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Diferença entre Senso Comum e Conhecimento Científico

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NÃO PODE FALTAR
QUAL A DIFERENÇA ENTRE O SENSO COMUM E O
CONHECIMENTO CIENTÍFICO?
Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira
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CONVITE AO ESTUDO  
Caro aluno,
Observe o quanto o mundo real é baseado em dois principais pilares: ciência e
tecnologia. Hoje, mais do que em outras épocas, a relação desses dois campos
proporcionou inovação global e facilidade de acesso à informação.
A inovação contribuiu para o rápido progresso tecnológico da sociedade,
principalmente com a automatização provocada pelo uso de Inteligência Artificial, e
o acesso à informação aumentou com a ascensão da Internet. Os mecanismos de
buscas das grandes empresas, como o Google e o Bing, unificaram esses dois
elementos e, com base em algoritmos cada vez mais refinados, proporcionaram a
emergência de anúncios e resultados de buscas cada vez mais personalizados de
acordo com os dados de acessos dos usuários. No entanto, o rápido progresso
tecnológico não preparou cognitivamente a população para a avaliação crítica das
informações recebidas nos meios digitais com acesso à Internet.
Atualmente, em todo o mundo, enfrentamos o problema da fake news, que é um
conceito em inglês para designar notícia falsa. A fake news atinge todos os setores da
atividade humana, trazendo sempre algum dano real, como a consequência dos
boatos do movimento antivacina, que contribuíram para que doenças até então
erradicas no Brasil, como a febre amarela, voltassem à tona.
Fonte: Shutterstock.
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A fake news se aproveita da falta de entendimento do grande público sobre o que é
conhecimento e como avaliá-lo. Dessa forma, o indivíduo-alvo acaba não tendo o
fundamento e as ferramentas necessárias para identificar o quão real é a
informação recebida.
Ao decorrer do livro, você será capaz não apenas de entender os diversos tipos de
conhecimentos, mas também de identificar um tipo peculiar de crença psicológica
que finge ser científica, geralmente sustentando narrativas fantasiosas ou
sensacionalistas.
O resultado será a compreensão da atividade científica, da importância de sua
aplicação na vida cotidiana e do impacto que o falso conhecimento, elemento de
estrutura das fake news, provoca na sociedade contemporânea.
PRATICAR PARA APRENDER
Você já precisou procurar alguma informação para a realização de um trabalho? É
muito provável que sim. Qual o principal meio de busca para encontrar a resposta
que você precisa? Provavelmente, você responderá Google, Bing ou algum outro site
de pesquisas online. Diferentemente, nas gerações anteriores ao surgimento e
popularização da Internet, as buscas eram realizadas através de bibliotecas, livros,
sumarizações e enciclopédias. 
A Era da Informação trouxe uma enorme facilidade, no sentido de praticidade, do
encontro de informações. No entanto, com o excesso de informações, é possível que
não tenhamos acesso a algo verídico. Portanto, será necessário questionar: “As
primeiras respostas do Google realmente são o conhecimento mais coerente frente à
realidade?”
Com o advento do mundo contemporâneo, o indivíduo que tem um conhecimento
sólido em sua prática profissional é muito valorizado, mesmo sendo preciso que ele
esteja disponível para aprender e atualizar sua formação profissional, exigindo cada
vez mais uma busca por conhecimentos mais avançados em sua área de atuação.
Pensar cientificamente é uma ótima maneira para garantir uma progressão de
aprendizado, autocorreção e adaptação conforme a necessidade. Sendo assim, o
profissional cientificamente orientado pensará nos meios de maximizar sua
produtividade, levando em conta os impactos que o trabalho excessivo poderia
causar em seu estado de saúde e, ao mesmo tempo, proporcionando maior
capacidade de gestão na organização de tarefas em equipe.
Em uma sala de aula, quatro estudantes são desafiados pelo professor de Filosofia a
responderem a três questões, que são recorrentes ao longo da história da
humanidade. 
1. De onde viemos?
2. Para onde vamos após a morte?
3. Por que estamos aqui?
Cada aluno, em seu modus operandi, adota uma postura diferente em relação às
respostas. Um vê o mundo a partir do (A) conhecimento científico; outro, do (B)
religioso; o seguinte, do (C) filosófico e, por fim, o último, através do (D) senso
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comum. Diante dessa situação, a resposta de cada um é:
Aluno A: Tudo se iniciou no Big Bang, e através de um processo de evolução por meio
da seleção natural. Após a morte, nossa consciência não mais existe. Não há nenhum
propósito especial, com base no que conhecemos através da ciência.
