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UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL FUESPI – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA LITERATURA INFANTOJUVENIL Maria do Rosário de Fátima Alencar Albuquerque Maria do Socorro Rios Magalhães Paula Fabrisia Fontinele de Sá FUESPI 2013 Ficha elaborada pelo Serviço de Catalogação da Biblioteca Central da UESPI Aureste de Sousa Lima (Bibliotecário) CRB-3/1215 Albuquerque, Maria do Rosário de Fátima Alencar. Literatura infantojuvenil / Maria do Rosário de Fátima Alencar Albuquerque ; Maria do Socorro Rios Magalhães ; Paula Fabrisia Fontinele de Sá . – Teresina : FUESPI, 2013. 124 p. ISBN 978-85-8320-007-9 Material de apoio pedagógico ao Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia do Núcleo de Educação a Distância da Universidade Estadual do Piauí – NEAD / UESPI, 2013. 1. Educação infantojuvenil - Literatura. 2. Leitor infantojuvenil. 3. Literatura infantojuvenil – Escola. I. Magalhães, Maria do So- corro Rios. II. Sá, Paula Fabrisia Fontinele de. III. Título. CDD: 028.5 A3457l Presidente da República Dilma Vana Rousseff Vice-presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação a Distância CAPES/MEC Celso José da Costa Governador do Piauí Wilson Nunes Martins Secretário Estadual de Educação e Cultura do Piauí Átila de Freitas Lira Reitor da FUESPI – Fundação Universidade Estadual do Piauí Carlos Alberto Pereira da Silva Vice-reitor da FUESPI Nouga Cardoso Batista Pró-reitor de Ensino de Graduação – PREG Francisco Soares Santos Filho Coordenadora da UAB-FUESPI Márcia Percília Moura Parente Coordenador Adjunto da UAB-FUESPI Raimundo Isídio de Sousa Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação – PROP Geraldo Eduardo da Luz Júnior Pró-reitor de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX Marcelo de Sousa Neto Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD Benedito Ribeiro da Graça Neto Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN Raimundo da Paz Sobrinho Coordenadora do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – EAD wUmbelina Saraiva Alves Edição UAB - FNDE - CAPES FUESPI/NEAD Diretora do NEAD Márcia Percília Moura Parente Diretor Adjunto Raimundo Isídio de Sousa Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia Umbelina Saraiva Alves Coordenador de Tutoria José da Cruz Bispo de Miranda Coordenadora de Produção de Material Didático Cândida Helena de Alencar Andrade Autores do Livro Maria do Rosário de Fátima A. Albuquerque Maria do Socorro Rios Magalhães Paula Fabrisia Fontinele de Sá Revisão Elio Ferreira de Souza Teresinha de Jesus Ferreira Diagramação Anísia Paula Araújo Marques Capa Luiz Paulo de Araújo Freitas MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/FUESPI UAB/FUESPI/NEAD Campus Poeta Torquato Neto (Pirajá), NEAD, Rua João Cabral, 2231, bairro Pirajá, Teresina (PI). CEP: 64002-150, Telefones: (86) 3213-5471 / 3213-1182 Web: ead.uespi.br E-mail:eaduespi@hotmail.com SUMÁRIO UNIDADE 1 A LITERATURA INFANTOJUVENIL 1 Conceito e origem histórica ......................................................................9 1.1 Conto de fadas: fantasia e realidade ...................................................15 1.2 Adaptação na literatura infantojuvenil .................................................27 UNIDADE 2 A LITERATURA INFANTOJUVENIL BRASILEIRA 2 Os precursores ......................................................................................39 2.1 Figueiredo Pimentel ............................................................................39 2.2 Carlos Jansen .....................................................................................40 2.3 Monteiro Lobato e a fundação da literatura infantojuvenil brasileira ...41 2.4 Literatura infantojuvenil contemporânea ............................................46 UNIDADE 3 MANIFESTAÇÕES FOLCLÓRICAS E A PRODUÇÃO POÉTICA PARA CRIANÇAS E JOVENS 3 A poesia e o leitor infantojuvenil ............................................................59 UNIDADE 4 A LITERATURA INFANTOJUVENIL NA ESCOLA 4 Literatura e leitura na escola .................................................................85 4.1 A literatura infantojuvenil no processo de alfabetização: implicações político-pedagógicas..................................................................................95 Referências .............................................................................................114 FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 7 UNIDADE 1 A LITERATURA INFANTOJUVENIL OBJETIVOS • Conhecer os pressupostos teóricos que formam a literatura infantojuvenil.. • Discutir o conto de fadas como um gênero típico dessa literatura. • Apresentar o processo de adaptação literária que formou/forma a literatura infantojuvenil. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 9 1 Conceito e origem histórica O aparecimento de uma literatura para crianças e jovens se deu em meados do século XVIII, quando, aliado à ascensão da burguesia, começa-se a pensar o conceito de “infância” e, por consequência, o de criança. A infância foi separada, ao longo dos tempos, da idade adulta, tornando-se um momento diferenciado que precisa de formação e atenção especíicas. Assim, veremos que, por meio do estudo da formação de uma literatura infantojuvenil, somos capazes de perceber as transformações que acontecem em cada tempo. O gênero literatura infantil/infantojuvenil tem sua origem determinável cronologicamente, haja vista que o seu surgimento se deu devido a exigências de uma determinada época. Desse modo, ao tentar particularizar seu conceito, mostra-se imprescindível recorrer à sua história. Sobre isso, Coelho (1984, p. 10) que cada época compreendeu e produziu literatura a seu modo. Conhecer esse “modo” é, sem dúvida, conhecer a singularidade de cada momento da longa marcha da humanidade, em sua constante evolução. Conhecer a literatura que cada época destinou às suas crianças é conhecer os Ideais e Valores ou Desvalores sobre os quais cada sociedade se fundamentou (e fundamenta...). A literatura infantojuvenil encontra-se ligada a valores presentes na história. É de conhecimento comum que o século XVIII impulsionou o gênero quando muitas mudanças na sociedade provocaram efeitos no âmbito da arte. Entretanto, veremos que as transformações ocorridas no ocidente, desde o século XVII, irmaram o lugar para o nascimento de uma literatura para leitores infantis e juvenis. A sociedade europeia, até meados do século XVIII, era organizada por um sistema de linhagens: havia uma supremacia da classe aristocrática que ampliava seus domínios por intermédio de vínculos familiares. Desse modo, o casamento, a família, era entendido como um negócio, sem relações afetivas, ou mesmo, sem as noções de privacidade e vontade individual, logo a organização familiar existia, sobretudo, para garantir que Literatura Infantojuvenil 10 os bens fossem passados por herança. Alguns estudiosos, como Philippe Ariès (1981), destacam que nas sociedades antigas, antes do século XIII, a airmação do sentimento de infância era supericial, podendo-se considerar que não existia. Para Ariès (1981, p. 156), a airmação de que o sentimento de infância não existia não signiica dizer que as crianças eram negligenciadas ou desprezadas. O autor entende que não existia, até meados do século XII, uma “consciência da particularidade infantil”, aquela que distingue a criança do adulto. Segundo o autor citado, essa descoberta mostrou seus indícios em meados do século XIII e está evoluindoao longo da história. A criança, por muito tempo, foi considerada um ser humano à parte, pensada somente como um adulto de tamanho reduzido. Por consequência, essa criança não era objeto de atenção e recebia pouca atenção. Ariès (1981) informa que, na França, no im da Idade Média, a palavra enfant (criança) tinha um sentido amplo: designava tanto o bebê quanto o adolescente. Nos séculos XIV e XV, conforme o autor citado (1981, p. 41), criança era sinônimo de palavras como valets, valeton, garçon, que eram também termos do vocabulário das relações feudais ou senhoriais. Nesse momento, ainda de acordo com o historiador francês (1981, p. 42), estabelecia- se a noção de dependência à ideia de infância. Nessa perspectiva, a criança era educada e preparada para o mundo por meio do convívio com os adultos, ela aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-las. Os estudos mostram que no século XVII aconteceram algumas mudanças. Nesse momento, o sistema feudal foi abolido e a sociedade começou a se concentrar na família, logo, o poder centralizador associou- Retrato de Margarita Teresa de Áustria (1655), de Diego Velázquez. Disponível em: htp://commons.wikimedia. org/wiki/File:Diego_ Vel%C3%A1zquez_029. jpg?uselang=pt-br htp:// pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Las_Meninas,_by_ Diego_Vel%C3%A1zquez,_from_ Prado_in_Google_Earth.jpg FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 11 se à camada burguesa capitalista que valorizava o individualismo, a privacidade e o afeto entre pais e ilhos. Nesse contexto, a criança começou a assumir um novo papel social. Nessa época, a descoberta da infância mostrou ares de desenvolvimento, a família passou a se organizar em torno da criança, dando importância aos seus estudos e cuidados: “Um novo sentimento da infância havia surgido, em que a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de relaxamento para o adulto, um sentimento que poderíamos chamar de ‘paparicação’” (ARIÈS, 1981, p. 158). As novas relações familiares estabeleceram novos comportamentos. É então que, de acordo com Peres (1999, p. 25), dois aspectos se destacaram: a