenas incentivos financeiros, pode haver incentivos morais, por exemplo. A desaprovação social a certas práticas, como a de jogar detritos nas ruas, faz com que pessoas bem- educadas as evitem. A conscientização quanto a questões ambientais tem induzido mudanças de comportamento com relação à preservação do meio ambiente. Quando tomamos decisões, portanto, levamos em consideração não apenas o custo de oportunidade de cada escolha ou a análise “marginal” dessa escolha, mas também os incentivos, positivos ou negativos, associados a certas opções. 20 5. Especialização na produção e trocas Numa coletividade onde há especialização de funções e trocas entre produtores, todos podem viver melhor do que em um mundo onde cada um produz tudo o que consome. Se o padeiro faz só pães; o sapateiro, sapatos; e o alfaiate, roupas, a produção desses itens será mais eficiente do que se cada produtor fabricasse todos eles. Com a especialização de funções, cada um se dedica àquilo que sabe fazer melhor, e a produção será maior do que no caso em que todos produzem tudo. A especialização está associada à troca: cada um produz seu artigo e o vende, e com o produto da venda compra os demais artigos para seu consumo. Como a produção é maior, com a especialização de funções, em princípio todos podem viver melhor. (Todos podem ganhar com especialização na produção e trocas entre os produtores, mas não necessariamente todos ganham, como você verá quando estudar o princípio das vantagens comparativas). Essa é uma proposição da maior importância: o comércio entre produtores pode melhorar a vida de todos. 6. Trocas e mercados Qual é a melhor forma de se organizar o sistema de especialização de funções e trocas entre produtores? Pode-se argumentar que, na maioria dos casos (mas não todos), isso é feito de forma mais eficiente pelo funcionamento livre dos mercados, sendo a alocação de recursos determinada, de forma descentralizada, pela interação entre os agentes econômicos, cada um tomando decisões guiadas pelos seus próprios interesses e pela sinalização dada pelos preços. Não é necessário, por exemplo, que haja uma autoridade que determine quais e quantos pães as padarias de uma cidade vão produzir, e como irão organizar sua atividade produtiva. É fácil imaginar que uma centralização de decisões dessa ordem produziria, muito provavelmente, muita burocracia e pouca eficiência. Sem dúvida é melhor, nesse caso, que se deixe o mercado funcionar. Se determinado tipo de pão tem muita procura, seus preços tenderão a subir, o que indicará aos padeiros que vale a pena produzir mais deles; e o contrário, se um artigo não sai das prateleiras. Dessa forma, haverá tendência a um ajuste entre o que é produzido e as demandas dos consumidores. Se um novo método de produção reduz os custos de fabricação de pães, haverá indução para adotá- lo, e quem não o adotar ficará em situação de inferioridade em relação aos demais produtores, lucrando menos ou perdendo dinheiro. E, pela concorrência entre as padarias, a adoção generalizada de um método mais eficiente de produção acarretará queda nos preços de venda, beneficiando os consumidores. Em suma, as decisões de cada um, orientadas por seu próprio interesse individual, têm como resultado uma situação desejável para a coletividade. Ficou famosa a expressão usada por Adam Smith, um influente economista do final do século XVIII, para descrever isso: ele disse que tudo se passava como se as ações individuais fossem 21 guiadas por uma “mão invisível”, de tal forma que a resultante de todas elas favorecesse o bem comum. (A mão invisível era, pode-se supor, a mão da Providência Divina; Smith era muito religioso). Mas, mesmo para os não religiosos, é evidente que o funcionamento do mercado, com base em ações descentralizadas, no sistema de preços e na interação entre oferta e demanda, pode, em inúmeras situações, ser mais eficiente, e levar a resultados superiores para a coletividade, do que um complexo sistema de planejamento governamental. 7. Falhas de mercado e funções econômicas do Governo. Em situações como a acima, o melhor é deixar o mercado funcionar, sendo desnecessária ou contraproducente, a intervenção governamental no sistema econômico. Em alguns casos, no entanto, essa intervenção é necessária ou desejável. Você vai estudar algumas situações em que o mercado não funciona adequadamente: “falhas de mercado” fazem com que seja indicada uma ação corretiva ou de coordenação por parte do governo. Isso sucede, por exemplo, quando há um conflito entre o interesse individual e o coletivo: em certos casos, se cada um agir em função de seu próprio interesse, o resultado é pior para todos, ou para a maioria. São também vistas como desejáveis e necessárias ações do governo no sentido de reduzir desigualdades, seja diminuindo o poder de mercado de certos agentes (como um monopolista, que pode fixar seus preços sem a restrição dada pela concorrência de outros produtores), seja por ações diretas de distribuição de renda, ou por outros instrumentos. Cabe também ao governo um papel da maior importância na efetivação de investimentos de infraestrutura (construção de estradas, portos, etc.), na provisão de serviços de educação e saúde e, em geral, em atividades que, por várias razões, não podem ser supridas de forma adequada pela iniciativa privada. Também o próprio funcionamento de mercados depende de ações do governo, garantindo, por exemplo, o cumprimento de contratos entre agentes econômicos (como no caso de empréstimos e financiamentos), os direitos de propriedade, os direitos dos consumidores e dos trabalhadores, e assim por diante — sem o que os agentes econômicos não teriam confiança de efetuar trocas e negociar entre si. Um tipo de ação governamental cuja importância passou a ser reconhecida na primeira parte do século passado visa combater ou evitar reduções significativas na atividade produtiva causando desemprego de mão-de-obra. Essas situações, como analisou Keynes, um economista inglês, em livro publicado em 1936, podem decorrer de uma insuficiência geral de demanda, ou seja, de um desequilíbrio entre o que é produzido e a disposição dos agentes econômicos em efetuar gastos deconsumo ou de investimento. Nesse caso, o governo pode agir no sentido de aumentar diretamente seus gastos (em investimentos de infraestrutura, por exemplo) ou estimular a demanda dos agentes 22 privados (reduzindo impostos, facilitando o crédito, etc.). Na recente crise econômica mundial, em 2008-2009, vários governos, inclusive o brasileiro, adotaram medidas nesse sentido. Cabe também mencionar que, na história econômica de vários países, como o Brasil, há exemplos de atuação importante do governo no sentido de promover investimentos em determinados setores, a partir do pressuposto de que a iniciativa privada não teria, por si só, recursos ou incentivos suficientes para levar adiante empreendimentos julgados necessários ou vantajosos, do ponto de vista da coletividade. Na industrialização brasileira em seu período inicial, quando a produção se voltava apenas ao mercado interno, o papel de ações governamentais foi primordial no fornecimento de incentivos de várias ordens aos investidores privados, no investimento promovido diretamente pelo Estado ou por suas empresas, em setores como o siderúrgico, etc. Embora, no passado, essas ações tenham tido efeito positivo sobre o desenvolvimento da indústria e o crescimento econômico brasileiro, especialmente no período de vigorosa expansão econômica entre 1930 e 1980, em geral, se reconhece que sua eficácia foi decrescente à medida que a economia se tornava mais complexa e, principalmente, mais integrada à economia internacional. Nesse novo contexto, a ineficiência de uma grande centralização de decisões econômicas no âmbito do governo foi-se tornando patente. Essa percepção influenciou a redução do papel do Estado na economia e o processo de privatização de empresas estatais, levado a efeito nas últimas décadas. 8. Padrões de vida e produtividade. Considerando o funcionamento da economia como um todo, há uma pergunta fundamental que é sempre feita: o que explica a riqueza, ou pobreza, de países ou de regiões? E questões paralelas: por que há uma variação tão grande no nível de riqueza? Por que diferenças tão grandes nos padrões de vida, pelo mundo? É claro que, em alguns casos, há uma resposta óbvia: a disponibilidade de certos recursos, em países ou regiões específicas, pode trazer-lhes grande vantagem relativa, e explicar a maior prosperidade de uns em relação a outros, menos dotados de tais recursos. É como se fosse uma “loteria” premiando, por exemplo, países árabes com enormes reservas de petróleo, a Rússia com muito gás em seu subsolo, o Brasil com minério de ferro e grande extensão de terras agricultáveis, etc. Já vimos, também, que em anos recentes a literatura econômica tem enfatizado a grande importância que instituições estatais podem ter sobre o bom funcionamento do sistema econômico e, particularmente, sobre as decisões dos investidores. Instituições estáveis e confiáveis facilitam o investimento e, por consequência, o crescimento econômico. Para alguns autores, esse seria o 23 principal fator da superioridade histórica das economias de países como os da Europa Ocidental e da América do Norte, sobre as chamadas economias subdesenvolvidas. Mas há uma explicação mais geral, especialmente relevante do ponto de vista de políticas econômicas visando promover o crescimento econômico. O padrão de vida médio de um país depende de sua capacidade de produzir bens; e essa capacidade produtiva tem relação direta com a eficiência, a produtividade de sua economia. A produtividade é a relação entre a quantidade produzida e a quantidade de fatores de produção utilizados: a produtividade do trabalho é a produção por homem-hora; a produtividade da terra é a produção por hectare, e assim por diante. De que depende a produtividade? Muito da tecnologia de produção: máquinas mais eficientes produzem mais; é claro que um trabalhador com um trator movimenta muitíssimo mais terra do outro que tenha apenas uma enxada. E depende também do nível de preparação, da educação e experiência da força de trabalho. Particularmente nas indústrias modernas, onde as funções dos operários em geral não se resumem a apertar continuamente o mesmo parafuso numa linha de montagem (como ironizado no famoso filme de Charles Chaplin, “Tempos Modernos”), o nível de conhecimento e preparação dos trabalhadores pode fazer enorme diferença, no que toca à eficiência produtiva. Não é coincidência, assim, que fases de aumento expressivo na produtividade tenham consequências muito favoráveis sobre o crescimento econômico. O extraordinário salto de produtividade ocorrido no período da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, consequente à introdução de inovações tecnológicas na indústria e à difusão de máquinas a vapor, contribuiu para fazer da Inglaterra a “oficina do mundo”, e para pôr esse país na liderança da economia mundial, no século XIX. A posição de vanguarda da economia dos Estados Unidos, atualmente, tem muito a ver com a enorme capacidade de geração de progresso técnico em atividades produtivas, nesse país, assim como sua liderança em pesquisa científica básica. Um alto nível médio de educação da força de trabalho, como nos países do Sudeste asiático, é outro claro fator de superioridade, na busca de maiores índices de produtividade e crescimento econômico mais vigoroso. No contexto brasileiro, pode-se mencionar que o rápido crescimento das exportações agrícolas, nos últimos quinze anos, tem relação direta com os expressivos aumentos de produtividade obtidos em setores como soja e açúcar ̶ que mostram, em algumas regiões do País, os maiores índices mundiais de produtividade por área. (E é importante referir que esses ganhos de produtividade resultaram, de forma decisiva, da atividade da EMBRAPA, um órgão governamental de pesquisa agropecuária. O que ilustra outro importante papel do Governo nas economias modernas: a condução de pesquisa básica e aplicada). 24 O caminho do crescimento econômico passa, assim, necessariamente, pela busca constante de aumentos de produtividade. E aumentos de produtividade, seja pela introdução de novas tecnologias na produção, seja pelo aumento do nível educacional da força de trabalho, dependem de investimentos (em máquinas e equipamentos, no sistema educacional, etc.). Isso ressalta a importância central do investimento no crescimento econômico dos países. A taxa de investimento (a relação entre o investimento total e o Produto Interno Bruto) é um indicador relevante, nesse contexto. No caso brasileiro, muitos analistas mostram preocupação com o fato de que nossa taxa de investimento é relativamente baixa, atualmente (inferior a 20%), em contraste com a de países cuja economia tem crescido de forma acelerada nos últimos anos, como a Índia e a China (com taxas de investimento da ordem de 30% e 40%, respectivamente). Os conceitos e princípios básicos, reunidos acima, serão a base de muitos conteúdos que virão pela frente, servindo de fundamento para análises mais elaboradas. QUADRO RESUMO - Oito Princípios de Economia Princípio 1 – No processo de fazerem escolhas, os agentes econômicos — indivíduos, empresas — enfrentam tradeoffs. Princípio 2 – O custo econômico de um bem é dado pela alternativa de que se abre mão para obtê-lo — seu “custo de oportunidade”. Princípio 3 – Escolhas racionais são feitas “na margem”. Princípio 4 – Agentes econômicos respondem a incentivos. Princípio 5 – O fato de trocas serem possíveis conduz à especialização na produção, e pode deixar todos em melhor situação. Princípio 6 – O uso de mercados é, em geral, mas nem sempre, uma boa maneira de organizar a atividade econômica. Princípio 7 – Quando o mercado falha, a intervenção do Governo pode ser indicada; e há outros papéis relevantes para o Governo, numa economia moderna. Princípio8 – O padrão de vida de um país depende, em princípio, de sua capacidade de produzir bens; e essa capacidade aumenta quando aumenta a produtividade. 25 Bruno Pereira Rezende, Flávio Rabelo Versiani, Patrícia Costa Rodrigues Vimos que a escolha é um componente fundamental das decisões dos agentes econômicos, e estudamos nesse contexto, a noção de custo de oportunidade. Vamos neste texto explorar essas idéias, e falar de trocas, um elemento básico da vida econômica. Antes, porém, será útil apresentar algumas definições de termos que usaremos com frequência. ALGUNS NOVOS CONCEITOS Cœteris paribus. Podemos começar chamando atenção para uma expressão comumente usada em textos de Economia: cœteris paribus (em latim) ou, em português, “tudo o mais constante”. É empregada para indicar que, num dado raciocínio, tomam-se como constantes todas as variáveis que poderiam ter influência no fenômeno em análise — com exceção da variável em consideração. Quando se afirma, por exemplo, que “se a demanda é inelástica, uma redução na quantidade ofertada aumenta a receita do monopolista, tudo o mais constante” (uma afirmativa cujo sentido ficará claro mais tarde), a idéia é examinar apenas o efeito da redução de oferta, abstraindo de outras causas de variação na receita. Tipos de Bens. Em Economia, o conceito de “bem” se refere a tudo aquilo que contribui para a satisfação direta ou indireta dos desejos e necessidades humanos. Às vezes a palavra é usada num sentido restrito, referindo-se apenas a coisas tangíveis, que têm existência física (mercadorias), em distinção a “serviços” (transporte, atividades de profissionais liberais, etc.). Quando estudamos as transações externas de um país, por exemplo, falamos em “exportação de bens e serviços”. Outras vezes é usada em sentido lato, abrangendo tanto mercadorias como serviços. Nesse sentido mais amplo, os bens costumam ser classificados segundo critérios de disponibilidade, forma de utilização e uso. É importante ter em mente que tais classificações não dependem de características intrínsecas do bem, mas da forma e circunstâncias em que é utilizado. O mesmo bem pode ser utilizado com bem de consumo e bem de capital, por exemplo. Veja o quadro a seguir. 26 bens livres bens econômicos bens intermediários bens finais bens de capital bens de consumo caráter naturezafunção bens não-escassos disponíveis suficientemente para satisfazer todos os desejos bens escassos cuja obtenção implica sempre um custo Exemplos: Ar, luz do sol bens que irão compôr ou se transformar em outros bens bens que não sofrerão mais nenhum processo de transformação ou de agregação de valor apesar de não se transformarem mais em outros bens, os bens de capital irão participar do processo de produção de novos bens bens capazes de satisfazer imediatamente as necessidades das pessoas Exemplo: Um MP3 player Exemplo: Cristal utilizado para a tela do MP3 player Exemplo: O mesmo MP3 player Exemplo: Máquina de montar as telas de cristal líquido do MP3 Exemplo: Pra variar, MP3 player Segundo a disponibilidade, os bens podem ser livres ou econômicos. Livres são aqueles cuja quantidade é suficiente para satisfazer a todos os indivíduos, estando disponíveis sem restrição. Exemplos comuns são o ar que respiramos (quando de fato disponível, sem poluição), a luz do sol etc. Os bens econômicos, nosso objeto de maior interesse aqui, caracterizam-se por serem escassos, e portanto temos que pagar para obtê-los, têm um preço no mercado. O ar numa mina subterrânea é um bem econômico, e não um bem livre: há custos para torná-lo disponível. Numa sociedade primitiva, como a dos nossos índios antes de Cabral, os bens eram em geral livres. Com o avanço da civilização, há cada vez menos bens livres. Já segundo sua forma de utilização, os bens econômicos podem se classificar em bens intermediários e bens finais. Os bens intermediários são aqueles que ainda sofrerão transformações para então se tornarem disponíveis para o uso (ou seja, deixando de ser algo para se tornar uma coisa diferente). Como exemplo, temos o cristal líquido que será utilizado na tela do MP3 player. Ou o aço que é matéria-prima de motores de automóvel. São bens intermediários porque ainda irão sofrer transformações, sendo incorporados em outros bens, para então se tornarem aptos ao uso (num MP3 player completo, num automóvel). Os bens finais, por sua vez, estão prontos para o uso ou consumo. Nos exemplos, seriam os MP3 players, ou os automóveis Por fim, segundo seu uso, os bens finais dividem-se entre bens de capital e bens de consumo. Os bens de capital são aqueles que não atendem diretamente às nossas necessidades, sendo utilizados na produção de outros bens ou serviços. Convém ressaltar que o que difere os bens de capital dos bens intermediários é que os bens de capital não sofrem transformação no processo Exemplo: MP3 Player utilizado por uma revista musical MP3 Player utilizado por um universitário comum disponibilidade forma de utilização uso 27 produtivo. Uma máquina de uma fábrica montadora de automóveis é um bem final porque não sofrerá mais transformações para sua composição, já está pronta para o uso. Um automóvel será um bem de consumo se utilizado por particulares, e um bem de capital se for parte de uma frota de táxis. Da mesma forma, o MP3 player é um bem de consumo quando usado apenas para se ouvir música por diversão, mas será um bem de capital se utilizado por uma revista especializada em crítica musical, por exemplo, pois nesse caso é fator de produção de um serviço (críticas musicais). Os bens de consumo podem também ser classificados em duráveis e não-duráveis. Os bens de consumo duráveis são aqueles que produzem serviços ou têm utilidade por um período de tempo, como geladeiras, máquinas de lavar, automóveis. Os não-duráveis são inteiramente usados no ato de consumo, como, tipicamente, alimentos. Roupas e sapatos, embora possam durar vários anos, não são classificados como bens duráveis (às vezes são referidos como “semiduráveis”). Note que casas não são bens de consumo durável: gastos com a aquisição de moradias não são considerados gastos de consumo, mas sim gastos de investimento das famílias (como veremos quando estudarmos Contabilidade Nacional). Eficiência econômica. A idéia de eficiência, em Economia, tem a ver com a obtenção do máximo possível, com os recursos disponíveis; ou a obtenção de certo resultado com o mínimo possível de recursos. No lado do consumo, se se considera a escolha de um consumidor entre vários bens, dada a soma de dinheiro disponível, a escolha será eficiente se só for possível consumir mais de um bem, se se diminuir o consumo de outros. Um empresário, dispondo de um dado conjunto de fatores de produção, e contemplando a produção de dois bens, estará alocando eficientemente os fatores de produção se o aumento de produção de um dos bens acarretar necessariamente uma redução na produção do outro bem. No lado da distribuição (de bens, ou de renda) entre vários agentes, a alocação será eficiente se só for possível melhorar a condição de um agente, em temos de bens ou de renda, piorando a condição de outros. Esse conceito de eficiência costuma ser associado ao nome de Pareto, um economista italiano; uma alocação eficiente é chamada de um “ótimo de Pareto”. Eficiência x Equidade. Em certas circunstâncias, pode haver um conflito entre eficiência econômica e equidade distributiva; fala-se, nesses casos, num trade-off entre eficiência e equidade. Por exemplo: o lançamento de impostos progressivos (os mais ricos pagando proporcionalmente mais de sua renda) é um princípio de equidade; mas esses impostos podem ter efeito negativo sobre os incentivos para o investimento, e causar outras distorções, impedindo a alocação eficiente de recursose reduzindo a produção. Sob certas condições, pode-se mostrar que uma economia de mercado tende a situações de eficiência econômica; mas não de igualdade distributiva. Se a 28 sociedade julga desejável que haja certo nível de igualdade, serão necessárias medidas de intervenção — como os impostos progressivos — que muitas vezes se contrapõem à eficiência alocativa. A escolha, pela sociedade, de uma combinação julgada adequada de eficiência econômica e equidade é tópico estudado na chamada Economia do Bem-Estar, um ramo da teoria econômica. Fatores de produção. Os fatores de produção (ou recursos produtivos) são os elementos básicos utilizados na produção de bens e serviços, comumente reunidos em três grandes categorias: terra, capital e trabalho. “Terra” refere-se não apenas às terras em que se pode cultivar, construir imóveis etc., mas também aos recursos naturais disponíveis, como minérios, ou água. “Capital” compreende os recursos produzidos pelo homem e destinados à produção de outros bens: máquinas, equipamentos e edifícios1. Por fim, “trabalho” refere-se ao conjunto de serviços humanos empregados na produção. ESCOLHA NO CONSUMO: A LINHA DE POSSIBILIDADES DE CONSUMO (LPC) Tendo em mente a escassez e as escolhas a que os agentes são submetidos e sabendo também que os mesmos agem sob a maximização dos ganhos, podemos agora fazer uma análise inicial do comportamento do consumidor em uma economia simplificada. Para ilustrar esse comportamento, traça-se a Linha de Possibilidades de Consumo (LPC) de um dado consumidor, com dois produtos que podem ser consumidos por ele. Num eixo estão determinadas as quantidades possíveis de um produto, e no outro eixo as quantidades de outro produto. A LPC é a reta que liga os dois eixos, mostrando as combinações possíveis dos dois produtos de acordo com a renda disponível. Ela é também chamada de “curva de restrição orçamentária”, justamente porque representa a restrição imposta pela quantidade de dinheiro disponível (orçamento) para sua alocação entre a compra de dois bens distintos. Tomemos João como exemplo. Digamos que João tenha disponível para alimentação, mensalmente, a quantia de R$150,00. Com esse dinheiro, pode escolher entre duas alternativas, ou uma combinação delas: comer no Restaurante Universitário (RU), por R$2,50, ou comer em uma rede de fast-food, por R$12,50. Sabendo esses dados, e sabendo que toda essa renda (R$150) é destinada à 1 Nesse sentido, capital é um conjunto de bens de capital; costuma-se falar, nesse contexto, em “capital físico”. Em outro sentido, capital é um conjunto de recursos financeiros aplicado a determinado fim, ou disponível para isso. O capital de uma empresa são os recursos financeiros nela aplicados por seus sócios ou acionistas. sacos de soja Fast-food 12 15 30 45 60 A B C D . . . . 9 . E 6 3 RU F . 29 alimentação de João, podemos traçar sua a LPC. O ponto A é aquele em que João escolhe gastar seus R$ 150,00 somente em fast-food, indo 12 vezes ao mesmo e 0 vezes ao RU (R$150/R$12,50 = 12). O ponto E é o oposto, em que João gasta tudo no RU, 60 vezes, e 0 vezes em fast-food (R$150/R$2,50 = 60). É importante notar que os pontos descritos na LPC são combinações possíveis, não necessariamente desejáveis. Entre esses pontos, João poderá escolher a combinação que preferir, podendo, por exemplo, escolher o ponto C, indo 30 vezes ao RU e 6 vezes ao fast-food, tendo uma combinação com as duas alternativas, ao invés de uma só. João poderia, obviamente, escolher comer, por exemplo, 6 vezes no fast-food e apenas 15 vezes no RU, combinação essa que estaria representada pelo ponto F, fora da LPC. Entretanto, como João é um agente maximizador (opera, portanto, sob a racionalidade do “homem econômico”), ele prefere ter mais bens do que menos (desconsiderando-se a hipótese de guardar esse dinheiro para gastar com outras coisas, ou para gastar no mês seguinte). Desse modo, escolherá necessariamente dentre os pontos sobre a LPC, lugar das combinações que utilizam ao máximo seus recursos disponíveis. Não escolherá um ponto abaixo da linha, e nem um ponto acima da linha, pois este extrapolaria seu orçamento disponível, e aqui se supõe que uma pessoa não pode gastar mais do que o orçamento destinado às compras desejadas dos dois bens. A LPC representa, assim, uma fronteira de consumo, mostrando o consumo máximo possível de João, dada sua restrição orçamentária. Porém, digamos que ele receba um aumento em seu salário, e consequentemente dedique parte desse aumento à sua alimentação, destinando agora não mais R$150, mas R$175 aos gastos com comida. Teremos, agora, uma quantidade máxima de fast-food igual a R$175/R$12,50 = 14, e uma quantidade máxima de idas ao RU igual a R$175/R$2,50 = 70 (veja representação ao lado). A LPC é, assim, deslocada na direção oposta à origem, mostrando que agora João poderá ir mais vezes tanto ao restaurante fast- food quanto ao RU, ilustrando que sua capacidade de consumo aumentou. A LPC pode, também, se deslocar em função da variação dos preços dos bens medidos nos eixos. O aumento do preço de um bem faz com que possamos, com um mesmo orçamento, comprar menos unidades desse bem. Dessa maneira, o aumento de preços desloca a LPC, no eixo do bem que sofreu o aumento, em direção à origem (para a esquerda, no eixo horizontal, ou para baixo, no eixo vertical). Por outro lado, a redução do preço de um bem, mantido o orçamento, desloca a LPC, no eixo do bem que sofreu a sacos de soja Fast-food 12 60 70 . . RU . . 14 30 redução do preço, em direção oposta à origem (para a direita, no eixo horizontal, ou para cima, no eixo vertical). ESCOLHA NA PRODUÇÃO: A CURVA DE POSSIBILIDADES DE PRODUÇÃO (CPP) Do mesmo jeito que a LPC demonstra a fronteira de consumo, a CPP demonstra a fronteira de produção de uma unidade produtiva (ou mesmo de uma economia), em que o produtor escolhe dentre alternativas, buscando maximizar seus ganhos. Assim como os consumidores, os produtores também têm uma restrição orçamentária: os recursos de que dispõem para a produção. Assim como na LPC, na CPP são representados apenas dois produtos, para facilitar a análise do modelo. Desse modo, a CPP mostra as combinações possíveis de produção de dois produtos com as quantidades disponíveis dos fatores de produção (terra, capital e trabalho), e com a tecnologia existente. Para simplificar ainda mais, utilizaremos a CPP com custos de oportunidade constantes, tornando-a retilínea (vide em anexo nota a respeito). Tomemos um produtor rural como exemplo. Com sua capacidade produtiva, ele é capaz de produzir de acordo com a CPP acima. No ponto A, o produtor destina todos os seus recursos à produção de milho (100 sacos), produzindo 0 sacos de soja. O ponto E mostra a situação inversa, em que há produção somente de soja (80 sacos), e 0 sacos de milho. Os pontos intermediários da CPP, como B, C e D, mostram combinações possíveis de produção de soja e milho. Cada ponto intermediário indica, dada certa produção de soja, qual o máximo de milho que pode ser produzido, e vice-versa. A CPP reúne os pontos em que o produtor pode produzir ao máximo, com seus recursos disponíveis. Se a produção está abaixo de seu potencial, há subutilização de recursos produtivos; isso é ilustrado pelo P, interno CPP, na representação gráfica ao lado. Nesse ponto a produção não é eficiente: seria possível produzir mais de um dos bens, sem diminuir a produção do outro. sacos de soja sacos de milho 100 20 40 60 80 A B C D . . . . 75 . E 50 25 sacos de soja sacos de soja sacos de milho 100 80 . . Esacos de soja P . sacos de soja sacos de milho 100 80 . . E sacos de soja P . , 31 Já quando o ponto P está sobre a CPP, os fatores de produção estarão sendo plenamente utilizados; a produção é eficiente. Só se poderá produzir mais milho se se produzir menos soja, e vice-versa. Diz-se, nesse caso, que se trata de uma situação de pleno emprego (emprego integral dos fatores disponíveis). Uma terceira situação seria a de um ponto P fora da área delimitada pela CPP. Como esta representa uma fronteira máxima de produção, dados os fatores disponíveis naquele momento, não é possível produzir em um ponto P, como mostrado ao lado. É uma situação inatingível — a não ser que haja aumento nos fatores disponíveis, ou se adotem inovações tecnológicas nos processos produtivos de soja ou milho, casos em que a CPP se desloca na direção contrária à origem. Assim como a LPC, a CPP pode ser deslocada. Esse deslocamento se dá pelo crescimento da capacidade produtiva de uma economia, como avanços tecnológicos ou aumento na quantidade de capitais, por exemplo, que deslocam a CPP para a direita (situação 1). Mas pode, também, ocorrer a situação inversa, em que, por uma eventualidade, como uma guerra, haja, por exemplo, uma redução dos fatores de produção disponíveis, e a CPP se desloca para a esquerda (situação 2). Voltando ao nosso exemplo do produtor rural, digamos que ele tenha um aumento em sua capacidade produtiva. Esse aumento pode se dar de diferentes maneiras. - Exemplo 1: Digamos que um novo tipo de fertilizante é descoberto e o produtor passe a usá-lo. A produtividade sacos de soja sacos de milho 100 80 . . E sacos de soja P . sacos de soja Sacos de milho 120 80 90 . . Sacos de Soja 100 . . SITUAÇÃO 1 sacos de soja Sacos de milho 100 60 80 . . Sacos de soja 90 . . SITUAÇÃO 2 sacos de soja sacos de milho 120 . . sacos de soja 100 . . 80 90 32 da terra aumentará tanto em relação ao milho quanto à soja, tendo o produtor sua capacidade produtiva aumentada em ambos os produtos, como ilustrado a lado. - Exemplo 2: Digamos que o produtor compre novos tipos de sementes de soja, oferecidas pela Embrapa, que germinam num menor período de tempo. Como a inovação se dá apenas na soja, a capacidade do produtor aumentará apenas nesse produto, permanecendo igual a capacidade produtiva de milho, como mostrado no gráfico. - Exemplo 3: Digamos agora que o produtor tenha adquirido uma máquina colheitadeira de milho mais eficiente. Analogamente ao caso anterior, como a máquina serve somente para a colheita do milho, a capacidade de produção aumentará só para esse artigo, permanecendo igual no caso da soja. A nova CPP sofrerá então o deslocamento indicado no terceiro gráfico. Poderia haver também o caso de redução da capacidade de produção apenas de soja ou apenas de milho (se, por exemplo, ocorresse uma praga que afetasse só uma das duas culturas). A representação gráfica seria análoga à dos exemplos 2 e 3, invertendo-se a direção do deslocamento da CPP. A CPP, assim como outras abstrações econômicas, é uma simplificação da realidade, para facilitar sua análise. Mas tem um papel muito importante para exemplificar os conceitos de escassez e escolha, entre outros. Um ponto sobre a fronteira de produção (utilização plena dos recursos produtivos) ilustra claramente uma situação de eficiência econômica: só se pode produzir mais de um dos bens reduzindo a produção do outro. Essa conclusão, apesar de simples e intuitiva, traz implicações e conclusões mais complexas, algumas das quais serão estudadas posteriormente. CPP E CUSTO DE OPORTUNIDADE Você viu acima que as alternativas de alocação de recursos para a produção de dois bens distintos podem ser representadas graficamente por meio de uma curva de possibilidades de sacos de soja sacos de milho . sacos de soja . . 80 90 100 sacos de soja sacos de milho 120 . sacos de soja 100 . . 80 33 produção (CPP), em que cada ponto da curva representa uma combinação possível de recursos para a produção de determinada quantidade de um bem 1 e outra quantidade de um bem 2. Considere a CPP representada ao lado, de um produtor rural que pode escolher entre produzir apenas milho, apenas soja ou ainda uma combinação dos dois bens. Se ele se dedicar apenas à produção de milho, consegue produzir 100 sacos do grão (ponto A). Caso opte por produzir apenas soja, consegue produzir 80 sacos (ponto E). As demais combinações estão representadas por todos os demais pontos existentes ao longo da reta traçada (a CPP), tais como B, C e D, por exemplo. Se o produtor se encontrasse na situação do ponto A, produzindo exclusivamente milho, e se encaminhasse para o ponto B, pode-se observar que ocorreria o seguinte: • A produção de milho diminuiria de 100 sacos para 75 sacos; e • A produção de soja aumentaria de 0 sacos para 20 sacos. Dessa maneira, pode-se dizer que o produtor abriu mão de produzir 25 sacos de milho (redução de 100 para 75 sacos) para passar a produzir 20 sacos a mais de soja (aumento de 0 para 20 sacos). Você já foi introduzido ao importante conceito econômico de custo de oportunidade: o custo de algo medido pela alternativa não adotada. No caso de uma escolha de consumo, o custo de oportunidade da opção por um bem é dado por quanto se tem que abrir mão de outro bem, para que se possa desfrutar do escolhido. Se você pensa em ir ao cinema ou estudar em casa, já que não pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo, terá que escolher; nesse caso, o custo de oportunidade de ir ao cinema é o estudo que deixou de fazer; e o custo de oportunidade de estudar em casa é o filme que deixou de assistir. Com o produtor rural do exemplo acima, a lógica é semelhante. Para aumentar a sua produção de soja, e caminhar do ponto A para o ponto B, ele teve que reduzir a produção de milho, pois seus fatores de produção (terra, capital e trabalho) são limitados. Em termos de custo de oportunidade, a questão que se coloca é: para produzir uma unidade a mais do bem 1, quantas unidades do bem 2 eu terei que sacrificar (ou seja, deixar de produzir)? No caso em análise, temos que, para produzir 20 sacos a mais de soja, esse produtor teve que abrir mão de produzir 25 sacos de milho. Para calcular o custo de oportunidade de produção de um saco de soja, basta fazer uma regra de três simples: sacos de soja sacos de milho 100 20 40 60 80 A B C D . . . . 75 . E 50 25 sacos de soja 34 Resolvendo a regra de três, temos que X = = 1,25 sacos a menos de milho. Isso significa dizer que, para produzir um saco a mais de soja, abre-se mão de 1,25 sacos de milho. Em resumo, o custo de oportunidade de um saco de soja é igual a 1,25 sacos de milho. Se esse produtor já se encontrar no ponto B e desejar agora caminhar em direção ao ponto C, para produzir 20 sacos a mais de soja, ele terá que diminuir ainda mais sua produção de milho, caindo de 75 sacos para 50 sacos (redução de 25 sacos). Pode-se perceber que, da mesma maneira como na situação anterior, o aumento da produção de soja em 20 sacos requereu a redução da produção de milho em 25 sacos. Isso significa que o custo de oportunidade de produção de 1 saco de soja continua o mesmo, 1,25 sacos de milho. Se fizermos as contas para passar do ponto C ao ponto D e do ponto D ao ponto E, o que encontraremos será a mesma coisa: o custo de oportunidade não se modifica. Isso ocorre porquea CPP é retilínea. Se não o fosse (sendo, portanto, curvilínea), poderíamos dizer que os custos de oportunidade iriam variar ao longo da curva. Dessa forma, pode- se dizer que o custo de oportunidade será sempre constante se a curva de possibilidades de produção for uma reta. Se a CPP for uma curva, o custo de oportunidade irá variar ao longo da curva (mais abaixo, você verá exemplos de CPPs curvilíneas e da variação dos custos de oportunidade ao longo da curva). Uma maneira mais prática de calcular o custo de oportunidade de produção de determinado bem em uma CPP retilínea, caso se disponha apenas dos valores máximos de produção dos bens nos dois eixos, é fazer a regra de três com os próprios valores máximos de produção. Assim, para sair do ponto A e se dirigir diretamente para o ponto E, temos que: • A produção de soja aumenta em 80 sacos (de 0 para 80); e • A produção de milho diminui em 100 sacos (de 100 para 0). Assim, para se calcular o custo de oportunidade de produção de 1 saco de soja, basta fazer a regra de três com esses valores extremos, como mostrado a seguir: Assim, encontramos o mesmo valor calculado acima, sendo X = = 1,25 sacos a menos de milho. Isso significa dizer que, do mesmo modo que encontrado acima, o custo de oportunidade de um saco de soja é igual a 1,25 sacos de milho. 25 20 id 80 sacos a mais de soja ------------------ 100 sacos a menos de milho 1 saco a mais de soja ------------------- X sacos a menos de milho 100 80 20 sacos a mais de soja ------------------ 25 sacos a menos de milho 1 saco a mais de soja ------------------- X sacos a menos de milho 35 Pode-se também calcular o custo de oportunidade de produção do milho, e o procedimento é semelhante. No fim das contas, teremos que o custo de oportunidade de produção de um saco de milho é igual a 0,8 sacos de soja. CUSTO DE OPORTUNIDADE E TROCAS A noção de custo de oportunidade tem uma aplicação de grande importância na análise das trocas entre agentes, que são, evidentemente, um elemento central no funcionamento do sistema econômico. Em particular, esse conceito permite explicar como todas as partes envolvidas em trocas podem se beneficiar desse comércio — tanto pessoas como países. Na unidade 6 da disciplina, em Economia Internacional, você verá a importância do custo de oportunidade no contexto do comércio internacional, e em que sentido todos os países podem sair ganhando com essas trocas. Mas, antes de passar à análise das trocas comerciais internacionais, discutiremos primeiro uma situação mais simples, com apenas dois produtores. O produtor Alfa e o produtor Beta são marceneiros e podem escolher entre produzir cadeiras ou mesas de madeira. Veja a seguir as CPPs dos dois produtores. A situação que temos aqui é, portanto, a seguinte: • O produtor Alfa pode produzir no máximo 12 cadeiras, se ele se dedicar apenas à produção de cadeiras, ou no máximo 4 mesas, se ele se dedicar apenas à produção de mesas, ou ainda uma combinação da produção de mesas e cadeiras. • O produtor Beta pode produzir no máximo 10 cadeiras, se ele se dedicar apenas à produção de cadeiras, ou no máximo 2 mesas, se ele se dedicar apenas à produção de mesas, ou ainda uma combinação da produção de mesas e cadeiras. O que distingue esses dois produtores? Por que têm curvas de possibilidades de produção diferentes? Por hipótese, eles têm acesso às mesmas tecnologias de produção. Mas cada um deles sacos de soja cadeiras 12 2 4 A B C . . . 