Aluno B: Deus criou o Céu e a Terra tal qual está escrito na Bíblia. Para o paraíso ou
inferno. Para atender aos desígnios de Deus.
Aluno C: Qual é a origem do Universo? Qual é a melhor teoria científica? Podemos
advogar pela defesa do Big Bang? É necessário submeter ao escrutínio da filosofia
analítica a análise semântica das teorias científicas. Do mesmo modo, é necessário
clarificar o conceito de morte, olhando pelas implicações do conhecimento científico.
Essa pergunta traz problemas de ordem metafísica, portanto, é necessário analisar o
significado do conceito de propósito.
Aluno D: Depende do contexto. Um indiano, provavelmente, responderia com base
em suas crenças culturais regionais, manifestando explicações de caráter hinduísta.
Se fosse um japonês, provavelmente advogaria pelo zen budismo. Um brasileiro
responderia conforme as crenças compartilhadas de sua região, por exemplo,
existem regiões no Brasil onde há prevalência de mitos da origem da vida e do
universo que têm uma relação intrínseca com crenças religiosas africanas, enquanto
outras são fortemente influenciadas pelo catolicismo europeu. Nesse sentido, como
foi explicado no texto, o conhecimento popular absorve sempre aspectos de outros
conhecimentos quando incorporados fortemente pela cultura.
Nessa interação, percebemos que cada aluno apresenta sua perspectiva pessoal
frente às três grandes questões. Assim, recomenda-se instigá-los sobre as possíveis
consequências das adoções de certos tipos de conhecimento e crenças para os
desafios de sua vida diária e do mundo contemporâneo, tratando de fazê-los
responder qual o melhor tipo de conhecimento para uma situação específica e como
conciliá-lo com outros. Por exemplo, como a adoção de uma crença oriunda do
conhecimento religioso poderia impactar em questões de saúde individual e
coletiva? Qual consequência o conhecimento vulgar, aquele de senso comum, traria
para a sociedade ao enriquecer mais rapidamente do conhecimento científico? A
absorção do conhecimento científico, tanto no âmbito individual como coletivo, nos
tornaria melhores tomadores de decisão? Essas questões, consequentemente,
reforçariam a existência de diferentes tipos de conhecimentos no âmbito da vida
cotidiana e fomentariam o pensamento crítico dos alunos.
CONCEITO-CHAVE
DOXA, O CONHECIMENTO VULGAR DA SOCIEDADE
Desde Aristóteles, o conceito de conhecimento tem sido central no debate filosófico.
Inicialmente, conhecimento era tratado como um tipo de crença racional, verdadeira
e justificada. Crença, porque faria relação com um estado psicológico do sujeito;
racional, porque envolveria o exercício de nossas faculdades cognitivas; verdadeira,
porque faria alusão a objetos ou fenômenos da realidade; e, principalmente,
Saber muito não lhe torna inteligente. A inteligência se traduz na forma que você recolhe,
julga, maneja e, sobretudo, onde e como aplica esta informação.
— Carl Sagan, trecho do documentário Cosmos (1980).
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justificada, porque requereria um conjunto de enunciados estruturados logicamente.
Essa definição, porém, não dá conta dos diversos tipos de conhecimentos existentes,
alguns dos quais serão tratados ao longo do livro.
Para começar nossa jornada, vamos entender um pouco o conceito de conhecimento
vulgar,também chamado senso comum ou saber popular. Etimologicamente, refere-
se ao conceito aristotélico de doxa, ou simplesmente opinião.
O conhecimento vulgar trata-se de um conhecimento que não quer nenhum tipo de
exercício crítico, também não envolve nenhum tipo de verificação experimental.
Geralmente, ele é transmitido culturalmente, de gerações a gerações, muitas vezes
preservando mitos que eram aceitos em determinada época. Por exemplo, o mito de
que o chinelo virado com a sola para cima traz azar, ou a ideia de que um trevo de
quatro folhas traz sorte. No entanto, também é verdade que alguns ensinamentos
transmitidos pelo conhecimento vulgar possam ser verdadeiros, como a ideia de não
colocar a mão no fogo para não se queimar, ou mesmo não entrar em uma lagoa se
não souber nadar, porque é possível se afogar.