inocência da criança devia ser resguardada e a ignorância abolida. Essa mudança no modo de conceber a criança motivou o surgimento de brinquedos, livros, bem como novos rumos da ciência, como a psicologia infantil, a pediatria, a pedagogia, direcionados à infância. Segundo Zilberman (2003, p. 37), são datados do inal do sec. XVII os primeiros tratados de pedagogia que pretendiam orientar essa nova maneira de se entender a criança. Imediatamente a noção de escola também foi reorganizada, tornando-se mediadora entre a criança e o mundo, portanto, a escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles. A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio (ARIÈS, 1981, p. 11). Para auxiliar na formação da criança, o texto literário infantojuvenil apareceu como um instrumento para a pedagogia atingir seus objetivos, dado que “o aparecimento e a expansão da literatura infantil deveram-se antes de tudo à sua associação com a pedagogia, já que aquela foi acionada para converter-se em instrumento desta” (ZILBERMAN, 2003, p. 34). Servindo de Literatura Infantojuvenil 12 instrumento, o texto literário para crianças e jovens precisou, em princípio, cumprir algumas prerrogativas pedagógicas, como: deter-se em narrativas fantásticas, uma vez que estas atraíam os leitores, e explicar a vida, de modo a ensinar valores e costumes que deveriam ser imitados. Em sua origem, a literatura infantojuvenil resultou de versões de narrações populares como lendas, mitos, costumes e folclore. Tratava-se de narrativas fantásticas e didáticas, capazes de atrair a atenção dos ouvintes/leitores por meio de rastros de fantasia que causavam prazer e, ao mesmo tempo, tentavam explicar a vida com o objetivo de passar valores a serem respeitados e seguidos por uma comunidade. Os textos destinados à infância podem ter surgido a partir do século XVII, mas foi o século XVIII que presenciou a passagem completa da literatura infantojuvenil para o centro das discussões. Nesse século, a literatura para crianças e jovens propagou o hábito da leitura considerado, de acordo com Zilberman (2003, p. 54), como uma das metas prioritárias do ensino e da arte literária. Como resultado, viu-se a expansão do mercado editorial, a ascensão da rede escolar, o crescimento das camadas alfabetizadas e a veiculação de normas de percepção estética necessárias à composição de um texto literário para leitores infantis e juvenis. Nesse sentido, surgiram, desde então, muitas interrogações e possibilidades para o conceito de literatura infantojuvenil. Vimos que os limites do gênero encontram-se ligados a fatores do seu nascimento e, em virtude disso, Lajolo & Zilberman (1988, p.18) expõem que, a im de tornar patente sua utilidade, a icção para crianças e jovens assumiu uma postura nitidamente pedagógica. Logo, por se associar à pedagogia, tal gênero foi desacreditado como arte. Entretanto, aos poucos, como nos mostra Zilberman (2003, p.57), essa literatura se afasta dessa inclinação Ilustração de Gustave Doré para primeira capa dos Contos da mamãe gansa, de Charles Perrault, Disponível em: htp://commons. wikimedia.org/wiki/File:Perrault1.jpg FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 13 pedagógica no intento de se realizar de maneira artística e autônoma. Isso posto, Meireles (1984) airmará que literatura infantil/ infantojuvenil é, primeiramente, literatura. Como literatura trata-se, portanto, de textos que enriquecem de maneira imaginária a vida, nos quais os seres vivos se reconhecem e dialogam. Logo, são narrativas em que o conhecimento é humanizado por romper as fronteiras de tempo e espaço. Nesse sentido, podemos considerar que a literatura infantojuvenil tem a mesma natureza daqueles textos destinados aos adultos, o que a diferencia é o seu leitor/receptor que agora é a criança e o jovem. Nessa perspectiva, literatura infantil/ infantojuvenil, de acordo com Meireles (1984, p. 20), será o que as crianças leitoras/receptoras determinarem com a sua preferência, o seu gosto: “costuma-se classiicar como literatura infantil o que para elas se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim classiicar o que elas lêem com utilidade e prazer”. Entretanto, sabemos que muitos livros manifestadores da preferência das crianças não possuem atributos literários, apenas artifícios, como capas coloridas, títulos e gravuras empolgantes etc., capazes de atrair o leitor infantil e juvenil. Apesar dessas observações, Meireles (1984, p. 31) assegura que só caracteriza uma preferência ou provação o livro capaz de inluenciar a criança de tal maneira que esta “ique carregando para sempre, através da vida, essa paisagem, essa música, esse descobrimento, essa comunicação ... Só nesses termos interessa falar de literatura infantil”. Nesse referencial, Zilberman (2003, p. 46) entende que a literatura infantojuvenil: “se compromete com o interesse da criança, transforma-se num meio de acesso ao real, na medida em que facilita a ordenação de experiências existenciais, pelo conhecimento de histórias, e a expansão de seu domínio linguístico”. Para a pesquisadora (2003, p. 45), a criança, por razões sociais e existenciais, se vê privada de um meio interior para experimentação do mundo, assim sendo, a literatura infantojuvenil torna-se Literatura Infantojuvenil 14 um auxiliar externo capaz de ajudar na compreensão do real. Dessa maneira, a estudiosa consideraque tais peculiaridades estruturais, como a história e a linguagem, contrariam o caráter puramente pedagógico atribuído inicialmente à literatura infantojuvenil, pois, além de transmitir ensinamentos, o texto literário infantojuvenil tenciona conceder ao leitor um alargamento do seu universo de compreensão, bem como da sua linguagem, devido ao seu caráter iccional e estético. Vemos, nessa discussão, que a literatura infantojuvenil, desde sua origem histórica, evidencia uma preocupação do adulto com a criança. Assim sendo, Zilberman (2003, p. 140) vai sustentar que o autor de literatura infantojuvenil, geralmente adulto, precisa encontrar, no processo de criação, uma simetria com o universo do leitor (criança), de modo a se afastar de um texto monológico e autoritário. Na tentativa de demarcar as singularidades do gênero, compreendemos que os elementos que compõem uma obra de literatura infantojuvenil devem ajustar-se à competência de leitura que o leitor, seja criança, seja jovem, já alcançou. O livro destinado à criança e ao jovem pode e deve combinar diversos temas e assuntos, é preciso, apenas, que o autor respeite a capacidade de compreensão e o ritmo do leitor. Assim, como ressalta Cademartori (2010, p. 16), é necessário que o autor escolha uma forma de comunicação, antecipando, para si, a faixa etária do possível A literatura infantojuvenil, informa Cademartori (2010, p.25), apresentou em sua tradição, devido à pedagogia, um discurso monológico que, usando a persuasão, não proporcionava questionamentos, choques de realidades, tudo se reduzia na voz única do narrador. Sendo assim, a ligação entre o narrador e o leitor é considerada, segundo a autora referida, um grande desaio que vem modiicando o próprio estatuto literário do texto para criança e jovens. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 15 leitor, respeitando seus interesses e potencialidades. A emergência de uma literatura infantojuvenil é, como vimos, recente. O exposto evidencia que a história dessa literatura coincidiu precisamente com a evolução do sentimento de infância, bem como com a evolução social, cultural e histórica da percepção que temos dos adultos e das crianças. Assim, a literatura infantojuvenil apresenta-se, por conseguinte, como um sintoma de uma necessidade sócio-histórica. Em suma, tentar deinir um gênero literário parece ser o mesmo que supor que há uma unidade entre uma pluralidade de textos. Percebemos, no caso da literatura infantojuvenil, que a identidade desse gênero está sendo construída. A partir dessas primeiras observações, entendemos que uma relação entre literatura e criança vem sendo efetivada, mas a concepção de criança que acompanha o desenvolvimento da literatura infantojuvenil ainda revela-se ambígua, e esta ambiguidade é exportada para o gênero. A história dessa literatura postula que a maneira de se pensar a criança tem progredido, sendo a criança, aos poucos, observada e reconhecida. Entretanto, vale lembrar que as bases do gênero são postuladas por adultos e são eles os produtores e editores dos pressupostos que determinam as “necessidades e desejos” das crianças leitoras. 