6 mesas Produtor Alfa Produtor Beta sacos de soja cadeiras 10 1 2 A B C . . . 5 mesas 36 tem uma determinada dotação de fatores produtivos, que é considerada fixa. Podemos imaginar, por exemplo, que tenham oficinas de tamanhos diferentes, ou com equipamentos produtivos diferentes, ou ainda que um dos marceneiros seja mais talentoso que o outro, enquanto artesão, ou enquanto administrador de seu negócio. De qualquer forma, as possibilidades de produção dos dois marceneiros, descritas pelas respectivas CPPs, são distintas; esse é o ponto essencial. Um primeiro conceito a ser introduzido, nesse contexto, é o de vantagem absoluta. Tem vantagem absoluta na produção de determinado bem aquele produtor que consegue produzi-lo em maior quantidade. No caso das cadeiras, quem tem vantagem absoluta em sua produção é o produtor Alfa, que consegue produzir no máximo 12 cadeiras, enquanto o produtor Beta consegue produzir no máximo 10 cadeiras. Com relação às mesas, o produtor Alfa também possui vantagem absoluta em sua produção, uma vez que consegue produzir no máximo 4 mesas, enquanto o produtor Beta produz no máximo 2 mesas. O conceito de vantagem absoluta tem, portanto, relação com a quantidade produzida e, mais especificamente, com a produtividade — produtividade de cada produtor, no caso em foco, de uma empresa ou país, em casos mais gerais. Se ambos os produtores produzem a mesma quantidade de determinado bem, diz-se que ninguém tem vantagem absoluta na produção daquele bem, uma vez que a produção de nenhum dos dois ultrapassa a do outro, nesse bem específico. A idéia de vantagem comparativa. Compreendido o conceito de vantagem absoluta, passaremos agora ao conceito de vantagem comparativa. A vantagem comparativa está relacionada ao custo de oportunidade. Para saber quem possui vantagem comparativa na produção em determinado bem, é necessário calcular os custos de oportunidade de produção daquele bem para todos os produtores em questão. Na situação acima, dos dois marceneiros, temos que: Tem vantagem comparativa na produção de determinado bem 1 aquele produtor que tiver o menor custo de oportunidade em sua produção, ou seja, o produtor que deixar de produzir menos unidades de um bem 2 para produzir o bem 1 (menor custo de oportunidade de produção do bem 1). Com relação às cadeiras, o custo de oportunidade do produtor Alfa para produção de 1 cadeira é igual a 1/3 de mesa (≈ 0,33 mesa), enquanto o custo de oportunidade de produção de 1 Produtor Alfa Produção máxima de cadeiras: 12 Produção máxima de mesas: 4 Custo de oportunidade de produção de uma cadeira Custo de oportunidade de produção de uma mesa = 4 1 12 3 = mesa = 12 4 = 3 cadeiras Produtor Beta Produção máxima de cadeiras: 10 Produção máxima de mesas: 2 Custo de oportunidade de produção de uma cadeira Custo de oportunidade de produção de uma mesa = 2 1 10 5 = mesa = 10 2 = 5 cadeiras 37 cadeira para o produtor Beta é igual a 1/5 de mesa (= 0,2 mesa). Quem tem o menor custo de oportunidade na produção de cadeiras é, portanto, o produtor Beta (visto que 0,2 < 0,33). Assim, o produtor Beta tem vantagem comparativa na produção de cadeiras. Já com relação às mesas, o custo de oportunidade do produtor Alfa para a produção de 1 mesa é igual a 3 cadeiras, enquanto o custo de oportunidade de produção de 1 mesa para o produtor Beta é igual a 5 cadeiras. Quem tem o menor custo de oportunidade na produção de mesas é, portanto, o produtor 1 (visto que 3 < 5). Assim, o produtor Alfa tem vantagem comparativa na produção de mesas. Uma conclusão da maior importância, que pode ser tirada a partir do esquema acima, é que, havendo possibilidade de troca, os produtores tenderão a se especializar na produção daquele artigo em que têm vantagem comparativa, pois poderão ganhar com isso. Produzindo mais daquilo que sabe fazer melhor (mais barato), cada produtor trocará uma parte de sua produção pelo outro artigo, feito pelo outro produtor (no caso do exemplo, onde só há dois bens e dois produtores); e essa troca em geral deixará ambos em melhor situação. E o que determina essa possibilidade de ganho,a partir do comércio, é a vantagem relativa, e não a vantagem absoluta. Vejamos por quê. Continuando com nosso exemplo dos dois marceneiros, considere uma situação hipotética em que o produtor Alfa se especializasse inteiramente na produção de cadeiras (produzisse só cadeiras), pretendendo comprar algumas mesas do outro produtor; e o produtor Beta se especializasse inteiramente na produção de mesas (sendo igualmente seu objetivo ter certa mistura de cadeiras e mesas). Teríamos, dessa maneira, que o produtor Alfa produziria, ao todo, 12 cadeiras, e o produtor Beta, 2 mesas. Se ambos se encontram para fazer uma troca, é evidente que ambos buscarão, seguindo os princípios do “homem econômico”, maximizar seus ganhos e minimizar suas perdas. Se o produtor Alfa oferece cadeiras ao produtor Beta para trocar por mesas, ele esperará pagar pelas mesas menos do que ele pagaria se fosse produzi-las (ou seja, desejará pagar no máximo 3 cadeiras por mesa, que é o custo de oportunidade de produção de 1 mesa para ele). Da mesma forma, o produtor Beta, recebendo as cadeiras do produtor Alfa e dando em troca mesas, desejará receber mais cadeiras do que ele deixaria de produzir para fazer 1 mesa (ou seja, desejará receber no mínimo 5 cadeiras por mesa, que é o custo de oportunidade de produção de 1 mesa para ele). Ora, se um deseja, para não sair perdendo com a troca, pagar no máximo 3 cadeiras, e o outro, com o mesmo propósito, deseja receber no mínimo 5 cadeiras, pode-se dizer que eles não chegarão nunca a um acordo. Por que isso ocorre? Porque a especialização não se deu de maneira economicamente eficiente. Em lugar de se especializarem naquilo podem fazer melhor (mais barato, com custo de 38 oportunidade menor), fizeram o oposto. Cada um se especializou naquele produto em que não tem vantagem comparativa. Nessa circunstância, ninguém pode sair ganhando com a troca. Considere agora a situação em que ambos se especializam naquilo em que de fato têm vantagem comparativa (o produtor Alfa se especializando na produção de mesas e o produtor Beta, na produção de cadeiras). Se o produtor Alfa oferecer mesas ao produtor Beta, em troca das cadeiras que este produz, ele desejará receber pelo menos 3 cadeiras por mesa (que é o custo de oportunidade de produção de 1 mesa, para ele). Já o produtor Beta, recebendo as mesas do produtor Alfa e dando em troca cadeiras, desejará pagar no máximo 5 cadeiras por mesa (que é o custo de oportunidade de produção de 1 mesa para ele). Dessa forma, se um deseja receber no mínimo 3 cadeiras e o outro deseja pagar no máximo 5 cadeiras, podemos dizer que qualquer valor de cadeiras no intervalo de 3 a 5 (3, 4 ou 5) configurará uma troca possível entre ambos. Se estipularem o valor de 4 cadeiras, por exemplo, o produtor Alfa sairá ganhando, uma vez que receberá 1 cadeira a mais pela mesa do que ele poderia produzir caso deixasse de produzir aquela mesa para produzir cadeiras (visto que seu custo de oportunidade de produção de 1 mesa é igual a 3 cadeiras), e o produtor Beta também sairá ganhando, uma vez que ele pagará 1 cadeira a menos do que ele teria que deixar de produzir para produzir 1 mesa (visto que seu custo de oportunidade de produção de 1 mesa é igual a 5 cadeiras). Dessa maneira, ambos os produtores saem ganhando com a troca comercial, uma vez que os dois se especializaram na produção daquilo em que possuem vantagem comparativa. OS GANHOS COM A TROCA As diferenças nos custos de oportunidade, dando origem às vantagens comparativas, abrem a possibilidade de trocas, e as trocas podem produzir ganhos para todos. No último exemplo acima (em que cada um se especializa na produção “correta”), fica claro que a distribuição desses ganhos vai depender da relação em que se dê a troca, ou seja, do preço que cada produtor obtenha pelo artigo que vende (o preço, no caso, é medido em unidades do outro bem). Por exemplo: se a troca se der na proporção de 3 cadeiras por 1 mesa, o produtor Beta certamente ganha: se quisesse produzir 1 mesa em sua própria oficina, teria que produzir 5 cadeiras a menos (1 mesa “custaria” para ele 5 cadeiras), enquanto pela troca esse custo baixa 40%, passando para 3 cadeiras apenas. E o produtor Alfa? Esse nada ganharia com a troca: ele poderia obter 3 cadeiras, sacrificando a produção de 1 mesa, em sua própria oficina. Nesse caso, portanto, os ganhos do comércio são inteiramente apropriados por Beta. Mutatis mutandis, é fácil ver que, se a relação de troca for de 5 cadeiras por 1 mesa, todo o ganho vai para Alfa: antes do comércio, 1 cadeira custaria para ele 1/3 de uma mesa, e com o comércio ele pode obter 1 cadeira por 1/5 de uma mesa — uma redução também de 40%. Por seu 39 turno, Beta não tem qualquer ganho, pois sua relação de troca continua a mesma, com ou sem comércio. Mas se a relação de troca for, por exemplo, 4 cadeiras por uma mesa, ambos ganham: o custo de 1 mesa para Beta passa de 5 para 4 cadeiras — uma redução de 20% — e o custo de 1 cadeira para Alfa cai de 1/3 para 1/4 de mesa — redução de 25%. Pode-se dizer que a condição para que ambos os participantes da troca aufiram ganhos é que a relação de troca fique entre as relações de transformação internas (os custos de oportunidade na produção) de Alfa e Beta. E ainda: quanto mais próxima da relação de transformação interna de Alfa for a relação de troca, menor será o ganho de Alfa, e maior o de Beta. E vice-versa. Pode-se perguntar: qual a origem dos ganhos com o comércio? Como podem todos ganhar, se os fatores de produção sãos os mesmos, e estão plenamente utilizados (dado que a produção se dê sobre a CPP), tanto em Alfa como em Beta, e tanto antes como depois de aberta a possibilidade de comércio? Qual a mágica? Não há mágica, de fato. O que acontece é que o comércio melhora a alocação dos recursos produtivos para o conjunto dos dois produtores. Antes da troca, a produção era eficiente, em cada unidade produtiva considerada isoladamente, desde que se desse num ponto da CPP respectiva. Mas, aberto o comércio, isto não é mais verdade; agora, a maximização da eficiência produtiva requer que cada um se dedique a produzir mais aquilo que faz melhor. Ou seja, é necessário que haja especialização.2 Agora a eficiência produtiva deve ser analisada no contexto de uma CPP conjunta, que abranja tanto a CPP de Alfa quanto a de Beta. Propõe-se que, como exercício, o aluno trace essa CPP conjunta de Alfa e Beta. E mostre que, com o comércio, pelo menos um dos participantes irá se especializar inteiramente na produção do bem em que tem vantagem comparativa. TROCAS E ESPECIALIZAÇÃO: ALGUMAS APLICAÇÕES Suponha que, além de ser muito demandado como modelo de comerciais, Pedro é também um excelente alfaiate. Mas apenas porque ele pode costurar muito bem significa que ele deveria fazê- lo? Para descobrir isso, podemos empregar os conceitos de custo de oportunidade e vantagens comparativas. Digamos que Pedro consegue costurar um terno completo em um dia, 8 horas de trabalho. Nas mesmas 8 horas, ele poderia se dedicar a gravar um comercial, e ganhar R$10.000. Natália, amiga de Pedro, gasta todo um fim de semana para costurar o mesmo terno, e nesse período poderia trabalhar como garçonete e ganhar R$200. 2 A especialização pode ser total (com produção apenas do bem em que o produtor tem vantagem comparativa) ou apenas parcial — dependendo da mistura dos dois bens que cada produtor deseja obter. 40 Nesse exemplo, o custo de oportunidade de Pedro para costurar o terno é de R$10.000, e o de Natália é de R$200. Pedro tem clara vantagem absoluta na produção do terno, porque o faz em menos tempo. Mas Natália tem vantagem comparativa na produção do terno, porque custo de oportunidade do tempo empregado nisso é menor. Dessa maneira, não é difícil perceberque Pedro deveria especializar-se em fazer comerciais, enquanto Natália costura seus ternos. Qualquer valor pago por Pedro a Natália que se situe entre R$200 e R$10.000 será, portanto, benéfico a ambos. Da mesma forma que pessoas, países podem se beneficiar da especialização, a partir de suas vantagens comparativas em relação a outros países, um tema que será desenvolvido na 6ª unidade do curso. Suponhamos, num exemplo, dois países, Brasil e Argentina, produzindo dois produtos, geladeiras e soja. Tanto um trabalhador brasileiro quanto um trabalhador argentino produzem 200 geladeiras por mês. Mas o trabalhador brasileiro pode produzir 2 toneladas de soja mês, enquanto o trabalhador argentino consegue produzir apenas 1 tonelada. É fácil perceber que, nessa situação, nenhum dos dois possui vantagem absoluta na produção de geladeiras, e o trabalhador brasileiro possui vantagem absoluta na produção de soja. Mas os ganhos do comércio, como visto acima, baseiam-se não na vantagem absoluta, mas na vantagem comparativa. Assim, pelo fato de o custo de oportunidade de produção de 1 geladeira ser igual a 1/100 tonelada de alimentos no Brasil e 1/200 tonelada de alimentos na Argentina, a Argentina tem vantagem comparativa na produção de geladeiras. A Argentina deveria, nesse exemplo hipotético, especializar-se na produção de geladeiras, produzindo mais desse artigo do que consome, e vendendo geladeiras para o Brasil. E o oposto para o Brasil, que se especializaria na produção de soja. Por meio da especialização e do comércio, ambos os países poderiam ter mais soja e mais geladeiras, pagando menos por isso. Como você verá na unidade 6 do curso, a realidade do comércio entre os países envolve questões mais complexas do que as apresentadas nesse exemplo. Cada país tem cidadãos com diferentes interesses, e o comércio internacional pode fazer alguns indivíduos ficarem em pior situação, mesmo sendo benéfico para o país como um todo. A redução da produção interna de um bem em que o país X não tenha vantagem comparativa, em benefício da importação desse bem do país Y, pode causar desemprego nesse setor, em X. O que pode levar a pressões, nesse país, para que a importação não se dê. Uma situação como essa está sendo causa, atualmente, de disputa comercial entre o Brasil e os Estados Unidos: os produtores americanos de algodão, produto em que o Brasil tem clara vantagem comparativa, resistem em reduzir sua produção, pressionam o governo de seu país e obtém subsídios que os permitem manter-se no mercado. Embora a Organização Mundial do Comércio tenha decidido que essa ação está em desacordo com as regras decididas pelos países membros (tanto 41 o Brasil como os Estados Unidos são membros da OMC), a situação permanece, beneficiando um pequeno, mas poderoso grupo de produtores naquele país, e prejudicando não só os produtores brasileiros, mas também os consumidores americanos, que têm que pagar mais caro pelo algodão que consomem. Exportadores brasileiros de produtos agropecuários enfrentam problemas análogos na União Européia, cuja política agrícola é extremamente protecionista em relação à produção, comparativamente ineficiente, de países como a França. Além disso, um país que tenha vantagem comparativa na produção de determinado produto não está necessariamente destinado a produzi-lo por toda a eternidade. Vantagens comparativas podem aparecer, ou desaparecer, ao longo do tempo. A dotação de fatores, considerada fixa nos modelos analíticos, pode na realidade mudar, por várias razões: inovações tecnológicas, novas descobertas de recursos naturais, economias de escala, etc. A partir dessa noção, vários países, inclusive o Brasil, adotaram, no século passado, políticas protecionistas (restrições à importação) visando estimular o desenvolvimento da produção industrial interna. Em nosso caso, essas políticas contribuíram para o surgimento e expansão de um setor industrial vigoroso; mas deram origem, também, a problemas e seqüelas desfavoráveis, como estudaremos mais tarde no curso. Apesar de limitações ou obstáculos que sua aplicação possa enfrentar, como princípio de política econômica, a idéia de vantagem comparativa é uma proposição fundamental da teoria econômica. Enunciada pela primeira vez pelo economista inglês David Ricardo, no início do século XIX (no contexto de uma análise do comércio entre Portugal e a Inglaterra), já aparecia, em embrião, na “Riqueza das Nações”, de 1776, livro de Adam Smith que costuma ser visto como o primeiro compêndio abrangente de teoria econômica, onde o autor afirmava: “Eis uma máxima que todo chefe de família prudente deve seguir: nunca tentar fazer em casa aquilo que seja mais caro fazer do que comprar. O alfaiate não tenta fabricar seus sapatos, mas os compra do sapateiro. Este não tenta confeccionar seu traje, mas recorre ao alfaiate. O agricultor não tenta fazer nem um nem outro, mas se vale desses artesãos. Todos consideram que é mais interessante usar suas capacidades naquilo em que têm vantagem sobre seus vizinhos e comprar, com parte do resultado de suas atividades, ou o que vem a dar no mesmo, com o preço de parte das mesmas, aquilo de que venham a precisar”. (SMITH, 1985:380) O princípio de vantagens comparativas é um argumento importante na crítica às restrições ao comércio internacional, já que demonstra que o livre comércio maximiza a produção e pode trazer 42 ganhos para todas as partes envolvidas. No passado, esse argumento foi muito utilizado, nos países mais industrializados, para criticar o protecionismo de países em desenvolvimento em relação a seus setores industriais emergentes. Hoje, um tanto ironicamente, a mesma crítica é dirigida ao protecionismo agrícola dos países altamente industrializados. Todos concordam, em princípio, que a liberalização do comércio internacional é um objetivo desejável; mas os obstáculos políticos à consecução desse objetivo são evidenciados pelas dificuldades enfrentadas na chamada “Rodada de Doha” de negociações internacionais de liberalização do comércio, em curso há vários anos, sem que se chegue a um acordo. 43 ANEXO: o custo de oportunidade em CPPs curvilíneas Como dito acima, o custo de oportunidade é constante em CPPs retilíneas, e variável em CPPs curvilíneas. Mas como isso funciona? Tomemos o exemplo dado no início dessa seção, acerca da produção de milho e soja. Veja abaixo duas representações, uma de uma CPP retilínea e outra de uma CPP curvilínea. Na CPP retilínea, já vimos que o custo de oportunidade de 1 saco de milho é igual a 0,8 sacos de soja. Vamos agora calcular os custos de oportunidade de 1 saco de milho para a situação da CPP curvilínea acima. Trajeto Custo de Oportunidade A B 25 sacos de milho a menos (de 100 para 75) ------- 50 sacos de soja a mais (de 0 para 50) 1 saco de milho a menos ------ W sacos de soja a mais W = 2 sacos de soja B C 25 sacos de milho a menos (de 75 para 50) ------ 15 sacos de soja a mais (de 50 para 65) 1 saco de milho a menos ------ X sacos de soja a mais X = 0,6 sacos de soja C D 25 sacos de milho a menos (de 50 para 25) ------ 10 sacos de soja a mais (de 65 para 75) 1 saco de milho a menos ------ Y sacos de soja a mais Y = 0,4 sacos de soja D E 25 sacos de milho a menos (25 para 0) ------ 5 sacos de soja a mais (de 75 para 80) 1 saco de milho a menos ------ Z sacos de soja a mais Z = 0,2 sacos de soja sacos de soja sacos de milho 100 20 40 60 80 A B C D . . . . 75 . E 50 25 sacos de soja sacos de soja sacos de milho 100 50 65 75 80 A B C D . . . . 75 . E 50 25 sacos de soja 44 Nota-se, portanto, que, emuma CPP não retilínea, como a representada acima (côncava em relação à origem), à medida que cresce a produção de um dos bens, seu custo de oportunidade aumenta. O que isso reflete é o fato de que, em várias situações, ocorrem rendimentos decrescentes, quando se transferem recursos produtivos de uma atividade para outra (por exemplo: remanejar trabalhadores para uma atividade diferente daquela que usualmente exercem pode provocar perda de produtividade, de forma crescente: primeiro se transferem os mais adaptáveis, mas depois será preciso lançar mão de trabalhadores menos susceptíveis a um retreinamento). Pode-se pensar numa CPP convexa em relação à origem? Sim, na presença de rendimentos crescentes na produção. Em várias atividades, um aumento de produção traz redução no custo médio; fala-se que há rendimento crescente de escala (ou economias de escala). A suposição de que a CPP seja retilínea traz, no entanto, evidente simplificação no raciocínio e nos cálculos, sendo essa a principal razão de sua adoção. 45 Lívio William Reis de Carvalho 1. Introdução Sabemos que, historicamente, as sociedades e os países se engajam no comércio entre si, vendendo e comprando uma infinidade de itens. Sabemos também que é esse tipo de comércio difere do comércio interno (realizado dentro de cada país) por várias razões: para realizar esse comércio, em boa parte das vezes, tem-se que vencer distâncias muito maiores que aquelas do comércio interno, significando maior custo de transporte; principalmente, tem-se que levar em conta que os países têm moedas diferentes (vamos nos abstrair da experiência da zona do euro). Se uma empresa brasileira quer comprar (importar) um bem nos Estados Unidos (uma exportação dos Estados Unidos) ela tem que adquirir dólares. De outra parte, se uma empresa dos Estados Unidos quer adquirir um produto no Brasil (uma importação dos Estados Unidos e uma exportação brasileira) ela vai pagar em dólares, que serão convertidos em reais pela empresa brasileira. Isto tudo sem falar nos contextos institucional e legal diferenciados entre países, o que pode ter implicações para o comércio entre eles. Intuitivamente, é possível dizer que deve haver fortes razões para existir o comércio entre os países, já que tantos países se engajam nesta atividade e alguns já chegaram a travar guerras por causa de interesses comerciais. Este texto procura dar indicações no sentido de responder a perguntas do tipo: por que dois países comercializam? Que produtos devem comercializar? Vamos começar por uma teoria que dominou o comportamento dos países durante séculos: o Mercantilismo. 2. O Mercantilismo O Mercantilismo pregava dois tipos inter-relacionados de comportamento para os estados nacionais: a obtenção de superávits nas transações externas e o consequente acúmulo interno das moedas internacionais do período, ouro e prata. Como é impossível que todos os países tenham superávit simultaneamente, depreende-se que a doutrina implicava uma noção assimétrica de ganhos do comércio, de cunho nacionalista. Buscava-se a defesa dos interesses próprios do país, mesmo que em detrimento dos demais: se o objetivo era obter superávits no comércio externo, um país não ganharia sem que outros perdessem. 46 O acúmulo de ouro e prata era visto como o instrumento pelo qual os Estados adquiririam riqueza; para isso, dever-se-ia exportar o máximo e importar o mínimo. Com balança comercial sempre favorável, o país aumentaria a sua riqueza, pois receberia mais do que despenderia em moeda internacional. Assim, durante os cerca de três séculos em que o Mercantilismo foi influente como doutrina de política econômica (do início do século XVI a meados do século XVIII), os países da Europa Ocidental, que em geral estavam consolidando, nesse período, sua unidade nacional, buscavam incrementar suas exportações. A obtenção de monopólios era uma forma de maximizar os ganhos do comércio; nesse sentido, era central o papel do Estado, garantindo exclusividade e privilégios, como no caso das companhias de comércio. Ganhavam com isso os grupos envolvidos no comércio externo; estes, por sua vez, contribuíam para o financiamento dos estados nacionais em consolidação: havia vantagens recíprocas. O comércio internacional era um elemento fundamental de política econômica e visto como o meio por excelência de acumular riquezas, especialmente no caso de países que — diferentemente da Espanha, nos séculos XVI e XVII, e Portugal, no século XVIII — não contavam com suprimento abundante de ouro e prata proveniente de suas colônias. A política colonialista do período foi diretamente influenciada pela visão mercantilista então predominante. O objetivo central era explorar ao máximo as riquezas das colônias, visando obter ganhos por meio da exportação de produtos para o mercado europeu (ou buscar a descoberta de minas de ouro e de prata). Em decorrência disso, procurava-se impedir o desenvolvimento, nas colônias, de qualquer atividade produtiva que não conduzisse a ganhos de comércio para as metrópoles. O Mercantilismo não foi uma doutrina unificada, mas teve manifestações distintas nos escritos de vários autores e na prática política de diferentes países, nesse período. São formas de Mercantilismo o Bulhonismo (de bullion, barra de ouro ou prata), doutrina que defendia o acúmulo de metais; o Colbertismo, política seguida por Colbert, ministro de Luís XIV, favorecendo a expansão das exportações e da produção interna na França; o Cameralismo, um equivalente alemão do Colbertismo. Na segunda metade do século XVIII — coincidindo com a Revolução Industrial, que mostrava novas possibilidades de crescimento econômico a partir de ganhos de produtividade — a doutrina mercantilista passou a ser crescentemente criticada. Provavelmente, a crítica mais influente foi a de Adam Smith, no seu famoso livro de 1776, Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações, que contém uma defesa veemente do livre comércio. Alguns críticos acusavam de irracional o objetivo de acumulação de metais, falando em um ‘complexo de rei Midas’, o 47 mitológico personagem que obteve o dom de transformar em ouro tudo o que tocasse, e quase morre de inanição. Mas outro famoso economista, Keynes, defendeu os mercantilistas nesse ponto, em seu livro de 1936, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda: o aumento do estoque de moeda (ouro e prata), fazendo diminuir a taxa de juros, poderia ser visto como uma política de estímulo ao investimento, em uma época em que os governos não dispunham de outros instrumentos de política econômica visando esse fim. Contrariamente à visão mercantilista, que focalizava os ganhos de um determinado país, em detrimento de outros, a teoria que emergiu no início do século XIX com David Ricardo, em seu livro Princípios de Economia Política e Tributação, de 1817, sustentava que o livre comércio pode ser benéfico para todos, como veremos a seguir. 3. Teoria das Vantagens Comparativas Vimos que quando uma pessoa (firma, país) produz algo (bem ou serviço) melhor, mais eficientemente, com maior produtividade do que outra pessoa (firma, país), dizemos que a primeira pessoa (firma, país) tem vantagem absoluta na produção deste bem ou serviço em relação à segunda pessoa (firma, país). Exemplo: se numa jornada de 8 horas (em condições idênticas de trabalho, especificações de material, ferramentas etc.) Pedro produz 20 kg de cereais, enquanto José produz apenas 15 kg, dizemos que Pedro tem uma vantagem absoluta sobre José no desenvolvimento desta atividade. Vamos supor agora que Pedro e José são dois donos de sítios que produzem carne e cereais. Vamos supor também que Pedro tenha vantagem absoluta bem marcante na produção de carne e José tenha essa mesma vantagem absoluta marcante na produção de cereais. Com o passar do tempo,provavelmente eles chegariam à conclusão que seria melhor Pedro se especializar na produção de carne e José na produção de cereais e cada um com a venda de seus produtos que excedesse o consumo de suas respectivas famílias, comprar outros bens. Examinaremos, agora, o que aconteceria se Pedro tivesse vantagem absoluta na produção de ambos os bens, com um exemplo bem simples, mostrado na tabela abaixo, que apresenta a produção de carne e cereais por Pedro e José numa jornada de 8 horas de trabalho (4 horas para cada produto): 48 Produção Carne Cereais Produção por Hora Produtor Carne Cereais Pedro 24 48 6 12 José 8 32 2 8 As curvas de possibilidade de produção são mostradas abaixo (em gráficos com escalas diferentes): Vê-se que trabalhando 4 horas na produção de cada um dos bens Pedro produziria 24 kg de carne e 48 kg de cereais, enquanto José produziria 8 kg de carne e 32 kg de cereais. Ressalte-se que Pedro tem vantagem absoluta na produção dos dois bens. Será que numa situação como esta teria alguma vantagem para Pedro especializar-se em algum produto e propor uma parceria com José? Ou, já que ele é mais eficiente, não seria melhor para ele continuar produzindo os dois bens e José que fosse tratar de sua vida? Examinemos os números para responder a estas perguntas. Para tanto, vamos utilizar um conceito já visto na Unidade 1: o conceito de custo de oportunidade. Para Pedro, cada hora adicional que ele dedicar à produção de cereais ele deixa de produzir 6 kg de carne e pode produzir 12 kg de cereais. Ou seja, a relação é de 1 kg de carne para 2 kg de cereais. Diz-se, então, que para Pedro o custo de oportunidade (CO) de 1 unidade de carne em termos de cereais é 2 ou, se invertermos a direção do cálculo, diz-se que para Pedro o CO de 1 unidade de cereais em termos de carne é 1/2. Agora vamos examinar a questão do ponto de vista de José. Vemos que para José o CO de 1 unidade de carne em termos de cereais é 4, ou o CO de 1 unidade de cereais em termos de carne é 1/4, como mostrado na tabela abaixo: 49 CO Carne /Cereal CO Cereais / Carne Pedro 2 ½ José 4 ¼ Vê-se que Pedro tem custo de oportunidade menor que o de José em carne, mas José tem menor CO do que Pedro em cereais. Dito de outra forma: Pedro tem vantagem comparativa na produção de carne, e José vantagem comparativa na produção de cereais. Nesse caso, se José der (por exemplo) 3 kg de cereais para Pedro em troca de 1 kg de carne, os dois melhoram de situação. Sem a troca, José, para obter 1 kg de carne, teria que deixar de produzir 4 kg de cereais (pois essa é sua relação interna de transformação, seu CO). Ou seja, teria um custo maior. Pedro, por sua vez, para obter 3 kg de cereais, sem a troca, teria que abrir mão de 1,5 kg de carne (pois seu CO de 1 kg de cereais é 0,5 kg de carne). Ele também teria um custo maior, sem a troca. Vê-se, então, que ambos claramente ganham com a troca de mercadorias entre eles. É fácil ver que a condição para que ambos tenham ganhos é que a relação de troca se situe entre as relações internas de transformação de Pedro e de José. Quais as lições que podemos extrair deste exercício? A primeira é que a especialização na produção pode ser vantajosa para as duas partes, cada uma se especializando no bem que produz com menor custo relativo (custo de oportunidade). A segunda é que, embora Pedro tenha vantagem absoluta em ambos os bens, há proveito na especialização e na troca porque Pedro tem vantagem comparativa na produção de carne e José na produção de cereais. Ou seja, o que conta são os custos relativos de cada um deles na produção de um bem em relação ao outro. José é menos eficiente do que Pedro na produção dos dois bens em termos absolutos, mas é mais eficiente na produção de cereais do que de carne, e isto abre espaço para que haja comércio entre ele e Pedro, com ganhos para ambos. Podemos visualizar esses ganhos considerando as possibilidades de consumo antes e depois do comércio. Sem troca, a Curva de Possibilidades de Consumo (CPC) necessariamente coincide com a Curva de Possibilidades de Produção (CPP). Suponhamos que inicialmente Pedro consumisse 38 de carne e 20 de cereais, e José 8 de carne e 32 de cereais (cada um em ponto de sua CPC≡CPP). Especializando-se inteiramente na produção de carne, Pedro poderia trocar com José 10 kg de carne por 30 kg de cereais. Seu consumo saltaria então para 38 kg de carne (como antes) e 30 kg de cereais (em lugar de 20 kg): o ponto B, que antes do comércio seria inatingível. Esse ponto pertence a uma nova CPC de Pedro, exterior à sua CPP. Por sua vez José, especializando-se inteiramente na 50 produção de cereais, ficaria, após a troca, com 34 kg de cereais (64 produzidos menos 30 dados em troca) e 10 kg de carne. Consumiria agora mais de ambos os bens do que antes. O ponto B de sua nova CPC estaria igualmente fora de seu alcance, antes do comércio. Ver os gráficos abaixo. Podemos concluir que o bem-estar dos dois, medido pela quantidade de bens que consomem, é maior após a especialização e a troca do que antes. No exemplo numérico que acabamos de ver, se substituíssemos “Pedro” e “José” por “Indústria de Carne” e “Indústria de Cereais”, ou por “País A” e “País B”, as conclusões permaneceriam válidas. Esse exemplo ilustra a chamada Teoria das Vantagens Comparativas, elemento central da análise do comércio internacional, desde que foi proposta, no início do século XIX, por David Ricardo, economista inglês descendente de judeus portugueses. No Anexo 1 – Uma Formalização da Teoria das Vantagens Comparativas, generaliza-se o exemplo numérico utilizado para o caso de dois produtos e dois países, explicitando-se melhor algumas hipóteses implicitamente utilizadas, tal como o uso de um só fator de produção, o fator trabalho. 4. Outras Teorias para Explicação do Comércio Internacional Por que existem vantagens comparativas? Porque diferentes países têm custos diferentes de produção, para um mesmo produto. E por que há diferenças de custo? No caso das correntes de comércio típicas do século XIX, ou períodos anteriores, grande parte da explicação residia em vantagens naturais ou históricas: países como o Brasil produziam café ou açúcar a custos menores, e exportavam esses produtos, porque tinham terra e clima favoráveis para isso, enquanto os países que tinham tido acesso aos enormes ganhos de produtividade trazidos pela Revolução Industrial exportavam artigos industrializados. A teoria das vantagens comparativas não leva em conta a dotação diferenciada de fatores entre os países, que pode ser uma das explicações para os fluxos de comércio. Novas conceituações 51 foram propostas para explicar tais situações. Vamos resumir uma teoria que abandona a hipótese simplificadora da existência de um só fator de produção, o fator trabalho. 4.1. A Teoria da Dotação de Fatores Essa teoria é conhecida como teoria neoclássica ou de Heckscher-Ohlin-Samuelson (os economistas que a desenvolveram). No centro da explicação para a existência do comércio internacional está a diferença na dotação dos fatores de produção capital e trabalho entre os países, e diferenças na utilização desses fatores entre setores da economia. São consideradas as seguintes hipóteses para montagem da teoria: existem dois fatores de produção – capital e trabalho; os países possuem dotação de fatores diferentes; existem produtos que usam intensivamente mão-de-obra (ou seja, usam grande quantidade de mão-de-obra em relação ao capital investido) e produtos que usam intensivamente o fator capital (o oposto); há concorrência perfeita em todos os setores e conhecimento tecnológico disseminado entre os países. Suponhamos, então, um mundo com dois países (A e B) e dois produtos (alimentos e máquinas/equipamentos). Do conjunto de hipótesesacima se deduz que as curvas de possibilidade de produção desses países são diferenciadas, como mostrado no gráfico abaixo: Por possuir uma dotação maior de mão-de-obra o País A tem condições mais favoráveis de produzir alimentos, um “bem” cuja produção em geral usa mão-de-obra intensivamente; ao contrário do País B, que por ser bem dotado do fator capital, tem melhores condições de produzir máquinas, um “bem” cuja produção em geral exige a utilização intensiva do fator capital. Nestas condições, o País A tenderá a exportar alimentos e o País B a exportar máquinas. 52 Como já visto anteriormente, os custos de oportunidade (dados pelas inclinações de suas respectivas CPPs) dos dois países são bem diferenciados. Para o País A, o custo de oportunidade de máquinas em termos de alimentos é elevado e para o País B, o oposto: o custo de oportunidade de alimentos em termos de máquinas é elevado. Há, portanto, oportunidades de comércio, com ganhos para os dois lados. Então, a explicação para a diferença de custos de oportunidade entre países e, portanto, para a possibilidade de comércio internacional, com ganhos recíprocos, baseia-se na diferença de dotação de fatores entre países. Os países com abundância relativa de mão-de-obra tenderiam a exportar produtos que usam intensivamente este fator na sua produção, enquanto os países com relativa abundância de capital tenderiam a exportar produtos que na sua fabricação utilizam intensivamente o fator capital. Essa explicação foi incorporada à teoria do comércio internacional a partir da primeira metade do século XX, como uma extensão da teoria das vantagens comparativas de Ricardo. Com essa configuração, constitui uma base satisfatória para análise de vários casos de fluxo de comércio entre países, principalmente no que tange àqueles produtos baseados na disponibilidade física de fatores. Contudo, algumas características importantes do comércio internacional da atualidade ficam a descoberto. 