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MÉTODO PSICANALÍTICO 
Aula 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Juliana Santos 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nesta etapa, entraremos nos conceitos principais que dão nome de nosso 
estudo. É certo que em toda a sua obra, Freud sempre tentou, mesmo que de 
forma indireta, estabelecer algo sobre a técnica, mas só depois de um longo 
tempo vivenciando em sua clínica a prática de suas descobertas ele pôde 
direcionar sua escrita para os Artigos sobre técnica (1912), em que apresentou 
os elementos que constituem a prática da clínica psicanalítica. Sobre o início do 
tratamento, o autor indica o caminho: 
Todo aquele que espera aprender o nobre jogo de xadrez nos livros, 
cedo descobrirá que somente as aberturas e os finais de jogos 
admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita 
variedade de jogadas que se desenvolvem após a abertura desafia 
qualquer descrição desse tipo. Esta lacuna na instrução só pode ser 
preenchida por um estudo diligente dos jogos travados pelos mestres. 
As regras que podem ser estabelecidas para o exercício do tratamento 
psicanalítico acham-se sujeitas a limitações semelhantes. (Freud, 
[S.d.], p. 139) 
Veremos, então, o que Freud estabeleceu como métodos e os conceitos 
técnicos dos seus artigos sobre a técnica. No entanto, iremos dividir o estudo em 
duas partes. Por ora, cabe-nos a Parte I, que se inicia com a Talking Cure (cura 
pela fala), o método nomeado pelas histerias; a associação livre, a regra 
fundamental da psicanálise; a atenção flutuante, mecanismo que viabiliza a 
escuta ao inconsciente; as entrevistas preliminares, o limiar da porta de análise; 
e, por último, a questão do dinheiro cobrado pela sessão e o seu real valor. 
Fazer cumprir o dever da psicanálise, no entanto, não significa seguir à 
risca tudo aquilo que foi prescrito por Freud. Vale lembrar, principalmente nessas 
disciplinas em que o conteúdo refere-se à técnica, que a prática da psicanálise 
jamais se resumirá em apanhados de conceito, pois o teor de sua teoria compete 
ao campo da experiência vivida e isso ninguém pode ensinar a não ser em sua 
experiência pessoal com a sua análise. 
TEMA 1 – TALKING CURE 
 A palavra foi tomada como instrumento por Freud desde que iniciou sua 
clínica. Coutinho Jorge, em seu livro Fundamentos da psicanálise, v. 3, lembra-
nos de um artigo de Freud intitulado Tratamento psíquico ou mental, que embora 
tenha sido datado de 1905, trata-se, na verdade, de um texto de 1890. 
 
 
3 
O que impressiona o autor é que mesmo sendo um texto tão percursor, já 
continha todo um projeto clínico que foi desenvolvido ao longo de toda obra de 
Freud. 
 A capacidade de afirmar a importância da linguagem foi salientada por 
Jorge, que cita Freud quando declara o poder “mágico” das palavras que evoca 
o célebre artigo de Claude Lévi-Strauss, A eficácia simbólica, que esteve no 
cerne da elaboração do simbólico em Lacan. 
 Voltado para as suas investigações sobre a histeria, mas sem ainda 
dimensionar a sexualidade em sua gênese, Freud concebeu a ideia de uma 
fronteira tênue entre os sintomas histéricos e psicossomáticos; uma ação igual 
da mente sobre o corpo, e não apenas do corpo sobre a mente. Além disso, 
Freud também faz referência a “curas milagrosas”, como uma força mental que 
se reverte a favor do crente, ou à cura com um médico da moda (fator que 
podemos relacionar hoje com o conceito de transferência). 
 Freud (1905) foi, ao longo de suas elaborações, estabelecendo uma 
relação intima entre os fenômenos transferências e o poder da palavra, que veio 
a constituir, tempos depois, a base do seu método. O autor afirma no artigo: 
As palavras são um bom meio de provocar modificações mentais na 
pessoa a quem são dirigidas, e por isso já não soa enigmático afirmar 
que a mágica das palavras pode eliminar os sintomas de doenças, e 
especialmente daquelas que se fundam em estados mentais. (Freud, 
1905, p. 279) 
 No mesmo período em que ele escreveu esse artigo, estava às voltas 
também com a hipnose, à qual se referiu como um “estranho e imprevisível 
método”. Seu interesse pela hipnose havia surgido alguns anos antes, quando 
estagiou com Charcot em Paris, momento em que foi confrontado diretamente 
com a clínica das histerias. Mas, logo, pôde observar as falhas do métodos e se 
sentiu convencido de que seria melhor abandonar a hipnose para dar início a um 
novo rumo para a sua clínica. 
 Sobre a técnica da hipnose, no entanto, Freud pode apreender, 
embrionariamente, o fenômeno da transferência, em que vislumbrou o aspecto 
da sugestão, acentuando a atitude do paciente hipnótico em relação ao 
hipnotizador. Ele declara que, embora o paciente se comporte como se estivesse 
dormindo para o mundo exterior, o mesmo se mantém desperto em relação à 
pessoa que o hipnotizou (p. 282). 
 