1.1 Conto de fadas: fantasia e realidade O conto apresenta-se como uma das primeiras formas literárias usadas para alcançar a criança, mesmo sua origem não sendo infantil, tampouco literária. Acreditamos que isso se dá, primeiramente, por se tratar de um formato narrativo simples e conciso, capaz de ser retido pela memória, fazendo com que suas histórias sejam contadas e recontadas. Um segundo aspecto estaria relacionado ao fato de os contos serem originários da tradição oral e as narrativas orais, conforme Benjamin (1996, p. 200), apresentam “sempre em si, às vezes de forma latente, uma dimensão utilitária”, característica, já no princípio, adotada pela literatura infantojuvenil. Desde o inal do século XVII, o conto popular mereceu atenção daqueles que se propunham a estudar as manifestações folclóricas. O termo, Literatura Infantojuvenil 16 conto popular, foi usado para designar as narrativas produzidas a partir de mitos, fábulas e lendas. Essas narrativas estão presentes na produção literária de diferentes povos e culturas, por isso, o conto é considerado uma das formas mais importantes da literatura. De acordo com Coelho (1984, p.124), o registro mítico-literário airma os primeiros contos de fadas teriam surgido entre os celtas, e estes nos trouxeram o maravilhoso, a fantasia, a imaginação e o encantamento que caracterizaram as novelas de cavalaria do ciclo bretão (conjunto de lendas e obras literárias referentes ao rei Artur e seus cavaleiros). Com o tempo, tais histórias se difundiram no meio popular e entre as crianças, que foram seduzidas pelo seu poder mágico. Essas histórias deram, portanto, existência ao que chamamos de contos de fadas. Os primeiros contos escritos, de acordo com Jesualdo (1993, p.113), não foram precisamente míticos e maravilhosos, mas sim pequenas anedotas sobre indivíduos isolados. Tais anedotas têm a origem de seus enredos “nos costumes do povo, em sua vida cotidiana” (PROPP, 2010, p. 241). Coelho (1984, p. 122) airma que tais contos nasceram para dar prazer aos adultos e, com o tempo, eles se transformaram em literatura infantojuvenil. Atualmente, a expressão contos de fadas é usada, principalmente, para se referir aos contos escritos por Charles Perrault, pelos irmãos Grimm e Hans C. Andersen, autores que se tornaram consagrados e representativos desse gênero. O termo surgiu na França do século XVII, a partir da publicação de algumas autoras daquela época, porém, para Jolles (S.D., p.181), o conto só se estabeleceu verdadeiramente no sentido de forma literária no momento em que os irmãos Grimm deram a uma coletânea de narrativas o título de Contos para Crianças e Famílias1 (1812). 1 Kinder-und Hausmärchen SAIBA MAIS! Celtas: povos indo- europeus da Antiguidade que, no segundo e primeiro milênios antes de Cristo, habitavam um território que ia desde a Turquia central até as ilhas Britânicas. (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, 2009 FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 17 Para o autor referido, foi a coletânea dos irmãos Grimm que estabeleceu um conceito uniicado, uma vez que, antes deles, a palavra era empregada em diversos contextos, em que cada autor atribuía uma ideia particular. Assim, segundo Jolles, para saber o que é a forma literária conto basta ler as narrativas reunidas pelos irmãos Grimm. Ao iniciar suas explicações sobre o aparecimento do conto na literatura ocidental, Jolles contrapõe o conto à novela. Conforme o estudioso, a partir do século XIV, aparece na Europa uma forma de narrativa curta, à qual se dá o nome novela. Essa forma artística, no dizer de Jolles, teve sua origem na Toscana e se apresentou, pela primeira vez, em Bocaccio, como seu Decameron. É, geralmente, escrita na língua própria de cada país, o vernáculo, e “procura, de modo geral, contar um fato ou um incidente impressionante de maneira tal que se tenha a impressão dum acontecimento efetivo e, mais exatamente, a impressão de que esse incidente é mais importante que as personagens que o vivem” (JOLLES, S.D., p.189). O autor citado acrescenta que as novelas toscanas sofreram modiicações que resultaram em outras formas artísticas: como as narrativas que de maneira nenhuma nos dão a impressão de um acontecimento Edição de 1812 de Kinder-und Hausmärchen Disponível em: htp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kinder-_ und_Hausm%C3%A4rchen_Titel_2te_Ausgabe_Band_1. jpg?uselang=pt-br Literatura Infantojuvenil 18 efetivo. Nesse sentido, consoante Jolles (S.D., p.192), o conto diz respeito a uma forma literária que salta de incidente em incidente para descrever todo um acontecimento que não se encerra em si mesmo de maneira determinada, o que só ocorreno remate inal ou desfecho da narrativa; em segundo lugar, tampouco se empenha mais em representar tal acontecimento de modo a dar-nos a impressão de um acontecimento real, preferindo trabalhar constantemente no plano do maravilhoso (JOLLES, S.D., p.192). A novela toscana caiu em desuso dando espaço para a forma conto, que se ligou à novela em alguns aspectos, porém, mostrou suas particularidades, entre elas, a ausência de compromisso com o evento real. O Conto opõe-se ao universo da “realidade”. Entretanto, esse universo da realidade não é aquele onde se reconhece nas coisas um valor essencial universalmente válido; é, antes, o universo em que o acontecimento contraria as exigências da moral ingênua, o universo que experimentamos ingenuamente como moral. Pode-se dizer que a disposição mental do Conto exerce aí a sua função em dois sentidos: por uma parte, toma e compreende o universo como uma realidade que ela recusa e que não corresponde à sua ética do acontecimento; por outra parte, propõe e adota um outro universo que satisfaz a todas as exigências da moral ingênua (JOLLES, S.D., p.200). Jolles entende que nos contos os acontecimentos obedecem a uma ordem que satisfaz às exigências de uma moral ingênua, aquela que determina, segundo seu juízo sentimental, que algo é “bom” e “justo”, se opondo ao trágico da vida “real”. Uma vez que o conto apresenta-se em oposição ao acontecimento real, ainda conforme Jolles (S.D., p. 204), seu universo próprio está separado do da realidade. Assim sendo, mesmo quando os autores tiram personagens e/ou objetos, cenários etc. da realidade, nos contos eles encontram-se impregnados de maravilhoso e ajustados às necessidades da moral ingênua - aquele ensinamento moral que está sendo transmitido. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 19 Nesse universo, “sevícias, desprezo, pecado, arbitrariedades, todas essas coisas só aparecem no Conto para que possam ser, pouco a pouco, deinitivamente eliminadas e para que haja um desfecho em concordância com a moral ingênua” (JOLLES, S.D., p. 201). Esses elementos servem para reforçar a tese de Jolles de que o conto possui uma forma simples, pois permanece através dos tempos sem perder o seu formato. O autor ressalta que o conto pode ser contado por diversos narradores – que utilizam suas próprias palavras – sem que a sua forma simples desapareça. Nessa perspectiva, o conto conserva um caráter simples, luido, que se quer distante do mundo “real”. Como forma literária, alguns estudos airmam haver uma estrutura comum aos contos, ocasionada por meio da invariabilidade do esquema narrativo. O russo Vladimir Propp é o principal representante dessa corrente. Propp (2010, p.7) considera que estudar de imediato a dimensão dos contos é um assunto complexo, dessa maneira, o autor propõe um estudo por meio da sua tipologia e forma. Estudando um considerável número de contos tradicionais russos, Propp (2010) apresenta uma “morfologia do conto maravilhoso”, descrevendo as partes que o constituem e suas relações. O autor identiica unidades narrativas e retira delas sua estrutura, nesse sentido, reconhece que há 31 funções constantes, cujo papel desempenhado no conto é sempre idêntico. Nessa perspectiva, ressalta que “os elementos constantes, permanentes, do conto maravilhoso são as funções dos personagens, independentemente da maneira pela qual eles as executam. Essas funções formam as partes constituintes básicas do conto” (PROPP, 2010, p. 22). O etnólogo acredita, portanto, que há “semelhanças entre os contos do mundo inteiro” (2010, p.19). Para chegar a esse resultado, Propp coloca como secundário os temas, os assuntos, os detalhes e os motivos (julgados importantes por outros teóricos) e considera como central apenas as funções das personagens que, para o autor, realizam sete esferas de ação: Literatura Infantojuvenil 20 Na concepção de Propp (2010), os contos emprestam as mesmas ações a personagens diferentes, mudam-se os nomes e os atributos, mas as personagens apresentam sempre a mesma função. Nessa perspectiva, no conto maravilhoso não é importante o que as personagens querem nem o sentimentos que as animam, “mas suas ações em si, sua deinição e avaliação do ponto de vista de seu signiicado para o herói e para o desenvolvimento da ação” (PROPP, 2010, p.79). Saber o que fazem as personagens é, para o autor supra, a única coisa que importa. Sendo assim, em sua pesquisa, Propp (2010) chega a quatro teses fundamentais: 1) Independentemente de quais sejam as personagens, o conto apresentará as suas funções de modo permanente; 2) O número das funções do conto maravilhoso é limitado; 3) A sequência das funções é sempre idêntica e 4) Quanto à estrutura, todos os contos maravilhosos (de fadas) são sempre semelhantes. Estudos como o de Propp, que consideram a invariabilidade do esquema narrativo, são compreendidos por estudiosos, como Calado (2005), como um reforço à noção arquetípica e de inconsciente coletivo, dado que consideram permanentes as imagens presentes nos contos de fadas. As ideias de Propp foram criticadas por Levi Strauss (2010), porque este considera pouco válida a airmação de que todos os contos de fadas se reduzem a um único tipo. Para Levi Strauss (2010, p.221), consolidar a existência de um único conto é uma “abstração, tão vaga e tão geral que ela nada nos ensinaria sobre as razões objetivas que fazem com que exista uma ininidade de contos particulares”. 