O conhecimento vulgar também pode se enriquecer do conhecimento científico,
especialmente quando este último se torna bastante popularizado ao ponto de seu
entendimento se tornar familiar por quase toda população. Por exemplo, a ideia de
que certos alimentos, como carnes, são mais bem preservados quando congelados,
evitando sua contaminação e exposição a microrganismos no ambiente aberto.
Apesar de estabelecer uma pequena relação com o conhecimento científico, o
conhecimento vulgar não é suficiente para explicar a realidade, exatamente por
preservar em seu núcleo ensinamentos que podem ser falsos ou simplesmente mitos.
CONHECIMENTO RELIGIOSO
O conhecimento religioso pode se enriquecer do conhecimento vulgar,
especialmente das tradições culturais e religiosas cultivadas ao longo do tempo. Por
exemplo, na preservação dos mitos gregos de que os deuses reinavam nos céus,
apropriada pelas religiões politeístas.
Esse tipo de conhecimento requer um elemento-chave para alcançá-lo, ao menos da
forma como defenderam diversos pensadores da Idade Média, que é a iluminação
religiosa como método para conhecer a verdade ou a Deus.
Essa iluminação religiosa seria como um sentimento de vislumbre por uma
paisagem maravilhosa, como relatou o cientista Francis Collins (apud SHERMER,
2012) em sua experiência pessoal. É como um sentimento de inspiração e
encantamento com algo notoriamente belo, diante do qual uma pessoa não encontra
palavras para expressar tal sensação. No entanto, essas experiências religiosas
podem ser despertadas mediante o uso de substâncias psicoativas, como
alucinógenos ou antidepressivos, ou podem ser vivenciadas igualmente por
qualquer pessoa que tenha apreço pela natureza, de modo que seu principal método
não caracteriza uma forma autêntica e racionalmente justificada para conhecer a
realidade. Por conta da subjetividade envolvida durante a iluminação religiosa, não
é possível demonstrar que a observação pessoal produziu cenas reais no cérebro
dessas pessoas.
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Outro método comumente cultivado na construção do conhecimento religioso é a
hermenêutica. A hermenêutica é um tipo de filosofia subjetivista, como defendeu o
cientista e filósofo argentino Mario Bunge, porque ela dependeria simplesmente da
interpretação do autor para trazer à luz dos escritos bíblicos a extração de um
suposto fato vivenciado em tempos remotos.
A hermenêutica é uma abordagem problemática, pois ela não exige a investigação
empírica da realidade, como a recolha de dados para contrastar fatos históricos bem
documentados com a interpretação pessoal do hermeneuta ou teólogo.
O hermeneuta e o teólogo são os responsáveis por construir esse tipo conhecimento,
embora o primeiro contemple uma atividade mais geral, podendo abarcar o uso da
hermenêutica para textos literários ou filosóficos. No entanto, como foi apontado
anteriormente, o simples fato de invocar a subjetividade do interpretador, ao invés
de fatos objetivos, lança um desafio na validade desse tipo de conhecimento.
O CONHECIMENTO FILOSÓFICO: EMPÍRICO E
RACIONALISTA
O conhecimento filosófico é amplo, abarcando diversos posicionamentos ao longo da
história da filosofia, especialmente o empírico e o racionalista. Esse tipo de
conhecimento também pode incluir o religioso, uma vez que a base de todo
conhecimento são os pressupostos filosóficos. Noções de verdade, intuição, dedução,
cognoscibilidade, crença, realidade, fenômeno, utilidade e outras são conceitos
filosóficos indispensáveis em qualquer tipo de conhecimento. O conhecimento
empírico pressupõe a cognoscibilidade dos fenômenos com base nas experiências
sensíveis do sujeito, enquanto o racional pressupõe que o conhecimento já é
derivado da mente do sujeito, independentemente de qualquer experiência
empírica.
