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Conto Terapêutico: Escolhas e Mudanças

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CONTO TERAPÊUTICO
PARA TRABALHAR
ESCOLHAS, PERDAS,
E MUDANÇAS
SIGNIFICATIVAS NA
VIDA
E-BOOK
Este conto é de autoria de Marilene Lemos
extraído de seu livro Baús de Trocas. Ele tem
sido usado como instrumento pedagógico e
terapêutico para trabalhar mudanças e
perdas significativas na vida.
Do livro Baús de Trocas
Os contos têm sido, cada vez mais,
usados como instrumentos terapêuticos.
Crianças e adultos, contando ou ouvindo
histórias, verbalizam seus sentimentos,
que de outra forma, permaneceriam
indefinidos.
A falta de vocabulário adequado ou
desorganização de ideias impedem que
venham à tona conflitos como medos e
angústias que acabam aflorando através
de desordens mentais e físicas.
 
Do livro Baús de Trocas
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Do livro Baús de Trocas
As metáforas funcionam como um
importante acesso aos conteúdos psíquicos,
pois as mensagens nelas contidas chegam
pela via lúdica e emocional. 
Acompanhando a trajetória de um
personagem de contos de fadas, a pessoa
pode fazer suas próprias conexões e
reinventar a própria vida.
 
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 Baús de Trocas
Introdução
Frequentando um hospital, convivi com
pessoas que faziam quimioterapia.
Usavam bonés para ocultar a careca.
Fizeram uma escolha, os cabelos em
troca da saúde. Trocaram um bem por
outro mais urgente. A vida é assim,
feita de escolhas e renúncias. Cada
escolha implica uma renúncia. Bom é
quando se pode resgatar um bem
perdido lá no passado, guardado num
Baú de Trocas.
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Era uma vez…uma jovem.
Sem pais, irmãos, outros parentes, foi
acolhida pela madrinha. Essa senhora
não era propriamente má,
simplesmente, pouco se importava com
a jovem. 
Era-lhe indiferente o que a moça
pensava, sonhava, sofria. Para
compensar o teto e o pão, exigia que
a afilhada fizesse todo o serviço
doméstico. Apesar disso, moça sentia-
se grata – encontrara um lar.
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A jovem levantava-se antes do sol nascer
e começava a lida. À tardinha, depois de
todo o serviço pronto, cumpria a tarefa
que lhe era, até, muito agradável – buscar
água numa fonte, mais ou menos meia hora
de caminhada. No quintal da casa havia um
poço, mas, para beber, a madrinha exigia a
água daquela fonte.
Pelo caminho, sentia o cheiro das flores,
ouvia o canto dos pássaros, colhia e comia
frutas silvestres. Na fonte, aproveitava
para soltar, lavar e pentear seus longos
cabelos, sempre presos debaixo de um
lenço. 6
Algumas vezes, a moça viu, ali nas
redondezas da fonte, uma velha
bem parecida com uma bruxa, isto
é, como lhe diziam ser as bruxas.
Ela não lhe metia medo,
acostumara-se à sua presença. 
A velha apanhava ervas e, ao se
aproximar, cumprimentava-a com
um sorriso maroto.
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Um dia, a jovem pisou numa pedra
escorregadia, levou um tombo e o
pote, já cheio de água, foi ao
chão. Quebrou-se em mil pedaços.
Desesperada, pensava no desgosto
da madrinha. Sabia do seu apego
àquela vasilha, herança da
falecida mãe.
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Ao ver as lágrimas da moça, a tal velha se aproximou:
– Eu tenho um pote idêntico. O que você me daria em
troca?
– Moro de favor em casa de minha madrinha, nada tenho
de meu.
– Tem sim, você tem lindos cabelos encaracolados. Eu lhe
dou o pote em troca deles.
A moça aceitou e deixou que a velha os cortasse.
Perguntou:
– O que a senhora vai fazer com meus cabelos?
– Vou guardá-los nesse baú. Se algum dia, os quiser de
volta é só me trazer o pote e desfazer a permuta. Eu
moro numa casa depois da volta do rio.
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A madrinha nem percebeu que o pote era outro
e nem que a moça estava careca.
Passado algum tempo, falta de sorte, o novo
pote escapuliu-lhe das mãos e se partiu em
muitos pedaços. 
A velha, sempre por perto, falou:
– Na minha casa existe outro pote.
– Mas nada tenho para lhe dar em troca.
– Tem sim, tem um sorriso lindo, com dentes
alvos como a neve. Dê-me os dentes e eu lhe
darei o outro pote.
A moça deu-os de bom grado. Preferia perdê-
los a decepcionar sua benfeitora.
Viu quando a velha os guardou numa caixinha
igual à outra, dizendo:
– Quando quiser destrocar, já sabe.
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A madrinha não percebeu que a moça
estava sem os dentes, nem que deixara
de sorrir.
A rotina continuou. A moça, como
sempre, todas as tardes ia buscar
água na fonte. Pelo caminho não mais
se alegrava quando via as flores e os
pássaros, nem comia os frutos
silvestres. Na fonte, já não tinha
cabelos para lavar e pentear.
Sua infelicidade parecia não ter fim:
deixou cair e quebrar o terceiro pote.
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Como se estivesse esperando pelo