1. A esfera de ação do Antagonista (ou o malfeitor); 2. A esfera de ação do Doador (ou provedor); 3. A esfera de ação do Auxiliar; 4 A esfera de ação da Princesa (personagem procurado) e Seu pai; 5. A esfera de ação do Mandante; 6. A esfera de ação do Herói; 7. A esfera de ação do Falso herói (PROPP, 2010, pp.77- 78). FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 21 Como airma Coelho (1984, p.121), existem os contos maravilhosos e os contos de fadas, apesar de essas denominações serem usadas como equivalentes, concordamos com a autora: “todo conto de fada é um conto maravilhoso, mas este nem sempre é um conto de fada” (Grifos da autora). Por isso, como sustenta Levi Strauss (2010), há de se discutir a perspectiva que acredita na existência de um único tipo de conto. Entretanto, colocamo-nos de acordo com Propp quando este reconhece a essencialidade dos contos como “expressão da vida”. Por privilegiar o campo do maravilhoso, em meados do século XX, a psicanálise começou a investigar os contos de fadas, por considerá- los como uma expressão dos processos psíquicos do inconsciente. Para alguns psicanalistas, como Bruno Bettelheim, as metáforas presentes nos contos de fadas são indícios do inconsciente humano: misterioso, ambíguo, porém estável, o que justiica, nessa vertente, a ideia da eterna atualidade dos contos de fadas. Contos de fada são a expressão mais pura e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo. Conseqüentemente, o valor deles para a investigação cientíica do inconsciente é sobejamente superior a qualquer outro material. Eles representam os arquétipos na sua forma mais simples, plena e concisa. [...] eles espelham mais claramente as estruturas básicas da psique (FRANZ, 1990, p. 9). Os estudos psicanalíticos apontam as raízes da simbologia presente nos contos de fadas. Consideram que tais contos pertencem ao mundo dos arquétipos, são simbólicos e cumprem a função de expor pela criança as suas fantasias. Sendo assim, acreditam que os contos de fadas pensam o real mediante a cultura do imaginário. Nas abordagens arquetípicas, Franz (1990) explica que a linha mais explorada é de Carl G. Jung, em que o viés psicanalítico considera os contos como representações de acontecimentos psíquicos que se assemelham aos sonhos. Nessa inclinação, os sonhos SAIBA MAIS! Carl Gustav Jung (1875- 1961) foi um psiquiatrasuíço fundador da chamada psicologia analítica (de complexos). Literatura Infantojuvenil 22 apresentam os dramas pessoais, enquanto os contos representam os dramas da alma comum a todos os homens. As análises psicanalistas foram bastante contestadas, principalmente pelo estudo sócio-histórico, devido ao afastamento das discussões em torno do contexto cultural das versões dos contos de fadas. Exemplo disso são as considerações de Eliade (2000, p.170), que acredita que tais análises psicanalíticas negligenciam a história dos motivos folclóricos e a evolução dos temas literários populares. Esse autor nos lembra de que é na literatura infantojuvenil que encontramos os contos de fadas, por isso, o conto é, antes de tudo, uma “forma literária”. Dessa forma, acreditamos que pensar os contos de fadas parece caber inúmeras indagações que ainda surgirão. Porém, desde já, entendemos que os contos de fadas oferecem um “mundo de possibilidades” de onde surgem personagens que possuem poderes sobrenaturais e que se defrontam com as forças do Bem e do Mal, personiicadas. Os contos de fadas mostram-se, assim, como uma soma do maravilhoso, da fantasia e do sonho, dando-nos a possibilidade, como airma a psicanálise, de escapar das limitações da realidade. Os contos de fadas apresentam-nos histórias maravilhosas, que, desde sempre, invadiram nosso cotidiano, revelando as representações do mundo. Em geral, nos deparamos com um mundo feérico, repleto de personagens que exibem o confronto entre o Bem e o Mal. Tais contos, conforme Bettelheim (1980, p.73), se assemelham ao sonho, mas a sua grande vantagem é ter uma estrutura consistente, com um começo deinido e uma trama que se encaminha para o triunfo sobre o Mal e para o encontro da felicidade, o conhecido “feliz para sempre”. Para Jesualdo (1993, p.122), os contos de fadas são considerados uma “arte da representação”, em que se despreza a sua possível realidade. Os contos de fadas foram, aos poucos, adquirindo particularidades como a intervenção do maravilhoso e de personagens abstratas. Tais elementos forneceram aos contos de fadas seu caráter imaginativo, por isso, tornaram- se sua característica fundamental. No conto, “o maravilhoso não é maravilhoso, mas natural” (JOLLES, FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 23 S.D., p. 202). Fazem parte desse universo feérico os reinos, a loresta, o castelo, a iandeira, o alfaiate, os animais falantes e inteligentes, a fada, a bruxa, príncipes e princesas, reis e rainhas. Nesse universo, alguns acontecimentos se sucedem, entre eles: a família real sempre posta em prova, a transformação de humanos em animais e vice-versa, a presença de uma personagem malvada capaz de desestabilizar, por alguns momentos, a vida do(a) herói(ina). Dentro dos contos de fadas, consoante Propp (2010, pp.77-78), as personagens possuem determinadas funções que se encontram em algumas esferas de ações responsáveis por toda a história. Todo início de conto apresenta-nos a ocorrência de uma desgraça, que pode ser: um rapto, a reclusão em uma torre, a predição da morte etc. “Uma desgraça qualquer constitui a forma básica do enredo. A ocorrência da desgraça e a reação que ela provoca determinam o assunto.” (PROPP, 1997, p.41). A desgraça inicial desencadeia as ações e o aparecimento das outras personagens. No inal, geralmente, a infelicidade do início é transformada em ventura e o(a) herói(ina) é recompensado(a). Dentro desse universo, o tempo e o espaço são reduzidos ao mínimo. Na maioria das vezes, o lugar em que se desenvolve a ação nunca é detalhado, são apresentados, apenas, como: bosques e lorestas misteriosos, palácios encantados, torres altíssimas etc. Na perspectiva de certos autores da vertente psicanalítica, a loresta é indispensável dentro da narrativa, pois simboliza o caminho da infância à idade adulta, os obstáculos e as transformações que cada indivíduo atravessa ao longo da vida. A esse espaço associam-se um ar de mistério, de enigma. Segundo Calado (2005, p.93), quando as personagens se encaminham pela loresta estão buscando, sobretudo, resolver algum Literatura Infantojuvenil 24 dilema, cumprir alguma prova, fugir de um perigo. Sendo assim, é na loresta que se encontram tanto a recompensa quanto a punição. A loresta encantada revela, portanto, quem são os personagens: O herói do conto – seja ele um príncipe, uma órfã expulsa ou ainda um soldado fugitivo – infalivelmente vai dar em uma loresta, onde começam as aventuras. A loresta nunca é descrita com detalhes. Ela é densa, escura, misteriosa, um pouco convencional, não totalmente verossímil (PROPP, 1997, p.55). Quanto às personagens em geral, os contos apresentam poucas, porém, com grande unidade. Em algumas histórias, crianças intervêm, mas, na maioria, encontramos a presença de jovens em idade de casar. Sobre as personagens, os contos trazem, quase sempre, uma seleção de dados, que privilegiam suas origens, suas características e o modo como atuam. Segundo Jesualdo (1993, p.124): João e Maria, dos Irmãos Grimm. Disponível em: htp://commons. wikimedia.org/wiki/File:Grimm_O_ irm%C3%A3ozinho_e_a_ irm%C3%A3zinha.jpg?uselang=pt-br FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 25 Quanto à origem, ou procedem de uma cabana muito pobre, ou de um faustoso palácio encantado. Quanto às características, ou são excessivamente bons, ou medrosos, belos, ou tragicamente feios, perversos e covardes, ou valentes e nobres; ou são anõezinhos, ou gigantes, bruxas ou princesas, reis disfarçados de mendigos, ou mendigos convertidos em reis e cavaleiros. Entre os tipos acessórios ou secundários, iguram os pais, a madrasta, a avó, as cortes dos reis e os trabalhadores, que entram em alguns contos como eco longínquo da sociedade que sofre e trabalha. Amiúde, também são personagens os animais que se dotaram de alma, ou os objetos igualmente animados: vassouras, palhas, varinhas, espelhos, lanternas etc. As personagens são concebidas, conforme Jesualdo (1993), como tipos, visto que, em geral, apresentam apenas uma qualidade relevante que é exaltada. Suas qualidades físicas e/ou morais são destacadas, personiicando a coragem, a covardia, a beleza, a feiura, a bondade, a maldade. Em geral, sabemos que a bondade triunfa sobre a maldade, o belo sobre o feio e o vício é punido e a virtude exaltada. No mundo da literatura infantojuvenil, as fadas e as bruxas são importantes personagens, uma vez que a fada mostra-se como a representação das forças do Bem, contrastando-se com a iguração da bruxa, que encarna o Mal. Ambas, apesar das identidades “mágicas”, coniguram-se como seres oniricamente humanos, capazes de expressar as iguras femininas: mulher/fada/mãe - bruxa/demônio/mãe má. Conforme Coelho (2003, p.72), as fadas e as bruxas sinalizam as formas simbólicas da eterna dualidade da mulher ou da condição feminina. Nos contos infantis, as fadas assumem formas diversas, mas a fada- madrinha ganhou notoriedade, posto que o seu poder quase ilimitado atrai a criança que, de algum modo, deseja possuí-lo. Outro fator de atração é o fato de essa personagem desempenhar um papel mais protetor e maternal. Literatura Infantojuvenil 26 Nos contos de fadas, mais do que a presença de fadas, de uma moral e de um inal feliz, a presença de personagens que desestruturam o mundo “real”, de modo a abrir espaços para alternativas oníricas é, segundo Warner (1999, p.18), essencial ao gênero. A autora deine, então, duas características do conto tradicional: sentir prazer no fantástico e curiosidade pelo real. “Os contos satisfazem, ao mesmo tempo, o nosso pendor para o maravilhoso e o nosso amor ao natural e ao verdadeiro mas, sobretudo, porque as coisas se passam nessas histórias como gostaríamos que acontecessem no universo, como deveriam acontecer” (JOLLES, S.D., p.198) (Grifo do autor).Bettelheim (1980) acredita que alguns elementos que constituem os contos de fadas auxiliam a criança a transitar do mundo simbólico para a realidade, o que, por sua vez, torna essas histórias atrativas e servem ao propósito moral, que é ensinar onde se encontram os