4.2. Considerações Sobre as Limitações da Teoria das Vantagens Comparativas Um ponto a ressaltar na teoria das vantagens comparativas é que essa conceituação conduz à conclusão de que cada país tenderá a se especializar na produção de bens em que tenha vantagem comparativa, e importar os demais. No mundo real, no entanto, há várias razões para que a especialização não se dê de forma tão extremada, assim como há várias circunstâncias que levam um país a produzir um bem para consumo interno apesar de não possuir vantagem comparativa na sua produção. i) A simplificação de supor apenas um fator de produção (trabalho, no caso da teoria das vantagens comparativas) ou dois fatores de produção (capital e trabalho, no caso da teoria da dotação de fatores), e um conhecimento de técnicas de produção uniforme entre países não é adequada em muitos casos. Máquinas, equipamentos e também a mão de obra na maioria das vezes embutem um nível de conhecimento tecnológico que pode diferenciar-se significativamente entre países; de certa forma, o conhecimento tecnológico, ou a capacidade de gerá-lo, pode ser considerado um fator de produção em separado. Assim como os recursos naturais não são, como é evidente, 53 distribuídos igualmente entre os países, o que pode ser importante para a produção de certos bens, e para as trocas internacionais destes; ii) Os registros históricos demonstram que os países costumam proteger a sua produção interna, seja na agricultura, na indústria ou nos serviços, por razões independentes das vantagens comparativas (para proteger o nível de emprego nessas atividades, por exemplo). Este fato introduz um elemento que interfere diretamente nos fluxos de comércio e nos resultados potenciais em contraste com um mundo onde não existissem essas interferências; iii) O mundo não é pontual. Os países são distantes uns dos outros e, portanto, os custos de transportes não são nulos. Em alguns casos, como o de bens com uma baixa relação custo do produto/peso, o custo de transporte pode inviabilizar a comercialização entre países. iv) No setor serviços há exemplos óbvios de que a comercialização se torna difícil ou impossível. Como se vai comercializar um conserto de automóvel ou o serviço de babá ou de uma manicure? Estes constituem os chamados bens não comercializáveis, onde grande parcela da renda dos países é gasta. v) Países têm tamanhos diferentes. Mesmo num modelo simples de dois produtos e dois países, um deles bem maior do que o outro, é fácil ver que, dependendo das preferências de consumo no país grande, pode não ser possível ao país menor, mesmo especializando-se inteiramente no produto em que tem vantagem comparativa, fornecer toda a quantidade necessária à satisfação da demanda deste produto no país maior. De qualquer forma, a teoria das vantagens comparativas é, de forma geral, uma ferramenta útil para explicar as razões para o comércio entre países, assim como para mostrar os efeitos desse comércio no bem-estar dos países. Embora ela não seja inteiramente adequada para descrever as causas e efeitos de todas as formas de comércio entre países, a evidência empírica corrobora seus principais ditames: a importância da produtividade e a prevalência das vantagens comparativas (e não das vantagens absolutas) na explicação do comércio. Além dos pontos ressaltados acima, há algumas características importantes do comércio internacional, na atualidade, que não são bem descritas pela teoria das vantagens comparativas e suas extensões. Uma delas é o comércio intraindústria: uma mesma indústria tanto exportando como importando seus produtos, uma situação comum hoje em dia. Naquela teoria se supõe que um país tenha vantagem em certa indústria (vantagem esta expressa por menores custos de oportunidade): o 54 comércio se daria interindústrias e não dentro de uma mesma indústria (“indústria”, com o significado de setor ou subsetor e não de uma empresa em particular, como é usual no linguajar cotidiano brasileiro). Outro aspecto é o pressuposto de concorrência perfeita na produção, que pode não ser adequada em muitas situações. A teoria das vantagens comparativas e suas extensões também não consideram a existência de ganhos de escala — ou seja, aumentos de produtividade associados ao aumento na escala de produção —, seja para o conjunto de um setor, de uma indústria, ou para uma empresa isolada. Para entender as correntes de comércio contemporâneas, economistas têm sugerido outras explicações para diferenças de custo de produção entre países. 4.3. Teoria do Ciclo de Vida do Produto Esta teoria se deve ao economista Raymond Vernon. Ela relaxa duas hipóteses restritivas acima mencionadas, ou seja, as hipóteses da concorrência perfeita e da livre disponibilidade do conhecimento tecnológico. A teoria nasceu com o intento de analisar os padrões de comércio e dos investimentos produtivos norte-americanos no exterior do período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial até meados dos anos 1960. Por que um produto surge em um país e que fatores contribuem para que, após certo grau de desenvolvimento, a empresa que o produz tenda a localizar sua produção em outro país? Esta é uma questão central para Vernon. O modelo trata, portanto, de inovações em setores industriais voltados para consumidores de alta renda e poupadores de mão de obra. Jogam papel importante na explicação a capacidade tecnológica das empresas inovadoras, assim como a identificação de oportunidades de investimento induzidas pela presença de demandas sofisticadas e com elevado poder de compra. Na explicação sobre as razões do comércio jogam papel importante o progresso tecnológico e o poder de monopólio transitório adquirido pelas empresas dos países mais desenvolvidos, que continuamente lançam no mercado novos produtos incorporando alto conhecimento tecnológico. Epor que nos países mais desenvolvidos? Porque estes países possuem mão-de-obra altamente qualificada, empresas que regularmente desenvolvem pesquisas e, além disso, têm renda elevada e, consequentemente, uma estrutura de demanda diversificada. Numa fase inicial, as empresas inovadoras gozam de poder de monopólio com relação aos novos produtos que lançam no mercado. Com o passar do tempo, esse poder vai-se diluindo em decorrência de um processo de imitação desses produtos por parte de outras empresas, inclusive empresas de outros países. À medida que os novos produtos vão-se padronizando, sua produção pode 55 passar a ser feita em países menos desenvolvidos, que podem até se tornar exportadores de tais produtos. Algumas características atuais do comércio internacional seriam explicadas, então, pelas diversas fases da vida de um produto: na fase inicial (de desenvolvimento e introdução no mercado) as vantagens comparativas seriam dos países inovadores (os mais desenvolvidos). Na fase de maturação entram novos concorrentes no mercado ainda altamente concentrado nos países desenvolvidos. Com a diversificação da oferta, a concorrência, que essencialmente era baseada na diferenciação do produto, passa, paulatinamente, a ser mais elástica aos preços. Na fase pós-maturação ou padronização do produto, o consumo se massifica e a escala de produção aumenta perdendo importância os custos vinculados a atividades de inovação (pesquisa, desenvolvimento dos produtos, testes, adaptações, etc) e ganhando importância as atividades vinculadas aos custos tradicionais (capital, mão de obra e matérias primas). Estas características tendem a repercutir nas decisões de localização dos novos investimentos para expansão da produção. Nesta fase, os países menos desenvolvidos podem oferecer vantagens comparativas para localização da produção de certas categorias de produtos. 56 Como ilustrado na figura acima, a abordagem de Vernon relaciona as exportações no país inovador às importações de outros países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento, especialmente nas fases de introdução e maturação do produto. Nesta última fase inicia-se a produção em outros países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, produção que se expande na fase seguinte. Na fase de padronização os países em desenvolvimento produzem o suficiente para atender o mercado interno e para exportar para outros países, inclusive o próprio país inovador. Esta última fase pode estar relacionada ao processo de substituição de importações e a estratégias de localização da produção em outros países, por meio de investimentos externos do país inovador. Como consideração final a respeito da teoria do ciclo do produto, podemos dizer que ela não explica os fluxos de investimentos estrangeiros no cenário atual de integração dos mercados em nível mundial, mas ela rompe com a noção de vantagens comparativas baseadas apenas na dotação de fatores, introduzindo um componente de dinamismo neste conceito e assim dá conta de explicar porque, nas estratégias de internacionalização da produção, as empresas multinacionais tendem a se voltar para países com dotação de recursos naturais e mão de obra barata, características de vários países ditos em desenvolvimento e/ou emergentes. 4.4. “Teorias” com a Presença de Economias de Escala Estas “teorias” na verdade são um conjunto de fatores (ou constatações) que ajudam a explicar o elevado crescimento dos fluxos de comércio. Cada um(a) explora aspectos deste fenômeno atual e bastante complexo e leva em conta situações específicas reais e difíceis de serem contempladas, simultaneamente, num modelo formal, tais como: ausência de concorrência perfeita, comércio intraindústria, existência de economias de escala e de aglomeração, os efeitos da globalização e da tendência de formação de grandes blocos comerciais, comércio intraempresa etc. 4.4.1. Concorrência Monopolística e Comércio Intraindústria O modelo de concorrência monopolística considera as seguintes características dos mercados: • Existência de economias de escala internas a cada empresa; • Os produtos são ligeiramente diferenciados; • A entrada no setor é livre. Com a diferenciação dos produtos, apesar da presença de economias de escala, nenhuma empresa tem condições de produzir sozinha toda a gama de produtos diferenciados do setor. Nessas condições, há um forte incentivo para o comércio intraindústria, ou seja, dentro de uma mesma 57 indústria entre os países, um país exportando um produto, digamos automóveis, e importando outra variedade do mesmo bem o que é uma característica marcante dos fluxos de comércio na atualidade. Esta foi uma tendência que se intensificou a partir do último terço do século passado. Essa característica do comércio, no mundo atual, concentra-se fortemente nas trocas entre países ricos, que têm uma estrutura produtiva e níveis de renda per capita parecidos. O economista sueco B. Linder foi quem primeiro chamou a atenção para esse aspecto — exportação e importação do mesmo tipo de bem —, explicando-o, fundamentalmente, pela semelhança nos níveis de renda per capita (e, portanto nos padrões de demanda) e nas estruturas produtivas, onde marcam presença importante empresas que concorrem entre si num regime de concorrência monopolística. Concorrência imperfeita, economias de escala e ausência de disseminação tecnológica são, assim, elementos da realidade do mundo atual que novas teorias explicativas dos fluxos de comércio procuram incorporar. Uma característica importante da concorrência monopolística, como vimos antes, é exatamente a diferenciação dos produtos e a presença de economias de escala, fatores que corroboram a observação de Linder quanto à pujança do comércio Norte-Norte, baseado nas trocas intraindústria. Com a ocorrência de muitas empresas produzindo o mesmo tipo de produto, mas com diferenciações, nenhuma empresa tem capacidade de produzir sozinha todas as variedades demandadas (levando em conta as economias de escala). Essa particularidade favorece o comércio, já que as empresas passam a dispor de um mercado mais amplo; favorece também aos consumidores, já que a maior concorrência entre empresas (e entre variedades do mesmo produto) abre caminho para reduções de preços; e oferece também um leque mais amplo de produtos para escolha do consumidor, aumentando, portanto, o seu bem-estar. Há vantagens para os países? Sim, porque aumenta o volume de comércio entre eles. O gráfico a seguir ilustra uma situação de queda de preços com o aumento da escala. Antes do comércio, a típica empresa encontra-se no ponto 1 (q1,p1), onde vende q1 ao preço p1. Com a abertura das economias e a entrada de novos produtos no mercado, a empresa pode 58 aumentar a sua escala e vender mais a preços menores, passando para o ponto 2 (q2,p2) seu equilíbrio de longo prazo, vendendo q2 ao preço p2, trabalhando, como antes, sem lucros extraordinários, em razão da livre entrada de concorrentes. Numa situação de oligopólio valem as mesmas considerações acima, com a diferença de que é pequeno o número de empresas e de que pode haver a presença de lucros extraordinários, já que não existe livre entrada no setor. 4.4.2. Comércio Intraempresas e Expansão do Comércio Algumas breves considerações sobre comércio intraempresas, que é também uma característica do comércio atual e que favorece substancialmente a expansão do comércio mundial. Com a expansão das empresas multinacionais no mundo, aumenta também a importância do comércio intraempresas. Quando essa expansão se avoluma com o processo de globalização, um produto final fabricado no país A é, às vezes, o resultado da junção de componentes produzidos pela mesma empresa em vários outros países. Noutras situações, uma empresa produz o produto X no país A e oexporta para os outros países; produz o produto Y no país B e o exporta para os outros países; produz Z no país C e o exporta para os outros países, e assim por diante. Durante o processo de expansão das multinacionais para os países em desenvolvimento, foi comum exigir dessas empresas o cumprimento de metas de nacionalização do produto, ou seja, que a empresa tivesse um grau crescente de produção interna no país (como se fez na implantação da indústria automobilística no Brasil), ou exigir metas de exportação. As duas situações podem criar oportunidades para expansão do comércio internacional (embora a primeira possa significar maiores custos de produção, ao menos temporariamente). 4.4.3. Economias de Aglomeração e Comércio Internacional Vamos denominar de economias de aglomeração as economias de escala que ocorrem no setor, na indústria como um todo, para diferenciá-las das economias de escala que ocorrem internamente, dentro das empresas. Apesar de essas economias ocorrerem para o conjunto do setor, isto não significa que as empresas individualmente delas não se beneficiem. Por que será que quase todas as empresas de informática nos Estados Unidos estão localizadas, ou pelo menos têm escritório, no Vale do Silício, na Califórnia? Por que a indústria automobilística no Brasil (pelo menos até pouco tempo atrás) se localizava em São Paulo? A indústria de calçados principalmente em Franca (SP) e Novo Hamburgo (RS) (até que começassem a migrar para o Nordeste, há poucos anos)? E em Brasília, no Plano Piloto, por que vendedores de 59 material elétrico se concentram na 309/310 Sul, e lojas de produtos para noivas na 304/305 Norte e Conjunto Nacional? A resposta a essas perguntas é uma só: as vantagens que essas empresas obtêm por estarem juntas (próximas), as economias externas oriundas da aglomeração geográfica. É interessante observar que muitas vezes as razões para iniciar-se um conglomerado num certo local têm muito mais a ver com o acaso ou a história do que com motivos puramente econômicos, mas, uma vez estabelecido o conglomerado, prevalecem as razões econômicas e ele tende a ser autossustentado e a se reforçar a cada nova empresa que a ele se junta. Paul Krugman mostra vários exemplos desses casos, em seu Geography and Trade: “... a maioria das análises econômicas permanece dominada por um estilo de modelo que eu trato de TTFE: a ideia que o comportamento da economia é basicamente determinado por suas preferências (T, de "Tastes"), tecnologia (T, de "Technology") e dotação de fatores (FE, de "Factor Endowments") — todos dados exogenamente. Em contraposição, temos a ideia de que aspectos importantes de uma economia são contingentes, determinados pela história e até por acidente”. 1 Quem primeiro abordou este assunto foi o economista inglês Alfred Marshall, no início do século passado. Segundo ele, existem três razões para um conglomerado de empresas (cluster) ser mais eficiente que uma empresa isolada: i) A capacidade de um conglomerado justificar economicamente a presença de fornecedores altamente especializados. Um conglomerado, ao reunir várias empresas, tem escala suficiente para sustentar fornecedores especializados. A empresa individual não teria essa capacidade, mas ela se beneficia destas economias porque se liberta da obrigação de ela mesma ter que produzir internamente o que lhe é fornecido por terceiros especializados. O conjunto dos fornecedores especializados, por sua vez, fortalece a concentração e cada nova empresa que surge no setor e na região fortalece o conglomerado. Nessas circunstâncias, uma empresa do setor que se estabeleça em outro país, ou mesmo outra região do mesmo país, não pode contar com estes benefícios e já começa em desvantagem. ii) A capacidade de um conglomerado justificar o aparecimento de um mercado comum de trabalho. Na mesma linha do raciocínio anterior, o conjunto das empresas de um conglomerado tem condições de criar um amplo mercado para mão-de-obra com elevada especialização. 1 Tradução livre. Trecho original: “(...) most economic analysis remain dominated by a style of model that I like to think of as TTFE: the idea that the economy’s behavior is basically determined by its (exogenously given) tastes, technology and factor endowments. In opposition we have the idea that important aspects of an economy are contingent, determined by history and accident” (Krugman, loc. cit., p.102). 60 Se as empresas estiverem espalhadas territorialmente não se cria este mercado comum que beneficia tanto as empresas, que diminuem seus custos de recrutamento, quanto os trabalhadores especializados, que têm maiores facilidades para encontrar emprego. Uma empresa de fora do conglomerado, ou de outro país, não tem estes benefícios, que se refletem positivamente em seus custos e em sua produtividade. Por exemplo: existem, na Suíça, várias instituições voltadas à formação de mão-de-obra especializada nos delicados mecanismos dos relógios de precisão, ou de luxo, produzidos tipicamente nesse país. iii) A capacidade de um conglomerado facilitar os vazamentos de conhecimento. No mundo moderno, o conhecimento técnico é um fator tão importante quanto, ou até mais, que outros fatores de produção, principalmente nas indústrias mais inovadoras. Esse conhecimento técnico pode ser adquirido através de pesquisas, por meio de concorrentes e, ainda, de maneira informal, pela troca de informações entre técnicos especializados. Esta última forma pode acontecer com maior facilidade no seio de um conglomerado, onde a concentração das empresas numa mesma área permite o convívio que favorece uma troca de informações. Uma empresa de fora desse conglomerado não desfruta de tal benefício. As considerações acima sobre as economias de aglomeração levam à conclusão de que numa indústria com essas características seguramente haverá retornos crescentes de escala, o que significa que quanto maior a indústria, menores seus custos. Quanto maior a indústria, menor o preço que as empresas poderão cobrar. Vamos examinar agora as conseqüências das economias de aglomeração para o comércio internacional. Uma primeira conseqüência é que se um país se torna grande produtor de algum bem, em razão de economias externas de aglomeração, ele certamente terá custos relativamente baixos e tenderá a permanecer como grande produtor e exportador, ainda que apareçam novos produtores. A explicação para isto é que os custos associados à ausência de escala nas fases iniciais da produção, e ainda os custos de entrada no mercado do país novato no setor impedem que este país produza a preços competitivos. Os custos de entrada no mercado envolvem ainda outro fator: uma vez firmada a tradição de certo conjunto de produtores, estes podem às vezes cobrar um sobre-preço pela fama de seus produtos, seja essa fama justificada ou não. “Relógio suíço”, “chocolate belga”, “perfume francês”, “gravatas italianas”, “eletrônico japonês” passam a ser sinônimos de qualidade. Isso naturalmente dificulta a entrada de novos produtores. Há no mundo, em alguns nichos de mercado, um comércio que poderíamos chamar de tradição (assim como relógios suíços, conhaques franceses, casimiras 61 inglesas, cachaças de Salinas, etc.), que se justifica também pela presença de economias de aglomeração. No Anexo 2, ilustra-se graficamente uma situação semelhante. 4.4.4. Globalização e Formação de Grandes Blocos Comerciais Uma das características atuais do comércio internacional é o fenômeno da globalização: a ampliação, diversificação e sofisticação dos fluxos de comércio numa escala nunca atingida anteriormente, sendo que 2/3 desse fluxo são transações inter e intraempresas transnacionais. Um aspecto particular dessa tendência é o avanço significativo dos processos de integração,que alavancam as trocas internacionais entre grupos de países (North-American Free Trade Agreement – NAFTA, na América do Norte; União Europeia, na Europa Ocidental; Associação das Nações do Sudeste Asiático; MERCOSUL, na América do Sul; Comunidade Econômica da África Ocidental; etc.). 5. Conclusão Existem outros modelos para explicar o comércio internacional, como os que utilizam empresas oligopolistas como ponto de partida. Os resultados desses modelos vão depender dos efeitos de economias de escala sobre os custos de produção, da curva de aprendizado das empresas, do fato de serem os bens homogêneos ou diferenciados e ainda da reação que os concorrentes tenham em relação às iniciativas de cada um deles. Para um curso introdutório de economia, no entanto, os modelos apresentados acima, de forma resumida, são suficientes para mostrar as vantagens do comércio internacional para os países envolvidos e, ainda, que o elemento central para explicação dessas vantagens está no custo de oportunidade de um produto em relação a outro, dentro de cada país. São elementos importantes, em diferentes situações, como vimos, a dotação de fatores do país; a evolução da tecnologia de produção; a existência de economias de escala internas às empresas; e as economias de escala oriundas de economias externas às empresas e internas ao setor ou indústria (economias de aglomeração). De toda sorte, pode-se dizer, de modo geral, que um país exporta certo produto quando tem vantagem comparativa em sua produção (e não vantagem absoluta), venha de onde vier essa vantagem. Para concluir estas notas sobre as teorias de Comércio internacional é interessante fazer duas referências: i) As políticas brasileiras e de outros países da América Latina com relação ao setor industrial, no período que se seguiu à Segunda Guerra, foram muito influenciadas por críticas feitas aos modelos tradicionais de comércio por autores como Raúl 62 Prebisch, um economista argentino. Argumentava-se que os ganhos do comércio internacional eram assimétricos, em razão das características dos tipos de mercadorias exportadas em geral pelos países centrais, de um lado (produtos industriais), e pelos países periféricos, de outro (produtos primários, pouco processados: alimentos, matérias-primas). O argumento baseava-se nos seguintes pontos: • baixa elasticidade-renda da demanda por produtos primários, em contraposição a uma elasticidade-renda mais elevada dos produtos industrializados; • baixa elasticidade-preço da demanda por produtos primários; • retração da procura por várias matérias-primas de exportação dos países periféricos, em razão de ganhos de eficiência em seu uso e do desenvolvimento de substitutos industrializados (metal substituído por plástico, borracha natural por borracha sintética, algodão por tecidos sintéticos, etc.); e • baixo valor adicionado dos produtos primários. O efeito cumulativo dessas características seria a deterioração das relações de troca dos países periféricos (ou seja, queda no preço de suas exportações em relação ao preço das importações), com consequente distanciamento cada vez maior entre o nível de renda dos países centrais e dos países periféricos. Para reverter esta tendência os países periféricos deveriam adotar medidas para incentivar a substituição das importações, em especial pelo desenvolvimento de seus setores industriais, a partir de políticas governamentais de incentivo. Não há dúvida de que a indústria brasileira teve crescimento muito expressivo, especialmente entre 1950 e 1980, sob o estímulo de várias políticas favoráveis à substituição de importações (o que sucedeu também, em maior ou menor grau, em outros países da região). Mas as grandes modificações no comércio internacional no período mais recente tornam as idéias de Prebisch pouco aplicáveis, especialmente no que se refere às tendências de preços. Basta referir o grande aumento dos preços do petróleo, desde o início da década de 1970, ou a evolução recente nos preços de produtos agrícolas e do minério de ferro, sob o estímulo de uma forte expansão na demanda internacional por esses produtos. A observação das relações de troca do Brasil não mostra uma tendência de queda no longo prazo: há períodos de redução, como na década de 1930 ou no início da década de 1980, mas outros de crescimento, como ao longo dos últimos 25 anos. O que é significativo em experiências, como a brasileira, de industrialização com o estímulo de políticas governamentais, em termos de explicação das correntes de comércio, é que tais políticas 63 — embora envolvendo muitas vezes ineficiências e distorções — podem em alguns casos modificar as vantagens comparativas do país. Isso na medida em que os setores que se desenvolvam sob proteção e estímulo do governo cheguem a alcançar competitividade internacional, a partir do aproveitamento de economias de escala e obtenção de ganhos de produtividade. Um exemplo nesse sentido é o caso da EMBRAER, empresa criada pelo governo brasileiro e posteriormente privatizada, e que é hoje um dos principais produtores mundiais de aviões de porte médio. ii) Uma avaliação das teorias para explicação dos fluxos de comércio resumidamente apresentadas mostra que cada uma delas é capaz de explicar aspectos particulares dos fluxos de comércio. O que essas referências enfatizam é que, além da dotação de recursos produtivos, fatores tecnológicos e culturais, economias de escala, etc., atributos construídos por governos, empresas e pela população, ao longo do tempo, podem contribuir para explicar os fluxos de comércio. Michael Porter mostrou que muitos elementos do conjunto complexo de atributos que influenciam a competitividade de indústrias e países podem ser criados e desenvolvidos. Outros podem ser simplesmente herdados e consolidarem uma tradição pela constituição de conglomerados, que uma vez estabelecidos historicamente perpetuam as vantagens deles decorrentes, vantagens que se manifestam em termos dos fluxos de comércio. ANEXO 1 – UMA FORMALIZACÃO DA TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS2 Vamos, então, supor um país, País A, que produz dois produtos, X e Y. A tecnologia utilizada por este país é demonstrada através da produtividade do trabalho. Ou seja, o número de horas de trabalho necessárias para produzir uma unidade do produto, que vamos representar por CX para o produto X e CY para o produto Y. Então se: - LA é a disponibilidade total do fator trabalho - QXA é a quantidade produzida do produto X pelo País A - QYA é a quantidade produzida do produto Y pelo País A Podemos escrever a CPP do País A como: Onde toda a disponibilidade de trabalho é utilizada. 2 Ver: Krugman, P. & Obstfeld, M. Economia Internacional - Teoria e Política, 6ed., Pearson Education, 2005. 64 Numa economia com um só fator, a CPP é uma reta e o país abre mão de um produto para produzir uma unidade a mais do outro produto, ou seja, o CO é a inclinação da reta da CPP (em valores absolutos), como mostrado no gráfico abaixo: Gráfico 1: Adaptado de Krugman e Obstfeld Vamos agora introduzir outro País, o País B. Então os requisitos unitários de trabalho deste país serão, respectivamente CXB e CYB; a disponibilidade total do fator trabalho LB e assim por diante. Podemos então escrever a CPPB como: e , como mostrado no gráfico abaixo: Gráfico 2: Adaptado de Krugman e Obstfeld CPPa Quantidade Max. De X em A Quantidade Max. De Y em A Quantidade Max. De X em B Quantidade Max. De Y em B CPPb 65 Se CXA< CXB, dizemos que o País A tem uma vantagem absoluta na produção de X. Se CYA <CYB dizemos que o País A tem uma vantagemabsoluta na produção de Y. Mas como vimos no exemplo numérico, não são as vantagens absolutas que determinam os benefícios da especialização e sim as vantagens comparativas, que são indicadas pelos custos de oportunidade. Agora se CXA/CYA < CXB/CYB, o que implica que CXA/CXB < CYA/CYB, os custos relativos em termos de requisitos unitários de trabalho são menores em relação ao produto X no País A. Ou, em outros termos, o custo de oportunidade de X em relação a Y é menor no País A. Isto significa que A tem uma vantagem comparativa na produção de X. Em decorrência, seguem todas as conclusões: o País A deverá especializar-se na produção de X produzindo a quantidade LA/CXA do produto X. O País B se especializará na produção de Y, produzindo a quantidade LB/CYB de Y. Com o comércio, os dois países estarão em melhores condições do que antes. As quantidades exportadas de X e Y, assim como os preços de X e Y nos dois mercados vão depender das demandas relativas nos dois mercados. A única situação em que não haverá vantagem com o comércio é se CXA/CYA = CXB/CYB, ou seja, quando os custos de oportunidade forem iguais. Neste caso, os dois países continuariam produzindo os dois produtos e não haveria vantagem em especializar-se. O modelo que acabamos de expor resumidamente pode ser estendido para uma situação com dois países e vários produtos. Para saber em quais produtos cada país vai se especializar, tem-se de comparar os gastos salariais unitários para cada produto nos dois países. Então, se WACXA < WBCXB, o País A deve se especializar na produção de X, onde WA e WB são as taxas de salário nos dois países e CXA e CXB, os requisitos unitários de trabalho para a produção de X nos dois países. ANEXO 2 – ECONOMIAS DE AGLOMERAÇÃO E BARREIRAS À ENTRADA Considera-se o gráfico abaixo 66 Onde: • CMa é o custo médio do País A, pioneiro no setor • CMb é o custo médio do País B, novato no setor • Dm é a demanda mundial pelo produto Vemos que a demanda mundial pode ser satisfeita tanto pelo País A quanto pelo País B. Só que o País B, novato no setor poderia produzir a custos mais baixos, e se lhe fosse permitido, ele atenderia o mercado mundial a um preço p2 < p1. Acontece que na fase inicial de sua participação no mercado o País B começaria produzindo ao custo COb, bem mais elevado que p1. Assim, ele não participa do mercado e importa o produto ao preço p1. Um segundo aspecto a ser examinado é que na presença de economias de aglomeração um país pode estar numa situação pior com o comércio do que sem o comércio. Suponhamos que o País B na ausência de comércio e em razão de seus baixos custos médios pudesse atender a sua demanda interna DB ao preço PB < P1 (o preço cobrado no mercado internacional, que é o preço do país pioneiro). Nesta situação, o País B estaria pior com o comércio do que na ausência do comércio. Cabe notar que, mesmo nesta situação, o resto do mundo (o conjunto dos demais países) estaria melhor com o comércio, mas o País B estaria potencialmente pior. Potencialmente porque continuam a prevalecer os custos elevados das fases iniciais de produção (C0B). Esta é uma situação em que o País B poderia, eventualmente, proibir a importação desse bem, ou introduzir pesadas tarifas para essa importação, iniciando-se um processo de substituição de importações. 67 6. Referências bibliográficas Heckscher, .E F. “Effect of Foreign Trade on the Distribution of Income” in Readings in the Theory of International Trade. Philadelphia: Blakiston, 1949. Krugman, Paul Geography and Trade, MIT Press, 1991 Krugman, P. & M. Obstfeld. International Economics: Theory and Policy. 5. ed. Illinois: Scott Foresman and Company, 2000. Linder, S.B. An Essay on Trade and Transformation. Uppsala: Alquimist & Wicksell, 1961. Ohlin, B. Interregional and International Trade. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1933. Porter, Michael. The Competitive Advantage of Nations. New York: Free Press, 1990. Prebisch, Raúl. The Economic Development of Latin America and its Principal Problems. New York: ECLA, 1950. Vernon, Raymond. “International Investment and International Trade in the Product Cycle”, Quarterly Journal of Economics 80: 190-207, May 1966. 68 Matheus Costa de Freitas A Economia é a ciência que estuda a alocação de recursos escassos, sendo o preço o mais importante alocador desses recursos. Um conceito-chave em seu estudo é o de trade-off, uma situação que envolve conflito de escolha, na qual a opção por uma alternativa representa a não-opção por outras. Àquilo que se perde ou se deixa de ganhar dá-se o nome de custo de oportunidade. São três os fatores de produção: terra, capital e trabalho. Entende-se por produtividade a relação entre a quantidade produzida e a quantidade de fatores de produção utilizados, tais como trabalhador/hora e produção/hectare. A noção de eficiência econômica refere-se à obtenção do máximo possível com os recursos disponíveis – ou mesmo a obtenção de certo resultado com o mínimo possível de recursos. Por vezes, há conflito entre eficiência e equidade distributiva. Os economistas se valem da expressão coeteris paribus, que significa “tudo o mais constante”, para indicar que, num dado raciocínio, tomam-se como constantes todas as variáveis que poderiam influenciar o fenômeno em análise. É interessante mencionar que há duas abordagens por meio das quais se explica os fenômenos econômicos: a Economia positiva (como são; não há juízo de valor) e a Economia normativa (como devem ser; há juízo de valor). A linha de possibilidades de consumo (LPC) representa a quantidade de dinheiro disponível para a compra de dois bens distintos. A curva de possibilidades de produção demonstra a fronteira de produção de uma unidade produtiva entre duas alternativas. O conceito de custo de oportunidade é central no estudo de ambas as curvas, uma vez que se trada de trade-offs. Os tipos bens se dividem de acordo com três critérios: disponibilidade (livres ou econômicos), forma de utilização (intermediários ou finais) e uso (de capital ou de consumo [duráveis ou não duráveis]). Quando se compara produtores, observa-se dois tipos de vantagem que um pode ter sobre o outro. A vantagem absoluta diz respeito à maior quantidade produzida, enquanto a vantagem comparativa significa menor custo de oportunidade. 69 Entre as principais explicações sobre o comportamento dos países no comércio internacional, estão: - Mercantilismo - Teoria das vantagens comparativas - Teoria da dotação de fatores - Teoria do ciclo de vida do produto - Comércio intraindústria - Comércio intraempresas - Economias de aglomeração - Blocos comerciais 70 esta Unidade são tratados dois temas principais. A primeira parte da Unidade aborda uma questão fundamental da Economia (mais especificamente, da Microeconomia, que é a parte da teoria econômica que analisa o comportamento de agentes econômicos individuais, como consumidores e empresas): a determinação dos preços pela interação da oferta e da procura. A análise da formação de preços tem aplicação ampla, e aparecerá frequentemente nas unidades seguintes. A segunda parte da Unidade aborda as chamadas falhas de mercado, ou seja, situações em que não se pode esperar que a interação de consumidores e produtores, no mercado, leve a resultados desejáveis, do ponto de vista da coletividade1. Na primeira parte será adotada uma hipótese simplificadora (adicionalmente à do “comportamento maximizador” dos agentes, sobre a qual falamos na 1ª Unidade): o chamado modelo de concorrência perfeita. Trata-se de um conjunto de pressupostos sobre as condições em que se dá a compra e venda de bens. É uma simplificação, uma situação ideal,de fato irrealista com uma descrição geral, já que poucos mercados obedecem a todos os pressupostos desse modelo. No entanto, análises com tal modelo conduzem a resultados que são aproximadamente observados em muitos mercados; isso, e sua simplicidade, o tornam um instrumento importante de análise. Na maioria dos casos, pode-se supor que haja uma relação inversa entre o preço de um bem no mercado e a quantidade que um consumidor pretende adquirir dele — mantidas constantes os demais fatores que podem influir na decisão do consumidor, como sua renda, os preços de outros bens, etc. Assim, se representarmos a relação entre preços e quantidades demandadas num gráfico (preços sendo medidos no eixo vertical, e quantidades no horizontal), obteremos uma curva de demanda descendente da esquerda para a direita. Analogamente, a curva de oferta mostra a relação entre preços e quantidades ofertadas; considerações quanto ao custo de produção fazem supor que haja usualmente uma relação direta entre as duas variáveis, de tal forma que a curva será ascendente, num gráfico como o descrito acima (tudo o mais constante). A agregação das curvas individuais de todos os participantes num mercado fornecerá as curvas de demanda e oferta de mercado. O ponto de cruzamento das curvas de oferta e demanda de mercado, onde a quantidade demandada iguala a 1 Lembrar que a palavra mercado, em Economia, se refere a uma situação em que há compra e venda de bens ou serviços, sem que necessariamente isso se dê num local determinado: é o conjunto de vendedores e compradores, e sua interação. N T E X T O 71 quantidade ofertada, define, num mercado de concorrência perfeita, o preço e a quantidade transacionada “de equilíbrio”. Na primeira parte da Unidade você estudará elementos desse modelo básico de determinação de preços, e algumas extensões e aplicações. Um conceito importante é a elasticidade da demanda ou da oferta, que é uma medida da sensibilidade dessas grandezas a variações no preço do bem (elasticidade-preço), na renda do consumidor (elasticidade-renda da demanda), etc. Se a demanda é muito elástica ao preço, por exemplo, isso significa que a quantidade demandada terá grande variação proporcional, em resposta a uma dada mudança proporcional no preço. Você verá também situações em que as curvas de oferta e de demanda podem ter inclinações diferentes das usualmente supostas; estudará o efeito de outros fatores, além do preço, sobre as condições de demanda e de oferta; o efeito de interferências no equilíbrio de mercado por meio da introdução de preços máximos (como num tabelamento de preços) ou preços mínimos (como no caso do salário mínimo); e assim por diante. Serão também examinadas as características gerais de formas de mercado alternativas à concorrência perfeita (e mais encontradiças, em situações concretas), como o monopólio, o oligopólio e a concorrência monopolística. Você compreenderá, por exemplo, por que a distribuição de água em uma cidade por uma única empresa monopolística é mais economicamente viável do que por meio de vários fornecedores concorrendo entre si. Sob certas condições, pode-se supor que o equilíbrio entre oferta e demanda, atingido pela livre interação de ofertantes e demandantes no mercado (ou seja, sem interferência governamental), leva a uma situação desejável, do ponto de vista da coletividade. A questão da intervenção do governo na economia é complexa, e voltaremos a falar de outros aspectos disso em unidades posteriores do programa. Mas, na segunda parte desta 2ª Unidade, você será introduzido a situações em que se pode dizer que a solução de mercado em geral não conduz a um resultado desejável. Isso acontecerá, por exemplo, na presença de externalidades negativas ou positivas, isto é, custos ou benefícios, derivados da ação de indivíduos ou empresas, que incidem sobre outros indivíduos ou empresas, sem que haja um pagamento envolvido (como no caso da poluição de um rio por efluentes de uma empresa, trazendo prejuízos a outros produtores, rio abaixo). E também no caso dos chamados bens públicos, definidos como bens que são consumidos coletivamente (o meu consumo não impede o seu consumo), não sendo também viável excluir determinada pessoa do consumo do bem, se ele é fornecido. É o caso, por exemplo, da iluminação das ruas, numa cidade. Tais situações — ocorrência de externalidades ou existência de bens públicos — configuram falhas de mercado. Será também tratada a questão do que fazer, na ocorrência dessas falhas. Não se esqueça: ao término de seus estudos, faça os exercícios da Lista de Exercícios número 2-A (referente à parte de Oferta e Demanda) e da Lista de Exercícios 2-B (referente à parte de 72 Elasticidade, Externalidades e Bens Públicos). Os exercícios são importantes para fixar a matéria, aprofundar um pouco o conteúdo e conferir se você entendeu bem os conceitos. Tire suas dúvidas nas aulas de exercícios ou com algum monitor, no guichê da monitoria. Atenção! Tire todas as suas dúvidas com os monitores e não deixe a matéria acumular para a última hora! Após a Lista 2-B, você encontrará uma série de exercícios de revisão referentes ao módulo I, que compreende as Unidades 1 e 2. Esse conjunto de questões deve servir apenas para verificar se você assimilou bem a matéria e está bem preparado para a prova, mas não substitui a leitura dos textos, o comparecimento às aulas e a atenção a temas e detalhes não contemplados nas questões selecionadas para revisão. Informe-se sobre as aulas de revisão para a prova com os monitores. Bons estudos! 