fato, a bruxa logo se fez
presente:
– Ainda tenho outro pote.
Igualzinho.
– Mas o que eu poderia lhe dar?
– O brilho de seus olhos.
E a moça deixou que a velha
tirasse umas películas que
envolviam seus lindos olhos azuis e
viu quando a mulher as guardou
noutra caixinha.
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Como das outras vezes a
madrinha não percebeu nem que
o pote era outro e nem que a
moça enxergava mal.
O tempo foi passando. 
A madrinha, bem idosa, adoeceu e
morreu.
A moça ficou desolada. Chorou
muito. Que seria dela?
Passou bastante tempo sem
saber o que fazer.
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Um dia, ao pegar o pote para buscar água na fonte
ocorreu-lhe não precisar mais realizar aquela tarefa.
Era a madrinha quem exigia a água da fonte para
beber.
Lembrou-se das trocas feitas e da possibilidade de
desfazê-las. Levando o pote, tomou o caminho indicado.
A casa da velha lá estava, exatamente como dissera,
depois da curva do rio.
– Trouxe-lhe o pote. Quero de volta o que lhe dei.
– Está certo. Mas foram três potes e só vejo um.
Negócio é negócio. Eu lhe devolverei apenas uma das
trocas. Escolha.
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A moça pensou e concluiu: sentia muita falta da boa
visão.
A velha levou-a a um cômodo de sua casa, onde uma
grande quantidade de pequenos baús estavam bem
organizados em cima de prateleiras. Todos levavam
uma etiqueta especificando o conteúdo e o nome do
antigo dono.
Nunca ocorrera à moça que pudesse existir tão
esdrúxula coleção. Enquanto procurava sua preciosa
caixinha, a velha explicava:
– Aí estão as permutas feitas nesses últimos anos. Eu
guardo tudo com muito cuidado. Muitos donos aparecem
para resgatá-las.
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16
Quando a moça lamentou não
dispor de algum bem para reaver
também seus dentes e seus
cabelos, a velha lhe propôs:
– Devolverei cada um deles por
ano de serviço. Preciso de quem
me ajude a cuidar destes baús.
A moça encheu-se de esperança.
Recebia as pessoas interessadas
em desfazer as trocas e se
alegrava com a felicidade delas
ao resgatar o bem de que se
haviam privado.
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Eram curiosos e variados os
objetos de destrocas. 
Alguém chegava trazendo paixão
e resgatava a tranquilidade.
Outros traziam moedas de ouro e
recuperavam o amor. 
Um rapaz chegou devolvendo o
sucesso e querendo de volta a
perdida paz.
Nessa ocupação a moça aprendeu
muito sobre a vida e sobre as
pessoas. Todos tinham uma longa
história para contar
18
No fim de um ano, teve seus
dentes de volta e depois de mais
outro, seus lindos cabelos
encaracolados. Resgatara,
principalmente, a alegria de viver.
Mesmo cumprido o tempo
combinado, a moça continuou
naquela função. Sentia um enorme
prazer em desempenhá-la.
Afinal, a velha, se era chamada
de bruxa, exercia também um
papel de fada.
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Um dia, parou à porta daquela casa
uma carruagem. Dela desceu um homem
ricamente vestido. A moça recebeu-o e
inteirou-se de seu desejo. Viera
devolver “glória e poder” e buscar o
que deixara como penhor: um sono
tranquilo.
O homem foi narrando sua vida. Muitos
anos se iludira correndo atrás do que
pensava ser a felicidade. Descobrira
que nada valia o antigo sossego. A
moça, também, contou-lhe sua história:
triste, desprovida de aventura, mas não
menos interessante.
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Consideraram que seus caminhos
se cruzavam em boa hora.
Poderiam ser felizes juntos. A
bruxa, ou fada, ajudou-a a se
decidir.
– Se partir nesta carruagem irá
ao encontro da felicidade que
você tanto merece.
A profecia se cumpriu, o homem
era um fidalgo, tanto no sangue
quanto no caráter. 
Eles se casaram e foram muito
felizes.
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Este conto é de autoria de Marilene Lemos extraído de
seu livro Baús de Trocas. Eletem sido usado como
instrumento pedagógico e terapêutico para trabalhar
mudanças e perdas significativas na vida.
Marilene Lemos
Marilene Lemos é pesquisadora, escritora, palestrante e
contadora de histórias, Membro da Academia Feminina
de Letras de Minas Gerais, Membro da Academia
Municipalista de Letras de Belo Horizonte, Membro do
Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais, Presidente
das Amigas da Cultura de Belo Horizonte, Faz parte do
Grupo “Conto e Encontro” que atua em hospitais,
instituições e grupos de convivência. Livros publicados: A
Vida Transformada em Histórias, onde fatos da vida real
e atual viram metáforas, usando elementos dos contos
de fadas tradicionais; Baús de Trocas, livro de contos
terapêuticos indicado para a Feira Internacional de
Bolonha e adotado em várias escolas; A Cidade que ficou
na Memória, livro de crônicas; Belo Horizonte nos Anos
Dourados, dentre outros.
CENTRO DE ESTUDOS 
AVANÇADOS DE PSICOLOGIA
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