limites. Assim, recursos como a expressão “Era uma vez”, o anonimato ou a falta de particularidade dos personagens – reis, rainhas, princesa etc. – a personalidade sempre única – bruxa má, princesa boa – e, sobretudo, o desfecho satisfatório após a solução de vários obstáculos por parte do protagonista, fazem, como diz Bettelheim (1980), com que a criança entenda que tais histórias não pertencem a ninguém que faz parte da sua realidade. Por isso, tais histórias proporcionam à criança a sensação de prazer e alívio: A criança que está familiarizada com os contos de fadas compreende que estes lhe falam na linguagem dos símbolos e não a da realidade cotidiana. O conto de fadas transmite desde o início, através da trama, e no seu inal a idéia de que a narrativa trata não de fatos tangíveis ou lugares reais. Quanto à própria criança, os acontecimentos reais tornam- se importantes pelo signiicado simbólico que ela lhes atribui, ou que neles encontra (BETTELHEIM, 1980, p.78). Por im, há de se concordar que os contos de fadas ocupam um lugar privilegiado na literatura infantojuvenil. Muitos foram os autores que acolheram o universo feérico nas suas mais variadas formas de FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 27 representação, numa trama que se movimenta sempre em direção a uma solução satisfatória. Como pontua Tatar (2004, p.9), os contos de fadas são íntimos e pessoais, contando-nos sobre a busca de romance e riquezas, de poder e privilégio e, o mais importante, sobre um caminho para sair da loresta e voltar à proteção e segurança de casa. Dando um caráter terreno aos mitos e pensando-os em termos humanos em vez de heróicos, os contos de fadas imprimem um efeito familiar às histórias no arquivo de nossa imaginação coletiva. Os contos de fadas nos arrastam para uma realidade que é familiar, por isso, agradam e instruem. Sua genialidade está, principalmente, em usar de imagens atraentes, ambientes presentes na fantasia dos leitores, personagens comuns, mas mágicas, termos e expressões que excitam a imaginação e envolvem o leitor, posto que algumas fórmulas icam gravadas na nossa memória: “Era uma vez ...”, “Num certo lugar distante”. Estes elementos fazem com que o país de fantasias narrado nos contos esteja fora do tempo e do espaço, proporcionando um fascínio sobre o maravilhoso natural, quase “real”, que tem agradado os leitores de muitas épocas. 1.2 Adaptação na literatura infantojuvenil O processo de adaptação é presente no cotidiano das pessoas que, mesmo sem se darem conta, se deparam a todo momento com obras adaptadas, seja por meio da televisão, do cinema, do teatro, de musicais e romances. As adaptações são ações antigas na sociedade; manifestaram- se, ao longo dos tempos, como uma estratégia adotada pelos escritores para transporem suas narrativas da oralidade para a escrita ou mesmo da escrita para outras manifestações artísticas. As pessoas leem adaptações por razões diversas, às vezes para lembrarem-se de obras lidas há muito tempo; por vezes, para se conhecer a história e as personagens principais de alguns textos consagrados, e, desse modo, conferir se vale a pena aventurar-se no original. Assim sendo, Literatura Infantojuvenil 28 as adaptações podem funcionar como um recurso e um caminho para se chegar a obra original. Para Coelho(1996), as adaptações acontecem porque algumas obras ultrapassam sua natureza literária, convertendo-se em obra mítica, assim, para a autora referida, os procedimentos adaptativos e reprodutivos de textos literários podem dar às obras primeiras a garantia de sua força. Entretanto, o processo de adaptação na literatura infantojuvenil nem sempre é entendido como uma ação válida e importante, pois, alguns estudiosos, ao veem nesse processo uma estreita relação com a pedagogia e a indústria cultural, o relegam à margem dos estudos literários. Para alguns autores, as alterações no conteúdo bem como na estrutura de uma obra literária resultam na perda de sua qualidade. Segundo Benjamin(1996, p.170), a reprodução da obra de arte signiica o declínio de suas especiicidades e particularidades, uma vez que a reprodutibilidade, para o autor referido, faz desaparecer o caráter único de uma obra, tornando-a apenas mais próxima das massas. Vemos, então, que o processo de adaptação de uma obra literária revela muitas opiniões o que demonstra que se trata de um assunto pertinente que ainda precisa ser muito estudado e discutido. Entretanto, nesta Unidade, cabe a nós estudarmos apenas como se desenvolveu o processo de adaptação na literatura infantojuvenil, em particular, a brasileira. As adaptações literárias são recursos direcionados a um leitor particular, pensando nisso, é necessário que o adaptador realize adequações. É preciso que, ao adaptar um texto, haja mudanças e não perda de qualidade. De acordo com Azevedo (1999, p.9), a adaptação corresponde “a alteração de elementos não-essenciais da estrutura de uma obra com vistas a possibilitar a recepção dessa obra pelo leitor comum de uma dada sociedade num determinado momento histórico”. As sociedades mudam e, por consequência, o peril dos seus leitores; dessa maneira, os estudos teóricos nos mostrarão que é necessário se pensar o leitor infantil, assim, os temas e, em especial, como os temas são representados, devem revelar uma tentativa dos autores de se comunicarem com a infância de cada época, visto que a literatura está ligada à ideia que cada época faz da criança e da juventude. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 29 Dessa forma, para Zilberman (2003, p. 140), a natureza da literatura infantojuvenil exige que adaptações sejam feitas: do assunto, da forma, do estilo, do meio. Desse modo, segundo a autora, o sucesso de um livro dependerá de sua orientação para o leitor, que deve ser em termos literários e artísticos, jamais educativos. Veja, no quadro, a seguir, as prerrogativas que a autora referida considera necessárias para uma obra literária infantojuvenil: Os primeiros textos para crianças e jovens foram adaptações de textos clássicos e de contos de fadas. O poeta Charles Perrault, em 1697, renovou a produção cultural francesa do século XVII, retirando contos populares de suas origens camponesas e inserindo-os em uma cultura cortesã, de modo a socializar, civilizar e educar os jovens. Em outras palavras, o autor francês se utiliza de meios pedagógicos para re(criar) histórias, visando a ixar valores que correspondiam às novas necessidades sociais e políticas orientadoras do ideário burguês. Perrault é considerado, por consequência, o responsável pelo primeiro surto de Literatura infantil no ocidente, em particular, na Europa, posto que, os estudos culturais apontam que entre os povos da África, Adaptações: do assunto: o escritor, pensando na criança, em suas vivências e limitações, seleciona quais temas são pertinentes e quais devem ser suprimidos da obra; da forma: buscando manter o interesse do leitor, o escritor deine a melhor maneira de contar o enredo, preferindo uma narrativa linear e pouco extensa e escolhendo personagens com as quais a criança possa se identiicar; do estilo: tendo em vista o aspecto cognitivo do leitor, o escritor escolhe o vocabulário, a linguagem adequados ao universo do leitor; do meio: é importante que o escritor dê atenção aos aspectos externos do livro, como as ilustrações, as cores, a forma de manejo. Literatura Infantojuvenil 30 América, Ásia já existiam literaturas. Os contos de Perrault ganharam destaque pela linguagem simples e poética que aproximou(a) e fascinou(a) muitas criançase jovens das narrativas folclóricas que, com o tempo, passaram a ser conhecidas como contos de fadas. Charles Perrault não manteve em suas histórias narrativas iéis às da tradição popular, tendo estas apenas como inspiração. O trabalho de Perrault, segundo Cademartori (2010, p.41), é de um adaptador, “parte de um tema popular, trabalha sobre ele e acresce-o de detalhes que respondem ao gosto da classe à qual pretende endereçar seus contos: a burguesia”. Sabemos que uma ininidade de contos circulava pelas cidades e pelos campos no século XVII, desses Perrault escolheu alguns que se moldavam ao que queria transmitir. É evidente que Perrault não pretende mostrar uma originalidade absoluta, e as aventuras que narra são tiradas de fontes encontradas no mundo inteiro, as quais ele teve a inteligência de explorar. É nas narrativas do povo, nas epopéias rústicas contadas pelas amas que ele foi buscar sua inspiração primeira. [...] Soube selecionar e, de uma forma apurada, com elegância e mão leve, compor e embelezar os textos (P. J. STAHL,1994, p.214). Assim, se inicia e se constitui o acervo da literatura infantojuvenil. Os contos de fadas, a semelhança dos de Perrault, foram se tornando cada vez mais populares. As crianças encontraram nesses contos a espontaneidade da icção e da aventura. Para Prince (2010, p. 48), os contos feéricos se tornaram populares entre as crianças, visto que o maravilhoso lhes permitia exercer um poder mágico e autônomo a ponto de acreditarem ser Charles Perrault (1628- 1703) publicou, em 1697, Histórias ou Contos do tempo passado, com moralidades. O sucesso de sua obra o colocou entre os grandes autores franceses que se dedicavam ao folclore no intuito de renovar a produção literária francesa. Perrault nos fez conhecer os contos: A bela adormecida no bosque, Chapeuzinho Vermelho, O gato de botas, O barba Azul, entre outros. Disponível em: htp:// commons.wikimedia.org/wiki/ File:Charles_Perrault03.jpg SAIBA MAIS! FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 31 independentes dos adultos. Nesse contexto, surgiram inúmeras adaptações dos contos de fadas e de grandes escritores, cujo sucesso fez com que migrassem para diferentes partes do mundo. Lajolo e Zilberman (1988, p.28) nos contam que no Brasil do século XIX, havia lamentações por conta da ausência de material de leitura e de livros para a infância, já que se tornava comum na época a ideia de que a leitura era importante para o processo de formação do cidadão. Intelectuais, jornalistas e professores começaram, então, a produzir livros infantis e viram nessa atividade um negócio lucrativo, pois tais livros tinham um endereço certo: o corpo discente das escolas. Assim, muitas outras obras estrangeiras foram traduzidas e adaptadas no Brasil. Entretanto, começou-se a perceber que as adaptações que circulavam, geralmente em edições portuguesas, apresentavam uma linguagem consideravelmente distinta da falada/escrita pelos leitores brasileiros. Desse modo, surgiram, nesse contexto, vários programas de nacionalização desse acervo literário europeu para crianças. No Brasil, autores como Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel se encarregam, respectivamente, da tradução e adaptação de obras estrangeiras para crianças. Graças a eles e às edições da Editora Laemmert, para o primeiro, e da Livraria Quaresma, para o segundo, circulam no Brasil as obras: Contos seletos das mil e uma noites (1882) Robison Crusoé, de Daniel Defoe (1885) Viagens de Gullive, de Jonathan Swift (1888) Contos para ilhos e netos (1894) D. Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes (1901) Os clássicos de Charles Perrault, Irmãos Grimm e Hans C. Andersen são divulgados nos: Contos da Carochinha (1894) Histórias da avozinha (1896) Histórias da baratinha (1896) Literatura Infantojuvenil 32 As traduções e adaptações de Jansen e Pimental, oriundas dos continentes europeus e americanos, foram o impulso inicial para que os leitores jovens brasileiros do inal do século XIX começassem a desfrutar das leituras que circulavam no ocidente. Nesse quadro de adaptações da literatura infantojuvenil, Monteiro Lobato ganhou destaque. O autor referido icou conhecido também por adaptar histórias consagradas da literatura ocidental, e inovou ao buscar reduzir em sua literatura a assimetria entre o texto e a criança, quando esta estivesse em contato com narrativas estrangeiras. Assim, com Lobato, foi-se entendendo que o processo de adaptação remete à ideia de uma transposição de obras estrangeiras para outro contexto, em que os fatores como a língua e o público-leitor deverão ser observados. Nessa perspectiva, Lobato procurou recriar e reescrever textos que marcaram sua infância, como Dom Quixote, Peter Pan, Pinóquio, Robinson Crusoé, Alice no País das Maravilhas, entre outros. Em suas adaptações, o autor buscou excluir os termos que ele denomina de do “tempo da onça” e aproximar a escrita e as narrativas dos públicos infantil e jovem brasileiros. Na obra Reinações de Narizinho – Volume 2, no capítulo “O irmão de Pinóquio”, Lobato diz: A moda de Dona Benta ler era boa. Lia “diferente” dos livros. Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça, cheios de termos do tempo da onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje. Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”; onde estava “lareira” lia “varanda”. E sempre que dava com um “botou-o” ou “comeu-o”, lia “botou ele”, “comeu ele” – e icava o dobro mais interessante (LOBATO, 2007, p.36). FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 33 A literatura infantojuvenil aos poucos vai se tornando variada e, de 1855 a 1870, percebemos um esforço por sua renovação. Há a desvinculação dos conteúdos essencialmente pedagógicos, valorizando, nesse instante, o lado mais artístico da literatura. Com o tempo, a literatura infantojuvenil se reairma e, em meados de 1960, autores, ilustradores, editores exploraram as novas possibilidades de expressão, novos formatos de enunciar para criança, aparecem novos tipos de personagens, como também novos temas, às vezes audaciosos, outras vezes delicados. Em meados do século XX, alguns contos tradicionais foram reescritos sobre o modo humorístico, anunciando narrativas intertextuais, paródicas, adaptadas etc., a saber, os Contes à l’envers (1977), de Boris Moissard e Philippe Dumas. Nas inúmeras novas histórias, a Chapeuzinho Vermelho se torna verde, azul, de todas as cores; enquanto o lobo é tratado de modo distinto, às vezes caricato. Podemos ressaltar também a obra de Flávio de Souza, Príncipes e princesas, sapos e lagartos: histórias modernas de tempos antigos (1996), obra que, apoiada nos contos de fadas clássicos, os modiicam, brincando com os estereótipos. A literatura infantojuvenil, portanto, desde o começo, sobrevive de adaptações. É inegável que é preciso que elas sejam feitas, já que é destinada, em potencial, a um leitor particular. Toda adaptação é uma atividade intertextual, permite que o leitor perceba a presença de outras obras na sua composição, por isso, apresenta-se como importante para funcionar como um meio de favorecer uma iniciação e graduação de leitura, objetivando habilitar os leitores infantis e jovens a lidar com as convenções propostas pelo autor em sua obra original. Literatura Infantojuvenil 34 Glossário Feérico: pertencente ao mundo da fantasia, mágico Mítico: relativo a mito Monológico: vem de monologar, dizer só para si Narrativas fantásticas: no contexto desta obra, usou-se esta expressão para se referir às narrativas que trazem personagens mágicas bem como ambientes que fazem parte do imaginário coletivo Negligenciar: descuidar Onírico: refere-se a natureza de sonhos Personiicar: atribuir dotes equalidades de pessoas Persuadir: convencer(-se) Postulado: o que se considera como fato reconhecido Prerrogativa: indício, sinal de alguma coisa Pressuposto: aquilo que se supõe antecipadamente Transpor: mudar de tempo, lugar, contexto, para outro Leituras complementares Filmes inspirados em contos de fadas: Espelho, espelho meu (2012), dirigido por Tarsem Singh. Branca de neve e o caçador (2012), dirigido por Rupert Sanders. A garota da capa vermelha (2011), dirigido por Catherine Hardwicke. A nova cinderela (2004), dirigido por Mark Rosman. Para sempre cinderela (1998), dirigido por Andy Tennant. Um estudo de fôlego sobre adaptações de literatura infantojuvenil brasileira é a Tese de Doutoramento A adaptação literária para crianças e jovens: Robinson Crusoé no Brasil (2006), de Diógenes Buenos Aires de Carvalho. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 35 Atividades de aprendizagem 1. Reletindo sobre os aspectos do gênero literatura infantojuvenil, como você entende a grande atualização do contos de fadas clássicos? Escreva suas ideias em um texto de, no mínimo, vinte linhas. 2. Os contos de fadas têm sido traduzidos, adaptados, recriados com o passar dos tempos. A obra Príncipes e princesas, sapos e lagartos: histórias modernas de tempos antigos, de Flávio de Souza, apresenta uma relação com diversos contos tradicionais que são contados de uma nova maneira. Disserte sobre as relações intertextuais e as mudanças estruturais e de conteúdo que os contos dessa obra apresentam. 3. Escolha uma obra adaptada de literatura infantojuvenil, cujo original você conheça, e faça um estudo sobre essa adaptação, ressaltando os aspectos adaptados: textuais e extratextuais. UNIDADE 2 A LITERATURA INFANTOJUVENIL BRASILEIRA OBJETIVOS • Apontar autores e obras precursoras da literatura infantojuvenil no Brasil. • Situar historicamente o surgimento da literatura infantojuvenil brasileira. • Destacar a contribuição de Monteiro Lobato para a formação da literatura infantojuvenil no Brasil. • Identificar autores e obras significativas da literatura infantojuvenil brasileira contemporânea. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 39 2 Os precursores Até a segunda década do século XX, não existia uma literatura infantojuvenil genuinamente brasileira. A leitura literária destinada a nossas crianças e adolescentes eram obras traduzidas e adaptadas de edições em Francês ou Inglês. Como já estudado na unidade anterior, ainda no inal do século XIX, destacam-se dois autores de traduções e adaptações para o público infantojuvenil, no Brasil, trata-se de Figueiredo Pimentel e Carlos Jansen. 2.1 Figueiredo Pimentel O jornalista Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914) foi pioneiro no trabalho de traduzir e adaptar obras para crianças e jovens. Sua pretensão era alargar o alcance do livro junto a esse público, até então limitado ao livro escolar, proporcionando aos jovens leitores conhecer a obra do francês Charles Perrault, dos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm e do dinamarquês Hans Christian Andersen. Destaca-se, na produção de Figueiredo Pimentel, a obra Contos da Carochinha, publicada pela Editora Laemmert em 1896, uma coletânea de sessenta e um contos populares, que incluía contos de fadas, lendas, fábulas, parábolas, provérbios e alegorias, entre outros tipos de narrativas. Publicou ainda Contos de fadas, Histórias da avozinha e Histórias da baratinha, Contos do tio Alberto, Histórias do arco da velha, entre outros. Segundo Nelly Novaes Coelho (1981,p.347), os livros de Figueiredo Pimentel foram os primeiros que deram às crianças brasileiras uma leitura de diversão, fora dos objetivos da leitura escolar determinados pelo livro Contos da Carochinha, adaptação de Figueiredo Pimentel Literatura Infantojuvenil 40 didático. Para Arroyo (1968, p.178), o grande mérito de Figueiredo Pimentel foi o de escrever suas obras “em linguagem solta, livre espontânea e bem brasileira”, tornando acessíveis aos jovens leitores brasileiros o conhecimento dos clássicos universais. 