David Hume e John Locke eram filósofos empiristas e, portanto, defendiam que a
fonte de conhecimento derivava dos dados sensíveis. René Descartes, por outro lado,
acreditava que o conhecimento eterno ou matemático poderia ser alcançado pelo
simples uso da razão, sem a necessidade de qualquer experiência empírica. Embora
seja verdade também que ele tenha defendido que uma junção de mais fatores era
condição necessária para alcançar verdades absolutas ou irrefutáveis, por via de seu
método cartesiano, que estabelecia, no mínimo, quatro condições, como evidência,
análise, ordem e enumeração, ele deduzia que todos esses princípios eram
alcançados mediante o uso da razão.
Embora Descartes tivesse defendido o papel da razão como principal responsável
pelo conhecimento absoluto, ele fez investigações empíricas durante toda sua vida,
especialmente nos campos da anatomia e da fisiologia, contribuindo para uma
descrição de partes do cérebro humano, como a glândula pineal, e especulando
sobre sua real função no organismo.
Houve também pensadores de grande importância da filosofia que tentaram unir os
dois tipos de conhecimentos, sendo o mais famoso o filósofo Immanuel Kant, que
lançou as bases de seu método racioempirista. Esse método consistia em tomar
elementos que ele considerava verdadeiros do empirismo e do racionalismo. Kant
apropriou-se do fenomenismo dos empiristas, em que a fonte de conhecimento se dá
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através dos fenômenos, e não da realidade em si. Kant acreditava que não
poderíamos conhecer nada além das aparências, de modo que todo o mundo estaria
subordinado a impressões ou dados sensíveis, tal como acredita Hume. Mais ainda,
Kant buscou resgatar o apriorismo do racionalismo, argumentando sobre a
plausibilidade de verdades independentes da experiência, que, segundo ele,
estariam ali, prontas na mente.
O racioempirismo kantiano levou a discussões calorosas no campo da filosofia e,
junto com outros pensadores, inspirou posições bem diferentes entre si na filosofia –
especialmente, a fenomenologia e o positivismo lógico.
O incômodo com a posição de Kant é que ele havia se apropriado de elementos
problemáticos de ambos os conhecimentos empírico e racionalista, não levando em
consideração a própria ciência da época na elaboração de sua filosofia. Os
astrônomos Galileu Galilei e Johannes Kepler, por exemplo, já investigavam a
realidade além dos fenômenos limitados a dados sensíveis. Galileu estendeu sua
percepção com um telescópio que ele havia aprimorado e descobriu três satélites de
Júpiter, enquanto Kepler havia calculado a trajetória das elipses planetárias usando
ferramentas matemáticas, hipóteses auxiliares e instrumentação de medidas. Isaac
Newton, um dos maiores nomes da revolução científica, estabeleceu leis científicas
que poderiam se aplicar a quaisquer objetos não diretamente observáveis, mas com
velocidades menores do que a da luz. Isso, porém, não foi suficiente para ruir a
possibilidade de unificação entre empirismo e racionalismo.
No século XX, o cientista e filósofo Mario Bunge procurou unificar o empirismo com
o racionalismo, resgatando o conceito de racioempirismo, mas se desvinculando das
posições kantianas notoriamente emblemáticas. Bunge uniu a experiência empírica
com a condição de exercê-la mediante uso crítico da razão comoforma de investigar
a realidade. Mais ainda, ele estabeleceu que seria necessária a unificação do
realismo com o cientificismo proclamado dos filósofos da ala radical do iluminismo
francês, sobretudo com Condorcet, para formular verdades mais profundas sobre o
mundo.
O realismo é a filosofia que advoga a existência de um mundo independente do
sujeito (realismo ontológico) e que ele pode ser conhecido (realismo epistemológico),
mesmo que indireta e parcialmente, enquanto o cientificismo é a posição segundo a
qual a ciência pode produzir o conhecimento mais profundo e verdadeiro da
realidade, em comparação com outras formas de conhecimentos, como o religioso
proveniente da iluminação religiosa ou mesmo do interpretacionismo hermenêutico.
Porém, diferente da concepção caricata difundida sobre o conceito de cientificismo,
ele não é uma posição preconceituosa e nem autorrefutável, mas uma atitude
esperada de qualquer pesquisador interessado em investigar a realidade e que
acredita que o progresso científico é possível e desejável. Mais ainda, o cientificismo
é um tipo de filosofia que enriquece a ciência, favorecendo a investigação científica,
em vez de focar a atenção exclusiva na contemplação excessiva de leituras sagradas
ou de ideias do próprio indivíduo, como faziam os filósofos irracionalistas e teólogos,
que negligenciaram séculos de progressos científicos. O cientificismo, hoje, está
entrelaçado com o realismo, dando origem à posição conhecida como realismo
científico.