 
4 
Para Jorge, o que Freud salienta é que deve-se estabelecer uma boa 
relação de transferência no início do tratamento com o paciente, de modo a 
conquistar a sua confiança, deixando com que sua desconfiança e seu senso 
crítico se neutralizem (Jorge 2017, p. 23). 
 Jorge ainda sublinha o modo incisivo como Freud aborda o tema da 
sugestão, questionando o ponto nevrálgico da prática da hipnose, em que 
distingue a sugestão de outros tipos de influência psíquica. Freud também incide 
na ideia de que a sugestão não pode ser considerada apenas um fenômeno 
psíquico patológico, visto que pode ser produzida com frequência nas relações 
humanas. Assim, a questão da transferência e do amor transferencial começa a 
ser tocada e, mais tarde, a mesma o levou ao inconsciente. 
 A transferência vai se tornar um precioso conceito para a psicanálise, e 
Freud fez questão de distingui-la da sugestão hipnótica, pois, de fato, trata-se de 
outra coisa. A transferência traz à tona o inconsciente. No Esquema del 
psicoanálisis, texto de 1938, Freud declara que “o paciente nunca mais se 
esquecerá do que vivenciou nas formas da transferência, pois ela tem uma força 
de convencimento para ele maior do que qualquer outra coisa” (tradução livre, p. 
177), o que não é o caso da hipnose, que suspende por um tempo a resistência, 
mas volta em seguida. 
 Assim, logo após abandonar de vez o método sugestivo da hipnose, Freud 
passa a empregar como princípio do seu tratamento a palavra. Lacan, descreve 
Jorge, reafirmou esse posicionamento ao dizer que o que especifica a 
psicanálise como prática é o fato de que o analista não utiliza o poder que a 
transferência lhe outorga (p. 28). Isso significa que é o paciente que certamente 
“dirige o tratamento” com a sua fala. 
Desse modo, quando os cincos casos clínicos foram apresentados em 
Estudos sobre a histeria, algo sobre os métodos que vieram a fundamentar a 
prática da psicanálise já estava em processo de elaboração por Freud. Ana O., 
o primeiro caso apresentado, tratada por Breuer, foi quem nomeou o método de 
Talking Cure (cura pela fala). E, nos quatro casos seguintes que receberam 
tratamentos por Freud, é possível verificar uma crescente posição de escuta, 
como também de invocação da fala, pela qual Freud incita os seus pacientes a 
uma experiência de associação livre, método que se tornará a regra de ouro da 
psicanálise. 
 
 
 