2.2 Carlos Jansen O alemão Carlos Jansen, radicado no Brasil, primeiro no Rio Grande do Sul e depois no Rio de Janeiro, também foi pioneiro nas traduções e adaptações de obras para crianças e jovens, contribuindo para a formação de signiicativo acervo de obras literárias, especiicamente, destinadas ao público infantojuvenil brasileiro. Dentre as suas traduções e adaptações, destaca-se a de Robinson Crusoé, do escritor inglês Daniel Defoe, em 1885. Professor do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, Jansen pretendia oferecer textos literários compreensíveis para seus alunos, “os quais só tinham acesso a traduções/adaptações no português de Portugal”. (CARVALHO, 2012, p.115). Assim, publicou, no período de 1882 a 1891, diversas obras, como: Contos seletos das mil e uma noites, Contos seletos extraídos para a mocidade brasileira, As viagens de Gulliver a terras desconhecidas, Aventuras pasmosas do celebérrimo Barão de Müchahause, Contos para ilhos e netos, entre outros. Leonardo Arroyo, a respeito da contribuição de Carlos Jansen para divulgar a leitura dos clássicos entre os jovens brasileiros, airma: Devemos destacar desde logo a atuação de Carlos Jansen, a quem se deve a apresentação, em tradução brasileira, de muitas obras clássicas da literatura infantil e juvenil e as já manifestas inconveniências representadas pelas traduções ou originais portugueses. (ARROYO, 1968, p.172) Jansen, assim como Figueiredo Pimentel, foi um precursor da literatura infantojuvenil no Brasil. Sensível à carência de autores nacionais dedicados à produção de obras para esse segmento de público, ele proporcionou à criança e ao jovem brasileiro o status de leitor, chamando a atenção de escritores para um novo mercado, que seria, mais tarde, FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 41 inaugurado pela obra de Monteiro Lobato, na década de 1920, e consolidado pelo boom de novos autores, ocorrido na década de 1970. Não obstante a contribuição de escritores como Figueiredo Pimentel e Carlos Jansen, as crianças e jovens só iriam contar com uma literatura criada para o público brasileiro, a partir da produção de Monteiro Lobato, que marcou de forma indelével, várias gerações, apresentando-lhes a realidade nacional, sem, entretanto, abrir mão do lúdico e da fantasia. No ano de 1921, através da publicação do livro A menina do narizinho arrebitado, Lobato dá início a saga do Sítio do Picapau Amarelo, inaugurando a literatura infantojuvenil nacional. 2.3 Monteiro Lobato e a fundação da literatura infantojuvenil brasileira A literatura infantojuvenil genuinamente brasileira começa com a obra de José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), um dos maiores intelectuais do Brasil no século XX, que, além de escritor, foi também editor, fazendeiro, promotor de justiça, adido comercial do Brasil nos Estados Unidos e empresário, tendo sido o primeiro a investir na pesquisa de petróleo em solo brasileiro. Monteiro Lobato - fundador da Literatura da literatura infantojuvenil brasileira Primeira obra da literatura infantojuvenil brasileira Lobato já havia publicado obras para adultos, como Urupês (1918) e Cidades mortas (1919), Ideias de Jeca Tatu (1919), Negrinha (1920), quando, desiludido com os adultos, resolveu apostar no projeto de construção de uma literatura para crianças e jovens, que resultou numa vasta produção, que se estendeu por três décadas. Ao longo desse período, além das obras que ele mesmo criava, Lobato, também, fez muitas traduções e adaptações de obras da literatura europeia, para o público infantojuvenil brasileiro, como por exemplo: Aventuras de Hans Staden (1927), Peter Pan (1930), D.Quixote das crianças (1936). Durante quase trinta anos, o autor dedicou-se a escrever, editar e organizara sua obra de literatura infantojuvenil. Muitas de suas narrativas foram reescritas e fundidas com outras, recebendo novos títulos, como é o caso de seu livro de estreia, A menina do narizinho arrebitado, que passou a fazer parte, junto com outras histórias, do volume denominado Reinações de Narizinho. O caráter combatente e polêmico de Monteiro Lobato lhe trouxe muitos problemas com o governo, na ditadura de Getúlio Vargas (1937- 1945), sobretudo, a campanha que liderou a favor da exploração de petróleo no Brasil, o que, o levaria à prisão, sob a acusação de subversivo e comunista. Um amigo do escritor deu o seguinte depoimento sobre o caráter de Lobato: Fui visitá-lo no cárcere de um quartel. Não o encontrei desapontado, nem desiludido, nem surpreso, mas plenamente conscientizado de uma verdade indesmontável: a de que, um dia, o país acordaria, as forças obscurantistas seriam vencidas e o petróleo jorraria. Jorrou numa cidade com o seu nome: Lobato (BASTOS, 1982, p.123) Para Monteiro Lobato, o público infantojuvenil não deveria icar alheio à questão do petróleo no Brasil, por isso, publicou o livro O poço do Visconde (1937), em que uma aventura protagonizada pelos personagens do Sítio do Picapau Amarelo demonstra a existência de petróleo no FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 43 território brasileiro, ao mesmo tempo em que crianças e jovens, leitores da obra, podem informar-se acerca dessa fonte de energia e riquezas, já explorada pelos Estados Unidos, enquanto o Brasil continuava atrasado economicamente. A produção literária lobatiana para crianças e jovens abrange uma grande variedade de narrativas, que se inspiram tanto no folclore brasileiro, como nos clássicos europeus, seja através de criações originais, seja através de traduções e adaptações. Há ainda narrativas em que as aventuras vividas pelos moradores do Sítio do Picapau Amarelo remetem a um contexto didático, no qual a aprendizagem ocorre de forma empírica, lúdica e livre. Assim, entre as adaptações e traduções realizadas por Lobato, temos aquelas obras que contam com a participação dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo como é o caso de Hans Staden; Fábulas; Peter Pan; D.Quixote das crianças, Os doze trabalhos de Hércules, entre outros. Há ainda aquelas em que o Sítio do Picapau Amarelo não está presente, como, por exemplo, Robinson Crusoé, Contos de Grimm, Contos de fadas de Perrault; Alice no país das maravilhas, Novos contos de Andersen, entre outros. O aproveitamento do folclore brasileiro é privilegiado em obras, como O Saci e Histórias de Tia Nastácia, enquanto a aventura é predominante em obras como Reinações de Narizinho, As caçadas de Pedrinho, O Picapau amarelo. Literatura Infantojuvenil 44 Dentre as obras que representam uma situação concreta de ensino e aprendizagem, podemos citar, além de O poço do Visconde, já mencionado, História das invenções, Emília no país da gramática, Aritmética da Emília, Geograia de Dona Benta, Serões de Dona Benta, entre outras. Em obras como Memórias da Emília, A reforma da natureza e A chave do tamanho, Lobato discute assuntos mais complexos, que envolvem desde o processo de criação literária até a questão da paz mundial e o futuro das civilizações. Monteiro Lobato, portanto, dotou o público jovem do Brasil de um vigoroso acervo de obras, seja com textos originais, com os quais inaugurou a literatura infantojuvenil nacional, seja com traduções e adaptações de obras estrangeiras, incluídas no cânone literário ocidental. SAIBA MAIS! “Lobato foi o primeiro a fazer do folclore tema sempre presente em suas histórias através dos personagens do Sítio, como Tia Nastácia e tio Barnabé. A primeira ponte de ligação entre o mundo racional representado por D. Benta e as superstições e crendices próprias das populações analfabetas: o segundo, conhecedor dos mistérios, dos mitos que habitam o folclore. Em alguns livros, como O Saci e Histórias de Tia Nastácia, o folclore é a temática central. Não se trata mais aqui de um pesquisador que registra a tradição oral como izeram Alexina de Magalhães Pinto e os demais já citados, mas de buscar nessa fonte inesgotável da literatura que é o folclore, os elementos necessários a uma criação original”. (Texto extraído de SANDRONI, Laura. De Lobato a Bojunga: as reinações renovadas.Rio de Janeiro: Agir, 1987, p.58) FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 45 Não obstante a produção mais ou menos regular de autores contemporâneos de Monteiro Lobato, como é o caso de Erico Veríssimo, que publicou nos anos 1930, obras infantojuvenis, como A vida de Joana D’Arc (1935), As aventuras do avião vermelho, Os três porquinhos pobres, Rosa Maria no castelo encantado (1936), As aventuras de Tibicuera (1937), O urso com música na barriga (1938), Outra vez os três porquinhos e A vida do elefante Basílio (1939). A verdade é que a morte de Lobato trouxe um longo período de estagnação para a literatura infantojuvenil brasileira, que Memórias da Emília Editado em 1936, Memórias da Emília é um dos livros que mais diretamente abordam questões relativas à escrita, as memórias da Emília são escritas pelo Visconde e revistas e corrigidas pela boneca. O livro, em última análise, discute os limites da realidade e da icção, da história e do romance. [...] (LAJOLO, 1981, p.56) A chave do tamanho Publicado em 1942, esta obra pode ser considera da uma alegoria: pretendendo acabar com a guerra, Emília, por engano, reduz a estatura dos seres humanos para alguns centímetros, obrigando a humanidade, assim, a criar uma nova civilização. As intenções revolucionárias da boneca, no entanto, tornam-se frustradas, por um plebiscito, que vota pelo restabelecimento da estatura antiga. [...] (LAJOLO, 1981,p.78) Literatura Infantojuvenil 46 se prolongou até o inal dos anos 1960. A partir da década 1970, começou um período de revitalização da literatura infantojuvenil brasileira, com o surgimento de novos autores e o aumento signiicativo de obras publicadas. Esta nova fase passou a ser conhecida como o boom da literatura infantojuvenil, em nosso país, assim descrito por Lajolo & Zilberman: O relexo dessa nova situação não se fez esperar: traduziu-se no desenvolvimento de um comércio especializado, incentivando, nos grandes centros, a abertura de livrarias organizadas em função do público infantil e atraiu, para o campo dos livros para crianças, um grande número de escritores e artistas gráicos que, com mais rapidez que muitos de seus colegas dedicados exclusivamente ao público não-infantil proissionalizaram-se no ramo (1984, p.124). Adiante veremos como essa literatura se desenvolveu. 