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O realismo científico é a filosofia que admite que podemos tratar teorias científicas
como descrições ou representações verdadeiras do mundo, mesmo que sejam, por
vezes, incompletas. É a posição mais defendida dentro da filosofia da ciência, em
comparação com sua concorrente antirrealista. O antirrealismo, por sua vez, evita
fazer uso de afirmações ou teorias que não correspondam diretamente à observação
pura da realidade, desconsiderando o progresso contínuo provocado pela física de
partículas ao estudar acontecimentos ou elementos que são imperceptíveis
diretamente à nossa experiência sensível ou mesmo a teorização ou modelagem
matemática de fenômenos macrossociais que escapam da observação individual do
pesquisador sociológico.
Em resumo, o conhecimento filosófico é amplo, contemplando posições muitas vezes
compatíveis ou relacionáveis com a ciência, enquanto outras vezes apresentando um
tipo de conhecimento totalmente oposto ao científico. Sua característica mais
fundamental é o exercício de análise lógica dos enunciados e das teorias científicas,
geralmente realizadas por filósofos analíticos ou filósofos da ciência. Seu mérito
reside no fato de que ele alimenta tacitamente a ciência em um processo de feedback
positivo, proporcionando um vocabulário mais refinado para a ciência e, ao mesmo
tempo, alimentando seu repertório de problemas com os novos dados da
investigação científica.
ASSIMILE 
1. No mínimo, existem quatro tipos de conhecimentos, cada qual com sua
utilidade e aplicação no mundo real.
2. O conhecimento filosófico também tem uma relação de absorção com
outros tipos de conhecimentos, principalmente com o científico,
contribuindo para o fornecimento de um tratamento conceitual
adequado e o levantamento de problemas sobre a realidade.
3. Apenas o conhecimento científico possui um mecanismo de autocorreção
com o qual ajuda a ciência a se ajustar cada vez mais à realidade.
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO
O conhecimento científico é um tipo de conhecimento sui generis, ou seja, uma
classe de conhecimento único em sua forma. Esse tipo de conhecimento levou
séculos para que fosse desenvolvido e teve a participação de diversos filósofos ao
longo da história, especialmente o egípcio Ibn al-Haytham e o filósofo inglês Robert
Grosseteste, além de figuras notoriamente conhecidas como Francis Bacon, Galileu
Galilei e David Hume.
Haytham é considerado o primeiro cientista, porque aplicou métodos empíricos de
investigação para estudar a óptica, sobretudo os efeitos da luz. Grosseteste, por outro
lado, é uma figura comumente negligenciada em livros históricos, mesmo tendo
importância central no desenvolvimento das bases do método científico. Por outro
lado, a literatura vigente considera apenas as contribuições de Bacon, Galileu, Hume
e Descartes.
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Bacon advogava pela noção de conhecimento intuitivo, ou seja, a ideia de que, com
base em observações particulares, era possível realizar generalizações. Galileu, por
outro lado, é conhecido por realmente ter aplicado um método científico para a
investigação de objetos celestes, indo além do que os empiristas defendiam, ao usar
o raciocínio abstrato, a imaginação e a instrumentalização adequada para
ultrapassar suas experiências sensíveis. Hume, porém, limitava-se a propor um
método atrelado à percepção, de modo que se fôssemos levar ao pé da letra sua
posição, não seria possível algo como biologia molecular, cosmologia e
principalmente mecânica quântica, já que essas disciplinas transcendem a pura
percepção do investigador científico.
Descartes, no entanto, conciliou um aspecto importante que Hume também
defendia, o chamado ceticismo metodológico. O ceticismo metodológico é a posição
que nos permite duvidar de certas conjecturas ou hipóteses que não foram
submetidas à prova. Essa posição é basicamente uma dúvida razoável, nunca
absoluta, na falta de boas evidências. Em resumo, essa é a posição que norteia toda a
atividade científica ainda hoje.
Com base numa compreensão mais profunda da realidade, os filósofos do século XX
tentaram caracterizar de forma objetiva o conhecimento científico, buscando
delimitá-lo de outras formas de conhecimentos, sendo a figura mais importante
dessa atitude o filósofo austríaco Karl Popper.