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TEMA 2 – ASSOCIAÇÃO LIVRE 
Laplanche e Pontalis, em Vocabulários da psicanálise (2001), definem a 
associação livre como um método que consiste em exprimir indiscriminadamente 
todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer por meio de um elemento 
dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de 
forma espontânea (p. 38). 
 Roudinesco (1998), em Dicionário de psicanálise, disponibiliza o conceito 
de associação livre no tema de regra fundamental, já deixando evidenciada a 
sua importância para a prática psicanalítica. Para a autora, a associação livre 
consta ser a regra constitutiva da situação psicanalítica, segundo a qual o 
paciente deveesforçar-se por dizer tudo o que lhe vier à cabeça, principalmente 
aquilo que se sentir tentado a omitir, seja por qual razão for (p. 649). A 
associação livre representa uma derivação do método catártico do período pré-
psicanalítico. Freud também desenvolveu esse método por meio de sua 
autoanálise ao analisar os seus próprios sonhos, que serviram como ponto de 
partida para a descoberta das cadeias associativas. 
 A ação que funda a associação livre se acentua na “liberdade” do 
analisando falar o que lhe vier à mente mesmo sem fornecer nenhum ponto de 
partida. Contudo, Laplanche chama a atenção para o fato de que não se deve 
tomar a liberdade no sentido de uma indeterminação: “a regra de associação 
livre visa em primeiro lugar eliminar a seleção voluntária dos pensamentos”, ou 
seja, eliminar a censura para que, então, entre em cena o que está inconsciente. 
 Em sua autobiografia, Freud (1924) retorna à evolução do seu método e 
insiste na necessidade de se manter o respeito à regra fundamental da 
psicanálise, visto que só por meio dela é possível fazer emergir as resistências 
e, consequentemente, dar a elas uma interpretação. Roudinesco sublinha o 
caráter irremediável da associação livre e evidencia também os seus limites. 
Para isso, cita um exposição feita por Ferenczi: 
Todo o método psicanalítico se apoia na regra fundamental formulada 
por Freud [...]. sob nenhum pretexto devemos tolerar qualquer exceção 
a essa regra, e é preciso tirar a limpo, sem indulgência, tudo aquilo que 
o paciente, seja por que razão for, procurar subtrair a comunicação. 
Entretanto, depois de o paciente ter sido educado, não sem alguma 
dificuldade, para seguir essa regra ao pé da letra, pode suceder que 
sua resistência se apodere precisamente dessa regra e que ele vencer 
o médico com suas próprias armas. (Ferenczi, citado por Roundinesco, 
1998, p. 650) 
 
 
6 
O efeito da regra fundamental, segundo Laplanche e Pontalis, não é dar 
livre curso ao processo primário puro e simples de abrir acesso às cadeias 
associativas inconscientes, mas sim favorecer a emergência de um tipo de 
comunicação em que o determinismo inconsciente é mais acessível pela 
elucidação de novas conexões ou lacunas significativas no discurso (Laplanche; 
Pontalis, 2001, p. 439). 
A associação livre – regra fundamental da psicanálise – é colocada por 
Freud como via de acesso ao inconsciente no mesmo patamar que as 
interpretações dos sonhos e os atos falhos. Outras consequências que implicam 
o ato da associação livre foram enumeradas, também, por Laplanche e Pontalis: 
1. Ao aceitar o convite de dizer tudo o que lhe vier à mente, apenas ao dizer 
suas emoções, impressões corporais e ideias, o sujeito tem suas 
recordações canalizadas para a linguagem. “A regra tem como corolário 
implícito fazer surgir como acting-out um certo campo do sujeito”; 
2. A observância da regra põe em evidência a forma como derivam as 
associações e os “pontos nodais” em que se entrecruzam; 
3. No próprio uso e efeito da regra, o analisante tem algumas resistências 
conscientes e inconscientes ao aplicá-la, de forma que ele recorre 
sistematicamente a disparates sem nexo ou tenta demostrar que ela é 
absurda. 
Assim, para esses autores, além de ser uma técnica de investigação, a 
associação livre dá a estruturação do conjunto da relação analítica. Nesse 
sentido, ela pode ser tomada como fundamental. Portanto, os autores concluem 
que 
a regra de dizer tudo não deve ser compreendida como um simples 
método entre outros para ter acesso ao inconsciente [...]. Ela está 
destinada a fazer surgir no discurso do analisando a dimensão de 
pedido dirigido a outro. Combinado com o não-agir do analista, leva o 
analisando a formular os seus pedidos sob diversas modalidades que 
para ele assumiram, em determinadas fases, um valor de linguagem. 
(Laplanche; Pontalis, 2001, p. 440) 
No texto A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958), 
Lacan destacou que a regra fundamental da psicanálise encaminha o paciente 
a se confrontar com uma fala livre, cujo controle ele não detém, uma fala “plena” 
suscetível à verdade e, por isso, dolorosa. 
 
