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Formação Sociocultural (NOVA VERSÃO) - UniFatecie-88-91

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84UNIDADE IV A Compreensão Sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos
2. CONCEITOS CHAVES
De	acordo	com	Butler	(2003)	o	sexo	não	funciona	apenas	como	uma	norma,	mas	
opera	nas	práticas	sociais	como	padrão	de	normalidade,	ou	seja,	o	sexo	não	se	refere	a	
uma	questão	entre	macho	e	fêmea.	Assim,	o	sexo	atua	como	parte	de	um	ideal	regulatório,	
não	é	apenas	um	corpo	estático,	mas	um	processo	que	reitera	as	normas	e	faz	o	sexo	se	
materializar	através	dessas	normas,	ou	seja,	 “a	construção	do	sexo	deve	ser	entendida	
como	uma	norma	cultural	que	governa	a	materialização	dos	corpos”	(BUTLER,	2003,	p.	22).
Com	 isto,	 passa-se	a	 construir	 normas	 referente	ao	que	 se	entende	por	 corpos	
normais	e	corpos	anormais,	por	exemplo,	as	normas	de	gênero	nos	colocam	em	linhas	a	
serem	seguidas	e	qualquer	passo	fora	dessa	forma	retilínea	será	percebida	como	desvian-
te.	Essa	linha	pode	ser	entendida	como	binária,	pois,	ou	você	encontra-se	na	normalidade	
ou	na	anormalidade.	
Por	exemplo,	corpos	 trans	(pessoas	 trans)	que	não	se	adequam	ao	binarismo	e	
que	não	se	incluem	nas	normas	do	gênero	são	vistos	como	anormais	(abjetos)	e	excluídos.	
Segundo	Butler	(2003)	isso	acontece	por	conta	da	heterossexualidade compulsória.	
Mas	afinal:	O	que	é	isso?
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2.1. Heterossexualidade compulsória
Em	nossa	sociedade	estaríamos	diante	de	uma	“ordem	compulsória”	que	exige	a	
coerência	total	entre	um	sexo,	um	gênero	e	um	desejo	que	são	obrigatoriamente	heteros-
sexuais.	Em	outras	palavras:	a	criança	está	na	barriga	da	mãe;	se	tiver	pênis,	é	um	menino,	
o qual	será	condicionado	a	sentir	atração	por	meninas.	E,	consequentemente,	passaríamos
a	compreender	que	esta	realidade	“sempre	foi	assim”	e	que	este	seria	um	fato	“biológico”.
A	 expressão	 “Heterossexualidade compulsória”	 foi	 criada	 pela	 estadunidense	
Adrienne	Rich	(2010),	e	diz	respeito	à	imposição	de	um	modelo	e	conteúdo	de	relaciona-
mento,	entre	homens	e	mulheres,	como	definidor	de	relações	sociais	que	são	marcadas	
pela	diferença	naturalizada	dos	sexos.	
Com	 isto,	 a	 heterossexualidade	 compulsória	 funciona	 enquanto	 modelo	 padrão	
de	orientação	das	 relações,	não	apenas	 fez	com	que	 relações	homoafetivas	entre	duas	
mulheres	(e	entre	dois	homens)	foram	inviabilizadas/ocultadas/anormalizadas,	como	tam-
bém	impediu	que	se	percebêssemos	modelos	diferenciados	e	alternativos,	presentes	nas	
relações	de	companheirismo	entre	mulheres	em	diferentes	situações.
Nesta	perspectiva,	a	heterossexualidade	compulsória	é	a	exigência	para	que	todos	
os	sujeitos	sejam	heterossexuais,	 isto	é,	a	heterossexualidade	se	apresenta	como	única	
forma	considerada	normal	de	vivência	da	sexualidade.
Essa	 ordem	 social/sexual	 se	 estrutura	 através	 do	 dualismo	 heterossexualidade	
versus	homossexualidade,	sendo	que	a	heterossexualidade	é	naturalizada	e	assim	se	torna	
compulsória.
Isso	ocorre,	por	exemplo,	quando	buscamos	as	causas	da	homossexualidade,	um	
fetiche	vigente	ainda	hoje,	pois	ao	tentarmos	identificar	o	que	torna	uma	pessoa	homosse-
xual,	colocamos	a	heterossexualidade	como	padrão,	como	um	princípio	na	vida	humana,	
que	por	algum	motivo	alguns	se	desviam,	e	assim	as	causas	desses	desvios	podem	ser	
descobertas	e	analisadas	para	que	possa	trazer	o	sujeito	para	normalidade	novamente,	ou	
seja,	para	heterossexualidade.
Infelizmente	sabemos	que	este	pensamento	ainda	se	encontra	presente	em	nossa	
realidade,	 e	 especificamente	 nos	 saberes	 psicológicos,	 portanto,	 torna-se	 fundamental	
falarmos	e	entendermos	as	noções	e	conceitos	que	constituem	o	fenômeno	da	sexualidade	
para	combatermos	essas	realidades	e	lutarmos	para	uma	realidade	mais	plural	e	diversa.
Assim	sendo,	mesmo	que	não	consideremos	que	a	homossexualidade	é	anormal	
ou	patológica,	cada	vez	que	tentamos	achar	um	momento	ou	ocasião	que	a	origina,	nós	
86UNIDADE IV A Compreensão Sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos
naturalizamos	 a	 heterossexualidade	 e	 ocultamos	 um	 dos	mecanismos	 de	 produção	 da	
anormalidade,	isto	é,	a	naturalização	da	sexualidade.