REFLITA 
1. O que torna o conhecimento científico confiável?
2. Como o conhecimento filosófico pode contribuir com o conhecimento
científico?
3. De forma satisfatória, é possível estabelecer um critério de demarcação
entre ciência e pseudociência, indo além das concepções propostas no
século XX?
Karl Popper (2013) tentou propor um critério de demarcação entre ciência e não
ciência (onde se incluem artes, filosofia e pseudociência), com o objetivo também de
responder ao problema de Hume. Sua ideia era de que nenhuma observação é
suficiente para confirmar uma teoria, que bastaria um contraexemplo para
demonstrar sua falsidade. Analogamente ao exemplo mais tipicamente usado, o fato
de observar cisnes brancos em uma região não permite fazer uma generalização
apressada de que todos os cisnes são brancos, pois a observação de um cisne negro
refutaria a teoria. Então, Popper lançou a condição de que toda teoria, para ser
científica, deveria ser passível de falseabilidade ou falseacionismo, ainda mais
porque contribuiria para seu refinamento. A falseabilidade é a condição de que
teorias devem ter a capacidade de serem provadas falsas em alguma circunstância.
Popper argumentava que a confirmação trivial não assegurava uma boa teoria,
utilizando a psicanálise como exemplo de caso para mostrar que a observação do
analista geraria uma confirmação excessiva, embora não suficiente para avaliar seu
grau de verdade. Mais ainda, ele argumentou que a falta de condições de refutação
da teoria psicanalítica seria um elemento vital para sua fossilização, como o caso do
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inconsciente freudiano, que admite a existência de três instâncias psíquicas ou
entidades desencarnadas (id, ego e superego), mas que nunca é clarificado se são
conceitos meramente simbólicos ou objetos tão reais quanto axônios, neurônios,
sinapses e partículas.
Com seu critério de demarcação, Popper foi duramente criticado pelos filósofos
irracionalistas, sobretudo Thomas Kuhn e Paul Feyerabend. Kuhn (2017) defendeu
que existiam, no mínimo, duas ciências: a normal e a extraordinária. A normal é a
ciência acerca da qual existe minimamenteum consenso estabelecido entre a
comunidade científica. Em seguida, dentro da ciência normal, segundo Kuhn, ocorre
uma crise sem precedentes, ocasionada por uma nova descoberta, passando a existir
a dificuldade de estabelecimento de um consenso. Quando essa nova descoberta se
consolida, ocorre uma revolução científica, dando início à etapa de uma nova e
extraordinária ciência, rompendo com velhas concepções de mundo. Pense, por
exemplo, na revolução científica ocasionada pela emergência da teoria da
relatividade geral, que, embora seja sempre lembrada como fruto do trabalho de
Albert Einstein, também teve a contribuição de outros grandes nomes da física, como
Henri Poincaré. A relatividade provocou uma reação de incerteza na comunidade
científica por conta de sua aceitação total ao longo de anos e das limitações físicas
agora evidentes das teorias newtonianas para o estudo de objetos de grande massa.
Isso, porém, não significa que a relatividade geral demoliu a física de Newton. Isso
também não sustenta a defesa de Kuhn de que não existe algo como progresso
científico. A teoria da relatividade e o uso da mecânica de Newton têm permanecido
de pé ainda hoje, sendo a última responsável pela possibilidade de envio de foguetes
ao Espaço.
Feyerabend (2011), por outro lado, foi ainda mais radical e sentenciou que não existe
algo como método científico e que, na ciência, “tudo vale”, de modo que não
existiriam regras para serem seguidas, a ponto de, segundo ele, os cientistas diversos
romperem com os protocolos de investigação para formularem suas ideias.
Feyerabend foi seduzido por essa visão por conta de sua descrença na medicina
científica e a suposta experiência de cura por uma curandeira, o que o levou a
relativizar o status epistemológico da medicina em seus trabalhos. Sua posição ficou
conhecida como anarquismo epistemológico. Embora essa seja a visão que mais
prevalece na academia, ela é falsa, porque ignora que não existe ciência sem método
científico (ou seja, sem regras minimamente estabelecidas e/ou procedimentos
experimentais de investigação, principalmente de acordo com os princípios da
pesquisa bioética) e, principalmente, sem ethos (ou código de conduta) tacitamente
aceito pela comunidade científica. Uma ciência sem método não seria capaz de
investigar a realidade em todos os seus níveis, também não seria capaz de progredir
ao longo dos anos e, mais importante, sem ethos tanto a verdade como a mentira
teriam pesos igualmente válidos dentro da comunidade científica.