 
 
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TEMA 3 – ATENÇÃO FLUTUANTE 
Ao lançar o analisante na experiência de deixá-lo falar o que lhe vier à 
mente, Bruce Fink (2020), em seu livro Fundamentos da técnica psicanalítica, 
supõe uma pergunta: o que a analista escuta? A atenção flutuante é o que 
possibilita ouvir o que é novo e diferente na fala do analisante. Freud 
recomendou que a cada novo caso, ele fosse tomado como o primeiro, o que 
significa não presumir nada do que possa ocorrer, desse modo, deve-se manter 
a “atenção uniformemente suspensa em face de tudo o que se escuta” (Freud, 
1911, p. 125). 
A atenção flutuante é oposta a se prender a uma determinada afirmação 
dada pelo paciente, tentando analisá-la profundamente ou associá-la a outra 
coisa, pois, quando isso ocorre, o analista acaba perdendo a continuidade da 
fala do paciente. Fink afirma que a atenção flutuante é uma atenção que 
compreende no mínimo um nível de significado e consegue ouvir todas as 
palavras e a maneira como são pronunciadas, incluindo velocidade, volume, 
entonação, emoção, deslize, hesitação e assim por diante (Fink, 2020, p. 28). 
La Planche e Pontalis (2001), ao estabelecerem a definição da atenção 
flutuante seguindo as instruções de Freud, concluem que trata-se do modo como 
os analistas devem escutar seus analisandos, não devendo privilegiar a priori 
qualquer elemento do discurso deles, uma vez que isso implica deixar funcionar 
o mais livremente possível a própria atividade inconsciente, suspendendo as 
motivações que dirigem habitualmente sua atenção. Os autores destacam que 
essa recomendação aos analistas equivale à regra da associação livre proposta 
aos analisandos (Laplanche; Pontalis, 2001, p. 40). 
Freud declara: “ele (referindo-se ao médico) deve simplesmente escutar 
e não se preocupar se está se lembrando de alguma coisa” (p. 126), e o que 
sucede a isso será suficiente para todas as exigências durante o tratamento. A 
atenção flutuante é a regra que, segundo Freud, vai permitir ao analista as 
conexões inconscientes do discurso do analisando. Por isso, é graças a ela que 
o analista consegue conservar na memória uma multidão de elementos 
aparentemente insignificantes, das quais suas correlações só poderão ser feitas 
num a posteriori. 
 
 
8 
Laplanche e Pontalis apontam para os problemas teóricos e práticos 
levantados pela atenção flutuante, que apresenta em seu próprio termo uma 
aparente contradição. 
1. O fundamento teórico do conceito fica evidente quando encaramos a 
questão pelo lado do analisando: pois, para os autores, como as 
estruturas inconscientes, tais como Freud as descreveu, surgem de 
múltiplas deformações, cabe que os elementos mais importantes podem 
se esconder por detrás de elementos insignificantes. Dessa forma, a 
atenção flutuante deve ser adaptada de forma objetiva aos objetos 
essencialmente desformados; 
2. Pelo lado do analista, a problemática da questão teórica da atenção 
flutuante é ainda mais difícil: é concebível que o analista tente suprimir a 
influência de seus preconceitos conscientes e de suas defesas 
inconscientes que poderiam exercer força contra a sua atenção. Freud 
preconiza que sejam eliminados o máximo possível por meio de sua 
analise didática, visto que todo recalque não liquidado tem ação sobre a 
percepção analítica. O que Freud almeja é uma comunicação de 
inconsciente a inconsciente. 
De modo geral, anuncia Laplanche e Pontalis, é preciso compreender a 
regra da atenção flutuante como uma regra ideal, que, na prática, encontra 
exigências contraditórias. Em Lacan (1956), em seu texto Situação da 
psicanálise e formação do psicanalista, verificamos sua crítica aos analistas que 
se tornam obcecados em compreender todo o significado que seus pacientes 
dizem conscientemente,deixando passar os esquecimentos de seu discurso, o 
modo como usam as palavras e seus sons indistintos. Lacan diz ainda: 
Nós repetimos a nossos alunos: “abstenham-se de compreender!” e 
deixem essa categoria nauseante para os senhores Jaspers e 
consortes. Que um de seus ouvidos ensurdeça, enquanto o outro deve 
ser aguçado. E é esse que vocês devem espichar na escuta dos sons 
ou fonemas, das palavras, locuções e frases, sem omitir as pausas, 
escansões, cortes, períodos e paralelismo, pois é aí que se prepara a 
literalidade da versão sem a qual a intuição analítica fica sem apoio e 
sem objeto. (Lacan, 1956, p. 474) 
Assim, a história contada é uma das maiores armadilhas que pode 
prender os novos analistas. Fink ressalta que o importante para os pacientes, 
principalmente aqueles que estão no início da análise, é que o analista, assim 
como qualquer outra pessoa com quem conversem nas diversas situações da 
 