73 Lívio William Reis de Carvalho 1. Introdução Estamos acostumados a ouvir nas rádios ou televisões ou ler nos jornais que devido à grande quantidade do produto tal no mercado, o preço do mesmo está despencando ou, ao contrário, que devido à escassez de tal produto, o seu preço está subindo muito no mercado. Estes fatos observados no dia a dia dos mercados são aceitos como naturais por todos, mesmo aqueles que não tenham uma vez sequer na vida lido um livro de economia. Este cidadão hipotético, se instado a explicar a razão de tais resultados, provavelmente responderia: esta é uma questão de lógica, quando há uma grande quantidade de um produto no mercado, seu preço tende a cair. Já o economista (ou o aluno da UnB que tenha cursado a disciplina de Inteco) provavelmente responderia: Em mercados competitivos, quando há excesso de oferta em relação à demanda de um determinado produto ou serviço, seu preço tende a cair, ou vice-versa, quando há excesso de demanda. Oferta e Demanda, estes serão os tópicos que iremos abordar neste capítulo. Vamos examinar quais os elementos utilizados pelos economistas para construir um modelo de comportamento dos mercados que serve para explicar muitos dos resultados neles observados. Note-se que o economista (ou o aluno que cursou Inteco) na resposta acima mencionou “mercados competitivos”. A noção de mercado em economia é simplesmente o conjunto de vendedores e compradores de um bem ou serviço num determinado local (cidade, estado, sub-região, região, país, mundo). Ou seja, não há nesta noção uma conotação física como a de um prédio do mercado municipal de certa localidade. Quanto aos mercados competitivos, por enquanto, aceitemos que são aqueles onde existe um grande número de vendedores e de compradores de um bem ou serviço com características iguais (ou seja, o produto ou serviço de um vendedor é igual ao de outro vendedor). Apesar de ser um modelo teórico, ele é muito útil para explicar uma série de fenômenos nos mercados. Por outro lado, há mercados que se aproximam bastante de um mercado competitivo, como definido na teoria. De qualquer sorte, saber um pouco mais sobre oferta e demanda é muito importante, pois já houve quem dissesse, comcerto exagero, naturalmente, que poderíamos facilmente transformar um papagaio num economista, bastando para tanto, ensiná-lo a falar as palavras “oferta” e “demanda”. Ainda nesta Unidade do 74 Curso vamos examinar outros tipos de mercado, onde existe menor competição e os produtos ou serviços são diferenciados. 2. O Lado da Oferta A menos que se explicite o contrário, vamos trabalhar sempre, com mercados competitivos. Em cursos mais avançados de economia, a oferta é derivada do comportamento dos custos de um produtor, ou do comportamento do conjunto de custos dos produtores, para a oferta de um setor. Mais precisamente, do comportamento do custo marginal, que é o acréscimo de custos ao se produzir uma unidade adicional do produto. No nosso curso, partindo do princípio da racionalidade do produtor, vamos considerar que ele estará disposto a oferecer uma quantidade maior de seu produto ou serviço, à medida que o preço determinado pelo mercado aumenta. Como o produtor tem custos adicionais ao aumentar a produção, ele só estará disposto a levar ao mercado uma maior quantidade se tiver preços maiores. 2.1 Escala de Oferta e Curva de Oferta Tomemos o mercado de arroz em Tropicália. Muitos mercados do setor agrícola se aproximam de mercados competitivos. Todos os produtores produzem o mesmo arroz (só existe um tipo de arroz) e, portanto, não há razões para diferenciação de preço em função de diferenciação de tipos ou de qualidade. Vamos também nos abstrair da presença de outros produtores na cadeia do arroz (beneficiadores, supermercados, marcas, etc.) Cada produtor produz, beneficia e vende seu próprio arroz. 2.1.1 Escalas de Oferta e Curvas de Oferta dos Produtores Individuais Consideremos as seguintes escalas de oferta de arroz do Produtor 1 e do Produtor 2 (que poderiam ser as escalas de oferta de arroz do Seu José e do Seu Francisco, ou ainda as escalas de oferta de arroz das Firmas Arroz Maravilha e Arroz Tio Sebastião): Tabela 1 Escala de Oferta de Arroz do Produtor 1 Preço(R$mil/t) Quantidade(t) 2 6 3 8 4 10 5 12 6 14 Tabela 2 Escala de Oferta de Arroz do Produtor 2 Preço(R$mil/t) Quantidade (t) 2 8 3 10 4 12 5 14 6 16 75 0 1 2 3 4 5 6 7 6 8 10 12 14 P re ço d o A rr o z (R $ m il/ t) Quantidade de Arroz (t) Curva de Oferta de Arroz do Produtor 1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 10 12 14 16 P re ço ( R $ m il/ t) Quantidade (t) Curva de Oferta de Arroz do Produtor 2 Essas escalas de oferta nos dizem que os produtores estariam dispostos a ofertar quantidades maiores de arroz à medida que os preços sejam maiores. O Produtor 1, por exemplo, ao preço de R$2mil/t estaria disposto a vender 6 t (8t, o Produtor 2), enquanto se o preço fosse R$6mil/t estaria disposto a vender 14t (16t, o Produtor 2). Outra forma de traduzirmos os comportamentos descritos pelas escalas acima, seria desenharmos gráficos com os dados respectivos. Colocamos as quantidades no eixo das abscissas (eixo dos X) e os preços no eixo das ordenadas (eixo dos Y), por uma questão de conveniência, como ficará claro dentro em pouco. Gráfico 1 Gráfico 2 A curva de oferta do Produtor 1 está representada no Gráfico 1 e a do Produtor 2 no Gráfico 2. Eles nos contam a mesma história das escalas de oferta dos produtores. O Gráfico 1 nos diz que o Produtor 1 estaria disposto a vender 6 t ao preço de R$2mil/t, 8 t ao preço de R$3mil/t, aumentando a quantidade ofertada à medida que o preço aumenta. O Gráfico 2 mostra que o Produtor 2 estaria disposto a ofertar 8t ao preço de R$2mil/t, 10t ao preço de R$3mil/t, aumentando a quantidade ofertada para preços maiores até a quantidade de 16t, se o preço alcançasse R$6mil/t. Poderíamos, ainda, representar as escalas de oferta dos produtores e seus respectivos gráficos por equações matemáticas que nos mostrariam que os produtores ofereceriam maiores quantidades a preços maiores (ou seja, que as quantidades ofertadas seriam uma função crescente dos preços: maiores preços, maiores quantidades ofertadas, variações no mesmo sentido). Assim, teríamos três formas de mostrar a relação direta entre preços e quantidades ofertadas pelos produtores: as escalas de oferta, as curvas de oferta e as equações respectivas. No nosso curso, vamos utilizar com frequência a linguagem gráfica para ilustrar os conceitos econômicos que serão apresentados. É muito importante, portanto, que os alunos procurem dominar este instrumental. Compare os Gráficos 1 e 2 acima. O Gráfico 1, foi desenhado como manda o 76 figurino, com todos os detalhes: título bastante explícito, identificação completa das variáveis em cada eixo, apresentação das linhas gradientes para facilitar a leitura do gráfico etc. No Gráfico 2, consideramos que alguns desses quesitos eram desnecessários. Se estamos falando do mercado de arroz, é claro que a curva de oferta, as quantidades ofertadas e os preços se referem ao produto arroz. Nos próximos gráficos, vamos simplificar ainda mais. As quantidades estarão representas apenas pela letra Q e os preços pela letra P. 2.1.2 Escala de Oferta e Curva de Oferta do Mercado Vimos as escalas de oferta dos produtores 1 e 2 e suas respectivas curvas de oferta. Mas qual seria a escala de oferta do mercado e a curva de oferta do mercado como um todo? O mercado é constituído pelo conjunto de todos os produtores (vendedores) e todos os consumidores (compradores). Então, pelo lado da Oferta, o mercado de arroz em Tropicália é constituído pelo conjunto de todos os produtores de arroz de Tropicália. É, portanto, a soma das quantidades produzidas por todos os produtores de Tropicália, para cada preço. A Curva de Oferta de Arroz do Mercado em Tropicália seria a representação gráfica desta escala. Assim, se tivéssemos mil produtores, a escala de oferta deste mercado levaria em conta a soma das quantidades que todos os mil produtores estariam dispostos a vender, a cada preço. É claro que num mercado competitivo o lado da oferta não pode ser constituído de apenas dois produtores. Mas apenas para ilustrar o conceito de escala de oferta de mercado, vamos supor que os dois produtores acima seriam os únicos. A escala de oferta de arroz do mercado seria então: Tabela 3 Escala de Oferta de Arroz no Mercado de Tropicália A Tabela 3 mostra, na Coluna 2, a soma das quantidades ofertadas por todos os produtores (no nosso exemplo, apenas dois), a cada preço. Temos agora então ao preço de R$2mil/t, 14t (6t do Produtor 1 e 8t do Produtor 2); ao preço de R$3mil/t, 18t (8t do Produtor 1 e 10t do Produtor 2), e assim por diante. Gráfico 3 Preço(R$mil/t) Quantidade (t) 2 14 3 18 4 22 5 26 6 30 77 No Gráfico 3, a soma das quantidades ofertadas a cada preço é representada pela soma horizontal das quantidades produzidas por todos os produtores, a cada preço. O eixo vertical, dos preços, permanece o mesmo. Dissemos acima que convencionou-se colocar os preços no eixo vertical e as quantidades no eixo horizontal. A razão, basicamente, é porque essa representação torna mais simples a leitura dos gráficos. 2.2 Fatores que Influenciam a Oferta Além do Preço Nas escalas de oferta e curvas de oferta apresentadas acima, examinamos a relação entre preços e quantidades ofertadas, inicialmente para os produtores individuais e posteriormente para o mercado como um todo. Mas será que existem outros fatores que influenciam a oferta? Sim, existem e são principalmente três: o preço dos insumos, a tecnologia e o número de produtores. No caso dos produtos agrícolas, como no nosso exemplo acima, poderíamos incluir também as condições climáticas,mas vamos deixá-las de lado, por enquanto. 2.2.1 A Influência dos Preços dos Insumos Insumo é tudo que é utilizado para produzir um bem ou serviço. Assim, na produção de arroz teríamos o preço da terra, das máquinas, da mão de obra, das sementes, dos fertilizantes. Enfim tudo que contribuísse para a produção de arroz. Numa situação de concorrência perfeita, o preço do produto é uma dado para o produtor. Então, se o preço de um insumo sobe, isto vai influenciar os custos do produtor e, certamente, a cada preço de seu produto, determinado pelo mercado, ele tenderá a oferecer uma quantidade menor do que a que oferecia antes. Ao contrário, se o preço de um insumo cai, a cada preço de seu produto vigente no mercado, ele tenderá a oferecer quantidades maiores, agora que tem custos menores. Então, mudança nos preços dos insumos implica mudanças nas escala de oferta e nas curvas de oferta. No caso das curvas de oferta, estas mudanças significam 0 1 2 3 4 5 6 7 14 18 22 26 30 P re ço (R $ m il/ t) Quantidade (t) Curva de Oferta de Arroz no Mercado de Tropicália 78 deslocamentos das curvas de oferta. Aumento do preço dos insumos, o produtor oferecerá quantidades menores a cada preço vigente no mercado, ou seja, deslocamento da curva de oferta para cima e para a esquerda. Diminuição do preço dos insumos, o produtor oferecerá quantidades maiores a cada preço vigente no mercado, ou seja, deslocamento da curva de oferta para baixo e para a direita. 2.2.2 A Influência da Tecnologia A tecnologia é um aspecto muito importante de qualquer processo produtivo. Às vezes somos levados a pensar que melhoras tecnológicas significam máquinas mais possantes, mais produtivas. Mas a tecnologia abrange todos os aspectos da produção. Uma fábrica, por exemplo, pode aumentar sua produtividade apenas porque descobriu um novo lay-out, uma nova disposição dos elementos de um processo de produção. No caso da agricultura, melhoras tecnológicas podem vir de um melhor adubo, de novas sementes, de uma nova forma de plantio etc. Os nossos produtores de arroz, podem adotar um novo fertilizante, descoberto pela EMBRAPA, e produzir muito mais por hectare. Então melhoras tecnológicas importam em mudanças nas escalas e curvas de oferta. Assim, melhoras tecnológicas implicam em deslocamento das curvas de oferta para baixo e para a direita, ou seja, maiores quantidades ofertadas a cada preço vigente no mercado. Não falaremos de pioras tecnológicas porque um produtor ao adotar uma tecnologia pior do que a utilizada no momento, em seu processo de produção, não estaria sendo racional, ferindo um dos princípios básicos que apresentamos na Unidade 1 do curso. 2.2.3 A Influência do Número de Produtores Somamos a produção de nossos dois produtores de arroz para obter, a cada preço, a oferta de mercado. Então, se tivéssemos 200 ou 2000 produtores, é claro que a quantidade ofertada de arroz seria bem maior, a cada preço. Então, o aumento do número de produtores de um determinado produto ou serviço implica um aumento da escala de mercado, ou seja, um deslocamento da curva de oferta, para baixo e para a direita. Teríamos um efeito oposto e, claro, um deslocamento em sentido oposto para a diminuição do número de produtores. 2.2.4 Resumo da Ópera: Diferença entre Mudanças na Quantidade Ofertada e Mudanças na Oferta Quando apresentamos as escalas de oferta e curvas de oferta, estamos examinando a relação entre preços e quantidades ofertadas, considerando constantes todos os outros fatores que 79 influenciam a oferta (o nosso conceito de coeteris paribus, lembra?1). Assim, estamos tratando de deslocamentos ao longo da curva de oferta, isto é, mudanças na quantidade ofertada, em razão de mudanças no preço. A mudança de qualquer fator que influencia a oferta, que não seja o preço, provoca uma mudança na oferta, um deslocamento da própria curva de oferta, como vimos acima. É assim que os economistas diferenciam aumento (diminuição) da quantidade ofertada e aumento (diminuição) da oferta. QUADRO RESUMO 1 MUDANÇAS EM TIPO DE DESLOCAMENTO Preço do Produto: -Aumento: -Diminuição: Ao longo da Curva de Oferta -Para cima (aumento da Q ofertada) -Para baixo (diminuição da Q ofertada) Preço de Insumo: -Aumento: -Diminuição: Da Curva de Oferta -Para cima e para a esquerda (diminuição da oferta) Para baixo e para a direita (aumento da oferta) Tecnologia: -Melhoras tecnológicas Da Curva de Oferta -Para baixo e para a direita (aumento da Oferta) Número de Produtores: -Aumento -Diminuição Da Curva de Oferta -para baixo e para a direita (aumento da oferta) -para cima e para a esquerda (diminuição da Oferta) ILUSTRAÇÕES GRÁFICAS Gráfico 4 Deslocamentos ao Longo da Curva de Oferta (Aumento ou Diminuição da Quantidade Ofertada) 1 Para lembrar: é uma expressão latina, significando “tudo o mais constante”. Pronuncia-se “céteris páribus”. 80 Gráfico 5 Deslocametos da Curva de Oferta (Aumento ou Diminuição da Oferta) 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 P R EÇ O QUANTIDADE OFERTA 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 P R EÇ O QUANTIDADE CURVA DE OFERTA - Aumento de P - Deslocamento ao longo da curva - Aumento da Q Ofertada - Diminuição de P - Deslocamento ao longo da curva - Diminuição da Q Ofertada Aumento da Q Ofertada Diminuição da Q Ofertada Ofertada OOfertadaOfertada CURVA DE OFERTA 1 CURVA DE OFERTA 2 CURVA DE OFERTA 3 - Deslocamento para baixo e para a direita; - Aumento da Oferta - Deslocamento para cima e para a esquerda; - Diminuição da Oferta 81 3. O Lado da Demanda Em cursos mais avançados, a análise da demanda de um consumidor é derivada da maximização de sua satisfação pelo consumo de uma cesta de produtos e serviços, sujeita às limitações estabelecidas por sua renda e pelos preços determinados pelo mercado. A ideia é que o consumidor tem uma função de utilidade, e é capaz de expressar suas preferências organizando em ordem de preferência os diversos produtos e serviços de sua cesta de consumo. No nosso curso, tal qual fizemos quando abordamos o lado da oferta, vamos partir da premissa de racionalidade do consumidor: ou seja, ele prefere pagar menos do que mais por um produto ou serviço, prefere consumir mais do que menos. Naturalmente, sujeito aos limites estabelecidos por sua renda e uma certa noção de saciedade (a utilidade marginal, aquela derivada do consumo de uma unidade adicional de qualquer produto ou serviço é decrescente) e aos preços estabelecidos pelo mercado e sobre os quais ele não tem comando. 3.1 Escala de Demanda e Curva de Demanda 3.1.1 Escalas de Demanda e Curvas de Demanda Individuais Tomemos, mais uma vez, o mercado de arroz em Tropicália, como caracterizado na Seção 2.1 e as escalas de consumo do Consumidor 1 e do Consumidor 2 (que devido às unidades usadas no exemplo (t), poderiam ser as escalas de demanda de duas pequenas fábricas de alimentos derivados do arroz ou duas pequenas cooperativas de consumo): Estas escalas de demanda nos dizem que os consumidores estão dispostos a consumir quantidades maiores à medida que os preços diminuam. Ou seja, há uma relação inversa entre preços e quantidades: menores preços, maiores quantidades demandadas. O Consumidor 1, por exemplo, ao preço de R$2mil/t está disposto a comprar 18t; 14t ao preço de R$3/t e somente 2t ao preço muito Tabela 5 Escala de Demanda de Arroz do Consumidor 2 Preço (R$mil/t) Quantidade (t) 2 20 3 16 4 12 5 8 6 4 Tabela 4 Escala de Demanda de Arroz do Consumidor 1 Preço (R$mil/t) Quantidade (t) 2 18 3 14 4 10 5 6 6 2 82 0 1 2 3 4 5 6 7 2 6 10 14 18 P re ço ( R $ m il/ t)Quantidade (t) Curva de Demanda de Arroz do Consumidor 1 0 1 2 3 4 5 6 7 4 8 12 16 20 P re ço ( R $ m il/ t) Quantidade (t) Curva de Demanda de Arroz do Consumidor 2 mais elevado de R$6mil/t. A escala de demanda do Consumidor 2, reflete um comportamento semelhante. A representação gráfica das escalas de demanda constituem as curvas de demanda dos dois consumidores: Gráfico 6 Gráfico 7 As curvas de demanda de cada consumidor acima representam tal comportamento dos consumidores, ou seja, quanto menor o preço, maior a quantidade demandada. Ao preço elevado de R$6mil/t o Consumidor 1 está disposto a comprar apenas 2t e o Consumidor 2, 4t. Já ao preço bem mais baixo de R$2mil/t, o Consumidor 1 está disposto a comprar a quantidade de 18t e o Consumidor 2, 20t. 3.1.2 Escala de Demanda e Curva de Demanda de Mercado A escala de demanda de mercado é o resultado da soma das quantidades demandadas, a cada preço, para todos os consumidores de um determinado bem ou serviço. No caso específico, todos os consumidores de arroz de Tropicália. Tal como observamos, quando tratamos do lado da oferta, é claro que um mercado com apenas dois consumidores não é um mercado concorrencial. Apenas para exemplificar o conceito de escala de demanda de mercado, supomos que o mercado de arroz em Tropicália é constituído de apenas dois consumidores. Se o mercado fosse constituído de 2.000 ou 20.000 consumidores, o processo de obtenção da escala de demanda do mercado seria o mesmo: soma das quantidades demandadas por todos os consumidores, a cada preço determinado pelo mercado. Com nossa hipótese simplificadora, a escala de demanda de arroz no mercado de Tropicália é mostrada a seguir: Tabela 6 Escala de Demanda de Arroz no Mercado de Tropicália 83 Preço (R$mil/t) Quantidade (t) 2 38 3 30 4 22 5 14 6 6 Vemos então que a demanda de arroz, no mercado como um todo, ao preço mais baixo de R$2mil/t é de 38t (18t do Consumidor 1 e 20t do Consumidor 2), ao passo que ao preço bem mais elevado de R$6mil/t é de apenas 6t (2t do Consumidor 1 e 4t do Consumidor 2). A curva de demanda de arroz no mercado como um todo, apresentada abaixo no Gráfico 8, é a representação gráfica da escala de mercado acima, mostrando, como não poderia deixar de ser, uma relação inversa entre preços e quantidades demandadas. Em termos gráficos, corresponde à soma horizontal das quantidades demandadas, a cada preço, nos gráficos das demandas individuais mostrados acima (gráficos 6 e 7): Gráfico 8 3.2 Fatores Que Influenciam a Demanda, Além do Preço Nas escalas de demanda e curvas de demanda apresentadas acima, examinamos a relação entre preços e quantidades demandadas, inicialmente para os consumidores individuais e posteriormente para o mercado como um todo, sob a condição de coeteris paribus, ou seja tudo o mais constante, só variam os preços. Mas existem outros fatores que influenciam a demanda, no mercado, além dos preços. São principalmente cinco: a renda do consumidor; o preço dos outros bens; os gostos ou preferências do consumidor; as expectativas do consumidor; e o número de compradores. 0 1 2 3 4 5 6 7 6 14 22 30 38 P re ço ( R $ m il/ t) Quantidade (t) Curva de Demanda de Mercado de Arroz em Tropicália 84 3.2.1 A Influência da Renda do Consumidor Normalmente ou, digamos, na grande maioria dos casos, o consumidor tende a adquirir uma quantidade maior de um bem se sua renda aumenta, e a diminuir essa quantidade, se sua renda diminui. Estes bens são denominados de bens normais. Quando a renda de um consumidor aumenta, ele tende a aumentar o consumo de alguns bens, pelo menos; e quando sua renda cai, ele tem que ajustar-se à nova situação, consumindo menos de alguns bens ou, até, de todos os bens. Existem outros bens, no entanto, dos quais o consumidor diminui a quantidade consumida, quando sua renda aumenta; e aumenta essa quantidade, quando sua renda diminui. São os chamados bens inferiores. Não são muitos os exemplos disponíveis desse tipo de bem. Geralmente são bens que ocupam uma parcela importante da renda do consumidor que, ao ter sua renda aumentada, vê a possibilidade de diminuir o consumo do bem inferior e assim aumentar o consumo de outro(s) bem(ns), que em sua avaliação têm melhor qualidade, são preferíveis. No Brasil, a farinha de mandioca é um bem presente na mesa de quase todas as famílias, principalmente no Nordeste; mas em famílias de baixa renda costuma ser um componente importante da dieta, como fonte barata de proteínas. Nesse último caso, quando essas famílias têm aumento de renda, têm agora a possibilidade de consumir outros alimentos (proteínas animais e vegetais, por exemplo) que antes não consumiam, ou consumiam pouco; diminuindo assim o consumo de farinha de mandioca. Outro exemplo célebre é a passagem de ônibus. Quando os consumidores têm aumento significativo de renda, muitos deles optam por outros meios de transporte (van, táxi, moto, automóvel), principalmente quando os meios de transporte público são de baixa qualidade, como é o caso da maioria das grandes cidades brasileiras. 3.2.2 A Influência dos Preços dos Outros Bens Vamos classificar os bens, quanto a este aspecto, em duas categorias: os bens de demandas não relacionadas e os bens de demandas relacionadas. Os bens de demandas não relacionadas são aqueles cujas demandas não sofrem a influência uma da outra, não interagem entre si. Por exemplo, a demanda por material escolar e a demanda por picolés. Os bens de demanda relacionadas podem ser de duas categorias: os bens substitutos e os bens complementares. Bens substitutos são aqueles que satisfazem necessidades semelhantes ou parecidas, como por exemplo, café e chá; manteiga e margarina. Bens complementares são aqueles de consumo conjunto ou complementar, como por exemplo, pão e manteiga (ou margarina); gasolina (ou álcool anidro) e automóvel. Vamos examinar um pouco melhor este ponto. Se o preço de um bem que é substituto de outro sobe, os consumidores tenderão a aumentar o consumo do outro bem, que atende (ainda que aproximadamente) a mesma finalidade. Se o preço da manteiga aumenta 85 demasiadamente, as pessoas tenderão a substituí-la pela margarina — e vice-versa. Mas se o preço de um bem que é complementar a outro aumenta, os consumidores tenderão a diminuir também o consumo desse outro bem, de uso conjunto com o primeiro. Se o preço da gasolina subir demasiadamente, muitos consumidores diminuirão o consumo de gasolina e usarão menos o carro — o consumo dos serviços prestados pelo carro como meio de transporte é, claro, complementar ao consumo de gasolina (carros passarão a ser usados só nos fins de semana, por exemplo, ou seu uso trocado por um bem substituto: bicicleta, caminhar a pé para o trabalho). 3.2.3 A Influência dos Gostos ou Preferências do Consumidor Os gostos ou preferências do consumidor são um dos mais importantes determinantes da demanda de um bem ou serviço. Essas preferências são ocasionadas por diversos fatores. Às vezes por razões históricas, por hábitos desenvolvidos anteriormente (o hábito de comer carne, no Brasil, foi influenciado pela existência de muita terra e pouca gente, no período inicial da colonização, o que facilitava a criação de gado); por imitação do que está na moda (uso de bonés por adolescentes); pela influência da propaganda (que tenta convencer o consumidor de que certo produto ou certa marca é de uso indispensável); e mesmo por razões psicológicas (comprar bilhetes da mega-sena não é uma decisão “racional”, pois a probabilidade de ganhar é ínfima, mas a sensação de poder ficar rico, antes do sorteio, é boa) — num leque bem variado de motivações. Por isso mesmo, os economistas não tentam explicar essas razões,tomando-as como um dado. Mas as mudanças desses gostos ou preferências têm implicações imediatas para a demanda de um bem ou serviço. Isto sim, interessa muito de perto ao economista. Se as preferências dos consumidores por um determinado bem ou serviço por algum motivo aumentam ou diminuem, é claro que isto repercutirá de imediato na demanda por esse bem ou serviço. 3.2.4 A Influência das Expectativas do Consumidor O comportamento do consumidor pode ser influenciado pelo que ele espera ou acha que vai ser o cenário futuro ao seu redor que pode afetá-lo de várias maneiras. Por exemplo, se ele espera que o preço de um bem vai diminuir (aumentar), poderá adiar (antecipar) o consumo desse bem no presente. Isso é comum no mercado de ações, nas bolsas de valores: a expectativa de que o preço de determinada ação subirá faz aumentar a demanda por ela no presente. Ou, digamos, se o consumidor espera ter um aumento (diminuição) de renda nos próximos meses, isto pode afetar a sua demanda por certos bens hoje. 86 3.2.5 A Influência do Número de Consumidores O mercado de um determinado bem em um local é constituído pelo conjunto de consumidores desse bem. Quando passamos da escala e curva de consumo individual para a escala e curva de demanda de mercado, nas seções 3.1.1 e 3.1.2, somamos as quantidades demandadas individualmente. É claro que a entrada de novos consumidores no mercado (porque o bem considerado ficou na moda, por exemplo), ou a saída de consumidores, impactam diretamente a demanda total por esse bem. 3.3 Deslocamentos ao Longo da Curva de Demanda e Deslocamentos da Curva de Demanda Vimos que ao estabelecermos uma escala de demanda, ou quando representamos essa escala numa curva de demanda, estamos examinando a reação da quantidade demandada de um bem a variações de seu preço no mercado, apenas. Ou seja, aumento (diminuição) de preço, e consequente diminuição (aumento) da quantidade demandada. Essa relação inversa entre preço e quantidade demandada costuma ser chama de Lei da Demanda. Ela é representada por movimentos ao longo da curva de demanda. “Para baixo”, quando há redução no preço e aumento da quantidade demandada; e “para cima”, no caso contrário. Não falamos, nesse contexto, em aumento ou redução da demanda, mas sim em aumento ou redução da quantidade demandada. Quando estabelecemos uma escala de demanda ou a representamos numa curva de demanda, como mencionado no parágrafo anterior, examinamos a relação entre preços e quantidades demandadas no mercado, considerando como constantes todos os outros fatores que influenciam a demanda deste bem (tenho certeza que vocês se recordam da hipótese de coeteris paribus a que nos referimos anteriormente): a renda do consumidor, o preço dos bens relacionados, as preferências do consumidor, as expectativas do consumidor e o número de consumidores no mercado. Quando há uma mudança em qualquer um desses fatores, significa que toda a escala de demanda muda, ou seja, a própria curva de demanda muda. Exemplifiquemos com uma mudança na renda do consumidor. Suponhamos que o consumidor tenha um aumento de renda. Para a grande maioria dos bens (exceto os bens inferiores, lembra-se?), o consumidor, ao dispor de mais renda, estará agora disposto a comprar quantidades maiores do que antes, a cada preço. Em termos gráficos, isto significaria um deslocamento da própria curva de demanda para cima e para a direita (a cada preço, quantidades maiores). Para uma diminuição de renda, teríamos efeitos exatamente opostos aos que acabamos de descrever: a curva de demanda se deslocaria para a esquerda e para baixo. Nesse caso, falamos num aumento ou diminuição da demanda. Similarmente, a mudança em qualquer um dos outros fatores que influenciam a demanda, e que são considerados constantes ao se traçar uma curva de demanda, provoca um deslocamento da 87 curva inteira, para cima e para a direita, se a influência for positiva. Ou para baixo e para a esquerda, se esta influência afetar negativamente a demanda, no sentido de diminuí-la. O Quadro abaixo resume as diferentes alternativas: QUADRO RESUMO 2 MUDANÇAS EM TIPO DE DESLOCAMENTO Preço do Produto: -Aumento -Diminuição Ao longo da curva de demanda -Para cima (diminuição da Q demandada) -Para baixo (aumento da Q demandada) Renda do Consumidor -Aumento -Diminuição Da curva de demanda -Para cima (aumento da demanda) * -Para baixo (diminuição da demanda) ** Preço dos Bens Relacionados -Bens Substitutos Aumento Diminuição -Bens Complementares Aumento Diminuição Da curva de demanda Para cima (aumento da demanda) Para baixo (diminuição da demanda) Para baixo (diminuição da demanda) Para cima (aumento da demanda) Preferências do Consumidor -Aumento -Diminuição Da curva de demanda -Para cima (aumento da demanda) -Para baixo (diminuição da demanda) Expectativas do Consumidor -De efeito positivo -De efeito negativo Da curva de demanda -Para cima (aumento da demanda) -Para baixo (diminuição da demanda) Número de Consumidores -Aumento -Diminuição Da curva de demanda -Para cima (aumento da demanda) -Para baixo (diminuição da demanda) *Para cima significa: Para cima e para a direita; **Para baixo significa: Para baixo e para a esquerda. ILUSTRAÇÕES GRÁFICAS Gráfico 9 Deslocamentos ao Longo da Curva de Demanda (Aumento ou Diminuição da Quantidade Demandada) 88 Gráfico 10 Deslocamentos da Curva de Demanda (Aumento ou Diminuição da Demanda) 4. O Equilíbrio de Mercado A noção intuitiva de equilíbrio denota situações em que duas forças se equivalem. Os dois pratos de uma balança ao conter pesos iguais, por exemplo. Ou, no caso que aqui nos interessa, os dois lados do mercado. Mercado, como dissemos antes, refere-se ao conjunto de todos os compradores e todos os vendedores de um determinado bem ou serviço. Então, para exemplificarmos 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 P R EÇ O QUANTIDADE DEMANDA 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 P R EÇ O QUANTIDADE CURVA DE DEMANDA - Aumento de P - Deslocamento ao longo da curva - Diminuição da Q demandada - Diminuição de P - Deslocamento ao longo da curva - Aumento da Q demandada Aumento da Q Demandada Diminuição da Q Demandada OOfertadaOfertada CURVA DE DEMANDA 1 CURVA DE DERMANDA 2 CURVA DE DEMANDA 3 - Deslocamento para baixo e para a esquerda; - Diminuição da Demanda -Deslocamento para cima e para a direita; - Aumento da Demanda 89 o conceito de equilíbrio de mercado, vamos trazer de volta as escalas de oferta de mercado e de demanda de mercado de arroz, que vimos nas Tabelas 3 e 6 para a Tabela 7, abaixo: Tabela 7 Mercado de Arroz: Escalas de Oferta e de Demanda Na Tabela 7, vemos que ao preço de R$2mil/t a quantidade ofertada é de apenas 14t, enquanto a quantidade demandada é de 38t. A quantidade demandada é, portanto, bem maior que a quantidade ofertada. Nessas situações dizemos que a este preço tão baixo há um excesso de demanda. Num mercado de concorrência perfeita, quando há excesso de demanda, os compradores estarão dispostos a pagar maiores preços e a tendência, numa situação como esta é que os preços aumentem. No outro extremo, ao preço de R$6mil/t, a quantidade ofertada é de 30t e a quantidade demandada de apenas 6t. A quantidade ofertada é muito maior que a quantidade demandada. Nestas situações dizemos que a este preço tão elevado há um excesso de oferta. Quando há excesso de oferta, numa situação de concorrência perfeita, os vendedores estarão dispostos a aceitar preços menores e a tendência, portanto, é que os preços caiam. Ao preço de R$4mil/t é a única situação em que a quantidade ofertada é exatamente igual à quantidade demandada (22t). Há um equilíbrio entre as forças de mercado. Dizemos, então, que R$4/t é o preço de equilíbrio de mercadoe 22t é a quantidade de equilíbrio de mercado. A esse preço o que os vendedores desejam vender é exatamente igual ao que os compradores desejam comprar. Este é o ponto de equilíbrio do mercado. Podemos representar graficamente a Tabela 7. Esta representação mostrará as curva de Oferta e de Demanda do Mercado de Arroz em Tropicália: Preço (R$mil/t) Quantidade Ofertada (t) Quantidade Demandada (t) 2 14 38 3 18 30 4 22 22 5 26 14 6 30 6 90 Gráfico 11 Vemos no gráfico acima que a preços maiores que R$4mil/t há excesso de oferta, muitos vendedores e poucos compradores. Numa situação como essa, num merca do concorrência perfeita, a tendência é que os vendedores comecem a aceitar preços menores. Ao contrário, a preços menores que R$4mil/t há excesso de demanda, muita quantidade demandada e pouca quantidade ofertada. Numa situação como esta, num mercado de concorrência perfeita, a tendência é que os compradores se disponham agora a pagar preços maiores. A única situação em que os dois lados do mercado estão satisfeitos, onde o preço que os compradores querem pagar é o mesmo que os vendedores querem receber (R$4mil/t), assim como a quantidade que os compradores querem comprar é a mesma que os vendedores querem vender (22t). O mercado está em equilíbrio. Esse é o ponto de cruzamento das curvas de oferta e de demanda do mercado, denotado no gráfico pela letra “E”. 5. Exercícios De Estática Comparativa Agora que já dominamos as ferramentas da oferta e da demanda e sua interação no mercado, podemos fazer alguns exercícios de estática comparativa. Partindo de uma situação de equilíbrio inicial, verificaremos qual o efeito da mudança de um ou mais daqueles fatores que influenciam a oferta e/ou a demanda, resultando num novo equilíbrio (uma nova situação, em termos de preço e quantidade). Faremos isto respondendo a três perguntas: - A mudança afeta qual lado do mercado (a oferta, a demanda ou ambas)? - Em que direção se dá esse efeito? 