O ethos da ciência foi primeiramente clarificado pelo sociólogo da ciência Robert K.
Merton (1968). Ao investigar a comunidade científica, ele identificou alguns
princípios que norteavam a pesquisa científica, sendo eles: comunismo epistêmico,
universalismo, desinteresse, ceticismo coletivo e originalidade.
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O comunismo epistêmico enfatiza que o conhecimento científico é propriedade de
todos, portanto, ele deve ser sempre acessível; o universalismo advoga que todos os
cientistas, independente de sua etnia ou localização geográfica, podem contribuir
com a ciência; o desinteresse destaca que os cientistas devem agir conforme a
comunidade, de acordo com os interesses coletivos, sempre acima dos interesses
pessoais; o ceticismo coletivo determina que as reivindicações científicas devem ser
submetidas à análise crítica da comunidade; e, finalmente, a originalidade diz
respeito à ideia de que as demandas científicas devem contribuir com a novidade,
seja na formulação de novos problemas, dados ou teorias. A suspensão do ethos leva
ao florescimento da pseudociência.
O conceito de pseudociência, de antemão, exige uma compreensão do que é a
ciência. No entanto, nenhum filósofo havia sido capaz de conceituar a ciência de
forma adequada, deixando sempre espaço para que reivindicações não científicas se
passassem como ciência. O filósofo Mario Bunge (2010) mostrou que a concepção
popperiana de ciência deixava espaço para que reivindicações parapsicológicas
fossem tratadas como ciência, simplesmente porque satisfaziam o critério de
falseabilidade. Porém, como Bunge enfatizou, o que torna um campo científico não é
sua condição de falseabilidade, mas uma série de princípios, entre os quais estão
incluídos um fundo de conhecimento, uma base formal, uma epistemologia realista,
uma ontologia materialista, um ambiente livre de pesquisa e, principalmente, a
prática de um ethos entre membros da comunidade científica. Nesse sentido,
Bunge (2014) define a ciência como um sistema de ideias caracterizados como um
conhecimento sistemático, racional, exato, verificável e, portanto, falível, sendo uma
representação conceitual do mundo. Além disso, quando um campo falha em
satisfazer a maior parte dos princípios de cientificidade, ele pode ser considerado
pseudocientífico.
A pseudociência, consequentemente, pode ser conceituada de forma oposta à
ciência, como sendo um sistema de crenças subjetivas, irracionalistas ou puramente
intuicionistas, inexata, inverificável e, portanto, dogmática, pois ela não submete à
prova suas crenças, não exige uma linguagem clara, precisa e objetiva, nem um
vocabulário articulado de ideias inter-relacionadas, e, quando se mostra falha, como
na hipótese da existência do inconsciente freudiano da psicanálise ou das ondas psi
da parapsicologia, ela permanece estagnada no tempo, não atualizando suas crenças
à luz de novas evidências.
Em resumo, o conhecimento científico é um tipo especial de conhecimento, que
possui em seu aspecto central a revisão constante de hipóteses e teorias científicas,
sempre submetendo à prova conjecturas e, mais ainda, proporcionando a melhor
representação da realidade em todos os seus níveis (físico, químico, biológico,
psicológico, social, artificial, etc.). Por ser um tipo de conhecimento antidogmático
por princípio, ele não deve ser confundido com a pseudociência, em que, em sua
característica mais essencial, o livre debate de ideias é substituído pelo culto à
autoridade e pela salvação contínua de crenças falsas, por conta do sentimento de
incerteza provocado pelo mal entendimento da ciência.
EXEMPLIFICANDO 
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1. O conhecimento vulgar (ou senso comum) absorve todos os tipos de
conhecimentos ao longo dos anos. No entanto, ele pode conservar em seu
núcleo crenças falsas sobre a realidade. Por sua vez, o conhecimento
religioso possui, ao menos, duas abordagens principais, como a que é
baseada na iluminação religiosa e a interpretacionista, advogada por
teólogos ou hermeneutas. De forma semelhante ao conhecimento vulgar,
esse tipo de conhecimento pode manter ideias falsas em seu núcleo,
sobretudo por focar sua abordagem mais no indivíduo subjetivo do que
na investigação da realidade externa.