 
9 
vida, alcance sua fala, compreenda o ponto de vista que eles tentam formar. 
Pois, o paciente dificilmente começará uma análise com o desejo explícito de 
que o analista ouça algo, no que ele está dizendo, que seja diferente do que em 
sua consciência ele esteja dizendo. Por outro lado, é importante que o analista 
se desabitue de escutar de forma convencional e perceba que compreender a 
história ou o detalhe se torna menos importante que perceber o modo como é 
contada. 
A atenção flutuante é uma regra – na verdade, uma disciplina – 
designada a nos ensinar a ouvir sem entender. Além do fato de que o 
entendimento geralmente leva o analista a se defrontar e a se 
concentrar, apresentando uma infinidade de fenômenos imaginários 
[..], frequentemente há muito pouco que pode ser entendido no 
discurso do paciente. (Fink, 2020, p. 30) 
Por fim, lembremos que a escuta, cuja atenção é flutuante, também não 
significa que não venhamos a mostrar atenção e interesse ao que é dito pelos 
analisandos. Sugere-se que o analista desenvolva uma ampla gama de “hums” 
e “hãhs”, em diversos tons e intensidades. 
TEMA 4 – ENTREVISTAS PRELIMINARES 
O primeiro contato do paciente com o psicanalista não diz respeito à sua 
entrada em análise, pois essa confere um outro momento de grande valor para 
o processo analítico. As primeiras consultas convêm ser o que Lacan nomeou 
de entrevistas preliminares, em que o próprio nome dá algumas indicações do 
poder vir a ser feito, pois trata-se de um tempo anterior e, portanto, preliminar, 
no qual questões relacionadas ao tratamento devem ser respondidas ao 
candidato a analisante. Por parte do analista é a hora de fazer perguntas que 
possam ajudar a conhecer o sujeito que está em seu consultório, pois a 
entrevista preliminar impõe um limiar da porta de entrada para a análise, que se 
distingue da porta de entrada do consultório, sendo assim, todas as dúvidas 
devem ser tiradas na entrevista preliminar. 
Freud (1912), em seu texto Sobre o início do tratamento, declarou ter por 
hábito a prática de, antes de iniciar o tratamento psicanalítico propriamente dito, 
começar por um “tratamento experimental” (ou de ensaio). Esse tratamento 
experimental teria uma duração de uma a duas semanas e serviria para evitar a 
interrupção da análise após um certo tempo. 
 