0 1 2 3 4 5 6 7 0 5 10 15 20 25 30 35 40 P re ço ( R $ m il/ t) Quantidade (t) Curvas de Oferta e de Demanda de Arroz em Tropicália E Excesso de Oferta Excesso de Demanda Curva de Oferta Curva de Demanda 91 - Qual o novo equilíbrio resultante (qual o novo preço e a nova quantidade)? Nesses exercícios, comparamos duas situações: uma situação inicial e uma situação final, resultante do(s) efeito(s) da(s) mudança(s) do(s) fator (es) que pode(m) influenciar a oferta e/ou a demanda. Não vamos procurar saber como se chegou de um equilíbrio ao outro, ou seja, a dinâmica do processo. Apenas vamos comparar duas situações estáticas. Estas comparações vão nos fornecer indicações qualitativas sobre variáveis importantes do mercado (preços e quantidades, por exemplo). Apesar de se basearem em ferramentas simples, tais exercícios nos ajudam a entender melhor algumas questões econômicas do nosso cotidiano. Para tanto, é necessário que nos lembremos sempre daquela diferenciação entre deslocamentos ao longo das curvas (de oferta ou de demanda) e deslocamentos das próprias curvas. Deslocamento da Curva de Oferta (aumento ou diminuição da oferta) Suponhamos que a EMBRAPA, após várias pesquisas, encontrou uma nova variedade de semente de arroz que aumenta significativamente a produção de arroz por hectare plantado. Respondendo à primeira pergunta: qual o lado do mercado que é afetado? Trata-se de uma mudança tecnológica que vai afetar a oferta. Segunda pergunta: em que direção? Agora os produtores vão poder produzir mais por hectare (ao mesmo custo) e vão poder, a cada preço de mercado, oferecer uma quantidade maior. Estamos falando, portanto, de um aumento da oferta (um deslocamento da curva de oferta para a direita e para baixo). Terceira pergunta: Qual o resultado em termos de preço e quantidade no novo equilíbrio? Gráfico 12 P Q P¹ Q¹ D¹ O¹ O² P² Q² E² E¹ 92 A mudança tecnológica não afeta a curva de demanda; temos, então, um aumento da oferta permanecendo a mesma demanda. Isto significa menores preços (P2<P1) e maiores quantidades (Q2>Q1), no novo equilíbrio (E2), como ilustrado no Gráfico 12, acima. Suponhamos uma nova situação: uma grande estiagem nos estados maiores produtores de arroz, afetando significativamente a produtividade por hectare. Seria um efeito sobre a oferta oposto ao que acabamos de ver, com resultados também opostos: aumento do preço e diminuição da quantidade no novo equilíbrio. Deslocamento da Curva de Demanda (aumento ou diminuição da demanda) Considere o estabelecimento pelo governo de um programa de distribuição de cestas de arroz, para famílias com renda per capita abaixo de um certo valor. O arroz é um item presente diariamente na dieta de todo brasileiro, e principalmente daqueles de renda mais baixa. Para efetivar seu programa, o governo, que não produz arroz, compra o produto no mercado; há, então uma demanda adicional no mercado. Resposta à primeira pergunta: o lado afetado é o da demanda de arroz; resposta da segunda pergunta: o aumento do consumo de uma grande quantidade de consumidores significa um aumento da demanda (um deslocamento da curva de demanda para cima e para a direita). Resposta à terceira pergunta: como o programa não afeta o lado da oferta, temos um aumento da demanda e a mesma oferta, resultando em maiores preços e maiores quantidades transacionadas, como ilustrado no Gráfico 13, abaixo: Gráfico 13 P QQ¹ D¹ O¹ D² P² Q² E² E¹ P1 93 A introdução do novo programa implica um deslocamento da curva de demanda (aumento da demanda) de D1 para D2. Como a curva de oferta não se altera, temos como resultado no novo equilíbrio (E2) maior preço (P2>P1) e maior quantidade (Q2>Q1). Se tivéssemos, em vez da introdução do programa de distribuição de cestas de arroz, uma diminuição da renda dos consumidores, provocada, por exemplo, por uma crise na economia, teríamos no novo equilíbrio resultados opostos ao do nosso exemplo anterior: diminuição da demanda e queda no preço e na quantidade de arroz. Deslocamentos simultâneos das Curvas de Oferta e de Demanda (Aumento ou Diminuição das Curvas de Oferta e de Demanda) Vamos supor que o uso das novas sementes de arroz da EMBRAPA e a introdução do programa de distribuição de cestas de arroz acontecessem ao mesmo tempo. Qual o lado do mercado que seria afetado, o da oferta, o da demanda ou ambos? Poderíamos afirmar que os dois lados seriam afetados: a curva de oferta se deslocaria para a direita e para baixo (um aumento da oferta) e a curva de demanda se deslocaria para cima e para a direita (um aumento da demanda). Mas e o resultado final em termos de preço e quantidade no novo equilíbrio? Poderíamos afirmar que a quantidade final seria maior: tanto a mudança do lado da oferta quanto do lado da demanda impulsionam nessa direção. Mas a resposta quanto ao preço iria depender do tamanho do aumento da oferta em relação ao tamanho do aumento da demanda. Se a oferta aumentasse relativamente mais que o aumento da demanda, o preço diminuiria. Se, ao contrário, a demanda aumentasse relativamente mais que a oferta, o preço final aumentaria. Se os aumentos da oferta e da demanda fossem de proporções semelhantes, o preço final poderia permanecer o mesmo. As três situações estão ilustradas no Gráfico 14, a seguir: Gráfico 14 -Aumento Maior da Oferta (P2<P1; Q2>Q1) P Q P¹ Q¹ D¹ O¹ O² P² Q² E² E¹ D² 94 Gráfico 15 - Aumento Maior da Demanda (P2>P1; Q2>Q1) Gráfico 16 -Aumentos de Proporções Semelhantes da Oferta e da Demanda (P2=P1; Q2>Q1) P Q P¹ Q¹ D¹ O¹ D² O² P² Q² E² E¹ P Q D¹ O¹ E¹ O² D² E² Q²Q1 95 Poderíamos também explorar situações onde houvesse, por exemplo, diminuições em proporções semelhantes, ou não, tanto da oferta quanto da demanda ou ainda,outras em que as variações da oferta e demanda se dessem em sentidos opostos. Ficam estas possibilidades como exercícios de fixação. Para facilitar essa tarefa, apresentamos o Quadro Resumo abaixo, onde adotamos as seguintes convenções: seta para cima depois da variável () significa aumento; seta para baixo depois da variável (), significa diminuição; um sinal de igual (=) após a variável significa que ela não muda; e um sinal de interrogação depois da variável (?), significa que ela pode aumentar, diminuir ou permanecer com o mesmo valor, dependendo das variações relativas da oferta e da demanda. QUADRO RESUMO 3 MUDANÇAS NA OFERTA M U D A N Ç A S N A D EM A N D A SEM MUDANÇA AUMENTO DIMINUIÇÃO SEM MUDANÇA P= Q= PQ PQ AUMENTO PQ P?Q PQ? DIMINUIÇÃO PQ PQ? P?Q 6. Conclusão: Oferta e Demanda e Seu Papel na Economia de Mercado Vimos, então, os dois lados do mercado. O lado da oferta e os principais fatores que a influenciam; o lado da demanda e os principais fatores que a influenciam; e, o mais importante, vimos a interação entre esses dois lados do mercado. Acabamos de ver, portanto, como funciona um mercado concorrencial, utilizando exemplos simples de um mercado hipotético de arroz. É claro que podemos utilizar esses conhecimentos para qualquer mercado com características análogas. Na primeira unidade do curso, aprendemos que precisamos estabelecer escolhas em várias circunstâncias de nossas vidas e, principalmente, na vida econômica, já que as necessidades de todas as sociedades são ilimitadas (são muito grandes e muito variadas) e os recursos disponíveis para satisfazê-las são escassos (limitados). As sociedades se deparam, então, com a necessidade de estabelecer uma série de escolhas muito importantes para o seu funcionamento em várias áreas e, em particular, na área da Economia. Quatro dessas escolhas são cruciais. As coletividades precisam decidir O QUE PRODUZIR, já que os recursos disponíveis são limitados e não há condições de produzir tudo que se imaginar; precisam decidir QUANTO PODUZIR: pela mesmo motivo da 96 limitação dos recursos, não há como produzir os bens escolhidos na quantidade que se quiser; e têm que decidir COMO PRODUZIR, porque os diferentes modos de produzir (as diferentes tecnologias) têm eficiências (custos) diferentes, o que pode determinar o crescimento ou a extinção de um produtor; e, finalmente, precisa decidir PARA QUEM PRODUZIR, o aspecto da distribuição da produção, ou seja quem terá acesso ao que for produzido. Nas sociedades ditas de mercado, a oferta e a demanda dos bens e serviços que são produzidos determina o preço desses bens. O sistema de preços funciona então como uma espécie de sinalizador para a alocação dos recursos entre os vários setores e assim determinando O QUE PRODUZIR. Se os preços são atraentes no setor de arroz, isto vai atrair recursos para ele e, ao contrário, esses recursos vão ser afugentados para outros setores, se os preços do arroz não são atraentes, em comparação com os preços de mercado de outros bens e serviços. Não costumamos ter noites de insônia, preocupados se na manhã seguinte vai ou não ter pão na padaria da esquina. Para o dono da padaria, o mercado lhe indica QUANTO PRODUZIR de todos os tipos de pães. Se um determinado tipo de pão está com vendas baixas, isto é uma indicação para diminuir a produção. Se, ao contrário, o balconista percebe que vários clientes procuram por um tipo de pão cujo estoque está se esgotando no meio da tarde, é um sinal de que a produção deve ser aumentada. Assim, o mercado, seja por injunções da demanda do produto, ou pelo lado da oferta e demanda dos insumos, também sinaliza com respeito ao QUANTO PRODUZIR, o mesmo valendo quanto à forma de produzir, ou o COMO PRODUZIR. O mercado, através do sistema de preços, também define o PARA QUEM PRODUZIR. Quem tem acesso a determinados bens ou serviços são aqueles agentes (indivíduos, empresas ou governos) que desejam adquirir estes bens ou serviços e têm condições efetivas de fazê-lo. Nesse aspecto, o sistema de preços funciona como uma espécie de racionador do sistema, indicando quem terá acesso a certos bens ou serviços, já que, mais uma vez, não dá para produzir tudo para todos, até porque um sistema dessa natureza seria muito ineficiente. Numa economia de mercado não existe uma agência (um governo ou um seu preposto – a agência central de planejamento) tomando aquelas decisões, quanto ao o que, quanto, como e para quem produzir. Essas decisões são tomadas por milhares de agentes de forma descentralizada, cada um pensando nos seus próprios interesses. Lembra da Mão Invisível de Adam Smith, lá dos princípios básicos de economia da primeira unidade do curso? 97 Lívio W.R. de Carvalho, Flávio R. Versiani, Bruno P. Rezende e Max Villela 1. Introdução Na Unidade I de nosso curso de Introdução à Economia, vimos que a Economia é uma ciência que se preocupa com a alocação de recursos escassos e que o preço é o mais importante alocador desses recursos. No início desta unidade, vimos que o preço é determinado pelas forças de oferta e demanda, as quais, por sua vez, condicionam os mercados. Oferta e demanda são influenciadas por diversos fatores já estudados no texto anterior. Quando há variações nesses fatores, alteram-se as condições de mercado, provocando respostas da oferta e da demanda a tais variações. Vimos que essas respostas são representadas graficamente pelo deslocamento das curvas de oferta e demanda, o que nos permite fazer inferências qualitativas sobre o comportamento das forças de mercado. Por exemplo, um evento climático que comprometa grandes plantações de trigo na China tem o efeito, tudo o mais mantido constante, de reduzir a oferta de trigo no mercado chinês (supondo que toda a produção de trigo na China se destine ao consumo interno). Graficamente, o comportamento da oferta de trigo, em decorrência desse fenômeno climático, pode ser representado pelo deslocamento da curva de oferta para a esquerda (e para cima). Tudo o mais constante, haverá aumento do preço do trigo e redução da quantidade transacionada desse bem. Neste momento, interessa-nos estudar ferramentas que nos permitam fazer análises quantitativas de situações como as dos exemplos anteriores, examinando, por exemplo, a proporção das variações percentuais do preço e da quantidade demandada de trigo na China. Esse tipo de análise, que você aprenderá a fazer neste texto, envolve o conceito de elasticidade. Você verá que, por meio do cálculo e da interpretação do valor encontrado para os diferentes tipos de elasticidade, será possível não só produzir avaliações mais completas sobre o funcionamento dos mercados, mas também facilitar a compreensão de algumas situações concretas. A propósito disso, serão dados exemplos relacionados à economia brasileira, para que você possa conhecer aplicações práticas da elasticidade. Por exemplo: o Brasil era, no início do século 98 passado, quase monopolista no mercado internacional de café, assim como hoje em dia os membros da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) dominam o mercado de petróleo. O que possibilitou que tenham sido adotadas, em ambos os casos, políticas de controle de preços? Por que tais políticas tiveram efeitos bem diferentes, no café e no petróleo? Você verá que essas questões podem ser respondidas com os conceitos que aprenderá nesta parte do curso. 2. O conceito de elasticidade Em Economia, o termo “elasticidade” refere-se a uma medida numérica da sensibilidade da curva de oferta ou da curva de demanda a uma variação em um de seus determinantes. Em outras palavras, o conhecimento da elasticidade de uma curva de demanda, por exemplo, permite-nos dizer o que acontecerá com a quantidade demandada do bem em questão diante da variação de seupreço. Você já viu, quando estudou oferta e demanda, como ocorrem, qualitativamente, as variações dessas curvas em função de alterações em seus determinantes (isto é, se as curvas se deslocam ou não e, se se deslocam, para onde: para a direita ou para a esquerda). A elasticidade permite analisar, quantitativamente, como essas mudanças ocorrem, medindo a reação de quantidades a preços no mercado, ou seja, de quanto variam as quantidades em relação às variações nos preços. Com o exemplo a seguir, isso deverá ficar mais claro. Suponha que num mercado de pães de queijo, com as curvas convencionais de oferta e de demanda, ocorra um deslocamento para a esquerda da curva de oferta (causado, por exemplo, por um aumento no preço do queijo), provocando alta no preço do pão de queijo. Imagine que a variação de preço do pão de queijo foi de 10% (ou seja, o preço aumentou 10% em relação ao preço anterior – digamos, de R$1,00 para R$1,10). Já sabemos que, para os bens normais, a quantidade demandada deve diminuir. Mas qual será a dimensão dessa diminuição? Será que a quantidade demandada diminuirá os mesmos 10%? Mais de 10%? Menos de 10%? Os mesmos questionamentos podem ser feitos com relação à quantidade ofertada diante de um aumento de 10% no preço, causado por aumento na demanda: a quantidade ofertada aumentará também em 10%? Ou mais de 10%? Ou menos de 10%? As respostas a essas perguntas podem ser dadas por meio do cálculo da elasticidade. Vamos explorar este conceito primeiro pelo lado da demanda e posteriormente pelo lado da oferta. 3. Elasticidades da demanda O leitor deve ter reparado que no título desta seção a palavra elasticidade está no plural. A explicação para isto é que, como já vimos, a quantidade demandada de um bem pode mudar quando muda o preço deste bem, permanecendo constantes todos os demais fatores que influenciam a 99 demanda por este bem. Neste caso, a quantidade demandada se altera, mas a curva de demanda permanece a mesma. Podemos, então, medir a sensibilidade de quantidades de um bem em relação a variações de preços do próprio bem (as quantidades de pão de queijo em relação a variações de preço do pão de queijo, mantendo-se constantes os preços dos bens relacionados e a renda do consumidor). É o conceito de elasticidade-preço da demanda de um bem. Mas a quantidade demandada de um bem pode mudar em razão de mudanças nos outros fatores que influenciam a demanda de um bem (neste caso em razão de deslocamentos da curva de demanda deste bem, ainda que permaneça a mesma curva de oferta). Seria, por exemplo, medir a sensibilidade de quantidades de um bem em relação a variações de preço de outro bem relacionado, ou a variações da renda do consumidor. São os conceitos de elasticidade-preço cruzada da demanda (sensibilidade das quantidades de pão de queijo em relação a variações de preços da broa de milho — bem substituto — ou do cafezinho — bem complementar) e de elasticidade-renda da demanda de um bem (a reação a variações na renda do consumidor). 3.1 Elasticidade-preço da demanda Voltemos à pergunta feita anteriormente, com todos os condicionantes que a cercam, como já explicitados: se o preço do pão de queijo aumenta de R$1,00 para R$1,10 (portanto 10%), de quanto diminuirá a quantidade demandada de pão de queijo? Mais de 10%? Exatamente 10%? Ou menos de 10%? A resposta dependerá da elasticidade-preço desta demanda. A elasticidade-preço da demanda de um bem expressa numericamente a sensibilidade (variações relativas) de quantidades demandadas a mudanças (variações relativas) de preços deste bem. Podemos expressar este conceito através de uma fórmula bem simples: Elasticidade-preço da demanda de um bem (Epd) = Variação Relativa da Quantidade demandada do bem (∆Q/Q) dividida pela Variação Relativa do preço do bem (∆P/P) Vamos calcular numericamente a elasticidade-preço da demanda de pão de queijo, supondo a variação de preços já citada e três situações para a variação da quantidade demandada, como mostrado nos gráficos e cálculos abaixo: a) A quantidade demandada passa de 90 unidades para 180 unidades 100 b) A quantidade demandada passa de 120 para 108 unidades c) A quantidade demandada passa de 120 para 114 unidades Como as variações de preços e quantidades, numa curva de demanda normal, são de sentidos opostos, a elasticidade-preço da demanda é sempre negativa. Por esta razão utilizamos sempre o valor absoluto ou módulo ΙEpdΙ no cálculo da elasticidade-preço da demanda. 1 1 Para quem não se lembra, o valor de um número em módulo (valor absoluto do número) é igual ao próprio número, se o número for maior ou igual a zero; e igual ao oposto do número (o número sem o sinal de menos), se este for negativo. 101 Quando a elasticidade-preço da demanda de um bem é maior que 1 (em módulo), dizemos que ele tem demanda elástica em relação ao preço, significando que uma pequena mudança no preço ocasiona uma expressiva mudança na quantidade demandada. Quando a elasticidade-preço da demanda de um bem é exatamente igual a 1 (em módulo), dizemos que ele tem elasticidade unitária em relação ao preço, significando que quantidades e preços variam na mesma proporção. E, finalmente, quando a elasticidade-preço da demanda de um bem é menor que 1 (em módulo), dizemos que ele tem demanda inelástica em relação ao preço, significando que as variações de preço não causam grandes mudanças nas quantidades demandadas. Geralmente a demanda de bens de primeira necessidade costuma se enquadrar nesta categoria.2 Podemos verificar no primeiro exemplo numérico acima que se calculássemos a elasticidade partindo do ponto B(96; 1,10) para o ponto A(120;1,00), ou seja, se tivéssemos uma diminuição de preço de 1,10 para 1,00, o resultado seria numericamente diferente do que aquele que encontramos (2,5 em vez de 2). Isto porque como as variações são discretas, o resultado do cálculo da elasticidade partindo de um ponto A para um ponto B da curva é diferente do resultado do cálculo da elasticidade partindo do ponto B para o ponto A. Para resolver esta questão, podemos fazer os cálculos utilizando o ponto médio (i.e. a média das quantidades e a média dos preços) como está mostrado no Apêndice I, que também apresenta, para aqueles que gostam de matemática, o cálculo da elasticidade no ponto (no caso de uma curva de demanda contínua). 3.2 Fatores que influenciam a elasticidade-preço da demanda O valor da elasticidade-preço da demanda decorre das características de cada bem em relação às preferências do consumidor, destacando-se duas características: existência de bens substitutos e importância do bem no orçamento do consumidor. Disponibilidade de substitutos próximos. Intuitivamente, é fácil perceber que, em face do aumento do preço de um bem X, caso seja possível substituí-lo por um bem Y relativamente parecido (não é necessário que o bem seja idêntico, apenas que atenda às mesmas necessidades), é mais provável que um consumidor deixe de consumir X diante de um aumento significativo em seu preço, passando a consumir Y. Tomemos, por exemplo, o aumento no preço de um refrigerante de cola. Caso os consumidores, ou alguns deles, sejam indiferentes entre consumir refrigerante de cola ou de guaraná, por exemplo, a queda de consumo do primeiro pode ser considerável, no caso de aumento de seu preço. Por outro lado, se houvesse um aumento no preço de todos os refrigerantes, o 2 Quando pelo contexto ficar claro que estamos falando de variações de preço, diremos apenas: demanda elástica, de elasticidade unitária, ou inelástica. 102 que o consumidor acostumado a consumir tal bem poderia fazer? Não havendo substitutos próximos (para o consumidor adepto de refrigerantes),pode-se dizer que a quantidade demandada de cada tipo de refrigerante teria uma redução menor do que no caso anterior. Assim, podemos dizer que a demanda por refrigerantes em geral tem menor elasticidade-preço do que a demanda por um dado tipo de refrigerante. Disso decorre o fato de que bens mais essenciais tendem a ter demanda mais inelástica, e bens mais supérfluos tendem a ter demanda mais elástica. O grau de essencialidade do bem se relaciona, claramente, à existência de substitutos próximos. Os produtos da chamada cesta básica — arroz, feijão, carne, leite, etc. — não têm, para a maioria das pessoas, substitutos próximos. Um medicamento específico para certa doença não tem substituto algum (embora possa haver substituição entre medicamentos de marca e genéricos). Nesses exemplos, é intuitivo que aumentos de preço tendem a ter pouco reflexo na quantidade demandada: a demanda será relativamente inelástica. Por outro lado, produtos de baixa ou nenhuma essencialidade (como, por exemplo, capas para telefones celulares) tendem a ter alta elasticidade-preço de demanda. Um caso particular é os dos produtos que formam hábito ou dependência. Para grupos de consumidores específicos — os viciados em drogas, álcool ou fumo, ou os que têm o hábito arraigado de, por exemplo, tomar café várias vezes ao dia — não existem substitutos para esses produtos habitualmente consumidos. São, portanto, todos eles, produtos de baixa elasticidade-preço. Peso do bem no orçamento familiar. Bens com reduzido peso no orçamento familiar tendem a ser mais inelásticos que os demais. Isso porque um aumento em seu preço, por maior que seja, não representará um ônus muito significativo nos gastos do consumidor. Caixas de fósforo, por exemplo, tendem a ter demanda inelástica ao preço (a maioria das pessoas nem tem uma ideia precisa do preço normalmente cobrado por uma caixinha de fósforos Produtos como escovas de dentes ou fio dental caem na mesma categoria Um outro exemplo é o sal. Um saco de sal, em uma família de cinco ou seis pessoas, dura semanas, de forma que mesmo um aumento substancial no preço não pesará muito no orçamento. Nesse caso, acresce que é um produto praticamente sem substitutos; trata-se, assim, de um bem de demanda tipicamente inelástica ao preço. Horizonte de tempo. Cabe considerar também que, para alguns bens, a elasticidade-preço da demanda varia com o passar do tempo, já que os consumidores poderão se adaptar a aumentos persistentes de preço, seja mudando seus hábitos de consumo, seja passando a consumir substitutos que se tornaram disponíveis. Em 1973, logo após o primeiro choque do petróleo (um súbito aumento no preço internacional do produto, que se refletiu em grande alta no preço da gasolina), os brasileiros 103 não tinham grandes alternativas ao consumo de petróleo e de seus derivados. Ou usavam gasolina, ou não era possível andar de carro, por exemplo. Com o passar do tempo, entretanto, foi possível modificar alguns hábitos de consumo, com a compra de veículos com menor consumo de combustível, maior uso de transporte público, mudança para mais perto do trabalho, etc. E surgiram possibilidades alternativas, com a adaptação de motores para uso de álcool ou alterações em sistemas de aquecimento industrial para uso de eletricidade. Ou seja, a curva de demanda por petróleo e derivados mostrou-se bem mais elástica no longo prazo do que no curto prazo. Definição do Mercado. Como já referido acima, no caso dos refrigerantes, mercados amplamente definidos geralmente têm demanda menos elástica aos preços do que mercados definidos de forma mais restrita. De maneira geral, a demanda por categorias gerais de produtos — alimentos, refrigerantes, sabonetes — tem demanda menos elástica do que a demanda por um tipo específico, ou marca específica, de alimento, refrigerante ou sabonete. A possibilidade de substituição é obviamente maior no segundo caso: basta imaginar sua própria reação a um hipotético aumento de preço restrito a produtos determinados: miojo, refrigerante marca X, sabonete marca Y. 3.4 Inclinação da Curva de Demanda e Elasticidade-preço Os exemplos acima podem sugerir que a elasticidade da demanda seria indicada pela inclinação da curva: curvas “íngremes” representariam uma demanda inelástica, e curvas de menor inclinação uma demanda mais elástica. Mas essa relação não pode ser generalizada: como veremos abaixo, segmentos de uma mesma reta têm elasticidades diferentes. Há dois casos extremos de inclinação que cabe mencionar, no entanto. Uma curva de demanda vertical, como no gráfico abaixo, significa que a quantidade demandada é a mesma, não importando o preço. A elasticidade-preço da demanda é igual a zero (Epd = 0), ou seja, a curva de demanda é perfeitamente inelástica. No caso de uma curva de demanda horizontal, ao preço determinado pelo ponto onde a curva de demanda toca o eixo vertical os consumidores comprarão qualquer quantidade. Para preços 104 maiores que esse, a quantidade demandada é zero (e a qualquer preço abaixo, a quantidade demandada é, conceitualmente, infinita). Diz-se, nesse caso, que a curva de demanda é infinitamente elástica. O gráfico abaixo ilustra essa situação. Elasticidade-preço ao longo de uma curva de demanda linear. Como a declividade de uma reta é constante, poder-se-ia imaginar que a elasticidade-preço ao longo de uma curva de demanda linear seria constante. Mas de fato isto não ocorre, como pode ser visto na tabela e no gráfico abaixo: Como mostrado, a curva começa com elasticidades elevadas (Epd >1). Há um ponto intermediário de elasticidade unitária e a parte inferior da curva é inelástica (Epd<1). A razão para isto é que no início da curva as variações relativas das quantidades são muito superiores do que as variações relativas dos preços, invertendo-se esta relação na parte inferior da curva. 105 3.5 Receita total e elasticidade-preço da demanda O conhecimento da elasticidade-preço da demanda dos bens que um produtor comercializa é fundamental para análises econômicas que envolvam o cálculo da receita total da venda desses produtos. Por receita total entende-se a multiplicação do preço pela quantidade vendida: Receita Total = Preço de Equilíbrio x Quantidade de Equilíbrio (RT = P x Q) Qual a relação entre a elasticidade-preço da demanda e a receita total? Vamos responder esta questão, apresentando três situações: Situação 1 – Demanda inelástica No gráfico acima, aos pontos de equilíbrio E1 e E2 correspondem, respectivamente, os preços P1 =2 e P2 =3 e as quantidades Q1 =30 e Q2 =25. Para você que sabe calcular elasticidades é fácil ver que se trata de uma demanda inelástica (no trecho da curva considerado). A receita total (preço x quantidade transacionada) será dada pela área do retângulo OP1E1Q1, no primeiro caso, e do retângulo OP2E2Q2, no segundo. Quando o preço aumenta de 2 para 3 reais, a quantidade demandada diminui de 30 para 25 unidades, mas a RT aumenta de 60 para 75 reais. Como a demanda é inelástica, a quantidade demandada diminui menos proporcionalmente do que o aumento de preço; assim, a RT aumenta. Ou seja: um aumento no preço leva ao aumento na receita total. Do mesmo modo, uma redução no preço, nessa situação, leva à diminuição da receita total. P e RT variam no mesmo sentido. Situação 2 – Demanda elástica 106 Consideremos o exemplo do gráfico abaixo em que P1 = 5, P2 = 6 reais, Q1 = 60 e Q2 = 40 unidades (já calculou a elasticidade?). Fazendo uma análise similar à apresentada acima, agora com uma curva de demanda elástica, podemos concluir que, nessa situação, o aumento do preço implica uma redução na receita total (300 comparado com 240). Do mesmo modo, a redução do preço leva a um aumento na receita total. Pe RT variam em sentidos inversos. Situação 3 -Demanda de elasticidade unitária Por fim, em uma situação de demanda de elasticidade unitária, (P1=2,Q1=30,P2=3 e Q2=20) podemos ver, pelo gráfico ao lado, que a receita total é a mesma (60) o que nos permite dizer que, para demandas de elasticidade unitária, a variação do preço não modifica a receita total. O cálculo da Elasticidade, no caso, deve ser feito no ponto intermediário entre E1 e E2. 107 A importância disso, do ponto de vista do vendedor, é óbvia: se ele tiver possibilidade de aumentar o preço de seu produto, isso lhe trará um aumento na receita de vendas, caso a demanda seja inelástica (pela existência de poucos substitutos no consumo, por exemplo). Do ponto de vista do ofertante, a inelasticidade da demanda é vantajosa; ele pode se beneficiar disso, se tiver bom conhecimento das condições da demanda. A situação ideal, para ele, será aumentar o preço até atingir o ponto em que a elasticidade é unitária: aí a receita será, tudo o mais constante, a maior possível. Dois exemplos podem ilustrar esse fato. Nas eliminatórias de penúltima Copa do Mundo, o Brasil jogou em Brasília contra o Chile, e o preço das entradas foi muito alto; a arquibancada mais barata ficava por cerca de 100 reais, a preços de hoje, e as cadeiras numeradas custavam cinco vezes mais. Houve protestos na imprensa, e prognósticos de que o estádio ficaria vazio. Ao contrário, o estádio lotou, e houve quem não conseguisse entrar. Os organizadores do jogo estavam certos em sua avaliação da elasticidade da demanda por entradas para a partida: muita gente estava disposta a pagar caro pela oportunidade de ver jogar a Seleção. Situação diferente ocorreu numa apresentação de Chico Buarque na cidade, há alguns anos atrás. Os preços foram também excepcionalmente altos; vários estudantes protestaram, com cartazes, na entrada do Teatro Nacional. Resultou que o Teatro ficou parcialmente vazio, coisa rara para um artista tão popular. Tudo indica que os promotores do evento fizeram, nesse caso, um cálculo errado, quanto à elasticidade da demanda por entradas para o espetáculo, e provavelmente lucraram menos do que poderiam ter feito com preços menores (além de impor constrangimento ao cantor, que não tinha ingerência na fixação dos preços.) 3.6 Elasticidade-preço cruzada da demanda A demanda de um bem é influenciada pelo preço de outros bens. A elasticidade-preço cruzada da demanda diz respeito ao efeito da variação do preço de um bem X sobre a quantidade demandada de um bem Y, quando há uma relação entre o consumo desses bens. Sendo QY e Px a quantidade demandada de Y e o preço de X, respectivamente, teremos que a elasticidade-preço cruzada da demanda de Y em relação a X será: Epcd = ∆QY/QY ÷ ∆PX/PX Há duas possibilidades básicas de inter-relação no consumo de dois bens: 108 Bens complementares - são bens comumente usados em conjunto. Assim, o aumento no preço do bem X, acarretando redução na quantidade demandada desse bem, trará também redução na demanda pelo bem Y, cujo consumo é associado ao do bem X. Haverá um deslocamento para a esquerda na curva de demanda por Y. Simetricamente, uma redução no preço de X provocará aumento na quantidade demandada desse bem e aumento na demanda de Y (deslocamento para a direita da curva de demanda de Y). Exemplos de bens complementares: impressoras a jato de tinta e cartuchos de impressão; sorvete e calda de chocolate; videogames e jogos; entradas de cinema e pipoca. Como as relações se dão em sentidos opostos (o aumento do preço de um leva à redução no consumo do outro, ou vice- versa), o valor da elasticidade-preço cruzada da demanda para dois bens complementares será sempre negativo. Bens substitutos - são bens que, pela similaridade no uso e nas finalidades, podem ser substituídos um pelo outro, em função de alterações no preço de um deles. Nesse caso, o aumento do preço do bem X leva à redução na quantidade demandada por esse bem e ao aumento da demanda pelo bem Y (deslocamento para a direita da curva de demanda). E uma redução do preço de X traz um aumento na quantidade demandada desse bem e uma redução na demanda por Y (deslocamento para a esquerda de sua curva de demanda). Ingressos de cinema e aluguel de filmes, margarina e manteiga, sorvete e frozen yogurt, por exemplo, podem ser considerados bens substitutos. Como as relações ocorrem no mesmo sentido (aumento do preço de um leva a aumento do consumo do outro, ou vice-versa), o valor da elasticidade-preço cruzada da demanda de dois bens substitutos é sempre positivo. No caso de bens cuja demanda não tem inter-relação, a elasticidade-preço cruzada da demanda é zero. 4. Elasticidade-renda da demanda Supondo que a renda de um grupo de consumidores aumente em 50%, em quanto se espera que varie o consumo de vinhos? E de passagens de ônibus? E de sal? A mensuração dessa variação é feita pela elasticidade-renda da demanda, que indica a sensibilidade da quantidade demandada de determinado bem a variações na renda de seus consumidores. A elasticidade-renda da demanda é definida como: Erd = ∆Q/Q ÷ ∆R/R 109 No qual R é a renda e Q a quantidade demandada do bem considerado. Para a grande maioria dos bens, o consumo aumenta (diminui) quando aumenta (diminui) a renda dos consumidores. Estes são os bens chamados normais (ou superiores). Como consumo e renda variam na mesma direção, a elasticidade-renda desses bens é positiva. Mas há os bens ditos inferiores, para os quais um aumento da renda leva a uma diminuição de seu consumo (e uma diminuição da renda leva a um aumento de seu consumo). Como renda e consumo variam em direções opostas, a elasticidade-renda destes bens é negativa. Os bens inferiores têm como característica o fato de terem substitutos que são preferíveis (por serem de melhor qualidade, por exemplo) mas, por serem mais caros, estão fora do alcance de consumidores de renda mais baixa. Nesse caso, quando sobe a renda dos consumidores, eles migrarão para o produto mais caro, e deixarão de consumir os bens considerados inferiores (ou diminuirão a quantidade consumida destes). Um exemplo é a carne de segunda (“músculo”). Uma família de baixa renda que tenha aumento salarial poderá passar a consumir cortes mais macios e saborosos, mas mais caros, eliminando ou reduzindo as compras da carne mais barata. Da mesma forma, consumidores que, com aumento de renda, possam comprar um carro, diminuirão seus gastos de passagens de ônibus. Bens cuja elasticidade-renda da demanda é igual a zero são considerados bens de consumo saciado. Uma vez que o consumidor já consome o bem em quantidade que considera suficiente, não importa, no que toca ao consumo desse bem, que sua renda aumente ou diminua. Adotam-se as seguintes definições, analogamente ao caso anterior: Se Erd > 1, a demanda é elástica em relação à renda; Se Erd < 1, a demanda é inelástica em relação à renda; Se Erd < 0, trata-se de um bem inferior, como vimos. Produtos alimentícios têm tipicamente, como um todo, baixa elasticidade-renda; quando a renda aumenta, as pessoas em geral passam a dedicar uma proporção menor de seus gastos com alimentação, e gastar relativamente mais em outro itens. Entre os alimentos, os de origem vegetal, como farinha de mandioca, mostram em geral menor elasticidade-renda do que os de origem animal, como carne e leite. Por outro lado, gastos com turismo e com serviços de saúde particulares costumam mostrar alta elasticidade-renda. 110 5. Exceções à "lei da demanda" Quando você estudou princípios de Microeconomia, aprendeu que, como regra geral, os bens seguem a chamada “lei da demanda” (ou lei da procura), segundo a qual a quantidade demandada dos bens diminui com o aumento de seu preço, o que implica uma curva de demandanegativamente inclinada. Essa é a regra geral, que se verifica ser verdadeira na imensa maioria dos casos. Há, entretanto, algumas exceções à lei da demanda que costumam ser mencionadas. A primeira delas é a dos chamados bens de Giffen. O rótulo se refere a um economista escocês desse nome, que observou, na Inglaterra do século XIX, que um aumento no preço de um artigo básico de alimentação, como o pão ou a batata, podia onerar de tal forma o orçamento de pessoas de renda muito baixa, a ponto de forçar a redução no consumo de produtos alimentares superiores, como a carne, e fazer aumentar o consumo do artigo agora mais caro. Vê-se que os bens de Giffen têm duas características: são bens inferiores (os consumidores prefeririam consumir menos batata e mais carne, se tivessem renda suficiente) e, além disso, seu consumo é uma parcela importante do orçamento dos consumidores considerados (de tal forma que um aumento em seu preço representa, de fato, uma redução sensível na renda disponível do consumidor). Assim, essa redução de renda (causada pelo aumento no preço da batata) levaria a um aumento no consumo da batata, um bem inferior. Teríamos uma curva de demanda com inclinação inversa da usual: ascendente da esquerda para a direita. Uma exceção à lei da demanda. Podemos pensar num exemplo mais próximo de nós. Suponhamos uma pessoa que mora em Planaltina de Goiás e trabalha no Plano Piloto, ganhando salário mínimo (R$678,00), e gastando R$10,00 com as duas viagens diárias de ônibus. Considerando 23 dias úteis por mês, em média, essa pessoa teria cerca de uma terça parte de sua renda comprometida com transporte. Suponhamos agora que um prefeito populista, em véspera de eleição, decida subsidiar o preço das passagens de ônibus para Brasília, que passaria de R$5,00 a R$1,00 apenas. Feitas as contas, veremos que com essa economia nosso indivíduo teria quase R$200,00 a mais, por mês, para gastar em outras coisas. Sendo então razoável supor que ele diminuísse seu consumo de passagens de ônibus, usando em alguns dias do mês um meio de transporte mais cômodo e rápido — e mais caro — como uma van. Redução de preço causando redução de consumo: o oposto da lei da demanda. A passagem de ônibus, nesse caso, é um bem de Giffen. Outro exemplo é associado ao chamado consumo ostentatório: o consumidor pretende, exibindo seu consumo de bens de alto preço — vinhos caros, obras de arte famosas, joias, automóveis de luxo — buscar obter status e prestígio social. Nesse caso, uma redução de preço 111 poderia fazer com que tal consumidor se desinteressasse pela compra desses bens, agora acessíveis a muitas pessoas e, portanto, pouco adequados como indicadores de ascensão social. Essa exceção à lei da demanda costuma ser chamada de “efeito Veblen”, por referência ao sociólogo americano desse nome (1857–1929), precursor da Economia Institucional, que analisou tais formas de comportamento exibicionista. Mas mesmo quem não busca alcançar status por seus padrões de consumo pode violar a lei da demanda, na medida em que associe preço a qualidade. Suponhamos que você vai comprar um relógio de pulso chinês e lhe ofereçam dois modelos, um custando R$20,00 e outro R$50,00. É possível que você julgue que o mais barato seja muito ordinário, e prefira o mais caro — embora não tenha qualquer outra indicação de que este seja um produto de melhor qualidade. Pode-se mencionar ainda outro exemplo de aumento de demanda associado a um aumento de preço. Em bolsas de valores, é comum que a subida no preço de uma ação induza investidores a comprá-la, e uma queda no preço afaste compradores desse título. Mas nesse caso não se trata propriamente de uma exceção à lei da demanda: é que os investidores tomam o aumento de cotação como sinal de que o papel pode subir ainda mais. A ação estaria hoje mais cara do que ontem, mas mais barata do que amanhã. Nessa perspectiva, uma alta na cotação seria de fato interpretada como uma baixa, em relação ao futuro (e o inverso, no caso de uma queda na cotação). 