2. O conhecimento filosófico é amplo em sua forma, sendo difícil delimitá-
lo. Por essa razão, ele pode ser desenvolvido em uma relação de
dependência do conhecimento científico, como também é possível fazê-lo
de forma independente. No entanto, sua característica mais fundamental
tem sido a clarificação dos conceitos utilizados em diversos tipos de
conhecimentos. Além disso, ele é um tipo de conhecimento que permite
fazer certas generalizações sobre a realidade. Por exemplo: todos os
objetos existentes são materiais; todos os objetos reais possuem
propriedades físicas, como energia; a realidade é um grande sistema
emergente e material; as leis da natureza revelam a impossibilidade da
existência de entidades desencarnadas, como almas, espíritos,
inconsciente freudiano ou cérebros dualísticos.
3. O conhecimento científico é único em sua forma. É o tipo de
conhecimento que produz o entendimento mais profundo e verdadeiro
sobre a realidade, indo além das percepções empiristas, a partir do
momento que destaca o importante papel da teorização e modelagem
para representar a realidade com base nas evidências. Sua característica
mais fundamental é o mecanismo de autocorreção,que permite corrigir
imprecisões e, então, refinar cada vez mais as explicações sobre o mundo.
Por sua natureza particular, é um conhecimento antidogmático por
princípio.
No decorrer do livro, foram exemplificados os diversos tipos de conhecimentos
existentes, bem como os desafios que cada um deles enfrenta. Também foi explicado
como diferentes tipos de conhecimentos podem ser relacionados com outros, como
na relação recíproca entre o conhecimento filosófico e o científico, em que um
enriquece o outro, proporcionando um aumento gradual do conhecimento na esfera
da atividade humana. Dessa forma, espera-se que, com base nessa introdução, você
tenha a capacidade de distinguir os diversos tipos de conhecimentos, bem como de
procurar aprofundar seu conhecimento ao longo dos anos.
FAÇA VALER A PENA
Questão 1
A falseabilidade é o princípio filosófico no qual uma teoria, para ser considerada
científica, deve ser capaz de realizar predições que sejam possíveis de serem
provadas falsas em alguma circunstância. Um exemplo bastante difundido para
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expressar a ideia é a observação de um grupo de cisnes brancos não ser suficiente
para afirmar que todos os cisnes são brancos, já que a observação de um cisne negro
refutaria a afirmação.
Qual o primeiro filósofo a propor a falseabilidade como um critério de demarcação
para a ciência?
a. David Hume.
b. Karl Popper.
c. Francis Bacon.
d. René Descartes.
e. Robert Grosseteste.
Questão 2
O ethos da ciência é o conjunto de princípios éticos coletivos que norteia a
comunidade científica. Esses princípios foram percebidos, pela primeira vez, pelo
sociólogo da ciência Robert K. Merton, que destacou seus aspectos principais.
Quais princípios formam o ethos da ciência?
a. Autoritarismo - universalismo - niilismo - desinteresse - originalidade.
b. Comunismo - universalismo - ceticismo - desinteresse - originalidade.
c. Socialismo - relativismo - ceticismo - interesse - familiaridade.
d. Dogmatismo - irracionalismo - individualismo - interesse - falsidade.
e. Comunismo - absolutismo - ceticismo - desinteresse - originalidade. 
Questão 3
A pseudociência é conhecida por conta de sua marginalidade frente ao
conhecimento científico do momento, de modo que ela não segue nenhum critério
objetivo de investigação e nem sequer cultiva uma comunidade crítica para a análise
de suas ideias.
Quais são as características fundamentais da pseudociência?
a. Originalidade, ceticismo, racionalismo e claridade conceitual.
b.  Falsidade, dogmatismo, relativismo e claridade conceitual.
c.  Originalidade, ceticismo, racionalismo e obscurantismo.
d. Falsidade, subjetivismo, dogmatismo e obscurantismo.
e.  Falsidade, obscurantismo, ceticismo e claridade conceitual.  
REFERÊNCIAS
BUNGE, M. Caçando a Realidade: a luta pelo realismo. Tradução de Gita K.
Guinsburg. [S.l.]: Editora Perspectiva, 2010. 
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