 
10 
O propósito desse tratamento experimental seria ligar o paciente ao seu 
tratamento e à pessoa do analista. Mas, em particular, o principal objetivo 
almejado é traçar um diagnóstico diferenciado (p. 140). As elucubrações das 
entrevistas preliminares propostas por Lacan correspondem ao tratamento 
experimental de Freud. Na obra As 4+1 condições de análise, de Antonio Quinet 
(1991), podemos encontrar uma boa explanação, assim, a tomaremos por 
referência para seguirmos no tema. 
4.1 Condição de análise 
 As entrevistas preliminares são uma ferramenta do analista para 
promover uma transferência entre o analisando e sua pessoa, além de dar 
elementos para poder estabelecer um diagnóstico. As dúvidas sobre esse início 
do tratamento são recorrentes entre os iniciantes da psicanálise, visto que a 
entrada em análise não implica uma continuidade dela, mas sim uma 
descontinuidade, “um corte em relação ao que era anterior e preliminar [...]. Esse 
preambulo a toda psicanálise é erigido por Lacan em posição de condição 
absoluta: ‘não há entrada em análise sem as entrevistas preliminares’” (Quinet, 
1991, p. 14). 
 No entanto, na prática nem sempre é possível demarcar nitidamente esse 
umbral da análise, visto que o que está em jogo, tanto nas entrevistas 
preliminares quanto na própria analise, é a associação livre, estabelecida desde 
Freud, pelo qual declarou: 
Esse experimento preliminar, contudo, é, ele próprio, o início de uma 
psicanálise e deve conformar-se às regras desta. Pode-se talvez fazer 
a distinção de que, nele, se deixa o paciente falar quase todo o tempo 
e não se explica nada mais do que o absolutamente necessário para 
fazê-lo prosseguir no que está dizendo. (Freud 1912, p. 140) 
Dessa forma, Freud deixa indicado aos analistas a tarefa de apenas 
realçar o discurso do paciente para que entre em cena a questão diagnóstica. 
Quinet vai dizer que as entrevistas preliminares têm a mesma estrutura da 
análise, mas são distintas, de modo que seus paradoxos podem ser escritos da 
seguinte forma: 
EP = A EP ≠ A 
Lê-se: entrevistas preliminares são iguais à análise, implicando que 
entrevistas preliminares são diferentes da análise. Disso se conclui: 
 
 
11 
1. A associação livre mantém a identificação das entrevistas preliminares 
com a análise (EP=A); 
2. Esse tempo de diagnóstico faz com que se distinga entrevistas 
preliminares da análise (EP ≠ A). 
É nesse ponto que Quinet situa a questão ética do analista de tomar a 
decisão de aceitar ou não aquela demanda de análise. Para a análise se 
desencadear, é necessário, além da escolha pelo analista, uma escolha também 
por parte do analista. Na constituição dessa dupla escolha, o sujeito será 
impelido a elaborar a sua demanda de análise, ou seja, na produção do seu 
sintoma, dito de outro modo, acreditar no inconsciente. Com base no que foi 
exposto, Quinet acrescenta três funções das entrevistas preliminares, cuja 
distribuição é antes lógica do que cronológica: 
1. A função sintomal (sinto-mal): a queixa do sujeito que busca análise por 
conta de um sintoma (o sinto-mal) deve ser transformada em uma 
demanda endereçada àquele analista. Assim, passa-se de um sintoma 
com estatuto de resposta ao estatuto de questão para o sujeito, pelo qual 
se sente instigado a decifrar. A constituição do sintoma analítico é 
correlato ao estabelecimento da transferência que faz emergir o sujeito do 
“suposto saber”; 
2. A função diagnóstica: essa se coloca para a psicanálise como função na 
direção do tratamento, sendo que ele só pode ser buscado no registro 
simbólico, em que são articuladas as questões fundamentais do sujeito 
(sexo, morte, procriação, paternidade), constituindo a travessia do 
complexo de Édipo, cujo efeito indica as estruturas de neurose, perversão 
e psicose. “Dado que o analista será convocado a ocupar na transferência 
o lugar do Outro do sujeito a quem são dirigidas suas demandas, é 
importante destacar nesse trabalho prévio a modalidade da relação do 
sujeito com o Outro” (Quinet, 1991, p. 23); 
3. A função transferencial: o surgimento do sujeito sob transferência é o que 
dá sinal de entrada em análise, de modo que esse sujeito é vinculado ao 
saber. A exemplo, Quinet toma a paciente de Freud, Frau Emmy von N., 
quando ela pede para que Freud se cale para que a deixe falar. Há para 
ela um saber, em seu próprio dito, momento a partir do qual podemos 
situar o início de uma análise, visto que a paciente reconhece um saber, 
o qual acredita que seu analista sabe sobre o seu sintoma, ou seja, 
 