6. Elasticidade-preço da oferta A elasticidade-preço da oferta mensura a sensibilidade das quantidades ofertadas a variações no preço dos produtos comercializados — ou, dito de outra maneira, a capacidade de resposta da oferta diante de fatores que afetem o mercado do produto (um aumento de demanda, por exemplo). Quando estudamos a oferta, trabalhamos, no caso mais geral, com custos crescentes e, portanto, curvas de oferta positivamente inclinadas. Assim, o produtor estará disposto a oferecer uma quantidade maior do bem que produz à medida que os preços sobem (ou, numa outra perspectiva: ele só produzirá mais caso possa vender a um preço mais alto, pois seus custos unitários de produção são crescentes). Para menores quantidades, ele pode vender a um preço menor. A elasticidade-preço da oferta Epo é definida, de forma análoga aos casos anteriores, como a variação percentual da quantidade ofertada dividida pela variação percentual dos preços: Epo = ∆Qo/Qo ÷ ∆P/P 112 onde P é o preço do produto e Qo a quantidade ofertada. A elasticidade-preço da oferta será sempre um número positivo (ou zero); não faz sentido econômico a possibilidade de redução na quantidade ofertada, com um aumento no preço. Dizemos que um bem tem: Oferta elástica, quando sua elasticidade-preço é maior que 1 (Epo > 1) Oferta inelástica quando sua elasticidade-preço é menor que 1 (Epo < 1) e Oferta de elasticidade unitária quando a elasticidade-preço é igual a 1 (Epo = 1). No caso de curvas de oferta retilíneas, se a curva cruza o eixo vertical ,trata-se de uma curva de oferta elástica:o aumento percentual na quantidade ofertada será maior que o aumento percentual no preço. E se a curva cruza o eixo horizontal, o oposto é verdade: a curva de oferta é inelástica. Nos dois casos o valor da elasticidade varia ao longo das curvas. Já se a curva passa pela origem, a elasticidade da oferta é igual a 1 (unitária). Os gráficos abaixo mostram dois casos extremos: uma oferta perfeitamente inelástica (como a oferta de curto prazo de um produto agrícola após a safra; ou a oferta de entradas para um determinado espetáculo) e oferta infinitamente elástica (como a de uma firma que pudesse oferecer seu produto a custo constante, sem limite na capacidade de produção): No caso em que a oferta é representada por uma curva, esta pode passar de elástica a inelástica como ilustrado na tabela e gráfico abaixo. É o caso de produtores, especialmente na indústria, cuja possibilidade de resposta a aumentos de preços vai diminuindo, à medida que a capacidade de produção de suas instalações vai sendo ocupada. Quando a plena ocupação é atingida, aumentos de produção não são mais possíveis, no curto prazo, e a curva se torna vertical. A tabela e o gráfico ilustram uma situação deste tipo, onde a parte inferior da curva de oferta tem elasticidade menor que 1, enquanto na porção superior da curva a elasticidade é maior que 1. Qo Q Q Curva de oferta perfeitamente inelástica: Epo=0 Curva de oferta perfeitamente elástica: Epo= ∞ P P 113 6.1 Principais fatores relacionados à elasticidade-preço da oferta No curto prazo, a elasticidade da oferta de um produtor vai depender da existência ou não de capacidade ociosa em suas instalações produtivas. Se estas estiverem operando a plena capacidade, não haverá possibilidade de aumento de produção: a curva de oferta será uma reta vertical e a elasticidade-preço será zero. No caso em que o aumento de produção é possível, mas a um custo elevado (pela abertura de um turno de produção noturno, por exemplo),a curva de oferta será muito “íngreme”, mostrando baixa elasticidade-preço. A disponibilidade de matérias-primas também influi na elasticidade-preço da oferta. Se não for possível aumentar as compras de algum insumo essencial, um aumento de produção será, claro, impossível; e se a oferta de matérias-primas tiver, ela própria, baixa elasticidade-preço, isso se refletirá no custo de um aumento de produção e, portanto, na elasticidade de oferta do produto considerado. O mesmo pode ser dito com relação à oferta de mão-de-obra, especialmente de mão-de- obra especializada: dependendo da situação no mercado de trabalho, pode ser difícil, ou mesmo impossível, contratar mais trabalhadores, num prazo curto. Por outro lado, a disponibilidade de estoques do produto aumenta, evidentemente, a flexibilidade de resposta do produtor a um aumento de preços, tornando mais alta a elasticidade da oferta. Para certos bens não reproduzíveis, como quadros de Monet ou de Picasso, a elasticidade- preço da oferta será zero: é impossível aumentar a quantidade ofertada. No longo prazo, é possível o aumento da capacidade produtiva e a entrada de novos produtores (lembre-se que a definição de longo prazo, em Economia, é, justamente, um período suficientemente longo para que instalações produtivas possam ser expandidas e novas firmas possam 114 entrar no mercado). Assim, a oferta será, tipicamente, mais elástica no longo prazo. A elasticidade será tanto maior quanto mais fácil seja a entrada (e saída) de novos produtores. 7. Elasticidades da demanda e sua importância: dois exemplos Vamos tratar nesta seção de dois episódios marcantes, na economia mundial do século passado, que podemos interpretar melhor usando nossos conhecimentos das elasticidades da demanda. 7.1 O “choque do petróleo” Vimos acima que ocorreu em 1973 um extraordinário aumento nos preços internacionais do petróleo — o chamado “choque do petróleo”. Para isso contribuíram dois fatores: a inelasticidade da demanda internacional por esse produto, no curto prazo, e o fato de que as circunstâncias do momento favoreceram a fixação de preços por parte dos ofertantes. O petróleo representa importante parcela da matriz energética mundial — como fonte de combustível para veículos (o uso mais importante em países como os Estados Unidos, o maior consumidor), de geração de eletricidade, aquecimento industrial, combustível doméstico, etc. E é um produto de substituição difícil ou impossível, no curto prazo. É, portanto, um bem de demanda inelástica. A possibilidade de aumento de preços foi dada por razões extraeconômicas: a guerra árabe- israelense de 1973 deu o impulso para que a Organização dos Países Produtores de Petróleo, fundada em 1960, passasse então, sob influência dos grandes produtores árabes, a agir como um verdadeiro cartel — um acordo de produtores visando fixar preços e restringir a concorrência. O que tem feito desde então, apesar de ocasionais desacordos entre seus membros. A OPEP age como agiria um monopolista, restringindo a quantidade ofertada de tal forma a maximizar a receita. O gráfico abaixo ilustra esse propósito: a redução da produção de Q1 para Q2 provoca um crescimento da receita de vendas, que passa do valor representado pelo retângulo OQ1E1P1 para um valor superior, dado por OQ2E2P2, dada a inelasticidade-preço da demanda. Em princípio, como vimos, numa situação como essa o monopolista buscaria aumentar o preço até que a demanda atingisse elasticidade unitária. Como se sabe, o choque do petróleo, com um aumento de mais de 400% no preço do produto, em curto espaço de tempo, provocou efeitos profundos na economia mundial, inclusive a brasileira: queda no crescimento econômico, inflação, grande aumento no endividamento externo de muitos países, e enorme transferências de renda de consumidores para produtores de petróleo. Esses efeitos 115 foram em parte minorados por modificações posteriores na matriz energética, possibilitadas por mudanças tecnológicas e pela expansão de fontes alternativas de energia, fazendo reduzir a inelasticidade da demanda por petróleo. A política de estímulo à produção de álcool, no Brasil, com a criação do Programa Nacional do Álcool – Proálcool, em 1975, foi um esforço nessa direção. 7.2 Café: a política de “valorização” no Brasil. O café tem, também, demanda inelástica, mesmo por ser um produto que cria hábito de consumo. O Brasil tinha, no início do século passado, posição dominante no mercado internacional de café; poderia, assim, em princípio, como quase-monopolista, adotar uma política similar à seguida pela OPEP, restringindo a oferta para fazer subir o preço, buscando a maximização da receita. Ocorre, no entanto, que, diferentemente do caso da OPEP, onde os governos dos países membros controlam efetivamente a produção de petróleo em seus países, os cafeicultores são muitos, em várias áreas do País, o que dificulta a formação de um cartel. Sucede aqui o problema do “carona” (que estudamos em Microeconomia como uma falha de mercado): para o conjunto dos produtores é vantajoso que haja uma restrição da produção, mas não para cada produtor individual, para quem a melhor situação é aquela em que todos os demais reduzem a produção menos ele próprio — que pegaria carona nos esforços dos outros, vendendo toda sua produção a um preço mais alto. Generalizando-se esse comportamento — que é, embora nada cooperativo, um comportamento racional, do ponto de vista da maximização do lucro — torna-se inviável o objetivo de controlar a produção. Os cafeicultores pressionaram então pela intervenção governamental, num período de baixa no preço internacional do produto, na primeira década do século XX. Essa intervenção foi acordada 116 em 1906: parte da safra seria comprada e estocada pelo Governo. O chamado programa de valorização do café passou por várias fases e formatos nas décadas seguintes, mas essencialmente o resultado foi o representado no gráfico acima: com a redução da quantidade ofertada, o preço foi mantido em níveis lucrativos para os cafeicultores. O objetivo do programa foi atingido; mas há uma diferença fundamental entre os mercados de petróleo e de café. A demanda por petróleo tem alta elasticidade-renda, de tal forma que, com o crescimento da renda mundial, o consumo tem aumentado aceleradamente. No período recente, o forte crescimento da demanda de petróleo pelos países asiáticos, especialmente a China, tem pressionado o mercado; os preços atingiram, nos últimos anos, o maior nível já registrado, em termos reais, influenciados também pela redução nas exportações de alguns grandes produtores, como o Irã e a Líbia. Nesse contexto, há muito espaço para uma política de intervenção nos preços pelo controle da oferta, que segue sendo praticada pela OPEP. Em contraste, a demanda por café é pouco elástica a variações de renda. Dessa forma, enquanto a produção de café aumentava, após 1906, sob o estímulo dos preços altos (tanto no Brasil como em outros países), a demanda não crescia no mesmo ritmo. Na década de 1920, os estoques do governo aumentaram muito, o que contribuiu para uma queda drástica do preço do produto, após a crise internacional iniciada em 1929. O acúmulo de estoques culminou com o famoso episódio da queima de café pelo governo: nos anos trinta, cerca de 80 milhões de sacas foram assim destruídas. Uma medida aparentemente irracional, mas que fazia sentido nas condições da época. Assim, se do lado da elasticidade-preço da demanda os mercados de petróleo e café são similares, do ponto de vista da elasticidade-renda são inteiramente distintos. A política de valorização do café, como adotada no início do século passado, foi bem-sucedida no curto prazo mas trouxe problemas sérios de excesso de oferta, com o passar do tempo. 8. Tributação: impostos indiretos e elasticidadesPor meio dos impostos o governo arrecada os fundos necessários ao financiamento de seus gastos. Há dois tipos básicos de impostos: impostos diretos, que incidem diretamente sobre a renda ou patrimônio das pessoas e empresas, sendo o mais importante o Imposto de Renda; e impostos indiretos, que incidem sobre transações, como o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e recaem indiretamente sobre pessoas ou firmas. 117 Os impostos indiretos, que usualmente são cobrados ad valorem (como uma proporção do valor do bem ou serviço transacionado), em geral alteram o valor do preço pago pelos compradores e do preço recebido pelos vendedores, assim como a quantidade transacionada. As alterações nos preços pagos e recebidos — que afetam a incidência do imposto, ou seja, sobre quem recairá o ônus de sua cobrança — dependem das elasticidades-preço da demanda e da oferta, como se verá a seguir. 8.1 Imposto cobrado dos produtores Vamos admitir que o imposto sobre transações é cobrado dos vendedores (como é o caso no ICMS, principal tributo brasileiro). Partimos de um mercado em equilíbrio entre uma demanda D1 e uma oferta O1 que determinam o preço e quantidade de equilíbrio P1 e Q1 (ver o gráfico abaixo). O lançamento do imposto pode ser visto como um custo adicional de produção. Ou seja, a curva de oferta se desloca para cima numa distância equivalente ao imposto (R$1,00 por unidade vamos supor), diminuindo a quantidade ofertada (de Q1 para Q2) e aumentando o preço para P3, no novo equilíbrio.3 A curva de demanda não muda com a introdução do imposto cobrado dos vendedores; as condições de demanda permanecem as mesmas. Para os produtores, o que interessa é o preço efetivo que recebem pelo seu produto; seu comportamento continua representado pela curva de oferta O1. Ou seja, eles vão receber dos consumidores o preço P3 — o novo preço de equilíbrio — mas, como têm que entregar R$1,00 ao governo, vão produzir no ponto da curva O1 correspondente a P3 menos R$1,00. Essa diferença dá o preço P2, que é o que os produtores recebem efetivamente. Resulta que os consumidores vão, após o imposto, pagar um preço P3 maior do que o preço anterior P1, enquanto os produtores receberão um preço P2 menor do que P1. Ambos estarão numa situação pior do que antes do lançamento do imposto. Vemos que o imposto no final é pago parte pelos compradores e parte pelos produtores. Numa situação de concorrência perfeita, como estamos supondo, os consumidores, ao pagarem mais do que antes em função do novo equilíbrio, arcam com parte do imposto, embora ele seja cobrado dos produtores. 3 Embora os impostos indiretos sejam em geral lançados como um acréscimo proporcional ao preço (ad valorem), vamos supor, para simplificar a representação gráfica, que o imposto seja uma quantia fixa a ser acrescentada ao preço cobrado pelo produtor. Isso não modifica as conclusões da análise quanto às elasticidades. 118 Uma questão interessante é saber quem paga mais: os consumidores ou os produtores? Para responder a esta questão entram em cena, de novo, os conceitos de elasticidade da demanda e da oferta. Podemos contemplar duas situações: uma em que a demanda é muito elástica e a oferta é inelástica e outra em que a demanda é inelástica e a oferta muito elástica, conforme ilustrado nos gráficos abaixo: a) Demanda Elástica e Oferta Inelástica b) Demanda Inelástica e Oferta Elástica Nas duas situações parte-se de um equilíbrio inicial sem o imposto e verifica-se a situação final, após a introdução do imposto. No primeiro caso (demanda muito elástica e oferta inelástica), os produtores não reagem muito a variações nos preços (curva de oferta íngreme, mais próxima da vertical), acontecendo o contrário com os consumidores que reagem muito a variações de preços (curva de demanda menos inclinada). Como ilustrado no gráfico, o preço pago pelos consumidores não muda muito, enquanto o preço recebido pelos produtores cai substancialmente. Neste caso, os produtores pagam a maior parte do imposto. No segundo caso (demanda inelástica e oferta elástica) os consumidores reagem pouco a variações de preços (curva de demanda íngreme), enquanto os produtores reagem muito a estas variações (curva de oferta menos íngreme, mais próxima da horizontal). Vemos no gráfico que o Consumidor Produtor D O1 Q2 Q1 Q P P3 P1 P2 P P3 P1 P2 Consumidor Produtor O1 D O2 O2 Q2 Q1 Q 119 preço pago pelos consumidores sobe substancialmente, enquanto o preço recebido pelos produtores muda pouco. Os consumidores pagam a maior parte do imposto. Poderíamos ainda imaginar duas outras situações, uma em que tanto a oferta quanto a demanda são elásticas em relação a preço, outra em que ambas as curvas são inelásticas. Veríamos que, em qualquer caso, o lado menos elástico (ou mais inelástico) seria o mais onerado com o imposto. Você poderá verificar isto traçando seus próprios gráficos. Resumindo: Demanda Oferta Quem Paga Mais Elástica Inelástica Produtores Inelástica Elástica Consumidores Elástica Elástica Lado de < elasticidade Inelástico Inelástica Lado de > inelasticidade Ou seja, na repartição do ônus do imposto, quem tem mais elasticidade se defende melhor. Em casos extremos, o ônus pode recair sobre um dos lados, apenas: se os consumidores não reduzem em nada seu consumo, com o lançamento do imposto (demanda perfeitamente inelástica), pagarão todo o imposto; ao contrário, no caso de uma demanda perfeitamente elástica, só os vendedores pagarão. 8.2 Imposto cobrado dos consumidores Suponhamos agora que o imposto seja cobrado dos consumidores. Na situação anterior ao lançamento do imposto, o equilíbrio de mercado é dado pela interseção entre a demanda D1 e a oferta O1, que determinam o preço e quantidade de equilíbrio P1 e Q1 (ver gráfico abaixo). Com o imposto, a curva de oferta não muda, pois as condições de oferta não se alteram. Já a curva de demanda sofre um deslocamento para baixo igual ao valor do imposto: para uma quantidade Q1 o consumidor está disposto a pagar P1; mas como o governo fica agora com R$1, a importância relevante para o mercado passa a ser P1 – 1; e assim com todos os pontos da curva de demanda. Assim, a nova curva de demanda é D2, e na nova posição de equilíbrio o preço e quantidade são P2 e Q2. Os vendedores recebem o novo preço de equilíbrio P2, inferior ao que recebiam antes do imposto; e os compradores pagam P2 mais o imposto, ou seja, P3, preço mais alto do que pagavam antes. A situação é inteiramente simétrica à do caso anterior, em que o imposto é cobrado dos vendedores: o ônus do imposto é repartido entre compradores e vendedores, e as mesmas observações feitas antes quanto às elasticidades da procura e da oferta, e seu efeito sobre a repartição desse ônus, poderiam ser repetidas aqui. 120 8.3 Elasticidade e montante arrecadado do imposto Saber a elasticidade-preço da demanda por determinado bem pode ser bastante útil para gestores públicos que lidam com tributação. O lançamento de impostos indiretos leva, em geral, ao aumento dos preços para o consumidor, como vimos; e o aumento de preços provoca redução na quantidade demandada. Essa redução vai ser tanto menor quanto mais inelástica for a demanda pelo bem. Segue-se, então, que é preferível, do ponto de vista da arrecadação, lançar impostos sobre a venda de bens de demanda inelástica: nesse caso, a alta no preço derivada do imposto não diminuirá muito a quantidade demandada.Essa questão é ilustrada no gráfico abaixo, onde se traçam curvas de demanda para dois bens, uma inelástica a preços (DI), e outra elástica (DE). O lançamento de um imposto faz a curva de oferta (que se supõe, simplificadamente, ser idêntica para os dois bens) deslocar-se de O1 para O2. O montante arrecadado do imposto, no caso do bem de procura inelástica, será dado pela área do retângulo ABCD, e no caso do bem de procura elástica pela área de EFGH. Fica clara a maior vantagem do imposto sobre o bem de menor elasticidade, na perspectiva da autoridade tributária. Não é por outra razão que bebidas alcoólicas e cigarros, bens cuja demanda é, em geral, altamente inelástica, são pesadamente taxados, na generalidade dos países. 121 8.4 A Introdução de um Imposto sobre os salários A introdução de um imposto sobre a folha de pagamento (sobre o salário, que é o preço da mão de obra) vai afetar a demanda de trabalho, deslocando essa curva. Ou seja, a análise é semelhante à que fizemos quando da introdução de um imposto sobre os compradores (no caso, compradores de mão de obra). Os compradores de mão-de-obra, após a introdução do imposto, vão demandar a mesma quantidade de mão de obra que demandariam ao longo de sua antiga curva de demanda, ao novo preço (salário). Isto significa que a quantidade de mão-de-obra demandada é menor que antes. A situação é ilustrada no gráfico abaixo, onde se vê a diferença entre o salário pago ao trabalhador (que é menor que o salário de equilíbrio de antes) e o salário pago pelo produtor (salário do trabalhador mais imposto). Como antes, o imposto será repartido entre o produtor e o trabalhador. Além disso, os trabalhadores pagam outro preço, que é o menor nível de emprego. Mais uma vez, que lado paga a maior parte do imposto vai depender das elasticidades da oferta e da demanda de mão de obra. O D1 D2 E1 E2 Emprego Salário Salário pago pelo produtor S1 Salário recebido pelo trabalhador 122 9. Políticas de preços máximos e preços mínimos Vamos falar agora de outra forma de intervenção do governo no mercado: a fixação de preços máximos ou mínimos. Esse tipo de intervenção parte do pressuposto de que, em certos mercados, o preço de equilíbrio determinado pelo livre jogo da oferta e demanda é mais alto ou mais baixo do que seria desejável, do ponto de vista do interesse social. Se o preço de equilíbrio em concorrência é considerado baixo demais, o governo estabelece um preço mínimo; e se o preço de mercado é visto como muito alto, fixa-se um preço máximo. Essas ações não só alteram os preços a que são feitas as transações como trazem outras consequências, que em parte dependem das elasticidades da oferta e da demanda. 9.1 Preços agrícolas e estoques reguladores Os preços de produtos agrícolas costumam ser sujeitos a oscilações relativamente grandes, não só em razão de mudanças climáticas como também do ciclo de safras e entressafras. No caso de uma safra muito abundante, o aumento de oferta tende a puxar os preços para baixo; isso pode trazer problemas sérios para alguns produtores, especialmente os de menor porte, com a queda inesperada do valor de mercado de sua produção. Os prejuízos incorridos por tais produtores podem fazer com que deixem de plantar, no ano seguinte, causando redução de oferta e eventualmente prejudicando o abastecimento de gêneros alimentícios no país, na safra vindoura. Para evitar isso, é comum que se adote uma política de preços mínimos, em alguns mercados agrícolas. O gráfico abaixo ilustra tal situação; podemos supor que se trata do mercado de feijão, por exemplo. Sem intervenção, o preço de equilíbrio do feijão seria Pe, por hipótese um preço excessivamente baixo para muitos produtores. O governo fica então um preço mais alto (Pmin), ao qual todos os produtores podem vender suas safras. A esse novo preço, a quantidade ofertada será maior do que ao preço de equilíbrio anterior (Qo, em lugar de Qe), e a quantidade demandada será menor (Qd). Quer dizer: haverá agora um desequilíbrio entre as quantidades ofertada e demandada, um excesso de oferta (representado pelo segmento Qd Qo, no gráfico). É fácil perceber que o volume desse excesso de oferta será influenciado pela elasticidade das curvas de oferta e demanda. Se a curva de oferta é muito elástica, por exemplo, isso trará um grande excesso de oferta, tudo o mais constante O excesso de oferta é normalmente absorvido pelo governo, que garante assim a existência de uma demanda suficiente para absorver toda a quantidade produzida de feijão, ao preço mínimo estabelecido. Tal excesso é retirado do mercado e estocado pelo governo. 123 Na ocasião da entressafra, pode ocorrer uma situação oposta: a redução da oferta empurra agora os preços para cima, e nesse caso os consumidores é que serão prejudicados. Em tais circunstâncias, o governo usualmente intervém para baixar o preço, não mais como comprador, mas como vendedor do produto em questão, lançando mão do estoque antes acumulado. Como ilustrado no gráfico abaixo, a entrada no mercado desse estoque corresponde a um deslocamento para a direita da curva de oferta. Dessa forma, o preço de equilíbrio será puxado para baixo (de P1 para P2), o que atende ao objetivo de proteger os consumidores. O estoque do produto formado pelo governo tem, assim, um caráter regulador do mercado, evitando preços muito baixos na safra e muito altos na entressafra. Note que, na ausência desse tipo de intervenção, poderia ocorrer a entrada no mercado de atravessadores, os quais, com acesso a crédito, comprariam barato na safra e venderiam caro na entressafra, acumulando grandes lucros, em detrimento da coletividade de produtores e de consumidores. Evitar isso é um dos propósitos da política de estoques reguladores. 9.2 Preços máximos e tabelamento D EE1 PeP1 Qd Qe Qo Q O Pmín P 124 Em algumas situações, especialmente quando há restrição de oferta, o governo pode fixar um limite superior para certos preços. É o que costuma acontecer, por exemplo, em época de guerra: a redução na oferta de muitos produtos, pela queda na produção e no comércio exterior, provocaria aumento substancial em seus preços, se o equilíbrio se fizesse pela concorrência, no mercado. Visando proteger os consumidores de menor poder aquisitivo, é usual que se faça um tabelamento de preços, principalmente no caso de artigos de consumo mais amplo. O preço fixado, mais baixo que o de equilíbrio de concorrência, faz com que a quantidade demandada Qd seja maior do que a ofertada Qo: há um excesso de demanda (ver o gráfico abaixo). Nesse caso, como não há mercadoria para todos, quem chega mais cedo consegue comprar, mas muitos vão ficar frustrados. Uma alternativa é o racionamento, segundo algum critério. Uma forma de racionamento é a fixação de quotas para cada consumidor, ou cada família, o que pode ser feito com distribuição de cupons ou cadernetas de compra. Em países como Cuba adota-se esse sistema, para produtos sem oferta suficiente para suprir toda a demanda da população. O congelamento de preços, às vezes adotado para combater a inflação (como no Brasil em 1986, no Plano Cruzado), é uma medida de tal tipo. Nesse caso, se o preço de determinada mercadoria fica muito abaixo do preço de equilíbrio, haverá grande excesso de demanda: um vasto número de consumidores frustrados que estariam dispostos a pagar mais do que o preço congelado. Essa situação costuma incentivar o desenvolvimento de um mercado paralelo, com transações acima daquele preço. Foi o que ocorreu com a carne, no Plano Cruzado: era comum que açougues atendessem fregueses conhecidos pelaporta dos fundos, praticando preços acima dos fixados. Pode-se considerar que liquidações são também uma forma de fixação de preços máximos: com o propósito de liquidar estoques, negociantes remarcam os preços para baixo, buscando atrair mais consumidores. É o caso de lojas de roupas que liquidam agasalhos no final do inverno, abrindo 125 espaço para as coleções de primavera e verão. Nesse caso toda a demanda é atendida, com a venda de mercadorias do estoque (o segmento Qo Qd, no gráfico), enquanto este durar. 9.3 Salário mínimo Outra forma comum de fixação de preços ocorre no mercado de trabalho, especialmente no mercado de trabalho não qualificado, com estabelecimento pelo governo de um salário mínimo, prática adotada na generalidade dos países. O objetivo é claro: trata-se de garantir ao trabalhador uma remuneração que lhe permita um padrão mínimo de consumo. O mercado de trabalho pode ser representado graficamente como os demais mercados, medindo-se no eixo vertical os salários e no eixo horizontal o número de trabalhadores. Quanto mais alto o salário oferecido, haverá maior número de trabalhadores dispostos a trabalhar (pessoas antes não empregadas, como donas de casa e estudantes, podem decidir trabalhar), e menor número de empregos disponíveis (haverá incentivo ao uso de métodos de produção mecanizados, por exemplo). Ou seja, as curvas de oferta e demanda terão os formatos usuais. Com a fixação de um salário mínimo, tem-se uma situação análoga ao caso de preços mínimos agrícolas, ilustrado anteriormente. O salário mínimo é, por definição, superior ao que se estabeleceria num mercado de concorrência; a intervenção governamental provoca, assim, uma redução na quantidade demandada de mão de obra, e um aumento na quantidade ofertada. Ou seja, forma-se um excesso de oferta, tal como no caso do produto agrícola. A diferença é que aqui não há, regra geral, uma absorção desse excesso pelo governo. Ou seja, a quantidade de trabalhadores empregados diminui de Qe para Qd (veja o gráfico de preços mínimos), mas os trabalhadores que continuam empregados receberão agora um salário maior. 9.4 Resumindo Como vimos, fixam-se preços mínimos quando se supõe que o preço estabelecido num mercado de concorrência seria baixo demais; e preços máximos quando se supõe que os preços de mercado seriam altos demais. É evidente que se se estabelecesse um preço mínimo abaixo do preço de concorrência, isso não teria qualquer efeito: os produtores agrícolas prefeririam vender ao preço de mercado, em lugar do preço menor oferecido pelo governo; e os trabalhadores estariam felizes em ganhar mais do que o salário mínimo. Da mesma forma, um preço máximo acima do preço de mercado não seria efetivo. Preços mínimos efetivos são maiores que o preço de concorrência; preços máximos efetivos são menores que o preço de concorrência. 126 Pode-se resumir o que vimos nesta seção no seguinte quadro: Preço máximo efetivo Preço mínimo efetivo Preço máximo ou mínimo não efetivo Preço Menor que o preço de equilíbrio Maior que o preço de equilíbrio Igual ao preço de equilíbrio Quantidade Excesso de demanda (Qd>Qe) Excesso de oferta (Qo>Qd) (Qo>Qe) Equilíbrio (Qd=Qo) 10. Conclusão A partir dos exemplos e aplicações do conceito de elasticidade, vistos acima, fica clara sua importância, e percebe-se como é vantajoso, em muitas circunstâncias, que os agentes econômicos tenham uma avaliação correta — ainda que impressionista — das elasticidades relacionadas aos bens que vendem, consomem ou tributam, para que possam tomar decisões apropriadas, em cada caso. 127 APÊNDICE Fórmula Geral para Cálculo da Elasticidade ELASTICIDADE- DA Δ%Q A aplicação dessa fórmula é bem simples. Vejamos os tipos de elasticidade de que trataremos neste texto: - ELASTICIDADE-PREÇO DA DEMANDA -ELASTICIDADE-PREÇO CRUZADA DA DEMANDA - ELASTICIDADE-RENDA DA DEMANDA - ELASTICIDADE-PREÇO DA OFERTA Como empregar a fórmula acima? Simples: basta colocar no retângulo que vem logo após “elasticidade“ o tipo de elasticidade que você quer calcular (elasticidade-preço, elasticidade-preço cruzada ou elasticidade renda); na elipse que vem logo após o “da”, se é elasticidade da demanda ou da oferta; e, na elipse do numerado, se se trata de variação da quantidade demandada ou ofertada. No retângulo do denominador, colocar a variação do preço do bem (ou do outro bem, no caso da elasticidade-preço cruzada) ou a variação da renda. Assim, temos que: • a fórmula para o cálculo da elasticidade-preço da demanda é: Δ%Qd (variação percentual da quantidade demandada) Δ%P (variação percentual do preço) • a fórmula para o cálculo da elasticidade-renda da demanda é: Δ%Qd (variação percentual da quantidade demandada) Δ%R (variação percentual da renda) Epd = Erd = Δ% 128 • a fórmula para o cálculo da elasticidade-preço da oferta é: Δ%Qo (variação percentual da quantidade ofertada) Δ%P (variação percentual do preço) • a fórmula para cálculo da elasticidade preço cruzada da demanda é: Epcd = ∆%Qd1 (variação percentual da quantidade demandada do bem 1)/∆%P2 (variação percentual do preço do bem 2) Cálculo da Elasticidade-Preço (da Demanda ou da Oferta) de uma Curva Contínua Para os alunos com conhecimento de Cálculo: a elasticidade de uma curva pode ser calculada, sabendo-se a equação da curva, por meio de derivada parcial. Assim, a elasticidade num ponto da curva será: 𝜀𝑥,𝑦 = 𝜕𝑥 𝜕𝑦 . 𝑦 𝑥 Como tradicionalmente as quantidades são medidas no eixo do x e os preços no eixo do y, substitui-se x por Q e y por P, na igualdade acima. Cálculo da Elasticidade (da Demanda ou da Oferta) pelo Método do Ponto Médio Quando a elasticidade é definida não num ponto, como acima, mas num intervalo, como vimos antes, obtêm-se valores diferentes conforme a direção da mudança de preço ou quantidade. Por exemplo, uma alteração de 10 para 15 é um aumento de 50%, enquanto de 15 para 10 é uma redução de 33%; isso se refletirá em números diferentes para a elasticidade. Para evitar essa discrepância, pode-se adotar o cálculo da elasticidade pelo ponto médio do intervalo, de acordo com a seguinte fórmula: E = (ΔQ/ΔP) x [(P1+P2)/2] / [(Q1+Q2)/2] Essas duas últimas fórmulas vão aqui a título de complemento; em nosso curso, vamos nos ater às definições dadas no corpo do texto. Epo = 130 Bruno Pereira Rezende e Flávio Rabelo Versiani Até agora, temos trabalhado com um modelo de mercado de concorrência perfeita. Esse modelo, como vimos e revisaremos em seguida, adota um conjunto de hipóteses simplificadoras quanto às condições em que as mercadorias são ofertadas e demandadas. De fato, a maioria dos mercados cuja operação podemos observar, no dia a dia — como o mercado de produtos alimentícios, de transporte urbano, de aluguel de habitações, de bens de consumo durável, etc. etc. — não atende integralmente àquele conjunto de hipóteses (embora haja mercados que se aproximam razoavelmente do modelo, como as transações em bolsas de valores ou de mercadorias, ou o mercado de câmbio)1. Mas o objetivo do modelo de concorrência perfeita não é retratar fielmente a realidade, mas sim proporcionar uma estrutura teórica simples que nos permita entender melhor as trocas econômicas do mundo real — mesmo quando essas trocas se dêem em condições diferentes das supostas no modelo. O modelo de concorrência perfeita pode ser útil, por exemplo, para analisar tendências observadas em cada uma das situações concretas de mercado mencionadas acima. Há, por outro lado, formas de mercado em que uma ou mais das hipóteses simplificadoresdo modelo de concorrência perfeita não é satisfeita. Em disciplinas mais avançadas de Economia, essas formas são analisadas a partir de modelos teóricos específicos. Num curso introdutório não é necessário avançar nessa análise; mas é importante definirmos as estruturas de mercado mais importantes, e notarmos suas características principais. É o que faremos abaixo. Antes, porém, vamos recordar as hipóteses adotadas no modelo de concorrência perfeita. 1. Concorrência Perfeita Em um mercado de concorrência perfeita, há quatro pressupostos básicos (além da hipótese, adotada de forma geral em teoria econômica, de que tanto as empresas como os indivíduos buscam a maximização de seus ganhos: lucros, no caso das empresas, “utilidade”, no caso dos indivíduos): 1 Para recordar: em Economia, diz-se que existe um mercado sempre que compradores e vendedores potenciais de determinado bem são postos em contato. Não é necessário que esse contato se dê num local físico; ele pode dar-se por meio de uma rede de computadores, por comunicação telefônica, etc. 131 1) Existem inúmeros compradores e vendedores, cada um deles sem influência sobre a determinação dos preços (são “tomadores de preço”, no sentido de que suas ações, como compradores ou vendedores, tomam como dados os preços determinados no mercado); 2) Os vendedores oferecem produtos homogêneos, isto é, produtos sem diferenciação entre si; 3) Não há qualquer obstáculo à entrada ou à saída de vendedores e compradores no mercado; 4) Compradores e vendedores têm livre acesso à informação sobre os preços praticados no mercado e as transações realizadas sem quaisquer custos. O ponto essencial do primeiro pressuposto é que a ação individual de um comprador ou de um vendedor não tem impacto observável na determinação do preço; os preços são fixados num processo impessoal, resultado do conjunto de ações de todos os compradores e vendedores. Para cada um destes, o preço de mercado é um dado; e cada comprador e vendedor age independentemente dos demais, visando apenas seu maior ganho. Para isso, é necessário que haja muitos compradores e vendedores; mas é importante notar que essa condição pode não ser suficiente. Por exemplo: em Brasília há, certamente, um grande número de postos de gasolina; mas muita gente supõe que o comportamento de cada um deles não seja independente dos demais: haveria um processo conjunto de fixação de preços — um cartel. Nesse caso, apesar de haver muitos vendedores, o pressuposto número 1 não é satisfeito. O pressuposto número 2 caracteriza também a impessoalidade das transações: já que todos vendem o mesmo bem, os compradores não diferenciam entre vendedores: apenas o preço importa para suas decisões de compra. E como, pelo pressuposto número 4, estão perfeitamente informados de todos os preços cobrados no mercado, podem sempre optar pelo menor preço. O pressuposto número 3 garante a ausência de barreiras à entrada de novos participantes no mercado, especialmente novos produtores, oferecendo preços menores. Tais barreiras podem decorrer, por exemplo, da existência de cartéis; de processos de produção patenteados; da necessidade de investimentos vultosos, fora do alcance de pequenos produtores, etc. 2. Monopólio O monopólio é o caso extremo de não observância do pressuposto número 1: há apenas um vendedor no mercado. Nessa situação, não há curva de oferta: não tem sentido perguntar ao vendedor quanto ele oferecerá a cada preço, pois ele sabe que o preço vai depender de sua decisão quanto à quantidade ofertada. Ou vice-versa: se ele fixa um preço, sabe quanto poderá vender. O monopolista 132 apenas observa a curva de demanda para seu produto e ajusta a quantidade ofertada (ou o preço) de maneira a alcançar o lucro máximo. Ao contrário do participante num mercado de concorrência perfeita, o monopolista não é um “tomador de preço”: ele pode impor o preço que lhe seja mais vantajoso. Se há apenas um produtor/vendedor, necessariamente existem obstáculos à entrada de outros concorrentes. Ou seja: o pressuposto número 3, acima, não subsiste. Pode haver várias razões para isso: • Proteção legal a inovações. Uma empresa detém a patente de certo processo produtivo e, portanto, a exclusividade de sua aplicação. A lógica econômica da concessão de patentes é o fornecimento de incentivos à atividade criadora: o introdutor de uma inovação tem garantido, pelo menos durante certo tempo, o privilégio de explorá-la. Vai no mesmo sentido a atribuição de direitos autorais. • Interesse social. Por uma decisão política, atribui-se ao governo, empresa pública ou concessionária a exploração exclusiva de certa atividade, a partir do suposto de que isso atende melhor ao interesse da sociedade. Por exemplo: no Brasil, os Correios têm o monopólio do serviço postal; a Petrobrás, durante certo tempo, tinha o monopólio da exploração e refino de petróleo. • Propriedade exclusiva de recurso produtivo. Uma empresa pode deter, por exemplo, a única reserva de um mineral raro; ou, no caso do comércio, a posse de um ponto de vendas de localização privilegiada (como um único restaurante em local de grande afluência de turistas). • Economias de escala. Frequentemente, empresas novas entram no mercado com um nível de produção inferior ao de empresas já ali estabelecidas. Havendo “economias de escala” importantes (ou seja, custos médios de produção decrescentes, com o aumento do volume produzido), esses novos produtores enfrentarão a desvantagem de terem custos de produção mais elevados, em relação aos produtores existentes. Em certos casos, essa desvantagem é tão grande a ponto de inviabilizar inteiramente a entrada de outros produtores, além do primeiro que se estabeleça em dado mercado. Um caso clássico é o da distribuição de água ou de energia elétrica numa cidade: é evidente que a provisão desses serviços a um novo bairro, por exemplo, poderá exigir apenas, para os fornecedores já no mercado, a instalação de alguns canos ou fios adicionais (ou seja, o custo marginal da ampliação dos serviços será muito baixo). Mas uma nova empresa teria que investir pesadamente, na captação de água ou na geração de energia. Nesses casos, costuma-se falar na existência de um “monopólio natural”. 