Para	 não	 incorrer	 nesse	 erro,	 teríamos	 que	 substituir	 a	 questão	 de	 uma	 causa	
da	 sexualidade	 para	 problematizar	 que	 mecanismos	 tornam	 alguns	 sujeitos	 aceitáveis,	
normalizados	e	coerentes	e	outros	desajustados	e	anormais.	Sairíamos	de	uma	busca	pela	
causa	para	uma	problematização	dos	mecanismos	que	tornam	os	indivíduos	desviantes.	
Mas,	novamente,	o	que	dá	sentido	à	homossexualidade	como	desvio	é	a	construção	da	
heterossexualidade	como	parte	da	natureza	humana,	não	problematizada,	ou	seja,	como	
“normal”.
Contudo,	 com	 a	 despatologização	 da	 homossexualidade	 a	 partir	 de	 1974,	 a	
heterossexualidade	 compulsória	 perde	 força,	 isto	 porque	 a	 patologização	 sustentava	 a	
heterossexualidade	como	única	forma	sadia	de	vivenciar	a	sexualidade.	A	partir	de	então,	
heterossexualidade	e	homossexualidade	são	consideradas	formas	normais	de	vivência	da	
sexualidade,	ao	menos	teoricamente,	pois	ainda	hoje	são	vistas	diversas	tentativas	de	en-
contrar	o	momento	em	que	alguém	se	torna	homossexual	para	tentar	“curar”	ou	readequar.	
Desta	forma,	outro	conceito	ganha	centralidade	nas	discussões	sobre	produções	
de	sexualidades.	O	conceito	de	heteronormatividade	criado	em	1991,	por	Michael	Warner.	
2.2. Heteronormatividade 
O	conceito	busca	dar	conta	de	uma	nova	ordem	social,	isto	é,	se	antes	essa	ordem	
exigia	que	 todos	 fossem	heterossexuais,	hoje	a	ordem	sexual	exige	que	 todos,	heteros-
sexuais,	 homossexuais,	 e	 outros	 indivíduos	 organizem	 suas	 vidas	 conforme	 o	 modelo	
“supostamente	coerente”	da	heterossexualidade.
Enquanto	na	heterossexualidade	compulsória	 todos	os	sujeitos	devem	ser	hete-
rossexuais	para	 serem	considerados	normais,	 na	heteronormatividade	 todos	os	sujeitos	
devem	organizar	suas	vidas	conforme	o	modelo	heterossexual	seja	heterossexual	ou	não.	
Com	isso	entendemos	que	a	heterossexualidade	não	é	apenas	uma	orientação	sexual,	mas	
um	modelo	político	que	organiza	a	vida	das	pessoas.
Se	na	heterossexualidade	compulsória	todos	os	sujeitos	que	não	são	heterosse-
xuais	são	considerados	doentes	e	precisam	ser	explicados,	estudados	e	problematizados,	
na	heteronormatividade	esses	sujeitos	tornam-se	coerentes	desde	que	se	identifiquem	com	
a	heterossexualidade	como	modelo,	isto	é,	mantenham	a	linearidade	de	gênero:	os	homens	
devem	se	comportar	como	machos,	másculos.
87UNIDADE IV A Compreensão Sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos
Um	homem	pode	ser	homossexual,	 inclusive	 fora	do	armário,	mas	não	pode	se	
identificar	com	o	feminino,	nem	uma	mulher	lésbica	pode	se	identificar	com	o	masculino.
Enquanto	a	heterossexualidade	compulsória	se	sustenta	na	crença	de	que	a	hete-
rossexualidade	é	um	padrão	da	natureza,	a	heteronormatividade	se	sustenta	na	ideia	que	
ter	um	pênis	significa	ser	másculo,	isto	é,	no	gênero	como	parte	da	natureza.	Em	ambas	a	
naturalidade	aparece	como	sustentáculo.
Ainda	sobre	a	heteronormatividade	é	preciso	que	a	erotização	(não-heterossexual)	
seja	invisibilizada,	isto	é,	dois	homens	podem	aparecer	como	parceiros,	mas	esse	vínculo	
não	pode	ser	erotizado,	ou	como	dizem	as	pessoas:	“o	sexo	é	dentro	de	quatro	paredes”.
Enquanto	a	heterossexualidade	aparece	publicizada	pela	afetividade	e	erotização,	
as	outras	possibilidades	de	relações	afetivossexuais	são	ocultadas.	Nas	novelas,	a	relação	
entre	dois	homens	homossexuais,	às	vezes,	são	menos	erotizadas	que	os	vínculos	entre	
dois	homens	heterossexuais.	Sem	beijo,	sem	sexo,	numa	apatia	ou	embotamento	erótico.	
		Ainda	como	motor	da	heteronormatividade,	podemos	citar	as	concepções	de	saú-
de/doença	nos	manuais	de	diagnóstico,	que	consideram	como	transtorno	de	gênero	a	não	
linearidade	do	sistema	sexo	/	gênero,	isto	é,	um	homem	que	se	construa	como	feminino	e	
uma	mulher	que	se	construa	como	masculina	são	considerados	doentios.
	2. CONCEITOS CHAVES
	2.1Heterossexualidade compulsória
	2.2 Heteronormatividade

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