 
12 
acredita num suposto saber, sendo essa subjetividade correlata ao saber 
que constitui a transferência.Desse modo, Quinet afirma que a 
transferência não é uma função do analista, mas do analisante. A função 
do analista é saber utilizá-la (Quinet, 1991, p. 26). 
TEMA 5 – O DINHEIRO EM PSICANÁLISE 
A questão do dinheiro em psicanálise é de muita relevância, pois se refere 
à quantidade de libido investido. Para Freud, a libido é a energia dinâmica na 
vida psíquica da pulsão sexual, da qual não se tem uma representação no 
inconsciente, pois ela se presentifica como energia de grandeza quantitativa. 
Quinet (1991) demonstra da seguinte forma: 
 Significante (representante representativo da pulsão) 
PULSÃO 
 Libido (grandeza qualitativa) 
No esquema apresentado, verificamos que no inconsciente só se 
encontram os representantes representativos da pulsão, ou seja, aquilo que é da 
ordem do significante, pelo qual Lacan escreveu o matema da pulsão ($ D), em 
que D se refere aos significantes da demanda oral, anal etc. Já a libido não tem 
representação, ela é uma grandeza quantitativa, sendo apreendida pelas suas 
manifestações dinâmicas – a satisfação. 
A libido, diz Quinet, é o que se satisfaz no sintoma, constituindo sua 
resistência sob dois aspectos: resistência ao deciframento e resistência do 
sujeito a abandonar o seu sintoma, o gozo do sintoma (Quinet, 1991, p. 76). O 
autor conclui sobre o aspecto do dinheiro: 
O dinheiro na análise encontra-se exatamente nessa conjunção entre 
o que é da ordem do ciframento e o que é da ordem dessa energia 
quantificável que tem valor inestimável para o sujeito e que Freud 
designou como libido. Assim, o dinheiro pode permitir amoedar esse 
capital do sujeito que é a libido. Se o que é da ordem do ciframento 
pode equivaler, no nível inconsciente, à própria cifra (montante das 
operações comerciais), podemos fazer um paralelo e dizer que, na 
análise, a cifra, assim como o cifrão, vem representar o montante das 
operações libidinais. (Quinet, 1991, p. 76-77) 
 Nesse sentido, o dinheiro é também o suporte material de uma inscrição 
simbólica – o valor. Assim, no discurso da psicanálise, no próprio estatuto do 
inconsciente, sem o capital e a prática que ele instaura não teria sido possível a 
fundação da psicanálise. 
 
 
13 
5.1 O valor cobrado na sessão 
 Quanto aos acordos de dinheiro, no texto Sobre o início do tratamento 
(1912), Freud diz que 
um analista não discute que o dinheiro deve ser considerado, em 
primeira instância, como meio de autopreservação e de obtenção de 
poder, mas sustenta que, ao lado disso, poderosos fatores sexuais 
acham-se envolvidos no valor que lhe é atribuído. (Freud, 1912, p. 146) 
Com base no que Freud afirmou, Quinet situa dinheiro em cinco funções: 
1. A ordem da necessidade, é preciso ter dinheiro para viver; 
2. Um símbolo fálico, isto é, o dinheiro escamoteia a falta, ou seja, 
escamoteia a castração; 
3. O dinheiro é da ordem da demanda e não do amor, visto que amor é dar 
o que não se tem, quando se dar dinheiro sem tê-lo se demanda amor, 
assim, o dinheiro entra aqui como um dos objetos que podem ser pedidos: 
objeto da demanda que adquire um valor que transmite o sinal de amor; 
4. No nível do desejo, o dinheiro se inscreve para o sujeito como significante 
em sua cadeia associativa. Se para a necessidade existe um objeto de 
satisfação (fome-comida), no ser falante a significação da necessidade e 
sua articulação com a pulsão faz do objeto específico um objeto perdido 
e sempre buscado pelo desejo constante e indestrutível. A quantidade de 
dinheiro não paga a falta simbólica; 
5. O gozo do dinheiro é o que designa a libidinização do capital no ser falante 
– o fator sexual da ordem da pulsão. 
5.2 A questão do dinheiro e o sexual 
 Freud (1912) enfatiza que dinheiro e sexo dividem o sujeito, pelo qual 
nunca haverá uma resposta para todos, pois elas são individuais. No entanto, o 
analista não deve tratar com a questão do dinheiro com a mesma hipocrisia e 
pudor. Ao contrário disso, sua atitude com o paciente deve ser com a mesma 
franqueza natural com a qual deseja educá-lo sobre as questões relativas à vida 
sexual, rejeitando a falsa vergonha sobre o assunto quando lhe cobra o preço do 
seu tempo (Freud, 1912, p. 146). 
 