133 Da mesma forma como na concorrência perfeita, os casos de monopólios “puros” são relativamente raros na prática, mas a teoria do monopólio ajuda a entender o comportamento de empresas que se aproximam das condições de monopólio puro. Os economistas falam em empresas (ou grupos de empresas) com maior ou menor “poder de monopólio”, ou seja: maior ou menor possibilidade de controlar o preço do bem que fornecem. Numa economia dinâmica, algumas situações de monopólio costumam ser temporárias. É o caso de processos produtivos patenteados: sua alta lucratividade muitas vezes estimula o desenvolvimento de métodos análogos, que possam competir com o original. Isso às vezes dá origem a disputas, quando os primeiros introdutores alegam que suas inovações foram, de fato, copiadas, e suas patentes estão sendo infringidas. (Gigantes de tecnologia da informação, como Apple, Microsoft e Google, frequentemente se envolvem em batalhas judiciais, acusando-se mutuamente de quebra de patentes). A capacidade do monopolista de fixar o preço de venda é limitada pelas condições da demanda. Quanto mais inelástica a demanda (isto é, quanto menor a redução da quantidade demandada em relação a um aumento no preço), mais fácil será, para o monopolista, estabelecer um preço alto (tudo o mais constante). Isso ajuda a explicar, por exemplo, por que a Confederação Brasileira de Futebol cobra tão caro pelos ingressos de jogos da Seleção Brasileira em Brasília: a oportunidade de ver esses jogos aqui é rara, o que torna a demanda inelástica ―pouco sensível a elevações no preço. (A CBF é monopolista de jogos da Seleção). O fato de que diferentes segmentos da demanda mostrem elasticidades-preço diferentes explica uma estratégia de maximização dos lucros do monopolista: a discriminação de preços. Ou seja: a fixação de preços diferentes para o mesmo produto, dependendo da elasticidade da demanda dos compradores potenciais: quem tem demanda mais inelástica, paga mais. Uma forma de separar os compradores segundo a elasticidade de sua demanda é, por exemplo, a cobrança de meias- entradas para estudantes (os quais, tendo em geral menos renda disponível, estarão menos propensos a pagar preços altos). Ou a prática de vender mais caro passagens de avião para quem faça reserva na última hora (frequentemente, pessoas que não pagarão a viagem de seu próprio bolso, sendo a demanda pouco sensível ao preço: homens ou mulheres de negócios, funcionários públicos). Algumas políticas públicas buscam restringir a capacidade dos monopolistas de fixar o preço de venda, dentro do propósito de proteger os consumidores. Uma forma disso é o próprio governo, ou um seu agente, oferecer o produto, como nos serviços postais. (Nesse caso, supõe-se que, deixada a atividade à iniciativa privada, provavelmente haveria supressão de serviços pouco lucrativos ou deficitários, mas socialmente desejáveis, como a entrega domiciliar diária de correspondência.) Outra forma é a regulamentação dos monopólios, envolvendo, por exemplo, regras de fixação de preços, o 134 que é comum em monopólios naturais, quando entregues a empresas privadas. Essas políticas devem ser aplicadas com cuidado, equilibrando a repressão a práticas abusivas com a provisão de estímulos à redução de custos e ao aumento de produtividade. Isso é particularmente verdade no caso de empresas publicas, onde a prevalência de objetivos políticos pode levar à ineficiência produtiva. 3. Concorrência Monopolística Na concorrência monopolística, a característica principal é a não homogeneidade do produto: há um grande numero de empresas, com livre entrada no mercado, cada uma oferecendo produtos similares mas não idênticos. A propaganda é um elemento importante: cada produtor procura ressaltar, para os consumidores, as qualidades específicas de seu produto, ou seja, diferenciá-lo dos oferecidos pelos concorrentes. Na medida em que consiga conquistar a lealdade dos consumidores, terá certa liberdade na fixação do preço (certo poder de monopólio). Mas os competidores estarão fazendo esforços na mesma direção, e há sempre a possibilidade da entrada de novos produtores. Alguns exemplos: • Bebidas, como refrigerantes ou cervejas: são produtos similares, mas, para alguns consumidores, muito diferenciados; é clara, nesse sentido, a influência da publicidade e marketing dos produtores. • Revistas: há, como se sabe, várias publicações, tratando dos mesmos temas, disputando a preferência dos leitores. • Bares e restaurantes: a busca da diferenciação envolve não só a qualidade dos produtos e serviços oferecidos, como tentativas de fixar a imagem do estabelecimento como um ponto “na moda”. • Calças jeans: os vários produtos oferecidos no mercado são substitutos próximos; a propaganda visa ressaltar o prestígio de cada marca entre os consumidores. No caso de produtos ou serviços como esses, fica claro que a publicidade é um fator-chave, tornando os mercados menos competitivos e a demanda menos sensível a variações de preço. De forma geral, a propaganda visa convencer os consumidores de que os produtos são mais diferentes do que realmente são, em termos objetivos (comparar, por exemplo, calças jeans de grifes famosas com as vendidas na Feira do Guará). Em certo sentido, a publicidade manipula as preferências, criando desejos de consumo de forma enganosa. Um contra-argumento é que a maior divulgação de produtos 135 aumenta o nível de informação dos consumidores, o que pode facilitar a competitividade no mercado considerado. 4. Oligopólio Nos oligopólios, a oferta é dominada por um pequeno número de grandes vendedores; os produtos são similares, e a busca de diferenciação é análoga ao caso da concorrência monopolística. Mas aqui a principal característica é que as empresas concorrentes são conscientes de sua mútua interdependência, no que toca às decisões de produção, lançamento de modelos, fixação de preços, etc. É de se esperar que ações de uma empresa provoquem reações das concorrentes, o que dá lugar a vários tipos de estratégia. Uma possibilidade é que as empresas busquem agir em conjunto, como um monopólio, seja a partir de um acordo explícito (formando um cartel); seja designando-se, de maneira informal, uma empresa-líder, que fixa preços e é seguida pelas demais; seja ainda mediante ajustes secretos visando ações comuns (uma colusão). No entanto, a formação de monopólios por ações como essas é objeto de restrições ou proibições legais, em nome da defesa da concorrência e dos interesses dos consumidores. No Brasil, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) é o órgão governamental com atribuições nessa área, encarregado de fiscalizar e prevenir os chamados abusos de poder econômico. Além dos obstáculos legais, acordos desse tipo são difíceis de implementar devido à possibilidade de comportamento oportunista por parte de empresas participantes, que podem julgar mais lucrativo romper um ajuste do que mantê-lo. A análise de situações de oligopólio, na literatura econômica, abrange vários modelos, desde a Teoria do Duopólio de Cournot, para mercados com dois ofertantes, exposta no século XIX por esse economista e matemático francês. Contemporaneamente, o oligopólio mostrou-se um claro campo de aplicação para a Teoria dos Jogos, desenvolvida a partir da segunda metade do século passado, que procura modelar a tomada de decisões, sob várias hipóteses, levando em conta possíveis reações de outros participantes, em condições de informação incompleta. As decisões de preço e produção de empresas oligopolistas são desse tipo, pois sua lucratividade vai depender das decisões e reações dos demais produtores do ramo, que não são conhecidas a priori. Como exemplos de oligopólio, podemos citar: empresas montadoras de automóveis, empresas de transporte aéreo, bancos, grandes redes de supermercados, etc. 136 5. Monopsônio O monopsônio é a situação de mercado que se caracteriza pela existência de um único comprador (chamado monopsonista) para determinado produto, e inúmeros vendedores. A não ser que a oferta seja infinitamente elástica, o preço do produto ofertado vai aumentar, à medida que o monopsonista aumenta a quantidade comprada. O exemplo clássico dessa situação é o de uma empresa que seja o único empregador em certa localidade. Pode-se mostrar que, nessas circunstâncias, tanto o salário pago quanto o número de empregados contratados tendem a ser menores do que o seriam, em condições de concorrência no mercado de trabalho. 6. Oligopsônio O oligopsônio é a estrutura de mercado que se caracteriza pela existência de um pequeno grupo de compradores e muitos produtores. É, portanto, uma situação simétrica à do oligopólio. Assim como no oligopólio, pode haver cooperação entre os oligopsonistas, visando chegar a uma situação mais favorável a todos eles (em detrimento dos vendedores). Cada empresa sabe que seus custos dependem não só da quantidade que ela demanda, mas das quantidades demandadas pelos demais compradores. Se os oligopsonistas agem de forma coordenada, reproduzirão a situação de monopsônio. Existem oligopsônios nos mercados internacionais de produtos como tabaco ou cacau, onde a demanda é dominada por um pequeno grupo de grandes empresas processadoras, e há numerosos produtores. No Brasil, três firmas (Aracruz, Suzano Bahia Sul e Cenibra) compram praticamente todaa produção de eucaliptos em Minas Gerais e na Bahia, para fabricação de celulose. 137 Maria da Conceição Sampaio de Sousa, Lívio W.R. de Carvalho Com colaboração de Ítria Aguiar Tonon 1. Introdução Sob determinadas condições, os mercados privados não asseguram uma alocação de recursos eficiente no sentido de Pareto. Em particular, em presença de externalidades – negativas e positivas – e de bens públicos, os preços de mercado não refletem, de forma adequada, o problema da escolha em condições de escassez que permeia a questão econômica. Abre-se, assim, espaço para a intervenção do governo na economia de forma a restaurar as condições de eficiência no sentido de Pareto1. Nesse contexto, uma questão importante é definir qual o papel do governo na produção e/ou provisão de bens e serviços. No que se segue, detalharemos esse ponto. 2. Externalidades Apenas para rememorar, num mercado concorrencial qualquer, na ausência de externalidades e de bens públicos, o equilíbrio de mercado é eficiente no sentido de maximizar o valor total para os consumidores, menos o custo total para os produtores. Bens públicos e quase-públicos não constituem as únicas exceções que comprometem a validade do Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar2. A presença de externalidades, uma outra categoria de falha de mercado, também contribui para explicar por que os mercados privados nestas condições são ineficientes para alocar os recursos. No que se segue, examinaremos, em detalhes, essa questão. Externalidades ocorrem quando o consumo e/ou a produção de um determinado bem afeta os consumidores e/ou produtores, em outros mercados, e esses impactos não são considerados no preço de mercado do bem em questão. Nota-se que essas externalidades podem ser positivas (benefícios externos) ou negativas (custos externos). 1 O conceito de eficiência no sentido de Pareto, criado pelo economista italiano VilFredo Pareto(1848-1923), refere-se a situações em que não é possível melhorar a situação de um agente econômico sem piorar a situação de pelo menos um dos demais agentes. Modificações que envolvem melhorias na situação de pelo menos um agente econômico sem piorar a dos demais agentes representam Melhorias de Pareto. Portanto, se uma determinada alocação de recursos é eficiente no sentido de Pareto, não é possível fazer melhorias de Pareto a partir dessa alocação. 2 O Primeiro Teorema Geral da Teoria do Bem–Estar afirma que, na ausência de falhas de mercado, a alocação de recursos produzida pelo equilíbrio competitivo é eficiente, no sentido de Pareto. 138 Assim, por exemplo, uma empresa de fundição de cobre, ao provocar chuvas ácidas, prejudica a colheita dos agricultores da vizinhança. Esse tipo de poluição representa um custo externo, porque é a agricultura, e não a indústria poluidora, que sofre os danos causados pelas chuvas ácidas. Esses danos não são considerados no cálculo dos custos industriais, que inclui itens como matéria-prima, salários e juros. Portanto, os custos privados, nesse caso, são inferiores aos custos impostos à coletividade e, por consequência, o nível de produção da indústria é maior do que aquele que seria socialmente desejável. Já a educação gera externalidades positivas, porque os membros de uma sociedade e, não somente os estudantes, auferem os diversos benefícios gerados pela existência de uma população mais educada e que não são contabilizados pelo mercado. Assim, por exemplo, vários estudos, baseados em diferentes metodologias mostram que a educação contribui para melhorar os níveis de saúde de uma determinada população. Em particular, níveis mais elevados de escolaridade materna reduzem as taxas de mortalidade infantil. Outros trabalhos mostram também que a educação concorre para reduzir a criminalidade. Todos esses benefícios indiretos da educação por não serem apreçados não são computados nos benefícios privados. Portanto, os benefícios sociais são superiores aos benefícios privados, que incluem apenas as vantagens pessoais da educação, como por exemplo, os salários obtidos em função do nível de escolaridade. Nota-se, ainda, que os produtores podem causar externalidades sobre consumidores e vice- versa. Assim, por exemplo, a poluição provocada pela indústria de cobre aumenta a incidência de tuberculose entre a população. Também, os fumantes contribuem para a disseminação de doenças entre os não fumantes (fumantes passivos) e, nesse caso, temos a geração de externalidade de consumidores para consumidores. Por fim, o uso de automóveis privados congestiona o tráfego e contribui para reduzir a velocidade do transporte de mercadorias e, portanto, representa um exemplo de custos externos para os produtores gerados pelos consumidores. Vamos agora considerar o impacto dessas externalidades sobre a alocação de recursos. As externalidades levam os agentes, não diretamente envolvidos na atividade geradora da externalidade, a usarem recursos para corrigir os efeitos dos custos (benefícios) externos, e isso provoca distorções na alocação de recursos. Assim, por exemplo, os custos de internações hospitalares, decorrentes de doenças relacionadas à poluição, embora representem, efetivamente, gastos para os doentes, não são contabilizados nos custos da empresa de fundição de cobre. Ou ainda, os inúmeros benefícios para a humanidade decorrentes da descoberta da vacina contra a poliomielite não são inteiramente apropriados pelo seu inventor, o cientista Dr. Albert Sabin, e dificilmente podem ser apreçados. O Quadro 1 resume esses aspectos e define os benefícios e os custos privados e sociais. 139 Quadro 1: Benefícios e Custos, Privados, Externos e Sociais Benefícios e Custos Privados (A) Externos (B) Sociais [(A)+(B)] Benefícios Os ganhos são auferidos apenas pelos agentes que os financiam A totalidade dos agentes beneficiados pelas externalidades positivas não paga por essas vantagens Soma dos benefícios privados e externos Custos Os custos são pagos pelos agentes beneficiados Os agentes que sofrem as externalidades negativas não são compensados Soma dos custos privados e externos Nesse contexto, como o mercado não é capaz de levar em conta todos os elementos constantes do Quadro 1, estamos em presença das chamadas falhas de mercado. O fato de os agentes econômicos ignorarem os custos (benefícios) externos, decorrentes de suas decisões de produção e/ou consumo e, somente computarem os custos que eles desembolsam ou os benefícios que eles auferem, faz com que a alocação de recursos, produzida pelo equilíbrio de mercado, seja ineficiente. Isto porque, no caso das externalidades negativas, os custos privados subestimam os custos sociais conduzindo, assim, a uma produção maior do que aquela que seria socialmente desejável. No caso das externalidades positivas, como os benefícios privados são inferiores aos benefícios sociais, o nível de produção correspondente à alocação dos mercados privados ficará aquém daquele que seria ótimo, do ponto de vista da sociedade. As curvas de oferta e de demanda podem ajudar a analisar o impacto das externalidades sobre a atividade econômica. Para tal, vamos considerar que o preço representa a disposição de pagar pelo bem e, portanto, pode ser visto como o benefício decorrente do consumo de uma unidade adicional de bem ou serviço, isto é o benefício marginal privado. Podemos, então, renomear a curva de demanda de mercado como a curva de benefício marginal privado. A curva de oferta envolve os insumos exigidos para a produção dos bens e serviços e, portanto, pode ser interpretada como a curva de custo privado por unidade produzida (custo marginal).3 A regra de equilíbrio de mercado exige que a oferta seja igual à demanda e, portanto, que os custos privados sejam iguais aos benefíciosprivados. No gráfico 1, isso implica que a quantidade Q0 é produzida ao preço P0. Nesse ponto, os custos e benefícios privados se igualam. 3 O custo marginal de um determinado bem corresponde à variação nos custos totais decorrente da decisão de produzir uma unidade adicional desse bem. 140 Gráfico 1: Equilíbrio dos Mercados Privados 2.1 Externalidades Negativas Vamos agora considerar o caso de um bem ou serviço que envolva a geração de externalidades negativas. Esse é o caso, por exemplo, dos custos da empresa de fundição de cobre, que não está levando em conta os efeitos negativos da poluição. O custo total dessa atividade, para a sociedade, inclui tanto os custos privados da produção de cobre como os danos causados pelas externalidades (custos externos) aos agricultores e cidadãos. O gráfico 2 ilustra esse ponto. Nele, para cada nível de quantidade, o custo externo CE (custo associado à externalidade) é acrescentado ao custo privado (CMP) para formar o custo marginal social (CMS). Assim, a diferença vertical entre as duas curvas representa os custos externos (CE). Gráfico 2: Externalidades Negativas (Custos Externos) em Mercados Competitivos O (custo marginal privado) D (benefício marginal privado) Eo Po Qo Quantidade Preço Demanda (benefício marginal) )privado) EM P* Q* CMS = CMP + CE C E Preço Quantidade E* QM PM Oferta (CMP) 141 As curvas de oferta e demanda consideram apenas os custos e benefícios privados excluindo aqueles associados a terceiros. Nesse caso, no equilíbrio de mercado, a combinação preço-quantidade é Pm e Qm. Esse equilíbrio não reflete a totalidade dos custos para a sociedade porque não considera os custos externos. Quando se contabiliza o custo adicional imposto aos agricultores, o preço e a quantidade transacionada de cobre deveriam ser, respectivamente, P*e Q*. A falha de mercado fica evidenciada pelo fato de o mercado gerar uma superprodução de cobre e avaliá-la a preços inferiores aos seus custos totais de oportunidade. 2.2 Externalidades Positivas Em presença de externalidades positivas, os níveis de produção, associados ao equilíbrio de mercado, são inferiores àqueles que seriam socialmente ótimos. Assim, por exemplo, a expansão da educação básica gera benefícios para a sociedade que extrapolam os benefícios auferidos pelos estudantes e suas famílias. Esses benefícios externos não são considerados na decisão privada de frequentar a escola porque os estudantes não são compensados pelas vantagens usufruídas pelo resto da coletividade, decorrente de sua decisão de estudar. Em termos do instrumental da oferta e da demanda, a curva de benefício marginal para os estudantes situa-se abaixo da curva de benefício social e, portanto, o nível de escolaridade correspondente ao equilíbrio de mercado, Qm é inferior àquele que seria escolhido caso fossem considerados os benefícios externos dessa atividade (Q*). Gráfico 3: Externalidades Positivas (Benefícios Externos) em Mercados Competitivos Oferta (custo marginal privado) Demanda (benefício marginal privado) EM PM QM E* Q* P* Preço Quantidade B E Benefício marginal social= Benefício marginal privado + Benefício de Externalidade (BE) 142 2.3 Soluções para as Externalidades A análise desenvolvida nas seções anteriores aponta para a existência de distorções na alocação de recursos que geram ineficiências tanto na produção como no consumo. Faz-se, pois, necessário implementar mecanismos capazes de corrigir tais externalidades. Essas soluções podem ser públicas e privadas e implicam, no jargão dos economistas, a internalizar as externalidades. No que se segue discutiremos, em detalhes, as diferentes soluções – privadas e públicas – para o problema. 2.3.1 - Soluções Privadas Nesta subseção discutiremos de que modo o setor privado pode atuar na correção das externalidades. Nesse sentido, discutiremos a internalização das externalidades por meio de fusões, sanções sociais e pela negociação de Coase. Em seguida, faremos uma breve digressão sobre os limites dessas formas de controle de externalidades. • Fusões Uma forma clássica de solucionar o problema das externalidades consiste na sua “internalização” por meio da coordenação das decisões entre as partes envolvidas. Assim, se a empresa de fundição de cobre decidisse adquirir o controle das explorações agrícolas prejudicadas pela poluição, então, o dano causado pelas chuvas ácidas seria agora suportado pela indústria. Nesse caso, os custos externos, derivados da produção excessiva de cobre, ao invés de serem transferidos para os agricultores, seriam pagos pela nova empresa, composta dos segmentos agrícola e industrial, reduzindo, assim, seus lucros. Nessa situação, não há incentivo para que a decisão de produzir cobre e/ou bens agrícolas seja feita separadamente, já que uma influencia a outra. Isto porque a produção excessiva de cobre acarretaria uma queda nos lucros e, portanto, na oferta do segmento agrícola. Mais precisamente, os responsáveis pela nova empresa produziriam cobre até o ponto em que os benefícios marginais gerados por essa produção fossem iguais aos custos adicionais incidentes sobre sua subsidiária agrícola. Essa “internalização” das externalidades solucionaria, pois, o problema da superprodução de cobre, responsável pela produção dos efeitos externos negativos. De fato, a rigor sequer esse problema seria referido como externalidade já que tratar-se-ia de um problema envolvendo a tomada de decisões dentro de uma única firma. • Sanções Sociais 143 Uma outra forma de implementar a “internalização” das externalidade pode ser feita por meio de sanções sociais apropriadas que penalizem os agentes responsáveis pelas externalidades negativas e premiem aqueles que geram externalidades positivas. Assim, por exemplo, em muitas sociedades, sujar locais públicos é considerado um comportamento reprovável e contrário ao exercício da boa cidadania. Nessas sociedades aprende-se, desde criança, que embora seja mais fácil jogar, por exemplo, cascas de banana e embalagens diversas no chão, isto não é aceitável. Deve-se, pois, carregá-las até encontrar o cesto de lixo mais próximo. No Japão, pessoas resfriadas que não usam máscaras de gaze para proteger os demais do vírus da gripe são severamente criticadas. Até mesmo as religiões têm preceitos morais que induzem as pessoas a levarem em conta os custos e benefícios externos de suas atividades. Isto está bem sumariado na regra áurea do cristianismo “Tudo quanto queres que os outros façam para ti, faze-o também para eles,” incluída nos ensinamentos do Sermão da Montanha. Essa censura (ou aprovação) social contribui, em muitos casos, para inibir (estimular) os comportamentos causadores de externalidades negativas (positivas) e estimula a adoção de atitudes que consideram o bem-estar da coletividade eliminando, assim, as ineficiências daí decorrentes. • Direitos de Propriedade e o Teorema de Coase As externalidades proliferam, particularmente, em situações em que os direitos de propriedade não estão bem estabelecidos. Esses direitos correspondem ao conjunto de normas ou regras sociais (definidas legalmente, ou não) que restringem as ações individuais para preservar o bem-estar da comunidade. A existência desse sistema de normas permite, pois, à parte lesada recorrer ao sistema legal para obter compensação por danos causados por terceiros. Quanto mais definidos forem esses direitos de propriedade, mais a comunidade estará protegida de eventuais efeitos externos negativos. Assim, por exemplo, regras claramente estabelecidas na convenção de condomínio dos edifícios residenciais, referentes ao uso de instrumentos musicais, podem protegeros moradores contra a atividade noturna de um enérgico e insone baterista, mesmo talentoso. Por outro lado, quando ninguém detém os direitos de propriedade, não existem incentivos para os agentes econômicos adotarem comportamentos eficientes, já que não há como puni-los pela adoção de atitudes predatórias. No exemplo anterior, uma convenção de condomínio pouco clara no tocante ao sossego deixaria os moradores à mercê do jovem músico e/ou transformaria o condomínio em um mundo hobbesiano, em que somente os mais violentos (ou os mais espertos) conseguiriam calar o importuno músico. Nesse contexto, a “internalização” das externalidades pode se fazer por meio da solução proposta por Coase (1980). Desde que os direitos de propriedade estejam bem definidos, 144 independentemente de quem os detenha, é possível solucionar o problema das externalidades negativas, como as acima exemplificadas, por meio da negociação entre as partes envolvidas, sem requerer a participação de governo, como poder coercitivo. Esse resultado é conhecido como o Teorema de Coase (Ronald Coase (1960)). Ele pode ser ilustrado da seguinte forma. Imagine que ao viajar para Paris, a companhia aérea extravia sua bagagem e só a devolve no Brasil. Ao fazê-lo, ela lhe impõe sérios inconvenientes (externalidades negativas), particularmente, se a viagem for no inverno. Como a convenção da IATA, que rege os transportes aéreos internacionais, garante que a companhia aérea deve transportá-lo e a sua bagagem, nos limites de peso previamente definidos, fica claro que cabe à companhia compensá-lo (definição clara dos direitos de propriedade). A companhia área pode, inicialmente, propor indenizá-lo como base no estipulado pela mesma convenção, que na maioria dos casos sequer repõe o valor do conteúdo da bagagem. Você decide não aceitar e faz uma contraproposta: ela deve lhe reembolsar todas as despesas feitas em Paris para substituir o conteúdo da mala e ainda lhe dar duas passagens de cortesia no mesmo trecho. Depois de algum tempo de negociação o acordo é fechado, com apenas uma passagem aérea de cortesia. Esse exemplo é um caso onde o Teorema de Coase se aplica porque os custos de transação são baixos, existem apenas duas partes envolvidas e os direitos de propriedade estão claramente definidos. Porém, esse tipo de solução não funciona bem quando as partes envolvidas são numerosas. Para grandes grupos, as dificuldades de organizá-los para tomar medidas legais são grandes, particularmente, em razão do problema do “carona” (free rider). Nesse caso, custos de transação elevados podem comprometer a solução de mercado para o problema das externalidades em razão da impossibilidade de firmar os contratos estáveis entre aqueles que causam e os que sofrem os efeitos externos. Assim, por exemplo, quando as externalidades são provocadas por bens (“males”) públicos, como a poluição, que envolvem milhões de agentes, é virtualmente impossível que negociações do tipo sugerido por Coase possam chegar a um acordo satisfatório, a custos relativamente baixos. Por fim, o Teorema de Coase supõe que é possível identificar a origem dos danos externos e atribuí-los a determinado(s) agente(s). Ele não se aplicaria, portanto, nos casos em que a externalidade está associada à impossibilidade de exclusão (indivisibilidade) como é o caso, por exemplo, dos recursos comunitários e dos bens públicos puros. Os limites das soluções privadas anteriormente discutidas decorrem da presença de vários fatores. Em particular, quando a externalidade envolve bens públicos puros, a impossibilidade de exclusão (e sua indesejabilidade) exige a presença de uma força coercitiva que possa assegurar a provisão do bem ou serviço em questão. Por outro lado, a ausência de direitos de propriedade bem estabelecidos – como é o caso dos recursos comunitários – faz com que a solução privada não seja eficiente no sentido de Pareto justificando, assim, a intervenção do estado. Por fim a existência de 145 informação imperfeita e de custos de transação elevados pode, também, inviabilizar a correção das externalidades sem intervenção do governo (ver seções sobre bens públicos e recursos comunitários). 2.3.2 - Soluções Públicas Dentre as soluções públicas para corrigir as externalidades destacam-se: a tributação corretiva (impostos e subsídios), a venda de licenças de poluição, que usam mecanismos de mercado; e o controle dos efeitos externos mediante o uso de esquemas regulatórios e multas (soluções de comando e controle). No que se segue, descreveremos, brevemente, essas soluções. • Impostos e Subsídios Corretivos (Pigouvianos) A correção das externalidades pode ser feita mediante o uso da tributação corretiva. Essa forma de correção é conhecida como tributação pigouviana, em razão de ter sido inicialmente proposta por Arthur Cecil Pigou (1877-1959), economista inglês responsável pela distinção entre custos e benefícios sociais e privados e pela ideia de que o governo, mediante o uso de uma combinação apropriada de impostos e subsídios, poderia corrigir esse tipo de falha de mercado. Nesse caso, o governo, ao penalizar os agentes causadores das externalidades por meio da cobrança de impostos (subsídios, no caso de externalidades positivas), aumentará os custos desses agentes fazendo, assim, com que eles considerem os efeitos externos de suas ações. Em termos do gráfico 2, isto equivale a deslocar a curva de custo marginal (benefício marginal) para cima e para a esquerda (para baixo e para a direita). Dessa forma, é possível identificar o nível de impostos (subsídios), exigido para que a curva de custo marginal (ou de benefício marginal) privado coincida com a curva de custo (benefício) marginal da sociedade corrigindo, assim, o problema de eficiência decorrente da presença de externalidades (gráficos 4 e 5). Gráfico 4: Correção de Externalidades Negativas (Custos Externos), em Mercados Competitivos, Mediante o Uso de um Imposto 146 Na ausência de tributação corretiva, as firmas produzirão em Qm, onde o custo marginal privado é igual ao benefício marginal. A introdução de imposto por unidade de poluição (custo marginal de poluição), CB, representa um custo adicional para os produtores, obrigando-os a levar em conta os prejuízos causados à sociedade pelas externalidade negativas. Nesse caso é possível atingir o ponto eficiente em que o custo marginal social iguala-se ao benefício marginal; a produção é reduzida para Q*. Na presença de externalidades positivas, associadas ao consumo de um determinado bem, o benefício marginal social excede o benefício marginal privado e o consumo desse bem será inferior àquele que seria socialmente desejável (Gráfico 5). Se o governo subsidia essa atividade, pagando por cada unidade consumida, a diferença entre o benefício marginal social e o benefício marginal privado, CB, o consumo desse bem passará a ser Q*, que corresponde à quantidade socialmente eficiente. Gráfico 5: Correção de Externalidades Positivas (Benefícios Externos), em Mercados Competitivos, Mediante o Uso de Subsídios Demanda (benefício marginal) EM C Q* Custo marginal social (incluindo o custo marginal de poluição) Preço Quantidade E* QM B Custo Marginal Privado Imposto por unidade sobre a poluição (custo marginal da poluição) 147 • Regulações e Multas Uma outra forma de o governo lidar com externalidades negativas, como a poluição, é por meio da fixação de esquemas regulatórios. Nesse caso, o agente que provoca a poluição é obrigado a reduzir a produção da atividade que gera a poluição, para os níveis que correspondam à quantidade socialmente eficiente (Q*, no gráfico 6); caso contrário terá de enfrentar as sanções legais que podem ir desde o pagamento de vultosas multas até a proibição de continuar funcionando. O problema é identificar qual o nível de poluiçãosocialmente ótimo. Esse nível exige que se levem em conta todos os custos associados à redução da poluição, bem como os benefícios dessa redução – por exemplo, a diminuição dos danos ao meio ambiente. Gráfico 6: Lidando com as Externalidades Negativas Custo Marginal adicional de Q* QM Custos e Benefícios de Redução da PoluiçãoPreço Benefício Marginal de redução da Custo Marginal privado Quantidade do bem (cuja produção resulta em poluição) redução da poluiçãoOferta (Custo Marginal) Demanda (Benefício Marginal privado) E* Q* C poluiçãoBenefício Marginal social B Subsídio por unidade produzida 148 Os custos de redução incluem aqueles requeridos para reduzir a poluição, tais como filtros antipoluentes, bem como os custos adicionais de se utilizar tecnologias “limpas” e os custos em termos da redução dos lucros decorrente da decisão de reduzir a poluição. Esses custos estão sumariados na curva de custo marginal adicional da poluição (Gráfico 6). Já, a curva de benefício marginal de redução da poluição mostra o valor de cada unidade de redução de poluição, expresso em termos dos benefícios externos, associados à redução dos danos causados pela poluição. Esses danos incluem as perdas dos agentes econômicos afetados adversamente pela produção de externalidades negativas, incluindo-se aí, consumidores e produtores, o custo das medidas tomadas por esses agentes para atenuar esses impactos negativos. Supondo-se que a curva de custo marginal adicional é crescente e que a curva de benefício marginal é decrescente o nível de redução de poluição ótimo é aquele em que ocorre quando as duas curvas se interceptam, no ponto Q*. Gráfico 7: Eficiência na Produção em Presença de Externalidades Positivas (Benefícios Externos) Contrariamente, quando as externalidades são positivas, o benefício marginal social é maior do que o benefício marginal privado (no caso da educação, por exemplo), e a quantidade ótima do ponto de vista social (Q*) é maior que a quantidade que seria resultante do equilíbrio de mercado (QM), como mostrado no gráfico 7. O governo pode assegurar este resultado através de subsídios ou pela produção direta. • A Venda de Licenças de Poluição Como vimos anteriormente, um órgão de meio ambiente, como o Ministério do Meio Ambiente ou o IBAMA podem atuar no sentido de diminuir a poluição seja através da cobrança de Benefício marginal privado E* Q* Custo e benefícios Quantidade do bem (cuja produção resulta em externalidade positiva) Benefício marginal social Custo marginal privado QM EM 149 impostos (os impostos de Pigou), ou através de regulamentação. A imposição de impostos tem a vantagem de fazer com que os poluidores internalizem as externalidades negativas que provocaram. Mas a dificuldade é descobrir um nível de imposto que assegure os níveis de diminuição da poluição considerados aceitáveis pela sociedade. Neste sentido, uma regulamentação fixando o nível de poluição aceitável para uma fábrica poluidora, por exemplo, tem a vantagem de garantir o alcance deste nível. Mas o poluidor pode não internalizar a externalidade e preferir pagar multas, se estas forem inferiores ao custo de reduzir a poluição. Outra desvantagem da regulamentação é que ao atingir o nível de redução da poluição fixado pelo órgão regulador, o poluidor não tem nenhum incentivo para reduzir ainda mais este nível. Em razão das considerações acima, em alguns países, os órgãos de controle ambiental passaram a usar o mercado para dar este incentivo que falta na regulamentação, através da criação de um mercado de compra e venda de licenças de poluição. Com isto, uma empresa que consiga reduzir substancialmente a poluição que causa pode vender as licenças de poluição que tenha adquirido para outra empresa que não tenha conseguido esta redução (ou que poderia ter conseguido, mas a custos mais elevados que o custo das licenças). Os impostos de Pigou e a venda de licenças de poluição fazem com que os poluidores internalizem as externalidades negativas que geram. Mas a venda de licenças de poluição tem a vantagem de usar um mecanismo de mercado para atingir um nível de poluição considerado aceitável pela sociedade. É interessante notar que o IBAMA pode conseguir o mesmo resultado que seria conseguido com um imposto de Pigou, através da venda de licenças de poluição, como mostrado no Gráfico 8, abaixo: Gráfico 8: Equilíbrio com venda de Licenças de Poluição 150 A oferta de licenças de poluição fixa a quantidade de poluição, o que juntamente com a demanda por direitos de poluição (licenças) determinam o preço das licenças. No caso do imposto de Pigou, é como se fosse fixado o preço P das licenças, o que juntamente com a demanda pelas licenças determinariam a quantidade de poluição. A venda das licenças torna-se mais prática porque asseguraria ao IBAMA alcançar uma meta determinada de redução da poluição, o que não é assegurado no caso do imposto de Pigou, já que é difícil conhecer com precisão a demanda pelos direitos de poluição. 3. Recursos Comunitários, Bens Públicos e Quase-Públicos Antes de falarmos de recursos comunitários, bens públicos e quase-públicos, é interessante apontar que os bens de uma economia podem ser classificados em duas características, segundo sejam excludentes ou rivais. Diz-se que um bem é excludente quando se pode impedir um usuário (pessoa ou instituição) de utilizá-lo. E um bem é rival quando o fato de alguém usá-lo impede o uso por outro usuário. O Quadro abaixo resume todas as possibilidades: Classificação dos Bens quanto ao caráter de Excludência ou Rivalidade: Nota: Baseado em Mankiw, op. cit. Cap. 11. Sim Não Sim Bens Privados • Roupas • Sapatos • Automóveis, etc. • Estrada congestionada (com pedágio) Monopólios Naturais • Proteção contra incêndio • Serviços de Esgoto • Estrada sem congestionamento (com pedágio) Não Recursos Comunitários • Peixes do Mar • Meio Ambiente • Estrada Congestionada (sem pedágio) Bens Públicos • Defesa Nacional • Praça Pública • Estrada sem congestionamento (sem pedágio) Ex cl u d en te ? Ex cl u d en te ? Rival? 151 Os bens privados são excludentes e rivais. A exclusão se dá através do mercado, ao adquirir uma roupa excluo a possibilidade de outra pessoa adquiri-la e o fato de usar a roupa impede outra pessoa de usá-la naquele momento. No uso da estrada congestionada com pedágio a exclusão se dá através do pedágio. Se o pedágio não for pago, o veículo não pode transitar na rodovia. E, como a estrada é congestionada, o fato de alguém usar a estrada dificulta o uso por outras pessoas. Os bens públicos não são nem excludentes nem rivais. O fato de alguém usufruir de uma praça não exclui a possibilidade de outras pessoas fazerem o mesmo, assim como não se pode impedir alguém de usar a praça. Numa situação intermediária ficam os recursos comunitários e os monopólios naturais. Os recursos comunitários não são excludentes, mas são rivais. Ninguém pode impedir alguém de usufruir de um rio e nele pescar, mas o fato de alguém fisgar um peixe impede outra pessoa de fazê- lo. Os monopólios naturais são excludentes, mas não são rivais. Se alguém usa o serviço de água e esgotos, outra pessoa também pode usá-los, mas as pessoas podem sim ser excluídas da utilização desses serviços (um bairro periférico não dotado destes serviços ou as residências não ligadas às redes de água e esgotos ou, ainda, as pessoas que não pagaram as taxas e os serviços foram cortados). 