2.4 Literatura infantojuvenil contemporânea Nas últimas décadas do século XX, a literatura infantojuvenil brasileira teve um desenvolvimento extraordinário, conquistando não só os jovens leitores, mas também os educadores, que passaram a valorizar a leitura de obras literárias para crianças e adolescentes na sua prática pedagógica. Cursos universitários, como Letras, Pedagogia, Biblioteconomia e Educação Artística também passaram a incluir esse gênero literário, nos seus currículos, além de promoverem pesquisas e eventos acadêmicos sobre literatura infantojuvenil, formação de leitores e outras questões ligadas ao livro e à leitura para o público mirim. A qualidade das obras de literatura infantojuvenil produzidas por autores brasileiros obteve reconhecimento internacional, através da concessão de importantes prêmios, como o Hans Christian Andersen, recebidos por Lygia Bojunga Nunes e Ana Maria Machado. A título de exemplo de autores que surgiram na fase do boom da literatura infantojuvenil brasileira, citamos alguns deles e algumas de suas obras lançadas, nesse período. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 47 Ziraldo: Flicts (1969),O planeta lilás (1979), O menino maluquinho (1980), O planeta lilás, (1980). Ruth Rocha: Marcelo, martelo, marmelo (1976), Nicolau tinha uma ideia (1977), O reizinho mandão (1978,) Sapovirareivirasapo, ou a volta do Reizinho Mandão (1978), O rei que não sabia de nada (1979). O que os olhos não veem (1981). Fernanda Lopes de Almeida: A fada que tinha idéias, (1971) Soprinho (1978) A curiosidade premiada (1979), A margarida friorenta(1980), Pinote, o fracote e Janjão, o fortão (1980). Ana Maria Machado: Severino faz chover e outras histórias (1977), História meio ao contrário,(1978), Raul da ferrugem azul (1979),) Do outro lado tem segredo (1980), O gato do mato e o cachorro do morro (1980). Bartolomeu Campos de Queirós: O peixe e o pássaro (1974), Pedro (1977), Onde tem bruxa tem fada (1979). Lygia Bojunga Nunes: Os colegas, (1972), Angélica (1975), A bolsa amarela (1976), A casa da madrinha (1978), Corda bamba (1979), O sofá estampado (1980). Joel Ruino dos Santos: O caçador de lobisomem (1976), Aventuras no país do Pinta-Aparece (1977), Uma estranha aventura em Talalai (1980), O curumim que virou gigante (1980). Literatura Infantojuvenil 48 Autores já consagrados na literatura brasileira, também, dedicaram uma ou mais obras para esse novo público emergente, dentre eles, Mário Quintana, que, em 1948, já havia publicado Batalhão das letras, voltou a produzir obras para crianças e jovens, como: Pé de pilão (1968), Lili inventa o mundo (1983), Nariz de vidro (1984) O sapo amarelo (1984) e O sapo furado (1984). Rachel de Queirós publicou O menino mágico (1969) com o qual foi agraciada com o prêmio Jabuti da Câmara do Livro de São Paulo, desse mesmo ano. Mais tarde, em 1986, volta a publicar uma obra de literatura infantojuvenil, intitulada Cafute e Pena de Pato. Jorge Amado, igualmente, dedicou duas obras ao leitor infantojuvenil. Em 1976, publica a obra O gato malhado e a andorinha Sinhá, que havia escrito em 1948, quando morava em Paris. Publicou, ainda, A bola e o goleiro (1984). Clarice Lispector é quem apresenta um número maior de obras para leitores crianças e jovens, iniciando com O mistério do coelho pensante (1967). Em seguida, vieram A mulher que matou os peixes (1974), A vida íntima de Laura (1974), Quase de verdade (1978), Como nasceram as estrelas (1987) e Doze lendas brasileiras (1987). Acerca da literatura para crianças e jovens produzida por autores consagrados da literatura brasileira, não podemos deixar de fazer referência às obras poéticas de Cecília Meireles, Ou isto aquilo (1964), e de Vinicius de Moraes, A arca de Noé (1974), renovadores da poesia infantojuvenil nacional, tema que será tratado na próxima unidade. Nesse período surgiu, ainda, uma nova tendência na literatura infantojuvenil brasileira, que foi a de uma literatura realista, em oposição à fantasia predominante na literatura infantojuvenil, desde os contos de fadas. Esta nova corrente da literatura para crianças e jovens foi idealizada e fomentada pela editora Comunicação de Belo Horizonte, que, através do editor André Carvalho, criou a Coleção do Pinto, que publicava obras de autores que airmavam que o público infantojuvenil já não tinha interesse por histórias de fadas, bruxas e príncipes encantados, portanto, era preciso que a literatura destinada a esse público se modernizasse, mostrando a realidade tal qual esta se apresentava. As narrativas que compõem essa FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 49 coleção têm como cenário os grandes centros urbanos e os problemas decorrentes das desigualdades sociais, como a miséria, a violência e a criminalidade, entre outros. Fazem parte da Coleção do Pinto, obras como: O menino e o pinto do menino, (1975), Os rios morrem de sede (1976) de Wander Piroli; O dia de ver meu pai,(1976) de Vivina de Assis Viana, O pivete, (1977), de Henry Correia de Araújo; Eu vi mamãe nascer (1977), de Luiz Fernando Emediato; O primeiro canto do galo (1979), de Domingos Pellegrini; Rita está acesa (1979) . As publicações para crianças e jovens da editora Comunicação prosseguiram nas décadas seguintes com o lançamento de várias obras seguindo a vertente realista. Vivina de Assis Viana, por exemplo, publicou, entre outros, O jogo do pensamento (1984), Meu dente caiu (1987), Brincando na rede de acordar (2002), Pipoca no quinto andar (2004), Damas & valetes (2010). Citamos uma passagem de O jogo do pensamento, para mostrar o compromisso de denunciar a crise social aos jovens leitores, que é a tônica da Coleção do Pinto, se faz presente na obra de Vivina de Assis Viana: Hoje eu ia contar à minha ilha uma história qualquer, como faço todas as noites, mas como lhe explicar que estou pensando em guerra, fome, injustiça, essas coisas que nascem e crescem sem a gente querer, e depois não morrem, por mais que a gente possa querer? (VIANA, 1984, p.4) Literatura Infantojuvenil 50 Embora curto, o trecho deixa evidente o ponto de vista do adulto que relete acerca dos problemas sociais e conclui, de modo pessimista, que nada pode ser feito para mudar essa realidade. Ao recusar a fantasia, a literatura infantojuvenil realista acaba renunciando à participação dos leitores crianças e jovens na busca de solução ao problema apresentado, pois, por sua condição existencial, o público infantojuvenil, apenas por meio da fantasia, poderia entender e dar resposta a essas questões. Outro autor contemporâneo que possui uma vasta produção de obras infantojuvenis é o piauiense Assis Brasil. O escritor nasceu na cidade de Parnaíba-PI, em 18 de fevereiro de 1932. Sua literatura infantojuvenil abrange mais de 50 títulos, entre os quais temos as publicações: O mistério do punhal-estrela (1990) pela editora Scipione na Coleção Aqui e Agora; Perigo na missão Rondon (1991) pela editora Moderna na Coleção Veredas; Missão secreta na transamazônica (1991) pela editora RHJ na Coleção RHJovem; pela editora Ao Livro Técnico na Coleção Ação e Emoção: Quatro-orelhas, um guerreiro craô (1994); pela editora Saraiva na Coleção Jabuti: Yakima, o menino-onça (1995), Os desaios do rebelde (1996) e Corisco, o último cavalo selvagem (1998). A publicação de obras infantojuvenis através de coleções ou séries tem a função de endereçar, apropriadamente, cada livro, para o público especíico, às vezes por faixa etária e, outras vezes, por nível de escolaridade. Outras narrativas juvenis não fazem parte de coleções ou séries, como é o caso de Contatos imediatos dos besouros astronautas (1985) publicado pela editora Nórdica, Zé Carrapeta, o guia de cego (1984) e Novas aventuras de Zé Carrapeta (1988) editados pela Record, Os habitantes do espelho (1994) e A sabedoria da floresta (1995) ambos publicados pela José Olympio, e ainda, “Novas histórias do rio encantado”, um conjunto de três contos, publicados pela editora Imago, como parte do livro A chave do amor e outras histórias piauienses (2007). Muitas de suas obras para crianças e jovens foram também premiadas, como exemplo, citamos: A volta do herói, com o Prêmio FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Pedagogia 51 Estadual de Literatura da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro e Menção Honrosa no concurso, e ainda Zé Carrapeta, o guia de cego, que foi agraciada com o Prêmio Alfredo Machado Quintela, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Desde 2008, Assis Brasil fixou residência no seu Estado natal. Em Teresina, onde vive atualmente, o escritor já publicou, pela editora Nova Aliança, cinco títulos destinados ao público juvenil: Gavião Vaqueiro: o bom ladrão da floresta (2008), Nemo, o peixinho filósofo (2009), Um poeta chamado grilo (2009), O menino que vendeu sua imagem (2010) e Gavião Vaqueiro: casamento kamayurá (2011). Sobre a dificuldade de uma obra literária explicar aos leitores mirins a causa dos problemas sociais, Regina
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