 
 
14 
O analista se vende como objeto que tem valor inicialmente contabilizado: 
X por sessão. Assim, o analista se torna um objeto libidinalmente investido e 
amoedado com seu dinheiro. A análise só pode ser feita por um total 
investimento, pois nada pode ficar de fora da análise. 
 O sujeito vem prestar conta do seus crimes e, para tal, ele paga com 
dinheiro, explica Quinet (1991), sendo essa a única maneira de colocar em 
movimento a dívida simbólica, dívida essa que o sujeito paga pela entrada no 
simbólico (p. 92). Pelo lado do analista, ao fazer pagar, ele mostra que não está 
ali por amor, por sacrifício, para gozar das histórias de seus pacientes ou porque 
se interessa pelo sujeito como objeto, mas sim para ser o depositário das 
histórias de alto valor do sujeito. Além disso, o preço pago tem a função ainda 
mais precisa de não dever nada a alguém (Quinet, 1991, p. 93). 
NA PRÁTICA 
 Os artigos técnicos escritos por Freud trazem até os dias de hoje todos os 
métodos de operação da clínica psicanalítica, no entanto, vale a ressalva: não 
se trata de fórmulas rígidas e métodos de aplicação, mas dizem respeito a 
orientações sobre a prática que se compreende como psicanálise em extensão, 
ou seja, o estudo isolado dela não implica formação do psicanalista, visto que o 
valor da psicanálise é na sua intenção, isto é, a psicanálise pura na sua 
experiência analítica. O tripé da formação – análise pessoal, estudo e supervisão 
é que capacita o sujeito a se apropriar do seu lugar como analista. 
 Ao observarmos, desde o início, o percurso de Freud com as histerias que 
deram o nome ao método Talking Cure e, depois, verificarmos o seu interesse 
pelas histórias de seus pacientes, ao ponto de se colocar na escuta do que lhes 
viesse à mente pelo método livre de associação até chegar ao mais íntimo do 
ser – o inconsciente –, podemos concluir que o método fundamental da 
psicanálise nos convoca a uma permanente revisão de sua prática, visto que ela 
caminha com o sujeito em seu tempo. 
 É importante ressaltar que o analista que ainda não consegue viver de 
seu oficio deve procurar outros meios de ganhar dinheiro, pois em hipótese 
alguma ele deve ficar na mão do analisante ou ter receio de dizer algo por medo 
de afastá-lo de sua análise. As questões econômicas do analista devem ficar de 
fora da sessão. 
 
 
15 
FINALIZANDO 
Nesta etapa, vimos os conceitos: 
• Talking Cure: um método descoberto pela paciente; 
• Associação livre: método que desloca a fala até um outro lugar, muito 
além da intenção consciente de comunicar algo, pois ao falar, o sujeito 
comunica muito mais que aquilo a que inicialmente se propôs; 
• Atenção flutuante: consiste na maneira pela qual o analista deve escutar 
o analisando, não privilegiando a priori qualquer elemento do discurso; 
• Entrevistas preliminares: momento de conhecer o candidato à análise e 
firmar o contrato simbólico do tratamento; 
• O dinheiro na psicanálise: não se poupe o analista sobre essa questão. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
FINK, B. Fundamentos da técnica psicanalítica. Uma abordagem lacaniana 
para praticantes. São Paulo: Blucher, 2017. 
FREUD, S. Artigos sobre técnica e outros trabalhos, 1912. In: ______. Obras 
completas. v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
______. Três ensaios sobre a sexualidade, 1905. In: ______. Obras Completas. 
v. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
______. Um estudo autobiográfico, 1924. In: ______. Obras Completas. v. XX. 
Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
MAC, J. Fundamentos da psicanálise. De Freud a Lacan. v. 3. Rio de Janeiro: 
Zahar, 2017. 
LACAN, J. A direção do tratamento e os princípios de seu poder, 1958. In: 
______. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar,1998. 
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J-B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: 
Martins Fontes, 2001. 
QUINET, A. As 4+1 condições da análise. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 
ROUDINESCO, E. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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