3.1 - O Problema dos Recursos Comunitários (The Tragedy of the Commons) Um caso particular de externalidades é aquele que envolve os recursos comunitários, cuja propriedade não é individualizada. Um exemplo clássico desse problema é o caso dos pássaros silvestres, muitos deles, comoo galo-de-campina (cardeal do nordeste), hoje ameaçados de extinção, em razão de uma caça predatória no passado. Para um caçador individual é vantajoso prender um desses animais, cujo preço de revenda é elevado. Porém, se todos assim o fizerem, este procedimento conduzirá à extinção da espécie. Por outro lado, não adianta muito se um só caçador resolver poupá- los porque um pássaro que ele não captura será aprisionado por um outro caçador e, portanto, o benefício será ínfimo. Nessa situação, torna-se evidente o conflito entre interesses públicos e privados já que o benefício marginal privado (preço de mercado do pássaro) é superior ao benefício marginal social (que deveria levar em conta o impacto sobre o futuro da espécie). Do ponto de vista do país, mesmo dos caçadores como um grupo, a estratégia ótima seria limitar a captura para garantir, assim, a existência dessas aves silvestres. 152 A razão do problema aqui é o fato de ninguém deter a propriedade sobre esses animais, sendo assim, considerados um recurso “livre”. Nesse caso, as pessoas não consideram todos os custos e benefícios derivados de suas ações e, portanto, não têm incentivos a usar esses recursos de forma eficiente. A propriedade conjunta dos recursos conduz, pois, ao seu uso indiscriminado. A solução para esse tipo de problema requer que o governo atue como se fosse o proprietário desses recursos. Nesse caso, por meio de esquemas regulatórios, o governo pode restringir a quantidade de aves silvestres que pode ser apreendida evitando, assim, a extinção desses animais. Um outro exemplo, célebre, que deu origem à expressão “tragedy of commmons” foi trazido pelo matemático William Forster Lloyd e depois ampliado por Garret Hardin no ensaio “The Tragedy of the Commons”4, mas o conceito embora não com este nome, já aparece em escritos de filósofos gregos da antiguidade5. O exemplo ilustrativo utilizado por Hardin é o de uma pastagem de uso comum de pastores, numa pequena aldeia medieval, na Inglaterra. Para cada pastor é vantajoso aumentar o número de suas ovelhas, só que cada nova ovelha pastando ajuda a degradar a qualidade das pastagens, que são 4 Hardin, Garret. “The Tragedy of the Commons”, Science, vol.162, n 3859, dez 1968, pp. 1243-1248. 5 “Aquilo que é comum para muitos recebe o mínimo de cuidados. Todos pensam principalmente em si mesmos, dificilmente no interesse comum; e somente quando ele preocupa-se enquanto indivíduo. Além de outras considerações, todos estão mais inclinados a negligenciar o dever que espera que outro cumpra;” Aristóteles, Política, Livro II, Capítulo III, 1261b, traduzido do grego por Benjamin Jowet, em The Politics of Aristotle. O Governo, por meio do IBAMA, tenta solucionar um problema de recursos comunitários Estado de São Paulo, Segunda-feira, 10 de março de 2003 Ibama apreende mais de 300 pássaros em São Paulo São Paulo - Fiscais do Ibama, em operação conjunta com a Polícia Civil, apreenderam hoje à tarde cerca de 300 pássaros silvestres, em uma residência, na Vila Joanisa, zona sul de São Paulo. Entre os animais apreendidos havia pássaro preto grande, galo-de-campina, azulão, cardeal, canário-da-terra, coleirinha, pássaro-preto e coleira-do-norte. Os fiscais também apreenderam vinte jabutis e quatro saguis na mesma residência. Segundo o fiscal do Ibama, Paulo Sérgio Araújo, o responsável pelos animais é João Alves da Rocha, que foi multado em R$ 500,00 por animal e irá responder inquérito por crime ambiental. No último domingo, também na zona sul, sete pessoas foram presas acusadas de venda ilegal de aves silvestres, depois da apreensão de 66 canários-da-terra e um pássaro coleirinha pela Polícia Ambiental. Maura Campanili 153 finitas. Com. a continuidade do uso comunitário das pastagens, termina acontecendo a superexploração e, em consequência, a depredação completa das mesmas (a tragédia), pelo uso comum exagerado deste recurso finito. O conceito pode ser estendido para todos os bens de uso comunitário, tais como a atmosfera, os oceanos e rios, assim como suas populações ictiológicas e, de forma geral, o meio ambiente e para todas as situações onde surja um conflito entre os interesses individuais e o bem comum no uso de um recurso finito. Exemplos ligados à questão ambiental: a superexploração de aquíferos; o desperdício de água na irrigação; a exploração predatória de atividades agroflorestais e minerais; o uso de queimadas; a queima de combustíveis fósseis e o aquecimento global; a caça clandestina etc. No caso dos pastores, a solução do conflito de interesses se deu através da privatização (o cercamento das propriedades). Mas outras soluções poderiam resolver o dilema: impostos (o poluidor/degradador pagador); a regulamentação (proibição ou controle da forma de utilização, como o estabelecimento de cotas de ovelhas -ou de áreas- para cada pastor, concessões condicionadas, imposição de limites de degradação, a venda de licenças de uso etc). 3.2 - Bens Públicos Os bens públicos puros ou, simplesmente, bens públicos, constituem um exemplo extremo de externalidade. De fato, a exemplo dos recursos comunitários, a propriedade desses bens não pode ser individualizada em razão desse bem ou serviço não ser divisível. Além disso, contrariamente, aos bens privados, o ato de consumir o bem público não reduz a quantidade disponível para o consumo das outras pessoas. Portanto, os bens públicos puros apresentam duas importantes características: o consumo desses bens é não excludente e não rival. A impossibilidade de exclusão (ou a dificuldade, gerada por custos elevados) implica que os indivíduos não podem ser privados dos benefícios do usufruto do bem e/ou serviço, mesmo se não tiverem contribuído para o seu financiamento. Um exemplo de bem que apresenta essa característica é um espetáculo pirotécnico, que pode ser visto pelas pessoas de quintais, jardins e praças públicas. Isto dificulta a provisão privada desse tipo de evento porque a impossibilidade de exclusão impede que sejam cobrados ingressos para financiar os custos, incluindo-se aí os lucros do organizador. Afinal, porque pagaríamos por esse show, se podemos vê-lo gratuitamente? Portanto, nenhum empresário privado se interessaria pela sua produção e, então, apesar da forte demanda, o espetáculo poderia não ser produzido. A impossibilidade de exclusão, ao inviabilizar o uso do sistema de preço para racionar o consumo, reduz os incentivos para o pagamento voluntário dos bens públicos. Essa relutância em contribuir, voluntariamente, para financiar esses bens é conhecida como o problema do “carona” (free rider). 154 A não rivalidade no consumo é outra característica do bem público. Isto implica que uma vez que o bem está disponível, o custo marginal de provê-lo, para um indivíduo adicional, é nulo. Considere, por exemplo, o caso do espetáculo pirotécnico. O custo do espetáculo, uma vez determinado, não é alterado pelo fato de um grupo adicional de turistas decidir vê-lo. Ademais, essa decisão dos turistas em nada reduz o usufruto do evento pelos habitantes locais. Portanto, o custo marginal de provisão do espetáculo para esses espectadores adicionais é zero. Isso representa um franco contraste com os bens privados, que se caracterizam por níveis elevados de rivalidade no consumo. De fato, quando ocupamos um lugar, por exemplo, no cinema ou no teatro, este lugar deixa de estar disponível para outras pessoas. Outros exemplos de bens públicos puros são o sistema de defesa nacional, o conhecimento científico, um meio ambiente saudável, e governos eficientes. Em comum, esses bens têm o fato de seu consumo ser não excludente e não rival. 3.3- Bens Quase-Públicos A definição de bem público, anteriormente discutida, não é absoluta, mas varia com as condições de uso, de mercadoe com o estado da tecnologia. Vejamos por exemplo, o caso da energia elétrica. Esse serviço, quando usado nos domicílios privados, é um bem eminentemente privado: caso a conta de energia não seja paga, o serviço é suspenso e, portanto, os usuários são excluídos do seu consumo. Por outro lado, trata-se de um bem cujo consumo é rival. Quando eu consumo uma determinada quantidade de quilowatts, ela já não mais está disponível para os demais consumidores. Por outro lado, quando essa energia é usada para iluminar os locais públicos, ela torna-se um bem público puro. Isto porque é impossível excluir alguém do benefício da iluminação pública, além de desnecessário; o custo de prover esse serviço para passantes adicionais é zero. Outro exemplo menos extremo é o caso das estradas de rodagem. Assim, o uso de uma estrada vicinal, semideserta, pode ser não rival na medida em que, nela, o tráfego é muito inferior a sua capacidade e, portanto, o custo marginal de utilização por um veículo adicional é muito baixo. Por outro lado, embora seja possível excluir os veículos de seu uso por meio da introdução de um pedágio, provavelmente os custos de instalação e de manutenção desse pedágio serão superiores à arrecadação e, por conseguinte, não valerá a pena introduzi-lo. Porém, quando a estrada é, por exemplo, a Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, além do custo de exclusão ser compensatório, a rivalidade no consumo se expressa por meio do congestionamento. Nesse caso, essa rodovia pode ser vista como um bem privado. Podemos, assim, pensar que grande parte dos bens satisfaz, apenas parcialmente, as condições de impossibilidade de exclusão e não-rivalidade no consumo. Os bens que atendem parcial ou totalmente a pelo menos uma dessas características são chamados de bens públicos impuros ou bens 155 quase-públicos. Utilizando o diagrama proposto por Stiglitz (1987), o Gráfico 8 mostra, no eixo horizontal, a possibilidade de exclusão e, no eixo vertical, a rivalidade no consumo (custo marginal de provisão), torna-se claro que, ao invés de uma separação bem marcada, existe um continuum entre bens públicos e privados. No canto inferior esquerdo desse diagrama, estão os bens públicos puros, para os quais os custos de exclusão são infinitos e não existe rivalidade no consumo. No canto superior direito encontram-se os bens privados, para os quais a exclusão é possível a baixos custos e o custo marginal de provisão é elevado. Os bens públicos impuros (bens quase-públicos) situam-se entre esses extremos. Gráfico 9 - Bens Privados e Bens Públicos Puros e Impuros Assim, serviços de saúde pública, tais como vacina contra doenças infecto-contagiosas, beneficiam não somente as pessoas vacinadas, mas a população como um todo, já que previnem o surgimento de epidemias. Ademais, o custo marginal da vacinação é positivo e a exclusão de não pagantes é possível. Porém, não é possível excluir dos benefícios aliados à redução das epidemias (nem cobrar por tais benefícios) aqueles que não se vacinaram. Isso torna esses serviços bens públicos impuros e por essa razão, muitos governos mantêm programas gratuitos de vacinação para encorajar, e até mesmo obrigar, a imunização maciça da população. 156 Outro exemplo de bens quase públicos é o serviço de bombeiros. Nesse caso, existe, claramente, rivalidade no consumo já que uma equipe que sai para atender uma ocorrência deixa, imediatamente, de estar disponível para outros casos. Portanto, o custo marginal de provisão desse serviço é positivo e pode ser bastante elevado. Porém, na forma atual de moradia, onde parte significativa das pessoas vive em grandes aglomerações urbanas e em condomínios verticais, esse serviço apresenta, também, dificuldades de excluir os que não contribuem para o seu financiamento. Ele perde, assim, parte do seu caráter privado sendo por isso, na maioria dos países, oferecido pelos governos e o seu custo financiado, compulsoriamente, por meio de impostos e taxas. Podemos agora então resumir nossa argumentação sugerindo que alguns bens quase-públicos devem ser, prioritariamente, ofertados pelo estado. Quais desses bens enquadram-se nessa categoria é uma questão aberta, já que a fronteira entre eles está longe de ser consensual. Bens Quase Públicos - Zé Gotinha e a erradicação da poliomielite no Brasil Conheça a história do personagem-símbolo da Campanha de Vacinação e veja porque todas as crianças menores de 5 anos devem tomar a vacina O personagem da Campanha Nacional de Vacinacão contra a Paralisia Infantil - que acontece neste sábado, 23 de agosto, com apoio do McDonald's - foi criado em 1986, pelo artista plástico Darlan Rosa, mineiro radicado em Brasília. O Ministério da Saúde realizou um concurso nacional para que o personagem ganhasse um nome, e crianças do Brasil inteiro escolheram Zé Gotinha. Desde então, o Zé Gotinha se tornou o símbolo da campanha, que ajudou a erradicar a paralisia infantil (ou poliomielite) e a manter o vírus causador da doença afastado do país. Anos mais tarde, o personagem foi adotado também para outras vacinas infantis, com uma cor diferente para cada uma: branco contra a poliomielite; vermelho contra o sarampo; azul marinho para a vacina contra a tuberculose; azul claro para a da coqueluche; laranja para difteria, e verde para o tétano. Mobilização nacional A Campanha Nacional de Vacinação contra a Paralisia Infantil é realizada em duas etapas anuais pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em parceria com as secretarias estaduais e municipais de Saúde. Neste ano, a primeira etapa aconteceu no dia 14 de junho e, a segunda, será realizada no próximo sábado, 23 de agosto. Na segunda etapa da campanha do ano passado, mais de 17,2 milhões de crianças foram vacinadas contra a poliomielite. O último caso de poliomielite no Brasil foi registrado no município de Sousa, na Paraíba, em 1989. Nos últimos quatro anos, as Campanhas Nacionais de Vacinação têm alcançado 100% da meta, vacinando todas as crianças menores de cinco anos. A vacinação é importante porque o poliovírus, causador da poliomielite, pode ser reintroduzido no Brasil, pois a doença ainda ocorre em outros países. Em 2001, 18 países registraram casos da doença, entre eles o Haiti, país próximo da América do Sul. Sala da Imprensa – Notícias - 22/08/03 157 3.4 - Ineficiências Associadas à Provisão Privada de Bens Públicos Voltemos agora ao exemplo da defesa nacional. A questão é saber qual será o nível eficiente de provisão desse bem público puro. Suponhamos que, com exceção dos pacifistas, a maioria da população concorde com a necessidade da existência de um sistema de defesa do território. Porém, dentre aqueles que o defendem, existem dois grupos distintos: aqueles que acreditam em ataques externos iminentes e os que imaginam que não serão atacados. Os primeiros estarão dispostos a contribuir para financiar as forças armadas garantindo, assim, que o país seja defendido em caso de ataque externo. Já os que imaginam que a possibilidade de serem atacados é pequena tenderão a pensar que gastos com serviços de defesa nacional não são prioritários e, portanto, se recusarão a contribuir com o necessário para a provisão desses serviços. Caso eles fossem financiados por esse tipo de contribuição voluntária, é razoável supor que o montante arrecadado não seria suficiente para custear um sistema de defesa nacional eficiente, no sentido de dissuadir os inimigos externos. Os níveis de segurança nacional seriam, pois, inferiores àqueles que seriam obtidos por meio da provisão pública, financiada compulsoriamente por meio de tributos. A ineficiência da provisão privada de bens públicos puros pode, ainda, ser ilustrada utilizando-se o exemplo da estrada vicinal pouco frequentada. Vimos que o custo marginal de uso dessa estrada, para um veículo adicional, é praticamentenulo e, portanto, não faz sentido racionar a sua utilização. Podemos ilustrar esse problema supondo-se que o governo decida terceirizar a administração dessa estrada para uma firma privada, que cobrará pedágio pelo seu uso, essa cobrança desencorajará o tráfego de veículos (já que agora é preciso pagar pelo uso dessa via) conduzindo, assim, à subutilização da estrada vicinal. Essa restrição desnecessária representa um custo, em termos de bem-estar, para a sociedade. É nesse sentido que afirmamos que a provisão privada desses serviços é socialmente ineficiente. 4. A Importância dos Direitos de Propriedade Nos exemplos acima ficou explícito que o mercado falha ao fornecer estes tipos de bens e serviços porque ninguém pode cobrar por fornecer ar puro, aves silvestres ou praças públicas. O que há em todos estes casos é a dificuldade em atribuir direitos de propriedade para esses tipos de bens e serviços, como já apontado anteriormente. Sempre que estes direitos possam ser atribuídos, o mercado aloca os recursos necessários para sua produção e distribuição de forma eficiente. Em caso contrário, as sociedades dependem do Governo para produção e distribuição destes bens e serviços e/ou para o estabelecimento de critérios para sua produção e distribuição, ou ainda para a atribuição de direitos concernentes, seja de forma permanente ou temporária, e de maneira total ou parcial. E em assim fazendo, assegura que a 158 sociedade estará, geralmente, numa situação melhor, porque estará alocando estes recursos de forma mais eficiente. 5. Conclusão Neste capítulo, examinamos os casos em que a intervenção do governo nos mercados, ajuda a restaurar as condições de eficiência mediante as correções das falhas de mercado – em particular aquelas decorrentes da existência de bens públicos e externalidades. Nota-se, porém, que a própria ação do governo também pode gerar ineficiências – conhecidas como “falhas de governo” e, nesse sentido, é importante levar em conta, na medida do possível, esses “custos” da intervenção governamental quando da correção do funcionamento dos mercados privados. 6. Referências Bibliográficas Coase, R. (1960) "The Problem of Social Cost", Journal of Law and Economics. Hardin, Garret. “The Tragedy of the Commons”, Science, vol. 162, n 3859, dez 1968, pp. 1243-1248. Kienzle, E. (1989) Study Guide and Readings for Stiglitz´s Economics of the Public Sector New York: Norton Books. Textos selecionados. Rosen. S. H. (1995) Public Finance. Irwin Press, 4a edição. Stiglitz, J. A (1988) Economics of the Public Sector. New York: Norton Books. Mankiw, N. Gregory (2004) Introdução À Economia, São Paulo, Thomson Learning Ltda. 159 Matheus Costa de Freitas Entende-se por mercado um conjunto de vendedores e compradores e sua interação, não sendo necessariamente um local físico. Lei da demanda: com tudo mantido o mais constante, a quantidade demandada de um bem diminui quando seu preço aumenta (↑P ↓Qd). Graficamente, a curva de demanda é descendente. FATORES QUE PROVOCAM: Deslocamento NA curva de demanda (ou seja, nos pontos sobre a curva, alterando apenas a quantidade demandada, e não a demanda como um todo) Deslocamento DA curva de demanda (ou seja, de toda a curva, alterando a demanda como um todo) • PREÇO • RENDA • PREÇO DOS BENS RELACIONADOS* • GOSTOS • EXPECTATIVAS • NÚMERO DE COMPRADORES *Bens relacionados: substitutos (↑PX ↑DY) ou complementares (↑PX ↓DY). Lei da oferta: com tudo mantido o mais constante, a quantidade ofertada de um bem aumenta quando seu preço aumenta (↑P ↑Qo). Graficamente, a curva de oferta é ascendente. FATORES QUE PROVOCAM: Deslocamento NA curva de oferta (ou seja, nos pontos sobre a curva, alterando apenas a quantidade ofertada, e não a oferta como um todo) Deslocamento DA curva de oferta (ou seja, de toda a curva, alterando a oferta como um todo) 160 • PREÇO • PREÇO DOS INSUMOS • TECNOLOGIA • EXPECTATIVAS • NÚMERO DE VENDEDORES No gráfico, o ponto de equilíbrio é aquele em que as duas curvas se cruzam, representando uma situação na qual o preço atingiu o nível em que Qo=Qd . Chama-se de lei da oferta e da demanda a noção de que o preço de qualquer bem se ajusta naturalmente para que tal igualdade seja atingida. Tipos de mercado: - Concorrência Perfeita - Monopólio - Concorrência Monopolística - Oligopólio - Monopsônio - Oligopsônio Lista 2B A elasticidade é a medida numérica da sensibilidade de uma curva (de O ou de D) a uma variação em um de seus determinantes. Trata-se de uma análise quantitativa, isto é, encontra-se um número e, a partir dele, se faz afirmações quanto à elasticidade do bem. Elasticidade preço da demanda: mede a sensibilidade da Qd de um bem em relação a variações de preços desse bem. É muito importante para análises econômicas que envolvam o cálculo da Receita Total (RT = P x Q). Epd = ∆Q Q ÷ ∆P P |Epd|>1 , D elástica em relação ao P |Epd|<1 , D inelástica em relação ao P |Epd|=1 , elasticidade unitária em relação ao P Elasticidade preço cruzada da demanda: mede a sensibilidade da Qd de um bem X em relação a variações no preço de um bem Y, quando há relação entre o consumo desses bens. Epcd = ∆Qx Qx ÷ ∆Py Py Bens complementares (↑PX ↓DY), Epcd sempre negativa Bens substitutos (↑PX ↑DY), Epcd sempre positiva 161 Elasticidade preço da renda: mede a sensibilidade da Qd de um bem em relação a variações na renda de seus consumidores. Erd = ∆Q Q ÷ ∆R R |Erd|>1 , D elástica em relação à R |Erd|<1 , D inelástica em relação à R |Erd|<0 , bem inferior* |Erd|=0 , bem de consumo saciado *Bens inferiores: ↑R ↓D (enquanto para os bens normais, ↑R ↑D). Elasticidade preço da oferta: mede a sensibilidade da Qo de um bem em relação a variações de preços desse bem, ou seja, a capacidade de resposta da oferta. Epo = ∆Q Q ÷ ∆P P |Epd|>1 , O elástica em relação ao P |Epd|<1 , O inelástica em relação ao P |Epd|=1 , elasticidade unitária em relação ao P Quando um imposto é introduzido em determinado mercado, ambos os lados (O e D) ficam em pior situação. Aquele que possuir a curva mais inelástica pagará mais, devido à menor capacidade de reação. A imposição de um preço mínimo – acima do de equilíbrio – gera excesso de oferta (O>D), enquanto a imposição de um preço máximo – abaixo do de equilíbrio – gera excesso de demanda (D>O). Externalidades são um tipo de falha de mercado que ocorrem quando o consumo e/ou produção de um bem afeta consumidores e/ou produtores em outros mercados e esses impactos não são considerados no preço de mercado do bem em questão. Podem ser positivas (benefícios externos; BMS>BMP) ou negativas (custos externos; CMP>CMS). SOLUÇÕES PARA EXTERNALIDADES Privadas Públicas • FUSÕES • SANÇÕES SOCIAIS • TEOREMA DE COASE • TRIBUTAÇÃO CORRETIVA (impostos/subsídios) • VENDAS DE LICENÇAS DE POLUIÇÃO • SOLUÇÕES DE COMANDO E CONTROLE (regulações/multas) 162 Discriminados por rivalidade e excludência, os bens podem ser classificados em (i) bens privados, (ii) monopólios naturais, (iii) recursos comunitários, dos quais decorre o problema conhecido como tragédia dos comuns, (iv) bens públicos, dos quais decorre o problema do carona. 163 Nesta unidade, daremos início ao estudo da Contabilidade Nacional. A Contabilidade Nacional (ou Contas Nacionais) objetiva mensurar a produção total de bens e serviços numa economia, em determinado período, e bem assim mostrar a composição da renda gerada pela atividade produtiva (entre salários, lucros, etc.) e dos gastos efetuados (especialmente a divisão entre gastos de consumo e de investimento). A Contabilidade Nacional guarda semelhanças com os sistemas contábeisdas empresas, e tem essencialmente o mesmo propósito: facilitar o acompanhamento da atividade produtiva e fornecer elementos para sua melhor administração — no caso, para a formulação e implementação de políticas econômicas governamentais. O estudo das Contas Nacionais envolve alguns conceitos e definições que devem ser bem compreendidos. A medida mais abrangente da produção total num país ou região, em dado período, é o Produto Interno Bruto (PIB); mas falaremos também no Produto Nacional, na diferença entre valores brutos e líquidos, no conceito de Renda Nacional, etc. A melhor forma de entender e reter esses conceitos, sem recorrer a um “decoreba” mecânico, é resolver os exercícios da Unidade. Faça os exercícios da lista 3A para fixar melhor esses pontos. A medida da produção em vários períodos nos permite analisar sua variação ao longo do tempo. Nesse caso, é necessário considerar as mudanças nos preços dos vários bens e serviços. Quando ocorre, por exemplo, um aumento no valor da produção de um ano para outro, será importante saber se houve aumento efetivo da produção, em termos da quantidade de bens e serviços, ou se aumentaram apenas os preços. Para eliminar o efeito das variações de preços (ou seja, para deflacionar os valores correntes, e chegar a valores reais) é preciso primeiro medir essas variações. Isso é feito por meio de índices de preços, que estudaremos também nessa Unidade. Os índices de preços são números que mostram a variação média de preços de certo conjunto de bens e serviços. Um objetivo frequente do exame das mudanças de preços é avaliar seu impacto no 164 orçamento dos consumidores; se há inflação, por exemplo (uma alta generalizada de preços), o poder de compra de meu salário obviamente diminui. Assim, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC, também chamado de Índice do Custo de Vida, ICV) é provavelmente o indicador de preços que mais chama a atenção do público. É fácil perceber que pode haver vários IPCs: o conjunto de bens e serviços a ser considerado é diferente, para diferentes consumidores (famílias de baixa renda, por exemplo, não consomem produtos mais caros); e preços variam entre localidades (o custo de moradia é mais alto em Brasília do que em outras cidades). Assim, um dos índices produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão do governo federal, é calculado para cada uma das onze capitais mais importantes, e se baseia na estrutura de consumo de famílias com renda entre 1 e 6 salários mínimos. A agregação desses onze índices fornece o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). É importante entender a idéia básica de um IPC: trata-se de uma média dos preços dos vários bens e serviços consumidos na faixa de renda estabelecida, cada preço ponderado pela importância relativa do bem ou serviço respectivo nas despesas desses consumidores. Faça os exercícios da Lista 3B para garantir que você entenda bem essa parte da matéria. A Contabilidade Nacional, como você verá, inclui também o estudo de outras medidas importantes relacionadas à atividade econômica de um país e sua relação com o resto do mundo. O conteúdo visto na disciplina Introdução à Economia é apenas uma pequena parte de um ramo muito mais amplo de conhecimento. Caso tenha interesse em aprofundar seus conhecimentos nessa área (muito requisitada em concursos públicos, por exemplo), uma sugestão é cursar a disciplina Contabilidade Nacional, ofertada todos os semestres pelo Departamento de Economia da UnB, sendo Introdução à Economia seu único pré-requisito. Não deixe de fazer os exercícios das Listas 3A (mensuração do produto) e 3B (índices de preços) para conferir se entendeu bem a matéria e está preparado para os controles de leitura e para a próxima prova. Bons estudos! 165 Flávio Rabelo Versiani, Lívio William Reais de Carvalho, Bruno Pereira Rezende 1. Introdução Você está iniciando seus estudos no campo da Macroeconomia, que é o campo da Economia que estuda as variáveis econômicas agregadas, objetivando, por exemplo, determinar os fatores que influenciam os níveis de produção, de renda e de emprego na economia. Segundo Mankiw1, os campos de Microeconomia e Macroeconomia podem ser definidos como: • Microeconomia: “o estudo de como famílias e empresas tomam decisões e como interagem nos mercados”; • Macroeconomia: “o estudo de fenômenos que afetam a economia como um todo, tais como inflação, desemprego e crescimento econômico”. O estudo quantitativo de grandezas macroeconômicas e suas inter-relações — como a produção total de bens e serviços num país e as transações que daí decorrem — tem uma longa tradição em Economia. O Tableau Économique, elaborado por François Quesnay, figura mais importante dos fisiocratas, escola de economistas que floresceu na França na segunda metade do século XVIII, é comumente mencionado como uma primeira tentativa nesse sentido. A medida sistemática dessas grandezas desenvolveu-se modernamente a partir da primeira metade do século passado. Esse desenvolvimento foi influenciado pelas ideias do economista inglês John Maynard Keynes — que estudaremos na 5ª Unidade do curso — em favor da intervenção governamental na economia, no sentido de obstar uma tendência à subutilização da capacidade produtiva e ao desemprego. Para intervir, seria preciso acompanhar, por exemplo, a evolução da produção e do consumo agregados, o que ressaltava a necessidade de um registro organizado de dados relativos à atividade econômica. 1 MANKIW, N.G. Introdução à Economia. Trad. A.V. Hastings. São Paulo: Pioneira-Thomson, 2005. 166 A Contabilidade Nacional (também chamada de Contabilidade Social, ou sistema de Contas Nacionais) promove esse registro. Seu objetivo é proporcionar um quadro estatístico do desempenho da economia num dado período: quanto se produz, quanto se consome, quanto se investe no aumento da capacidade produtiva, como o investimento é financiado, como os fatores de produção são remunerados, e assim por diante. Mais comumente, essas medidas se referem à economia de um país e ao período de um ano, mas a Contabilidade Nacional pode também se aplicar a regiões e a períodos inferiores a um ano. No Brasil, as principais grandezas das Contas Nacionais são calculadas trimestralmente, e o IBGE divulga dados por estado da federação. Atualmente, a generalidade dos países produz dados relativos à Contabilidade Nacional. A Organização das Nações Unidas divulga e revê periodicamente um sistema padronizado de Contas Nacionais, visando tornar o mais possível uniforme as estatísticas dos vários países, facilitando sua comparabilidade. A última revisão foi publicada em 2008. As Contas Nacionais brasileiras passaram a ser elaboradas em 1947, pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, órgão não governamental de pesquisa e ensino. A partir de 1986, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ligado ao Ministério do Planejamento, assumiu essa tarefa. Valores nominais e reais. Como é intuitivo, os agregados da Contabilidade Nacional, como os relativos à produção, devem ser medidos em valor, pois não é possível somar toneladas de aço, sacas de soja e tratamentos dentários. Ocorrendo inflação, surge o problema de comparar valores em períodos distintos: um aumento no valor de determinada produção, de um ano para outro, poderá decorrer tanto do aumento na quantidade produzida, que é o que interessa medir, quanto de um aumento em seu preço. Assim, haverá necessidade de distinguir entre valores nominais, medidos pelos preços correntes, ou seja, os preços efetivamente verificados no mercado em cada período; e valores reais, medidos em preços constantes, de tal forma a eliminar o efeito da inflação. Na seção 7 deste texto, veremos, de maneira detalhada, como isso é feito.No próximo texto (“Índices de Preços”), retomaremos a distinção entre valores nominais e valores reais. Fluxos e estoques. Outra distinção importante é entre variáveis de fluxo e de estoque. Variáveis de fluxo são medidas por unidade de tempo: produção ou consumo por ano ou por trimestre, por exemplo. Variáveis de estoque são medidas em um ponto do tempo, como a quantidade de moeda na economia, ou o nível de preços. A Contabilidade Nacional trabalha predominantemente com variáveis de fluxo. Definições e convenções. Para medir as grandezas das Contas Nacionais, é necessário defini- las de modo preciso e você verá que é importante entender corretamente essas definições. Em alguns casos, as definições decorrem de convenções, envolvendo certo grau de arbitrariedade. Por exemplo: 167 convenciona-se, de acordo com o sistema de Contas Nacionais da ONU, que certos tipos de trabalho não remunerado, notadamente a manutenção do domicílio (preparação de alimentos, limpeza, cuidado de crianças, etc.) não são considerados na Contabilidade Nacional. A exclusão decorre principalmente da dificuldade de atribuir um valor a essas atividades; como não passam pelo mercado, não têm um preço objetivamente determinado. Por outro lado, algumas atividades que também não passam pelo mercado, como a produção agrícola para consumo próprio, podem ser objeto de estimativa, quanto às quantidades produzidas, fazendo-se a avaliação pelos preços observados no mercado. Dessa forma, a produção para autoconsumo em geral é incluída na Contabilidade Nacional. Limitações das Contas Nacionais. O cômputo das Contas Nacionais depende da existência de registros estatísticos; mas algumas atividades econômicas não dão origem a tais registros. É o que sucede, obviamente, com atividades ilegais, como o contrabando ou o tráfico de drogas. E também com a chamada economia informal, que inclui a produção ou prestação de serviços de inúmeros tipos, individualmente ou em pequenas unidades, sem pagamento de impostos ou inscrição em cadastros oficiais — como o trabalho de camelôs e de vigias de carros em estacionamentos, ou os serviços de pequenas oficinas mecânicas, na periferia das cidades. A economia informal é importante como fonte de ocupação e renda, especialmente em economias menos desenvolvidas; mas atividades informais são também comuns em países mais ricos, como forma de evadir o pagamento do imposto de renda (um arquiteto não cobra um projeto para seu médico, que por sua vez trata de graça a família daquele). No caso da economia informal, é possível, em alguns casos, usar métodos indiretos para estimar o valor produzido, como é feito nas Contas Nacionais brasileiras. Já a produção e o comércio ilegais são excluídos, não apenas pela dificuldade ou impossibilidade de mensurá-los, mas também por um argumento conceitual: a concepção original da Contabilidade Nacional adotou o princípio de que atividades nocivas não devem ser incluídas, mas apenas a produção que tenha valor positivo para a sociedade. Dentro dessa perspectiva de bem-estar social, a Contabilidade Nacional tem uma limitação importante, destacada pelos ambientalistas: não se levam em conta os custos da atividade produtiva para o meio ambiente. Um país pode experimentar um rápido crescimento econômico em detrimento da preservação ambiental, com efeitos negativos sobre a sociedade. Algumas tentativas têm sido feitas no sentido de integrar a questão ambiental nas Contas Nacionais. É comum que se utilize o produto per capita — o valor total da produção de bens e serviços de um país, dividido pela população — como indicador de bem-estar econômico; mas não é, 168 certamente, um indicador ideal. Esse dado não leva em consideração, por exemplo, a distribuição de renda, ou o nível de educação e saúde da população. Algumas dessas características não avaliadas pelos números da Contabilidade Nacional são objetos de indicadores específicos. Alguns deles serão estudados na 7ª Unidade, como o Índice de Gini, uma medida da desigualdade na distribuição de renda, e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que inclui dimensões adicionais na avaliação do crescimento da economia, como os níveis de educação e saúde. Outros procedimentos da Contabilidade Nacional são às vezes criticados; um deles é a convenção de excluir os serviços domésticos do âmbito das Contas, como mencionado acima. Aqui as críticas costumam partir de uma perspectiva feminista, já que tais serviços são, tipicamente, desempenhados por donas de casa. Argumenta-se que as atividades das mulheres nos domicílios são importantes, do ponto de vista da produção, e deviam, assim, ser de alguma forma medidas e avaliadas. De fato, grande parte dos “produtos” que permitem aos indivíduos exercer sua atividade produtiva voltada ao mercado, fora de casa, provém de serviços domésticos. A Conferência Mundial da ONU sobre a Mulher, reunida em Pequim em 1995, aprovou recomendação no sentido de que essa realidade fosse levada em conta. Propôs-se o desenvolvimento de métodos de avaliação quantitativa do valor do trabalho doméstico não remunerado, possivelmente por uma contabilidade complementar à das Contas Nacionais. 2 Cabe notar que, quando prestados por empregados remunerados, os serviços domésticos entram nas Contas Nacionais pelo ângulo da renda. No caso do Brasil, atribui-se a cada empregado ou empregada uma remuneração igual ao salário mínimo. Como veremos a seguir, medir a renda equivale a medir o produto. 2. O PIB e sua medida Nos noticiários, estamos acostumados a ouvir constantes referências ao Produto Interno Bruto (PIB), quando se fala do desempenho da economia e de seu crescimento. No que se segue, trataremos dessa grandeza e de como medi-la. Vamos por partes: primeiro, a definição de Produto: 2 Beijing Declaration and Platform for Action, disponível em: www.un.org/womenwatch/daw/beijing/platform. Produto é o valor total da produção de bens e serviços da economia em determinado período de tempo. http://www.un.org/womenwatch/daw/beijing/platform 169 O valor, como vimos, é medido pelos preços verificados no mercado (o valor nominal; falaremos depois no valor real). Por “bens e serviços”, quer-se dizer que o PIB inclui tanto bens tangíveis (carros, máquinas, roupas, bananas, iPods), quanto serviços intangíveis (cortes de cabelo, consultas médicas, sessões de cinema, aulas na UnB). A definição de Produto refere-se a um determinado espaço geográfico: mede-se a produção feita dentro das fronteiras de um país ou uma região. Se um cidadão brasileiro vai trabalhar em uma loja de fast food nos Estados Unidos, o valor referente à sua produção faz parte do Produto daquele país, e não do brasileiro. Da mesma maneira, o valor da produção da rede norte-americana McDonald’s no Brasil é contabilizado no Produto brasileiro, apesar de a matriz da empresa produtora estar localizada fora de nossas fronteiras. Atente-se também para o limite temporal: um veículo produzido em 2011 entrará no Produto de 2011, independentemente de ser ou não vendido nesse ano. E se um veículo produzido e vendido em 2011 é revendido em 2012, seu valor não fará parte do Produto de 2012, uma vez que a produção não ocorreu nesse ano; houve apenas mudança de proprietário. Quais os bens que devem ser incluídos no cômputo do Produto? Uma breve reflexão nos mostrará que não se pode incluir todos os bens e serviços produzidos, pois de outra forma incorreríamos no erro da múltipla contagem. De fato, o valor do minério de ferro extraído está necessariamente contido no valor das chapas de aço com ele produzidas; e o valor da produção dessas chapas faz parte do valor dos automóveis ou navios nos quais foram incorporadas. Não faria sentido somar o valor do minério, das chapas de aço e dos automóveis ou navios. Só